Senhor dos Dragões escrita por Monique Góes


Capítulo 3
Capítulo 2 - Desiderius


Notas iniciais do capítulo

É, não sei o que por aqui... '-' Btw, espero que gostem do capítulo.



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Capítulo 2 – Desiderius

Estava realmente se esforçando para manter a calma, porém o que Saadi lhe dissera fora capaz de jogar todo seu esforço por água abaixo. Sentiu sua respiração se alterando e olhou para a velha dragoa, abrindo a boca mas não conseguindo vocalizar palavra alguma. Ele? Dragão negro? Ele?

– S-Saadi... – Começou, tropeçando nas palavras. – O que você está dizendo... Quer dizer...

– Nas suas costas há a marca do dragão, suas escamas são completamente negras. E não é um dragão qualquer, há um entre os nossos que corresponde a ele. O seu dragão.

Recordou-se do que um dos dragões havia dito, quando dera as costas à eles.

–... Desiderius?

– Ele mesmo. O jovem dragão negro de Amardad.

– O que você quer dizer com.... Meu dragão?

– O que mais? É o dragão o qual você deverá montar.

Certo. Mesmo que não fosse exatamente algo que se decidisse, decidiu finalmente perder a compostura.

– Ok, ok, Saadi, por favor, me escute... Entendo que você, ou vocês estejam esperando alguém que possa de alguma forma ressuscitar os dragoneses, mas... Como assim sou eu?! Quer dizer, para os padrões daqui eu simplesmente sou quase que uma criança! Até algum tempo atrás eu era um adolescente na Terra que a maior preocupação era não se envolver num acidente de trânsito estando bêbado ou alguma garota aparecer grávida! E... Montar? Você está dizendo que devo montar um dragão?! Eu fui praticamente sequestrado do meu acampamento e quase virei comida, além de algo me dizer que apesar de tudo o que você diz, um dragão não vai simplesmente deixar que eu suba nele!

– Acalme-se pequenino. Embora não tenha entendido exatamente todos os exemplos que tenha dado, entendo sua aflição. A questão é: Como já falei, em suas costas estão a marca, e o dragão está aqui. O orgulho de minha raça sempre foi algo presente, porém aquele filhote sempre me escutou e mais uma vez irá me escutar. O que você precisa fazer, Klodike, é adquirir a confiança entre os outros de minha raça.

– Mas como? Até há alguns momentos estavam tentando me comer!

– Tentaram devorá-lo antes de saber quem era. Agora não irão mais incomodá-lo, não se preocupe.

Não era como se Klodike tivesse tanta certeza. Ergueu os olhos novamente aos cadáveres, a cabeça parecendo girar. Levou as mãos até ela, imediatamente sentindo a falta dos cabelos ali, porém não se importou, apenas mordendo os lábios. Não sabia o que pensar, não sabia o que fazer, não sabia o que dizer.

– Irei retornar, irei falar com Desiderius. – algo no tom de voz dela o fazia crer que ela ainda teria de convencer o dragão quanto à ideia. – Fique em Nidhi, e ele virá ao seu encontro.

O ruflar de asas lhe indicou a saída da dragoa, porém não conseguiu sair do lugar. O que deveria fazer? Ela dissera para adquirir a confiança dos dragões, mas como?

Seu pensamento flutuou para o acampamento, para seus irmãos, o pai que acabara de reencontrar, Arenai e os outros dois. Não precisava de ninguém para lhe dizer que eles tinham certeza de que estava morto. Quem não pensaria, depois de ter sido pego daquele modo?

... E agora mais essa...

Balançou a cabeça, porém se sentia um tanto tonto. Ainda não havia se alimentado e já havia passado por emoções fortes demais para apenas um dia. Sua boca parecia um deserto. Mas como conseguiria comida? A água já sabia, havia o rio...

Saiu daquele salão, descendo as escadas, seus passos ressoando no silêncio mortal. Aquilo era o que chamava de cidade fantasma. Sentia um aperto no peito diante tantos mortos. O que poderia ter feito a todos morrerem assim, em apenas um dia, em apenas uma hora? O que poderia ter feito a todos esquecerem deles, enquanto uma tragédia de tal magnitude ocorrera?

Uma bandeja pousada no chão chamou-lhe a atenção. Ela era de ouro, e sua superfície estava dividida entre taças de chifre, que mantinham-se erguidas de maneira não natural, e uma comida que jamais havia visto, uma massa folheada comprida e oval, seu interior recheado por um alimento amarelado com diversos pontos vermelhos – uma carne semelhante à camarão - sobre ele. Suspirou, se odiando pelo que iria fazer, mas sentou-se no chão, pegando uma taça e um daqueles alimentos.

Seu estômago ronronou e surpreendeu-se com o vinho doce ainda gelado e a comida ainda quente. Parece que Saadi não estava brincando quando dissera que os corpos dos dragões impediam a passagem do tempo. O gosto era bom, bem temperado e ligeiramente picante, tão fresco como se estivesse recém saído do forno. Acabou comendo mais rápido do que gostaria e acabou pegando um segundo antes de sair da construção, já que era perturbador permanecer ali.

Permitiu um suspiro pesado escapar de seus pulmões. O que iria fazer? Numa cidade abandonada, milhares – ou olhando melhor, talvez chegasse à casa do milhão – de cadáveres, tendo de lidar com a perspectiva dos dragões. Certo. Certo. Era o tipo de coisa que acontecia qualquer dia, com qualquer pessoa.

Levou a mão ao peito, surpreendendo-se ao perceber seu amuleto ainda intacto. Olhou-o, a asa dependurada firmemente presa à sua corrente. Recordou-se então das palavras de Dekhi, naquele dia há meses quando o encontrara: “As fênix unidas são extremamente poderosas, por isso, junte-as, Klodike. Elas mostrarão o caminho para o despertar do dragão negro”.

Parando agora para pensar... Perizad era a fênix de Dekhi. Se isto se repetisse, então cada um dos deuses gêmeos tinha uma fênix. Eram quatro. Ele e seus irmãos eram quatro, tecnicamente cada um sob a proteção de um dos deuses gêmeos, assim, quatro fênix. Tão logo haviam todos se reunido, aquela dragoa aparecera, arrastando-o para a montanha e vinha agora essa conversa sobre o dragão negro.

– Ah... – fechou a cara. – Perizad, algo me diz que você ainda está aí. Por que outra coisa me diz que vocês já estavam planejando isso?

A pedra do amuleto brilhou brevemente, num rápido piscar e aquecendo-se tão rapidamente quanto, num aparente pedido de desculpas. Balançou a cabeça, soltando o pingente e retornando a descer as escadas.

– Minha vida é tão bagunçada que deveria vir com um manual de instruções, sinceramente... Aquela conversa de quatro primeiros, guerra, perda de memórias, descobrir tudo de novo, virar assassino, agora essa conversa de dragão negro... O que mais falta? Eu ter que abrir um portal para o mundo dos mortos?!

Sua voz pareceu ecoar pelas ruas, e como resposta só teve uma brisa que fez balançar os cabelos e roupas dos corpos ali presentes. O que deveria fazer enquanto estivesse sozinho? Ele era o único vivo naquele lugar! E só sabia a saída para aquela caverna dos dragões, e aquele não era sinceramente um lugar que gostaria de retornar.

Não conseguia deixar de pensar em seus irmãos, seu pai, todos. Sinceramente, qual fora a reação deles quando a dragoa o capturara? Correram, gritaram, o que fizeram? Bom, sabia que seria dado como morto...

– Estou pensando demais em assuntos referentes à morte hoje. – bufou.

Acabou parando no meio de uma rua que finalmente, não estava repleta de mortos. Na realidade, não havia nenhum à vista. Parecia que todos os que morreram ali haviam morrido dentro de suas casas, então se permitiu sentar numa cadeira disposta ao lado de uma janela, que também trazia uma bandeja com mais comida que não identificou. Espiou dentro da construção, e tudo o que viu foram os pés aparentemente de uma mulher, caídos pelo corredor.

– Esperar Saadi falar com o dragão negro... Montar nele... Adquirir a confiança dos dragões... O que mais de difícil tenho de fazer hoje? – murmurou, distraidamente pegando um quitute antes de poder se reprimir. Olhou surpreso para aquilo. Tinha gosto de bolo de morango, mas nem de longe tinha a aparência e a textura de um. – Certo, enquanto isso eu fico roubando comida dos mortos... Talvez eu vá para o inferno mais rápido com isso. Argh, o que eu estou dizendo? – deu mais uma mordida. – Eu não sirvo para ficar tão sozinho, assim eu percebo o quanto eu sou insuportável. – outra mordida. – Um prêmio à Naphees e Near por me suportarem!

Esfregou o rosto.

– Pare de agir como um completo idiota. E pare de falar sozinho! – deu uma risada sem humor, dando a última mordida. – Acho que eu realmente estou ficando louco. Agora pra valer. – lambeu o sumo dos dedos. – Agora o que bagunçou a minha cabeça? Muita aconteceu hoje, ou...

O ruflar de asas o fez olhar para cima, e viu o dito dragão negro voando na direção daquela rua. Apenas o encarou, um dedo ainda na boca e sem lembrar como reagir enquanto ele pousava de forma muito mais suave do que Saadi ou os dez dragões que havia visto anteriormente. Vira Desiderius anteriormente, claro, e da distância que estava, o considerara um dragão elegante. À distância que estava – e com a claridade precária do local -, ele lhe parecera elegante, mas agora, vendo-o de perto, ele era magnífico.

Ele era grande, embora não tão enorme quanto Saadi. Sua estrutura era esguia e musculosa, mas não truncada, passando pela cabeça de Klodike que ele era um tipo de dragão que presava não a força, mas sim a velocidade e agilidade – como o próprio fazia, já que era um assassino -. Suas escamas eram tão completamente negras que refletiam o brilho daquele minério que iluminava Nidhi, perfeitamente lisas e sem qualquer tipo de imperfeição. Seu pescoço comprido continuava erguido, dando-lhe uma aparência elegante. Sua cabeça era triangular, pequenos chifres dispondo-se seguindo o formato de suas narinas, sobre seus olhos azuis gelo, quase como sobrancelhas, até chegarem aos dois chifres completamente alvos, quase como se feitos de ouro branco, um de cada lado de sua cabeça. Havia uma espécie de dupla membrana nas laterais da ponta de sua cauda, do mesmo couro negro lustroso que as imensas asas morcegais que se dobraram assim que ele pousou.

E mesmo sem saber decifrar as expressões dos dragões, Klodike viu que ele não estava muito feliz.

Mais uma vez estava sem palavras, e não sabia o que dizer para o dragão. O que menos queria era dizer alguma besteira e acabar levando uma mordida.

– Saadi falou comigo. – a voz do dragão era grave como a de todos os outros que havia visto, porém não pode deixar de reparar em algo no seu tom. Era quase como se fosse a voz de um adolescente. – Se você realmente acha que está tudo bem para mim que um duas pernas saído do nada vá montar em mim, pode ir se jogando daquele abismo bem...

– Ei ei ei, não fui eu quem deu a ideia, foi Saadi que disse isso! – exclamou. – Eu também disse a ela que não é uma boa ideia! Sinceramente, depois de quase virar comida, o que já deixa subentendido que um dragão me pegou, você realmente acha que eu quero ter uma experiência como essa?!

Desiderius soltou um bufo que fez com que chamas saíssem rapidamente de suas narinas. Klodike acabou saltando para trás, a memória do modo em que – quase – foi queimado ainda demasiadamente recente para si.

– Tudo isso porque você tem uma marca em suas costas que parece comigo. Como se eu já não fosse esquisito o suficiente para um dragão, a começar pelo meu nome...

Era impressão sua ou o modo de reclamar do dragão era muito parecido com o seu modo de reclamar?

– Certo... Desiderius, não é? – o dragão soltou um bufo semelhante à algo afirmativo. – Nós dois estamos numa situação em que nenhum dos dois quer estar. Sinceramente, o meu dia todo foi informação demais para mim. – passou a mão pela cabeça, novamente sentindo falta de seu cabelo. – Mas algo me diz que Saadi irá persistir nessa história até nós fazermos o que ela quer, e ela me disse para conseguir a confiança dos dragões. Um pergunta, como que um “duas pernas” como vocês chamam vai conseguir a confiança de dragões, assim, no plural? – Desiderius ergueu o olhar, parecendo ponderar. – Você vai ter que me levar nas costas, eu vou ter que subir em você, tomar cuidado para não cair e virar uma massa no chão que um dia foi uma pessoa, não irritar os outros dragões, nem virar comida e nem quase ser chamuscado de novo. Além da dita confiança. Agora me diz, numa comparação, quem está numa situação pior?

– Já que está numa situação tão pior, então cale essa sua boca sem presas e suba nas minhas costas.

–... Quê?!

– Não é você que está reclamando? Suba logo de uma vez enquanto eu penso na possibilidade de não jogá-lo no caminho.

Assim, mais uma vez sem palavras, Klodike não teve alternativas. Não sabia o que responder, então se aproximou cautelosamente, caso o dragão mudasse de ideia. Não fazia a mínima ideia de como subir nele, porém decidiu que era melhor seguir seus instintos – não os que mandavam correr desesperadamente dali o mais rápido quanto o possível -, escalando sua perna dianteira e passando um braço envolta do pescoço para se içar.

Surpreendeu-se ao perceber a textura de suas escamas. As escamas que Ioji pertencia em sua arca eram lisas e frias, como realmente pensaria ser as escamas de um dragão. As de Desiderius eram diferentes. Eram quentes ao toque, e apesar de serem impecavelmente lisas, possuíam uma textura quase como pelo ou camurça.

Acomodou-se na junção entre seu pescoço e os ombros musculosos, verificando como se seguraria ali. O dragão se balançou ligeiramente, como se verificando o peso de Klodike, que num reflexo acabou se agarrando ao pescoço para que não fosse derrubado. Certamente estava patético daquele modo.

– Por que fez isso?!

– Você não é tão pesado quanto parece.

Se fora levantado tão facilmente por aquela dragoa, certamente não era, certo?

As asas de Desiderius se abriram, imponentes, e com uma batida Klodike sentiu o ar sendo direcionado para seus pés. Mais duas, e o dragão negro alçou voo, rapidamente distanciando-se do chão. Klodike sentiu o equilíbrio o acometendo, porém passou os braços novamente pelo pescoço do dragão, sentindo algo que até então não percebera. Algo como protuberâncias entre suas escamas nas laterais, permitindo-lhe se segurar por ali. Porém, era somente naquele ponto em específico, assim, era necessário atenção.

O dragão sobrevoou Nidhi, dando-lhe total visão da imponente cidade. Imaginou como ela deveria ser quando viva, quando todos seus habitantes ainda andavam por ali. Desceu o olhar para o dragão. As batidas de suas asas eram o que poderia considerar calmas, mantendo-os numa velocidade moderada.

Como descreveria aquela sensação? A ideia de montar um dragão o aterrorizava, porém a realidade era... Diferente. Enquanto o vento batia em seu corpo sentia uma estranha paz. Era como se fosse uma certeza em meio ao mar de dúvidas e quem vivia, não havia outra maneira de descrevê-la, mas o porquê de se sentir daquele modo era outra história.

As batidas das asas de Desiderius tornaram-se mais vigorosas, e o vento passou a assobiar por eles. Cerrou os olhos devido à velocidade, curvando-se como se cavalgasse um cavalo de corrida à toda velocidade, seus pés encontrando apoio em ossículos dispostos nos ombros do dragão. Ele disparou por um imenso túnel que Klodike ainda não havia localizado à uma velocidade que consideraria impossível.

Haviam diversos monumentos ali que não conseguiu captar as formas diante à extrema velocidade, mas Desiderius desviava, girava e realizava manobras no mínimo arriscadas utilizando-se de uma agilidade surpreendente, colando as asas negras contra o corpo. Naquele momento pensou que gritaria ou que o medo surgisse, frio, em seu interior, mas o que lhe veio foi apenas o instinto de pender o corpo na direção que Desiderius se virava.

Saíram na boca de uma caverna e a luz do sol doeu em seus olhos, como se houvesse passado anos na escuridão. Fechou-os com força por um segundo, e quando os abriu, viu um imenso vale entre as cordilheiras, as árvores erguendo-se e pendurando-se pelas pedras, suas folhagens em tons de rosa, lilás, roxo e azul, com uma vegetação rasteira de um tom vivo de verde, flores que brilhavam como a luz do sol cobrindo todo um campo que dava para um rio de águas azuis cristalinas. Havia piscinas naturais dispostas ao longo do rio, parecendo ser feitas de pratos de falésias suspensas por alguns metros, a fumaça erguendo-se, translúcida e branca em direção ao céu.

Apesar de sua mente ter berrado quanto à altura em que se encontravam, tudo o que conseguiu perceber foi a vista privilegiada que se abria à sua frente. Quantas pessoas teriam a oportunidade de enxergar como estava enxergando? De ver o mundo de cima, percebendo o que poderia passar despercebido do chão?

Desiderius atirou-se de cabeça em direção ao chão, mas tudo o que fez foi segurar-se mais vigorosamente, ficando literalmente à noventa graus em direção ao chão. O dragão apenas ergueu-se quando pareceu ficar extremamente próximo ao solo, voando com tanta velocidade que ergueu poeira, incomodando os olhos de Klodike. Ergueu uma mão, porém logo teve de se segurar novamente devido ao modo de como o dragão se desviava das árvores da encosta. Percebeu que sua cauda servia para lhe manter o equilíbrio, as membranas se movendo de acordo com cada movimento que fazia.

O dragão se nivelou, voltando a subir mais uma vez, tanto que mais uma vez o vale se distanciou, tornando-se cada vez menor, as montanhas parecendo vir em sua direção. Outras batidas de asas se distinguiram das de Desiderius, e ao olhar para o lado, viu Saadi, suas escamas brilhando ao sol.

– Parece que está muito bem para quem estava tão hesitante. Os dois. Fazem isso como se houvessem nascido unidos.


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