Inatingível escrita por Natanael Abreu


Capítulo 2
Capítulo 2: Quebrando os limites




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Andrew andava chateado, se arrastava pela casa, não se sentia nada mais que um lixo. Depois de tudo em que se meteu, todos os problemas que arrumou para o irmão mais velho, não via uma luz no fim do túnel. Saiu para dar uma corrida, apesar das lesões que sofreu. Seu lado psicológico pesava mais do que a dor física, então preferiu tentar esfriar a cabeça com um pouco de ar fresco, em meio às paisagens naturais e simples da pequena cidade. Corria costeando o porto, onde algumas embarcações estavam ancoradas. Guiado por uma trilha de árvores na outra lateral, conseguiu esquecer um pouco a dor que provocou a si mesmo e admirar certa beleza natural presente na cidade onde nasceu, pela primeira vez na vida.

Durante o percurso estava tudo bem, apesar das dores nas pernas e no abdômen, até que voltou a lembrar dos fatos recentes, durante o caminho de casa; seu ânimo se foi e já não tinha mais forças para lutar consigo mesmo. Chegou nos fundos do pátio, irritado, derrubou uma caixa de ferramentas e outros objetos - dos quais alguns se quebraram. Instável mentalmente, já não aguentando a pressão e precisando descontar em algo, socou a parede algumas vezes até suas mãos ralarem. Um pouco mais calmo, com uma respiração pesada, deu alguns passos em direção à casa quando se deparou com o pequeno saco teto-solo. Sem muito ânimo, socou-lhe em cheio, porém ele foi ao seu limite e voltou com a mesma velocidade contra seu rosto; em um reflexo de susto, Andrew esquivou-se para trás. A pequena bola, presa por fios elásticos no teto e no solo, havia de alguma forma intimidado Andrew para um desafio.

Alexander sentiu a falta do irmão, então foi até a porta dos fundos, após ouvir alguns barulhos e gemidos. Com uma xícara de café, uma bota ortopédica na perna direita e alguns curativos, escorou-se na lateral da porta enquanto observava seu irmão treinando; apesar de saber que o caçula não deveria estar praticando exercícios por no mínimo duas semanas, deixou um sorriso escapar quando ouviu a seguinte frase:

– Eu... Tenho que ser... Tão rápido quanto ele... Uff... Não vou mais levar um golpe sequer. Eu vou treinar até meus braços caírem!– suado, ofegante e inquieto, o garoto pensava alto, refletindo sobre a diferença entre ele e seu irmão, pensando no quanto precisa evoluir ainda. Pensamentos que não deram espaço às suas aflições e ao seu estresse.

– Vai ter que melhorar esse jogo de pernas então, Andy! - gritou Alexander, ao perceber que seu irmão estava parado e movendo apenas a parte superior para as esquivas.

– Ahn... Alex?– Andrew voltou sua atenção para o irmão mais velho que o observava, desfocando-se da bola que consequentemente acertou seu rosto em cheio, durante o movimento de vai-e-vem, derrubando-o. Alexander cuspiu o café, quase se afogando; chorava de rir, após presenciar a cena estupidamente engraçada.

Conforme os dias passavam, Andrew adquiria domínio sobre os movimentos e os golpes que treinava diariamente. Seu condicionamento físico já estava consideravelmente bom. Sua próxima luta estava marcada e aconteceria em duas semanas. Alexander resolveu levá-lo ao antigo ginásio, atualmente abandonado, onde seu pai o treinou. Inativo por anos, estava bem sujo e com algumas partes quase caindo aos pedaços. Ao acender a luz, os irmãos encontraram um pequeno grupo de homens sentados, suados e ofegantes; calçando luvas velhas de boxe, trajes de treino e um logotipo pintado em suas camisetas de maneira improvisada. Uma confusão desenrolou-se no local, tornando o clima tenso e pesado.

– Quem são vocês? Trator, dá um jeito nesses caras! - um dos homens se dirigiu aos irmãos e logo após ao seu companheiro apelidado de Trator, obviamente por seu porte físico.

– Calma aí, eu é que pergunto! E você pode ficar frio aí, "Trator".– Alexander pegou um pedaço de madeira pontudo, segurando como um bastão de baseball.

Qual é, somos maioria. Vão querer mesmo arrumar problemas com a minha galera? Esse lugar aqui é nosso e eu tô dando a chance de vocês saírem daqui agora, intactos.– o mesmo homem se pronunciou, aparentando representá-los.

– Dêem o fora vocês! Quem pensam que são?

Andrew se sentiu ameaçado e como sempre foi mais pavio-curto, arrancou o pedaço de madeira da mão de Alexander, partindo pra cima deles. O bombadão, conhecido como Trator, avançou também. Andrew surpreendeu-se ao quebrar o pedaço de madeira no peito do homem e sequer pará-lo. Atropelou-o com um jogo de corpo brusco, lhe jogando no chão imediatamente. Andrew não conseguiu entender o que havia acontecido. Partindo em direção ao irmão mais velho, o grandalhão foi derrubado com uma pancada brutal em seu maxilar. Uma espécie de cruzado especial, uma técnica mais perigosa que a tradicional. Alexander surpreendeu todos que estavam presentes, principalmente por estar com o pé ainda em recuperação. Abismado, o líder do grupo lhe questionou:

– Onde diabos aprendeu esse golpe? Eu só vi um homem, em toda a história do boxe, utilizar um cruzado dessa forma... Ou meus olhos me enganam, ou você executou um cruzado-tornado perfeito. Q-quem é você?

– Sim, somos filhos dele. O grande Soldado de Chumbo. Fico surpreso por ninguém até hoje ter dominado a técnica do tornado. Enfim... E vocês, quem são? E o que fazem no antigo ginásio?– Alexander esfregou sua mão, admitindo que o golpe lhe doeu, pela dureza do homem que derrubou.

– Soldado de Chumbo? Que papo é esse?– Andrew se pôs de pé, confuso e ainda nervoso.

– Seu pai foi o boxeador mais durão dos últimos tempos que já pisou nos ringues profissionais. Ele era um ex-militar e tinha um problema na perna, dificultando a movimentação no ringue, mas era resistente como uma rocha. Parecia ter o queixo de ferro, pois podemos contar nos dedos quantas vezes ele foi derrubado em toda a carreira. Devido a isso, ele foi apelidado de Soldado de Chumbo. A propósito, me chamo Richard. Essa aqui é a minha galera, treinamos boxe aqui há menos de um mês, já que a polícia não passa muito pela área. Apesar de ser ilegal, competimos nas lutas arranjadas. - Richard apontou para cada um de seus companheiros e lhes apresentou: Trator, o grandalhão. Abutre, o mais magro dali. E Carrasco, quieto, com olheiras, encorpado e com cara de quem está com fome.

– Eu sou Alexander e ele, meu irmão mais novo, Andrew. Vim treinar ele. Costumava treinar aqui com meu pai, quando era mais novo... Antes dele...– Alexander cortou a frase e desviou o olhar. Sentiu uma dolorosa nostalgia, lembrando-se dos dias que passava com seu pai naquele lugar.

– Entendo... Venham, vamos sentar e conversar. Temos alguns energéticos aqui, podemos entrar em um acordo.

Depois de resolverem a situação, revezaram o ginásio e até mesmo compartilhavam dicas. Se tornaram companheiros de treino e diariamente se encontravam lá, dando duro para melhorarem seus condicionamentos físicos e suas técnicas. Alexander, por sua vez, atuava mais como uma espécie de treinador. Supervisionava o treino dos rapazes, principalmente o de Andrew, pegando em seu pé para dar o melhor de si.

Durante um longo período, especulou-se que o governo iria organizar um campeonato nacional de boxe, utilizando somente a elite. Homens escolhidos a dedo pelo alto escalão do governo, prontos para finalmente saciarem a sede de violência que agitava a população. Desse modo, o governo evitaria uma rebelião que estava arriscando eclodir. Quando Alexander assistiu ao anúncio oficial, que foi ao ar em um jornal de domingo na televisão, soube naquele momento que Andrew estaria naquele campeonato um dia. Seria um longo campeonato, que duraria 6 meses. Aconteceria uma edição a cada 3 anos e seria o único esporte violento que se tornaria um espetáculo para a nação. No dia seguinte Alexander noticiou ao irmão e aos companheiros de treino, dando início a um treino intensivo para assim, entrar em lutas maiores. Buscou opções de combates clandestinos de nível mais alto, para seu irmão evoluir suas habilidades na prática, porque a teoria não lhe bastaria para pisar num campeonato profissional.

Em uma cidade um pouco distante, conseguiu arranjar uma luta surpresa para Andrew, na qual o adversário seria revelado apenas na hora do combate. Alexander precisaria preparar o caçula para enfrentar qualquer tipo de lutador sem perder os dentes.

– Alex, o que temos pra hoje?– Andrew perguntou ao irmão, ao chegarem na academia.

– Um massacre.– Acendeu a luz após responder, enquanto Richard, Trator, Carrasco e Abutre se aqueciam e estalavam os punhos encarando Andrew.

– Quê? Como assi– Interrompido por uma chuva de socos em seu rosto e tórax, Andrew foi ao chão.

– Levanta! Reage! Nem um piu. Precisa melhorar seus reflexos, parece uma tartaruga com retardo mental. Hoje nós seremos seus adversários. Vista as luvas e se aqueça.– Richard, rígido, assumiu o comando. Alexander acenou a cabeça para ele, em um gesto positivo, deixando o local para resolver problemas pessoais.

– Como assim? Alexander! Onde cê vai?!– Gritou em vão, seu irmão havia saído sem olhar para trás. O treinamento de Andrew seria duro, mas justamente por serem adversários diferentes, teria uma noção melhor de cada estilo de lutador. Carrasco por exemplo era canhoto. Trator adorava golpes pesados e não muito rápidos. Conforme o estilo do adversário, Richard o instruía nos movimentos. O treinamento durou uma semana e intensificava-se a cada dia, principalmente pelo fato da mudança repentina de um estilo de treinamento para outro, mudança que de modo rude, castigava o corpo de Andrew. Apesar disso, sua insistência em continuar era grande; até mesmo quando Richard queria parar o treino, Andrew negava-se a descansar. Na semana seguinte, que seria a última semana de treinamento antes da luta no domingo, Richard iniciou um treinamento livre com Andrew. Capaz de lutar de um modo muito imprevisível, Richard dominava um estilo livre de boxe. Suas técnicas não tinham base ou seguiam um só padrão de luta. Andrew teve mais trabalho para estudar seus pontos fracos e fortes durante os treinamentos, já que não podia basear-se em apenas um modelo de lutador. Essa característica marcou Richard como um dos melhores lutadores da região e por essa fama, não encontrava adversários que aceitassem enfrentá-lo.

– Vamos lá, Andrew. Mexa-se! Cada soco que levar, contará como mais 5 flexões no seu treino amanhã.– Richard montou sua guarda de boxe, dentro do ringue velho, onde começou ofensivamente contra Andrew. Este, sem poder se mover muito, bloqueava os ataques com dificuldade. Sendo massacrado pelos golpes, arranjou espaço para deslocar-se em direção às cordas, escapando da trajetória dos socos. Retomando o fôlego, voltou-se mais atento ao combate, esquivando mais dos golpes, sem dar brechas para ser sufocado. Revidava com pouco sucesso. Já havia sido atingido por todos os ângulos, até que caiu pela primeira vez, lá pelos 2 minutos de luta. Com dor e certa tontura, pôs seus pés firmes ao chão e afirmou estar pronto novamente. Seus reflexos lhe traíam a cada momento.

Sem saber exatamente como lidar com Richard dentro do ringue, lembrou-se dos diferentes tipos de golpes que conheceu na semana anterior, com os outros três lutadores. Conseguiu atribuir todos à postura de Richard, criando uma espécie de molde de lutador. Ao unir todos os estilos, pensando nas combinações e contra-ataques possíveis, Andrew pode entender melhor o adversário. Apesar de continuar apanhando bastante, surpreendeu Richard com seus reflexos adaptados ao seu estilo de luta, lhe desferindo curtas e repetidas sequências de diretos e cruzados. Raramente soltava um jab, pois parecia não se adaptar ao uso de um soco tão inútil, como costumava dizer. Richard, em meio a uma combinação de socos potentes, como o cruzado, o gancho e o direto, finalizou com um jab que entrou de maneira sensacional. Andrew perdeu a força em suas pernas e em seus braços, depois do impacto em seu maxilar, caindo ao chão. Não entendia como era possível aquele golpe tão inofensivo, comparado aos outros, pôde lhe levar à lona. Richard lhe explicou a importância de cada golpe e como os adversários podem lhe enganar, utilizando variações infinitas de golpes durante uma combinação ofensiva intensa. Ao fim do dia, Andrew e Richard encerraram o treino com uma corrida ao ar livre.

Andrew pôde ver o bairro onde Richard cresceu e morou a vida inteira; era uma realidade dura. As crianças mal podiam se vestir, sujas das ruas abandonadas pela prefeitura. As casas eram, em grande maioria, de madeira - algumas mais improvisadas, com lonas, tábuas e PVC. Era próxima do lixão da cidade. Richard contou sua história durante o trajeto, enquanto era tratado com imenso carinho pela vizinhança, a qual também recebia o seu carinho e atenção como gratificação. Alguns projetos para ensinar crianças a lutar, fazer exercícios físicos e fazer amizades eram propostos por Richard, na comunidade.

Aquela realidade tão distante do mundo de Andrew colidiu com seu subconsciente, fazendo-o desejar ainda mais tornar-se um profissional para que pudesse ajudar aquelas pessoas. Richard acompanhou-lhe até o ginásio de novo, despedindo-se. Andrew seguiu para sua casa ainda tendo aquele choque de realidade. No outro dia, acordou cedo, tomou suas proteínas e carboidratos, indo logo queimá-los. Saiu cedo para correr, voltou para casa e começou a socar os equipamentos abandonados no fundo do pátio. Decidido de que se tornaria um campeão de verdade, não poupava esforços, castigando aquele saco de pancadas velho. Os barulhos e gemidos acordaram Alexander, deixando-o orgulhoso ao ver aquilo. Com seu rotineiro café na xícara, assistia Andrew. Decidiu, então, ir treinar com seu irmão caçula e proporcionar-lhe um momento mais afetuoso. Começou a testar seus movimentos, ajudando-o com sua postura durante o pequeno treino. Encerraram com uma luta leve, onde Alexander surpreendeu-se pela evolução do irmão mais novo. Atingiu-lhe poderosos golpes, mesmo que estivessem pegando leve. Ambos sentaram-se na grama, conversando.

– Alex, acha mesmo que eu consigo? Digo, um dia, quem sabe, chegar lá? Ser campeão...– Perguntou Andrew enquanto descansava.

– Andy, eu não tenho dúvida nenhuma. Sabemos que é difícil, mas a capacidade que você tem é enorme. Todo esse lance do governo complica as coisas, mas uma hora ou outra você vai ser notado por eles e te convocarão pro campeonato nacional.– Respondeu ao irmão mais novo, demonstrando convicção.

– Andrew Garcia, o campeão nacional... Uau. Imagina só, Alex.

– Que tal um apelido? O que acha de... Gasparzinho?– Sugeriu Alexander.

– Por quê? O que eu tenho a ver com um fantasma?

– Sei lá, você é branquelo e tal... Me lembra o Gasparzinho.

Pfft...– Andrew parou, pensou e riu.

– Vamos, toma um banho, que eu vou contigo pro ginásio hoje. Vamos, vamos, vamos.

Após tomar um banho, Andrew descansou por algumas horas e foi para o antigo ginásio, onde encontrou seus amigos. Alexander foi junto, mas novamente teve que sair após receber uma ligação importante. Andrew seguiu o treino, naquele dia; um treino leve, pois sua luta seria no dia seguinte. Revisando tudo que havia aprendido, Andrew se sentia pronto para enfrentar qualquer um. Andrew não encontrou o irmão naquele dia, pois dormiu cedo e Alexander chegou tarde em casa. Cansado e dolorido, Alexander tomou alguns remédios, tomou um longo banho e dormiu assistindo televisão no sofá da sala.


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