– Eu já disse! Não quero mais que você trabalhe.
– Mas mãe, eu preciso... eu gosto de te ajudar.
– Beatrice Prior eu já disse que não vai continuar trabalhando. Me obedeça, isso é para o seu bem! Já perdeu um ano todinho de aula carregando todas as responsabilidades nas costas, já chega minha filha! Você precisa estudar, nada mais nada menos.
– Então eu posso pelo menos ajudar a Tia Clary no bar nos finais de semana?
– Vou pensar. Se arrume que a gente vai sair- vejo ela subir as escadas.
Minha mãe se tornou uma mulher muito amarga depois de todos esses acontecimentos, não muito comigo e com pessoas muito próximas dela, mas quando ela quer...
Subi e fui para o meu quarto, entrei no banheiro e tirei a roupa; liguei o chuveiro e deixei a água morna cair sobre minha pele clara e pálida.
Fiquei pensando em tudo que aconteceu nesses últimos dois anos, os piores da minha vida desde que meu pai foi embora e nunca mais voltou.
Minha mãe descobriu que estava grávida, ela não trabalhava - só meu pai– o que ficou difícil pois ele não tinha deixado muito dinheiro pra gente porque estava falindo; creio que esse seja um dos motivos para ele ter nos abandonado.
Comecei a trabalhar aos 16 anos, eu sustentei a casa sozinha porque minha mãe sofria muito e mal conseguia fazer as coisas; me dobrei em duas pra estudar, trabalhar, cuidar da casa e dela.
Quando minha irmã Jullie nasceu minha mãe teve depressão pós parto o que dificultou as coisas mais ainda, tive que largar a escola pra cuidar dela também, porque ela tinha inúmeros problemas de saúde, o que me fazia ir ao hospital pelo menos três vezes por semana, fora os dias que ficava internada;
Todo esse sofrimento resultou em sua dolorosa morte. Não é maldade mas acho que assim foi melhor pra ela, não conseguia ver minha irmãzinha tão pequenininha sofrer tanto daquele jeito. Não tinha um dia que eu conseguia dormir bem ou que eu conseguia dormir, sempre acordava no outro dia com os olhos inchados de tanto chorar de noite, mas na frente delas sempre me mantive forte por mais difícil que fosse, elas precisavam disso.
As coisas agora estão menos piores, desde que a Jullie morreu - à 6 meses atrás -, minha mãe conseguiu se estabilizar e arranjou um trabalho; o emprego não é dos melhores e dos mais bem pagos mas é o suficiente para pagar as dívidas e não passar necessidade. Eu ainda trabalho - ou trabalhava-, na semana e ajudo minha tia no barzinho dela nos finais de semana, é uma distração pra mim.
Saio do banho e visto uma roupa mais quente, o dia hoje está um pouco frio; penteio meu cabelo loiro e longo que bate na cintura e passo um rímel. Pego minha bolsa, meu velho s4 que só está o "pau da rabiola " E desço.
– Está linda Beatrice - Ela me olha sorrindo - Sabe minha filha, não sei o que eu faria se não fosse você. Me sinto tão orgulhosa- nos abraçamos emocionadas
– Já passou mãe. Esquece esse passado cruel- digo limpando os nossos olhos.
Saímos do nosso apartamento e fomos até o shopping com a camionete da minha mãe e compramos várias coisas, eu não queria gastar dinheiro com essas bobagens mas minha mãe insistiu muito e como não gosto de contrariá-la acabei sedendo
– Ai mãe, acho que não precisava disso tudo!
– Filha, você merece muito mais. Olha o quanto você se sacrificou, você sim é um exemplo de responsabilidade, coisa que muita gente da sua idade nem sabe o que é.
– Mas mãe, é que você não ganha muito, eu não ganho muito e agora vou ter que parar de trabalhar... Não podemos ficar gastando assim.
– Sabe filha, as vezes é preciso fazer coisas assim, sair da rotina... Como você mesma diz, temos que deixar o passado cruel para trás. Eu juntei um dinheirinho pra fazermos isso. Não se preocupe. Aliás, tenho uma surpresa... - me dá um alívio tão grande no peito ver minha mãe assim, bem feliz; Não tem coisa pior do que ver a mãe triste, chorando, doente...
– Ai mãe...
– Vamos almoçar e quando chegar em casa eu vou te mostrar- Ela abre um sorriso e sai andando olhando vitrines. Estamos cheias de sacolas, ela também comprou coisa pra ela.
☆☆☆
Voltamos pra casa e ela subiu na minha frente entrando em seu quarto, fui para o meu e comecei a tirar as coisas da sacola, das caixas...
– Filha! - Ela aparece com as mãos para trás
– Oi mãe!
– Pra você! - me entrega uma caixa roxa com um laço Dourado bem bonito por cima; pego a caixa que por sinal está bem pesada e sento na cama com a caixa nas mãos
– Abra filha- Ela fala contente e faço o que ela pede; tiro o laço e abro a caixa
– Não! Não... não mãe... não acredito... Mãe! - levanto e abraço ela- Mãe você está doida? Isso é muito caro...
– Pode parar! Abra logo e não me pergunte como consegui.
– Como conseguiu? - pergunto rindo
– Você sabe, trabalhando. Oh curiosidade! Agora abra!- tiro o Macbook da caixa e ligo ele- Não está esquecendo de nada? - Ela pega uma caixinha menor que eu não havia visto e me entrega- o seu s4 estava muito velhinho, achei melhor trocar por um 6 Plus. Não acha?
– Mãe! Você por um acaso ganhou na loto e não quer me contar? Sabe que eu não ligo pra essas coisas mãe, a gente não pode ficar gastando assim... -digo preocupada
– Você liga sim. Liga que eu sei, mas você dá mais importância para os outros do que pra você! Você é muito altruísta minha filha. Você merece isso por tudo que fez e não se preocupe, eu não ganho tão mal assim- Ela me olha sorrindo e eu abraço ela.
– Eu te amo mãe, e não sei o que seria de mim sem você
– Agora vai, termina de arrumar suas coisas, tenho que arrumar as minhas- Ela beija o topo da minha cabeça
– Mãe, me deixe ir ao bar... a Tia Clary nos ajudou tanto...
– Tudo bem. Você pode ir ao bar nos finais de semana, mas não vai mais trabalhar enquanto não terminar a escola- Ela muda de humor na hora e vai para seu quarto.
Termino de arrumar minhas coisas, configuro meu novo celular e Macbook e tomo um banho pra ir ao bar da Tia Clary.
Fui ao apartamento do lado que por um acaso é onde ela mora com minha prima Tori, filha dela para irmos ao bar.
Elas não se parecem nenhum pouco; Tori é morena dos olhos puxadinhos, tem cabelos longos e pretos, ela puxou o pai que era oriental, ele morreu à alguns anos atrás. A tia Clary é igual a minha mãe, cabelos castanhos clarinhos, olhos castanhos esverdeados e pele clara.
Hoje é sábado, o bar costuma ficar bem cheio o que pra mim é ótimo, sempre ganho boas gorjetas.
Olho no relógio, 2:47 da manhã e já não tem mais gente no bar. Fechamos o local e fiquei com Tori no carro esperando sua mãe.
– Ansiosa com as aulas segunda?
– Muito. Não sei o que esperar.
– Pois te adianto: muito riquinho mimado, filho de empresário que não tá nem aí pra vida.
– É, acho que vai ser bem difícil me enturmar, não que eu esteja preocupada mas...
– Você tem sorte em ser bonita darling, as pessoas vão querer se aproximar de você pela sua aparência e quando te conhecerem vão se apaixonar mais ainda!
– Boba!
– Estou falando sério! Quem te olha não te dá nada, quem te conhece te aplaude de pé.
– Admiro sua honestidade. - fico rindo com ela até tia Clary chegar e nos levar de volta pra casa.

Fico olhando pro espelho assim que saio do banho, estou enrolada na toalha com o cabelo preso em um coque; Estou tão nervosa, não sei o que fazer. Serei bolsista em uma escola aqui de Chicago, ela não é muito grande e conhecida mas é escola de gente metida e rica, eu provavelmente vou me sentir um peixinho fora d'água perto de pessoas com realidades tão diferentes da minha. Coloco o pijama e vou pro quarto da minha mãe dormir com ela, desde que meu pai foi embora nós sempre dormimos juntas, mesmo cada uma tendo seu próprio quarto.

Só quero que de tudo certo, quero seguir em frente e tentar deixa para trás tudo o que se passou, mesmo sabendo que é quase impossível.