Amor à venda. escrita por Nina Olli


Capítulo 41
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Olá meus leitores, como vocês estão? Essa é a primeira vez que explicar a minha ausência realmente me machuca. Eu preferia dizer que foi apenas preguiça, falta de inspiração, falta de vontade... Mas não. Infelizmente não foi só isso. Dia 17 de dezembro de 2017 o meu pai foi internado, e foram 70 dias indo no hospital, na UTI, todos os dias, todas as visitas. Não foi fácil. Foi muita dedicação e fé de que ele sairia dessa, melhoraria. Mas dia 26/02 o meu velhinho foi embora… e me deixou com tanta saudade que tá difícil de seguir em frente. Aos poucos eu voltei a minha rotina, e desde dezembro eu queria postar esse capítulo, mas estava sem cabeça para retornar. Porém, no hospital, na sala de espera que ficávamos todo dia antes de entrarmos na UTI, algo incrível aconteceu. Minha mãe, que nunca havia lido nada meu, começou a ler "Amor à venda" pelo celular, apenas para se distrair antes de começarmos a rotina que era visitar o meu pai… Foi muito importante para mim testemunhar ela lendo essa história, se divertindo, ficando com raiva da Amelia, querendo bater no Vincent e no fato dele e da Gil não verbalizarem o suficiente. Foi muito importante ver que ela gostou do que lia. Isso nos aproximou em um momento muito difícil. E olhem, demorou pra minha mãe chegar ao capítulo 34 porque ela lia devagaaaaar hahahaha, mas agora a mulher não me dá paz, e fica me cobrando atualização. Juntou isso e as mensagens de vocês e eu fiquei realmente animada para voltar a escrever, então já tenho alguns capítulos corrigidos, e vou postar bem rápido… Para compensar a ausência. Coloquei a meta de finalizar "Amor à venda" esse ano, e vou cumprir. E agora vocês tem uma leitora no time que fica me cobrando sempre, minha mãe xD. Sobre o meu pai, ainda é muito cedo para falar como eu me sinto, eu já venho lutando contra uma depressão e tudo ficou ainda pior depois que ele se foi. Mas de uma coisa eu tenho certeza, ele sentiu todo o nosso amor nesses dias no hospital, e isso é o que faz o meu coração se acalmar. Saber que ele ouviu cada palavrinha cheia de amor que eu sussurrei no ouvido dele. Meus leitores, se eu puder deixar um conselho para todos vocês é: sempre digam o quanto amam os seus pais, os seus filhos, amigos, maridos, esposas… Sempre digam o que sentem. Sempre. Sempre. Sempre. -

Boa leitura, e agora sim, voltei pra ficar. o/



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"Você me mostrou um pôr do sol transbordante

Mas quem se importa para onde isso está indo

Enquanto você estiver do meu lado?" (Devendra Banhart)

Nem o barulho estridente do despertador diminuiu todo o êxtase que o corpo de Gil espreguiçava. Havia sido a sua melhor noite de sono em dias e os seus músculos estavam relaxados e confortáveis naquela cama. Na cama que agora dividia com Vincent.

Gil inspirou aquele cheiro delicioso que sempre perdurava no quarto do chefe e abriu os olhos devagar. Estava sozinha. Mas não se surpreendeu. Vincent sempre acordava cedo demais para correr, coisa que ela ainda não conseguia sequer cogitar fazer. Porém, por mais tentador que fosse ficar naqueles lençóis, se forçou a ir até o banheiro e se arrumar. Estava ansiosa para voltar ao trabalho e mais ainda para visitar Elaine no hospital. Assim que ficou pronta, escutou a porta do quarto abrir e revelar um Vincent excepcionalmente sorridente enquanto equilibrava uma bandeja com as mãos.

— Dormiu bem? — o chefe perguntou enquanto colocava a bandeja cuidadosamente em cima da cama.

Gil assentiu, ficando tímida de repente. O peso da sua confissão na noite anterior recaiu em sua consciência apenas agora, quando a presença dele invadia todo o lugar. Ela já havia se declarado antes, é claro, mas dessa vez parecia ainda pior. Com as três palavrinhas e tudo mais.

Eu te amo.

Era muito mais difícil lidar com isso olhando nos olhos de um Vincent alegre, receptivo e vestindo a porcaria de uma regata suada.

— Eu vou tomar um banho rápido. Aproveite o café da manhã.

— Parece bom. — Gil espiou a bandeja, e obviamente, tinha todas as suas coisas favoritas.

— Eu fico feliz que você pense assim. — Vincent se aproximou com o semblante sério. — Não quero vê-la se alimentando mal.

Gil abraçou o próprio corpo, consciente do peso que havia perdido nesses dias longe de Vincent. O chefe tocou em seu queixo e fez com que ela o encarasse.

— Eu estou apenas preocupado com a sua saúde, Gilan. — ele explicou de repente. 

O chefe depositou um beijo suave em sua boca. Pelo menos era o que deveria ter sido. O contato se intensificou e se tornou um beijo um pouco duradouro demais, obrigando Vincent a se afastar.

— Se continuarmos eu vou te jogar na cama e te foder mesmo estando suado.

— Você fala como se eu me importasse com isso. — Gil cheirou o pescoço dele, e foi constrangedor como ela tremeu de expectativa.

— Não me provoque, Gilan. Eu ainda não tive o suficiente de você.

— Eu também não. — ela falou manhosa. Deus! Desde quando agia dessa maneira? Vincent a deixava tão fora de equilíbrio. Tão fora.

— Gilan… — o chefe a advertiu novamente, apertando a sua cintura com a ponta dos dedos. Mas quando Gil pensou que ele finalmente cederia, Vincent se afastou. — Precisamos visitar a minha mãe. — ele sussurrou, e ela se deu por vencida. Era verdade que não podiam se atrasar.

Gil se sentiu um pouco sem graça por demonstrar a proporção da sua carência por Vincent. Ela não estava sendo exatamente discreta com os seus sentimentos.

— O dia mal começou e eu já quero que chegue logo a noite. — o chefe murmurou. — Eu também preciso de você, Gilan.

Gil o encarou com encantamento. Era tão bom isso, de ser desejada e querida. De ser recíproco. Gostava que ele falasse também o que sentia. Gostava do combinado de serem honestos. 

Vincent a observou como se compreendesse exatamente o que ela pensava. Ele abriu a boca para dizer algo, mas as palavras não vieram, e então, o chefe simplesmente a deixou no quarto e entrou no banheiro.

xXx

Talvez Gil devesse apenas prestar a atenção na paisagem da janela e não no quanto Vincent parecia tão tentador dirigindo ao seu lado. Cabelos molhados, terno impecável e a gravata que Gil havia escolhido. Sim. A gravata que o chefe fizera questão que ela separasse para ele vestir. Porque agora eles estavam em um relacionamento. Porque agora eles eram íntimos.

— Você está me encarando. — Vincent disse sem desgrudar os olhos da estrada, curvando discretamente os lábios.

Constrangida, Gil desviou a atenção para a tal paisagem ao seu redor, e então percebeu que aquele não era o caminho para o hospital.

— Não iremos visitar Elaine? — perguntou confusa.

— É claro que sim. Minha mãe sentiu a sua falta. — Vincent pousou a mão delicadamente na coxa de Gil, acariciando o local com o polegar. — Assim como eu. — e ele a encarou com um olhar tão terno que Gil só queria sentar em seu colo e beijá-lo.

Será que nunca se cansaria dele? De tocá-lo? De olhar para aquelas pequenas rugas que se formavam em volta dos seus olhos quando ele sorria? Aparentemente não. 

Gil estava tão encrencada. Tão miseravelmente apaixonada, que sequer conseguia disfarçar.

O carro parou depois de alguns minutos e Gil já sabia o lugar em que estavam. Vincent estacionou em frente a casa em que haviam se casado. A casa de Elaine. E seus olhos brilharam enquanto encarava a expressão satisfeita do chefe.

— Você conseguiu! — ela mal conteve a sua alegria. — Você conseguiu transferir Elaine para casa. — e então, simplesmente lançou os seus braços em volta do pescoço de Vincent e o abraçou como pode, já que a posição dentro do carro era um pouco desconfortável.

— Ela está tão feliz em casa, Gilan. — ele murmurou entre os seus cabelos.

— E eu também estou! Eu preciso vê-la. — Gil se afastou de repente, abrindo a porta e descendo do carro.

Vincent a seguiu e ambos atravessaram o grande jardim da entrada, não passou despercebido que o chefe agora possuía a chave da casa da mãe, talvez para garantir a segurança de Elaine caso qualquer imprevisto acontecesse. Assim que passaram pela sala, Gil avistou Elaine nos jardins do fundo. Ela estava sentada em uma cadeira de rodas, regando algumas flores dos seus inúmeros vasos. 

Havia ao seu lado uma mulher de meia idade, vestida toda de branco, que carregava outro regador nas mãos e fazia o mesmo com as plantas mais altas. A sogra disse algo para a mulher e soltou uma risada alta. Gil sentiu o seu coração apertar. O rosto de Elaine tinha profundas olheiras e ela parecia visivelmente mais magra, seus cabelos estavam presos em um coque e não tinham tanto brilho como antes. E suas mãos, sempre tão cuidadas, agora estavam sem esmaltes, manchadas e machucadas.

Mas o sorriso… O sorriso de Elaine era tão efervescente. Tão diferente do corpo fraco que ela exibia. Elaine ainda tinha tanta vontade de viver. Tanta. E qualquer um podia ver.

— Gil! — a sogra a chamou com animação, finalmente notando a presença deles. — Você veio minha querida, você está aqui!

Gil se apressou na direção da sogra e se curvou diante dela, a abraçando com uma saudade enorme. Foi necessário se esforçar para não deixar que as suas emoções a tomassem ali mesmo, naquele abraço. Não queria demonstrar tristeza. Queria que Elaine se sentisse amada e acolhida e não que se preocupasse.

— Me desculpe por demorar tanto. — Gil disse com firmeza, ou ao menos tentou soar assim.

— Que culpa você tem por ter ficado gripada? — ela encarou a sogra com confusão, e em seguida olhou para o chefe que estava logo atrás as observando. — Vincent me contou que o médico não permitiu que você me visitasse enquanto estivesse doente. Aliás, você está se sentindo melhor, minha querida?

— Sim, eu estou. Já me recuperei da minha… Gripe. — Gil respondeu a sogra com os olhos cravados em Vincent, que apenas pigarreou e desviou o olhar.

— E eu não ganho um abraço? — o chefe se aproximou da mãe a abraçando e depositando um beijo em sua testa. — Gilan, essa é a Sra. Hernandez, a enfermeira que está cuidando da minha mãe.

— Muito prazer. — Gil cumprimentou a mulher que lhe devolveu um simpático sorriso.

— Regina não fala muito bem inglês, mas é a melhor companhia que eu poderia ter encontrado. — Elaine explicou, enquanto a Sra. Hernandez acariciava os ombros da sogra num gesto de carinho. — Se ela perder a paciência comigo é só me xingar em espanhol que ninguém ficará ofendido. — e Elaine riu, de maneira espirituosa e cheia de presença que fazia com que todos da sala se contagiassem com ela.

Vincent balançou a cabeça negativamente, mas também sustentava um sorriso no rosto.

— Venha, minha querida! — Elaine segurou as mãos de Gil e a puxou levemente. — Quero te mostrar as flores novas do meu jardim.

Gil se posicionou atrás da cadeira de rodas de Elaine e começou a empurrá-la pelo jardim. O chefe vinha logo em seguida, ouvindo com atenção todas as explicações da mãe sobre as flores e plantas que estavam espalhadas pelos canteiros e paletes pregados nas paredes. O dia estava fresco embora ensolarado, e o ar da manhã parecia fazer bem ao corpo miúdo e enfraquecido da sogra. 

— Essas são as minhas favoritas. — a sogra apontou para alguns ramalhetes plantados num charmoso canteiro.

As flores eram muito novas, pequeninas ainda, e estavam fechadas. Mas Gil já conseguia ver a delicadeza delas, mesmo que as suas pétalas estivessem escondidas.

— Elas demoram alguns meses para florescerem, mas são tão lindas. — Elaine explicou, e Gil notou uma tristeza no olhar da sogra encarando as minúsculas flores.

Gil encarou a expressão do chefe. Ele parecia sereno, assim como toda a sua postura. Mas Gil já havia aprendido a reconhecer até mesmo o menor sinal do rosto daquele homem, e sabia bem que nada daquilo era a verdade. A respiração de Vincent parecia aprisionada no peito, como se quisesse gritar que a sua mãe não veria essas flores se abrirem porque o estava deixando. 

Porque estava morrendo.

Señora Parker, já está na hora de seus remédios. — a voz carregada de sotaque da enfermeira os interrompeu.

— Ah! Os remédios… — Elaine revirou os olhos. — Eu tenho que tomá-los de hora em hora. Mas sabe, não vou reclamar muito, já me sinto feliz por estar em casa. — ela olhou com ternura para o filho. — Graças a você, meu amor.

— Graças a Gilan também. — Vincent disse enquanto se aproximava de Gil, envolvendo o braço em volta do ombro dela. — Ela foi responsável por eu conseguir providenciar tudo isso.

— Venha cá, minha querida. — Elaine pediu, e Gil se ajoelhou em frente a ela, sentindo os dedos magros da sogra tocarem o seu rosto com suavidade. — Eu sabia que um dia Deus me abençoaria com um filho, eu sempre quis ser mãe, sabia? — ela disse com a voz um pouco emocionada. — Mas eu jamais poderia imaginar que Ele também me enviaria uma filha. — Gil tentou dizer algo, mas a sua voz ficou presa na garganta. — Eu te amo, minha menina. — e aquilo foi demais para Gil suportar. Encolheu-se no corpo de Elaine e a abraçou com força, enquanto soluçava. Não queria chorar. Não queria. Mas estava doendo tanto. — Eu serei eternamente grata por tê-la em minha vida… — Gil reparou que Elaine apertava a mão de Vincent também, e o aproximou daquele abraço. — Em nossas vidas.

xXx

O caminho até a B&B Larsson foi silencioso. Gil conseguiu se despedir da sogra sem mostrar o quanto se sentia comovida, o que julgou ser uma grande coisa. Vincent não parecia diferente, ainda mais depois de conversar alguns minutos a sós com a mãe antes de deixá-la aos cuidados da Sra. Hernandez.

— Você se lembra da viagem que eu comprei no leilão? — Vincent falou de repente, chamando a atenção de Gil. — Aquela para Monterey?

Gil assentiu. Apesar de Vincent comprar tantas coisas naquele leilão, inclusive uma dança de cem mil dólares, ela se lembrava perfeitamente da tal viagem.

— Eu gostaria de fazê-la com você. — ele revelou. — Depois da transmissão da Rise&Sun, é claro. Serão apenas dois dias, não quero deixar Elaine sozinha, e foi justamente a minha mãe quem insistiu para que nós fôssemos como… Como uma lua de mel atrasada. — ele disse tudo aquilo muito rápido.

— Eu adoraria, Vincent. — ela respondeu com firmeza, e o chefe desviou os olhos da estrada apenas por alguns segundos, lhe lançando um sorriso com bastante empolgação.

Vincent parecia dez anos mais jovem quando sorria.

— Você vai adorar Monterey! — ele comemorou. — Nós podemos alugar uma casa perto da praia e cavalgar na orla. Podemos mergulhar também, e nadar perto das baleias. Podemos fazer compras na Cannery Row, aquela rua é uma completa bagunça mas vale muito à pena. — Gil deixou escapar um riso diante de toda a animação de Vincent, e ele imediatamente se calou. — Eu acho que me empolguei um pouco. — disse cabisbaixo.

— Não diga isso. Eu estou adorando conhecer essa sua versão turista. — Gil o encarou com uma fascinação real. Com certeza nunca o havia visto tão jovial assim.

— Faz alguns anos que eu não viajo… A lazer, eu digo.

— Eu não vejo a hora de viajar com você, Vincent. —  ela apenas foi honesta.

O chefe a olhou parecendo ainda mais iluminado do que antes, e pousou a mão em sua coxa, a acariciando suavemente. Gil não resistiu e segurou nas mãos do chefe, entrelaçando os dedos. Vincent encarou as mãos de ambos por algum tempo e então, apertou os dedos de Gil e voltou a sua atenção à estrada, com uma expressão satisfeita estampada em todas as linhas de seu rosto.

xXx

Vincent não soltou da sua mão durante todo o trajeto até a B&B Larsson, e mesmo quando desceram do carro e se separaram por alguns segundos, ele voltou a segurar em seus dedos e a guiou para dentro da empresa. O chefe não era adepto a demonstrações de afeto em público, e Gil não conseguia controlar a sua agitação ao segui-lo pelo saguão de entrada com as suas mãos tão juntas e quentes. 

O chefe a olhava a todo o momento e não havia nada que o fizesse parar de sorrir. E isso também a aquecia. Aquecia porque ele parecia tão leve. Tão honesto e íntimo. Exatamente da forma que combinaram ser. 

— Gil!

Uma voz gritou assim que saíram do elevador e colocaram os pés no departamento esportivo. Gil levantou o olhar e viu Sara se aproximar e a envolvê-la em um abraço apertado.

— Sentimos tanto a sua falta! Como você está? — Sara perguntou enquanto a apertava ainda mais. 

— Já me sinto muito melhor. — ela tranquilizou a colega enquanto retribuía o carinho.

Se afastou de Sara apenas para cumprimentar as outras pessoas da equipe. Todos demonstraram uma grande preocupação pela sua ausência, dizendo o quanto aquele lugar não era a mesma coisa sem ela. Gil observou Vincent a olhando com uma expressão amável e cheia de concordância. Estava finalmente de volta da onde jamais deveria ter saído. E Gil não se referia apenas à B&B Larsson.

— Fico feliz em saber que você está bem. — Gil se virou e seus olhos imediatamente fitaram Matthew, com as suas roupas simples, cabelos desalinhados e uma marca roxa em volta do nariz.

A culpa que a invadiu foi tão grande, que Gil sequer teve tempo de se preocupar com a carranca de Vincent do outro lado do hall.

 — Matt, o seu nariz está-

— Está muito melhor do que antes, acredite! — ele zombou, com a voz alegre e bem-humorada. Gil tinha certeza que esse mundo não merecia Matthew Green.

— Nós podemos conversar? — assim que Gil disse essas palavras, sentiu a presença do corpo de Vincent brotar ao seu lado. 

Gil quis revirar os olhos, mas se segurou.

— Claro que podemos. — Matthew respondeu, e em seguida olhou para a figura tensa ao lado de Gil. — Tudo bem, Parker?

O chefe apenas assentiu para o produtor, sem demonstrar muito em sua expressão. Mas o olhar que ele deu em seguida para Gil disse muito mais sobre como ele estava se sentindo. Vincent parecia um pouco inquieto. Gil se afastou minimamente para seguir com Matthew até a sua sala, mas sentiu os dedos de Vincent segurando a ponta dos seus, os apertando. Ela imediatamente fitou os seus dedos entrelaçados e seguiu o olhar até o rosto do chefe. 

Vincent sorria. Fraco e mínimo. Mas ainda sim, um sorriso. Ele afrouxou o aperto entre os seus dedos e acariciou a sua pele. O toque dele parecia pedir algo.

— Eu não vou demorar. — Gil garantiu, e então, pode jurar que o corpo de Vincent relaxou.

O sorriso do chefe finalmente alcançou os seus olhos e Gil gostou disso. Desse sentimento de familiaridade que pairava no ar, e por um segundo, parecia não ter mais ninguém ao redor. 

Mas havia. E Gil escutou o jovem produtor pigarreando. Vincent vestiu a sua expressão séria novamente e soltou os seus dedos, se afastando e andando em direção a sua sala.

— Vocês parecem bem. — Matt comentou, e mesmo o produtor tentando soar despretensioso, Gil pode perceber um pouco de questionamento em sua voz.

Gil não respondeu, apenas prensou os lábios e fez um sinal para que Matt a seguisse para a sua pequena sala. E assim que estavam ali, ela finalmente se permitiu encarar os olhos claros, de cores misturadas e brilhantes que Matt tinha. Os olhos mais transparentes que ela já havia conhecido. Olhos que não mereciam as mentiras que Gil precisava acobertar.

— Existe algo que eu não posso te contar, Matt. — ela simplesmente despejou.

— Isso está óbvio há muito tempo, Gil. — ele disse, a deixando um tanto desconcertada. — Por favor, eu percebi que existia alguma coisa errada nesse casamento desde que soube do seu noivado.

— É tão nítido assim que… — Que Vincent não me ama? Ela queria dizer. — Que estou escondendo algo?

O produtor apenas bateu os ombros.

— Eu não sei o que é nítido. Eu só sei que você parece triste na maioria das vezes.

Triste? Gil sentiu algo apertado sobre aquela observação.

Nunca havia pensado em si mesma como alguém triste. No meio de toda a situação que ela e Vincent haviam se colocado, jamais se sentiu verdadeiramente triste. Talvez um pouco solitária ou em confusão. Talvez incompleta e um tanto decepcionada. Porém, triste… Não. Gil não se achava infeliz. Mas sabia que não era um daqueles casos que você faria tudo exatamente igual.

Ela gostaria de não estar apaixonada.

Eu te amo.

Ela gostaria de mudar isso.

— Eu não estou triste. — e Gil sorriu, percebendo que sequer havia se esforçado para isso. — Eu realmente estou bem.

O jovem produtor a analisou por alguns segundos, e então, também sorriu.

— Eu fico aliviado em ouvir isso, Gil.

— Você não está bravo comigo? Eu não deveria ter te bei-

— Não diga que foi um erro. Me deixe ficar pelo menos com isso. — ele disse em tom de piada, mas Gil percebeu um toque de ressentimento. Era Matt quem parecia triste agora.

— Eu não me arrependo. — isso não era uma consolação. Gil realmente falava a verdade.

— Nem eu. Apesar das consequências ainda doerem um pouco. — Matt apontou para o seu nariz arroxeado.

— Me desculpe por isso, você não merecia.

— Eu só espero que Vincent realmente dê valor ao que tem, já que vocês decidiram continuar juntos apesar-

— Vincent não me traiu, e nem eu o traí! — Gil interrompeu Matt bruscamente, se dando conta só depois do que havia dito. — Quero dizer… É complicado. Eu não posso-

— Me contar?

— É… Eu não posso.

O produtor não disse nada e apenas concordou, deixando um beijo suave na bochecha de Gil e andando até a porta.

— Eu espero que quando você finalmente possa… — o jovem produtor se virou para ela. — Não seja tarde demais.

E Gil o viu sair, se perguntando quando essa culpa avassaladora a deixaria viver em paz. Talvez nunca. Talvez só quando realmente fosse tarde demais.

xXx

Era quase o final do expediente, e apesar de Vincent passar o dia inteiro em reuniões, concentrado em adiantar o trabalho, Gil não tinha a menor esperança de saírem no horário. Vincent Parker não funcionava assim, não havia momento humanamente aceitável de parar. E isso provavelmente jamais mudaria. Por isso, aproveitou que a sua presença não era necessária na reunião e resolveu organizar alguns documentos antigos e levá-los à sala de arquivos. 

Andando pelos corredores do décimo quarto andar, Gil escutou algumas vozes alteradas no hall de entrada do departamento esportivo e foi verificar se Sara precisava de alguma ajuda.

— Srta. White, mas como eu já disse, o Sr. Parker está em reunião. — Sara parecia se esforçar para não maltratar a líder de equipe.

— Eu posso ajudá-la, Amelia? — Gil tentou soar profissional, embora não pudesse evitar que depois daquele telefonema, reencontrar a líder de equipe a deixava um pouco na borda. 

Amelia fitou Gil da cabeça aos pés, sem disfarçar o seu  aborrecimento.

— Não, você não pode. — a líder de equipe cuspiu as palavras, voltando o seu olhar para a secretária. — Sara, diga a Vincent que sou eu quem quer falar com ele, garanto que irá me receber.

— Garanto que não. — Gil invadiu o campo de visão de Amelia, obrigando-a a encará-la.

— Você tem certeza que quer discutir isso na frente da secretária? — Amelia ameaçou Gil. — A minha conversa com Vince é algo que definitivamente não deveria virar fofoca pelos corredores.

— Não vejo qual assunto vocês possam ter. — Gil se fez de desentendida. — Além do mais, tenho certeza que Sara é muito discreta.

Sara deu um pequeno sorriso, que provavelmente irritou até os ossos da arrogante líder de equipe.

— Já que você insiste. — Amelia tirou uma pequena sacola do bolso de seu casaco. — Entregue para ele. É a gravata que o seu marido esqueceu na minha casa, caso você esteja se perguntando do que se trata.

Sara arregalou os olhos, encarando com perplexidade o rosto cínico de Amelia. Gil tentou transparecer calma diante daquela afronta. Lembrava-se muito bem que Vincent não usava nenhuma gravata no dia em que ele a deixara sozinha no apartamento. Mas não daria esse prazer a Amelia e apenas decidiu jogar o jogo.

— É muita gentileza sua devolvê-la. — Gil segurou a sacola entre os dedos, desejando que eles não tremessem agora. — Era só isso? — perguntou de maneira impassível.

— Não. — Amelia praticamente rosnou. — Tem algumas questões que eu e Vince ainda não terminamos de discutir, mas talvez seja melhor ele passar mais tarde na minha casa.

Os olhos de Sara só faltavam pular para fora. E Gil sabia que não era só a secretária que esperava alguma reação dela. Amelia ansiava pelo descontrole de Gil feito um urubu em volta da carniça.

— Então, está tudo resolvido. — Gil deu as costas para a líder de equipe, desviando a sua atenção para Sara. — Vou levar alguns documentos para o arquivo, qualquer imprevisto me ligue no celular, tudo bem?

Sara apenas assentiu, com a expressão beirando a incredulidade e admiração. E Gil andou sem olhar para trás, segurando a vontade de checar se a sua indiferença havia surtido o efeito que ela esperava. Já estava na metade do corredor quando escutou a voz de Amelia se aproximar.

— Vincent dormiu comigo, Gilan.

Gil travou o passo, e sem ao menos se virar ouviu-se respondendo.

— Não, ele não dormiu. — porque Vincent disse que nada havia acontecido, e Gil acreditava nele. Confiava nele.

— Você acha mesmo que um homem passaria a noite inteira na casa da ex-namorada sem que nada, absolutamente nada, acontecesse? — Amelia a questionou. — Eu sei que você é muito nova, mas, realmente… É tão ingênua assim?

Gil respirou fundo, tentando puxar a maior quantidade de ar que pudesse, numa tentativa tola de se acalmar e firmar a voz, e então, se virou. Encarando os olhos âmbar da líder de equipe.

— Você sabe que o carro dele estava na minha casa. — Amelia continuou, antes mesmo que Gil pudesse dizer algo. — E você sabe que ele nunca poderá me esquecer.

— Foi para isso que veio até aqui? — Gil a confrontou. — Para reafirmar os sentimentos de Vincent por você? — então, com mais raiva do que deveria, ela tacou o pequeno embrulho na direção de Amelia, a acertando no peito antes de cair no chão. — Ele sequer estava usando uma gravata nesse dia.

Amelia abaixou-se lentamente e pegou a sacola do chão. Ergueu o seu olhar na direção de Gil com um sorriso ínfimo nos lábios.

— Essa gravata não foi daquele dia. — ela abriu ainda mais o sorriso e Gil oscilou um pouco, entregando uma pequena ruga no meio de sua testa. — Você é realmente tão inocente, Gilan, tão inexperiente. Vincent nunca deixou de me ver. Nem mesmo em sua noite de núpcias.

Gil fixou o seu olhar na expressão da líder de equipe, e só por hoje, gostaria que Amelia fosse um pouco menos intimidante. A verdade era que os fatos não estavam a favor de Vincent e Gil sabia disso. Gil sabia disso desde que ele passara a noite com Amelia.

Gil sabia tanto, que havia saído de casa.

Nada aconteceu. Gil acreditava. Por mais absurdo que pudesse parecer, Gil apenas… Acreditava.

— Vincent não dormiu com você. — ela disse simplesmente.

— Você é cega? — Amelia finalmente se livrou da máscara de mulher contida que insistia em sustentar. — Não é possível que não veja o que isso signifique. Ele passou a noite comigo! — ela bateu em seu próprio peito. — Comigo! Entende? Na minha cama.

— Você diz o conhecer tão bem, Amelia… — Gil fez uma pausa antes de continuar. — O pai de Vincent traiu Elaine. Como você pode vir até mim e dizer que Vincent também é um traidor? Como você pode compará-lo com a pessoa que ele mais despreza? — Gil flagrou a expressão da líder de equipe se tornar menos confiante. — Vincent jamais seria infiel. E você deveria saber disso.

Amelia torceu os lábios e abaixou o seu olhar. O único barulho do corredor eram as respirações de ambas. Gil sabia que era o momento de dar as costas e ir embora. Não havia mais o que ser discutido.

— Ele já disse que te ama? — Amelia murmurou tão baixo que Gil pensou ter imaginado a pergunta. — Vincent já disse que te ama? — a líder de equipe repetiu, olhando fixamente para Gil.

— Vincent é o meu marido, Amelia. Supere isso. 

— Você não respondeu a minha pergunta.

Gil não responderia. Jamais poderia. Porque sabia que essa era a única coisa que doeria mentir.

— Eu não preciso te responder o óbvio. — a voz de Gil tremeu um pouco.

— Você está mentindo. — a líder disse num misto de animação e espanto. — Deus! Você realmente está mentindo?

— Acredite no que quiser, Amelia. Faça o que for preciso para se sentir melhor. — Gil retrucou imediatamente. Feliz por demonstrar mais convicção do que antes.

Tentou sair dali com passos rápidos, ansiosa por abandonar aquela conversa.

— Ele nunca vai dizer.

A voz de Amelia ecoou por aquele corredor e Gil ofegou, sentindo a sua confiança se desintegrar como uma onda quebrada, uma onda que atravessara todo o mar apenas para morrer na praia.

— Você pode dormir e acordar com ele, mas Vincent nunca será inteiramente seu. — ela continuou, sua voz tão amarga quanto as palavras que cuspia. — Porque toda vez que eu chamar ele irá. Porque toda vez que eu precisar ele estará comigo. Porque ele não pode deixar de me amar, Gilan. Por mais que ele lute, por mais que ele tente… Vincent simplesmente não consegue me deixar para trás.

xXx

Diferente do que imaginava, o chefe realmente havia terminado a sua reunião no horário previsto e agora seguiam para o apartamento muito mais cedo do que de costume.

— Você quer jantar em algum lugar? — Vincent perguntou.

— Não estou com muita fome. — Gil percebeu que a sua voz soou fraca e limpou a garganta tentando consertar aquela impressão debatida. — É que me acostumei a comer mais tarde. Mas posso cozinhar algo para nós quando chegarmos, se você quiser.

— Não é necessário. Também não estou com muita fome agora. — o chefe a encarou com um pequeno sorriso. Tão doce e suave. Gil até poderia se acostumar com esse lado de Vincent, mas isso só seria um problema a mais para resolver. Um problema a mais quando tudo acabasse.

Desviou o olhar do chefe e encarou a paisagem borrada fora da janela do carro. Aquela cidade era tão familiar, tão certa e cheia de lugares que ela se sentia segura. Mas pela primeira vez, um pensamento cortante atravessou a sua mente, o de deixar aquele lugar. Viver longe de todas as lembranças daquela mentira que haviam criado. Viver longe de Vincent.

— Está tudo bem com você, Gilan? — apesar de ser uma pergunta simples, o tom de voz do chefe parecia cercá-la contra a parede, sem espaço para que ela mentisse.

Mas Gil havia se tornado tão boa nessa coisa de mentir, de fingir, de jogar no fundo do peito todas as coisas que ela deveria dizer, mas nunca dizia.

— Sim, eu estou bem, só um pouco cansada. Fiquei muitos dias sem trabalhar, então algumas demandas se acumularam. — ela disfarçou, e pelo menos nem tudo aquilo era invenção.

Vincent pareceu aceitar a sua resposta, pois não disse mais nada até chegarem ao apartamento, o que foi um certo alívio.  O chefe sempre ficava em silêncio quando ela mais precisava, e Gil não conseguia deixar de pensar que isso era parte da sensibilidade dele ao observá-la e entendê-la. E essa possibilidade doía um pouco. Não queria que Vincent a conhecesse tanto, não queria que fosse compreensivo e atencioso. 

Não queria que fosse tão inevitável amá-lo.

Assim que chegaram ao apartamento, Gil só conseguia pensar em tomar um banho, se enfiar debaixo dos cobertores e dormir. Era ridículo, ela sabia, mas também era a única coisa que a faria parar de pensar nas palavras daquela mulher. Amelia era tão cheia de si. Tão certa dos sentimentos de Vincent. Tão diferente de Gil. Porque Gil nunca se sentiu segura daquela maneira.

Eu quero tentar tudo com você. 

Era só o que ela sabia, era essa a certeza que tinha. De que estavam tentando. Não era o suficiente? Deveria ser, se não estivesse com esse ciúmes insuportável a cercando. Como era possível ser tão instável assim? Em um momento, inteiramente contagiada e iluminada pela presença de Vincent, no outro, apenas um espectro se arrastando em pensamentos autoflagelantes.

Isso era normal? Amar seria sempre assim? Pairar entre sentimentos dúbios?

Quando estava prestes a subir as escadas para o quarto, sentiu a mão de Vincent a puxando. Não tinha força naquele gesto, mas tinha firmeza, tão intensa, que a fez se virar em sua direção.

— Você sabe por que voltamos para a nossa casa tão cedo, Gilan? — ele perguntou com a voz um tom mais grave que o habitual. 

Gil apenas negou com a cabeça, sem condições de realmente falar. O olhar de Vincent era muito excessivo. Muito difícil de lidar naquele momento. 

— Quer saber o motivo? — ele continuou e ela apenas assentiu. — Porque eu estou desesperado para te foder. Porque eu passei mais de oito horas com os dedos queimando para tocar em você.

Gil sentiu a sua boca tremer um pouco. Estavam tão próximos, daquele jeito que a deixava desnorteada por todos os motivos possíveis, desde o cheiro dele até o calor que contornava o seu corpo. E se inclinou até o chefe. Se ele queria tanto tocá-la, por que não o fazia de uma vez?

— Quer saber por que eu não te toco? —  ele pareceu ler os pensamentos de Gil. — Porque antes de fazer tudo o que eu planejei, preciso saber que porra está acontecendo! E não perca o seu tempo inventando qualquer desculpa, eu sei exatamente o humor que te deixei nessa manhã e alguma coisa está incomodando você.

— Talvez eu só queira que você me foda logo e pare de conversa fiada. — Gil despejou. Um poço de mágoa rastejando em suas palavras.

Era injusto com Vincent, mas também não era. Ele tinha culpa nisso, mesmo que não fosse exatamente assim. Às vezes Gil tinha a impressão de que Amelia era uma cláusula em letrinhas miúdas e ilegíveis naquele contrato de casamento.

— Você acha que eu estou brincando aqui, Gilan? Se eu colocar as minhas mãos em você eu não vou me controlar. E vou te manter naquela cama a noite inteira, e eu não sou a merda de um animal irracional, não vou estar com uma mulher que parece insatisfeita.

— Vou ficar satisfeita se você me foder! — ela ofegou um pouco, parecia uma tola agindo daquela forma, mas ainda sim, se sentia muito quente.

— Você é tão teimosa! — Vincent grunhiu antes de finalmente juntar as suas bocas.

Era punitivo. Gil sentiu isso em cada milímetro daquele toque com gosto de menta e frustração. E para ser honesta, nem ela mesma correspondia como sempre, estava com tanta raiva. Raiva do passado dele com Amelia. Raiva das coisas que não tinham, e das vezes que Vincent parecia tão sentimentalmente indisponível.

Mas no final das contas, era esse homem quebrado que conseguia tocá-la tão bem. Que conseguia transformar a sua pele em incontáveis pontos de erupção. Porque quando se tratava de Vincent até mesmo a sua mágoa vinha com uma pitada de necessidade primitiva. E isso era injusto. Era muito injusto que a sua boca não fosse capaz de desgrudar da dele. 

As mãos de Vincent cercaram a sua cintura e braços até alcançar o seu rosto, o segurando com uma força maior que o normal, como se lutasse contra a vontade de continuar ali. Finalmente se afastaram, e Gil tremia de uma maneira que só a deixou ainda mais irritada. Se sentia petrificada por não conseguir disfarçar a proporção do seu desejo.

— Pelo amor de Deus, Gilan! Apenas me diga o que está acontecendo. — Vincent encostou a sua testa na dela e implorou. — Eu estou desesperado para ter você, mas eu não vou simplesmente te arrastar até a nossa cama sem saber por que você está agindo assim.

— Eu já disse que estou bem. Apenas me beije! — Gil tentou se aproximar e tocá-lo novamente, precisava tanto desviar os seus pensamentos. Não queria pensar em mais nada. Não queria pensar.

— Esse não é o seu beijo, Gilan. — Vincent a apertou, afastando as suas bocas. — Eu te sinto distante.

— O único querendo me afastar é você, Vincent. Eu estou realmente tentando ter algum prazer por aqui.

Gil forçou os seus corpos juntos novamente, os esfregando com ainda mais força, se friccionando com um desespero que quase a fez conseguir o que tanto queria do chefe, uma foda áspera, que a fizesse flutuar para longe de sua própria mente.

— Você disse que me ama. — Vincent balbuciou entre a sua boca.

O constrangimento de ouvi-lo falar de sua confissão a desestruturou, a deixando perplexa. E isso finalmente a fez parar de tocá-lo.

— Eu provavelmente sou um egoísta de merda por tocar nesse assunto, — ele continuou. — mas eu gostei. Eu gostei de ouvir aquilo. E gostei ainda mais de sentir. Do seu corpo tremendo, das suas mãos me deixando consciente de que você não estava mentindo. — ele a afastou sutilmente. — Eu te toquei o suficiente para ter certeza de que você não estava mentindo naquele momento. Mas sei que está mentindo agora. Então, apenas me diga… Que porra está acontecendo, Gilan?

Gil não queria respondê-lo. Simplesmente não queria.

Trazer Amelia à tona justo quando Vincent se comportava de forma tão dedicada e receptiva era desfavorável e burro. Muito burro. Isso era totalmente o contrário de tentar. Era complicar o pouco de progresso que tiveram. Mas, aparentemente, estar apaixonada era mesmo uma burrice, e Gil precisava saber. Precisava ouvir com todas as letras. Precisa enfiar a faca na ferida e torcer de uma vez.

Eu sou, e continuarei sendo, apaixonado por Amelia.

— Você ainda ama Amelia?— ela perguntou, enfim.

— Não. — Vincent retrucou imediatamente.

No. Mesmo. Segundo.

Gil engoliu um soluço, e os seus olhos o encaravam com surpresa. Não tanto pela resposta, mas pela rapidez dela.

— Faz algum tempo que os meus sentimentos por Amelia mudaram. Mas não vou mentir, eu ainda me sinto conectado.

Às vezes, só às vezes, Gil detestava a honestidade de Vincent.

— Ela me procurou hoje. — Gil confessou, e o chefe não alterou em nada a sua expressão. Não sabia se isso a acalmava ou a irritava mais.

— Amelia te perturbou?

— Não. — mentiu. Gil se sentia realmente perturbada, mas não era algo que estava disposta a admitir. — Mas ela acredita que você nunca poderá esquecê-la. — E jamais poderá me amar. — Talvez Amelia esteja certa. Talvez essa… Conexão, como você mesmo chamou, tenha se tornado algo inquebrável.

O chefe ficou em silêncio. Um silêncio que parecia pior do que qualquer confissão que ele pudesse fazer. Gil só queria sair dali e se trancar em seu quarto, no seu antigo, não no que dividiam agora. Mas aquilo seria idiotice. Estavam tentando. Gil não podia agir como uma criança assustada justamente agora. 

— Vamos para o nosso quarto. Quero que me ajude a resolver isso. — o chefe finalmente falou. 

— Não será o sexo que resolverá essa conversa, Vincent.

— Quem estava me implorando para te foder minutos atrás era você. — o chefe debochou. — Mas não é isso que quero fazer no quarto. — ele estendeu a sua mão. — Apenas venha, Gilan.

Gil o seguiu pela escada até o quarto, Vincent entrou no closet e voltou logo em seguida, segurando um objeto em suas mãos. E Gil mal pode disfarçar a sua decepção quando viu o chaveiro que o chefe havia ganhado de Amelia. Um ciúme desproporcional dominou o seu corpo ao constatar que Vincent ainda guardava aquele objeto.

— Uma vez você me disse que esses objetos deveriam estar guardados numa caixa no fundo do guarda-roupa. — Vincent murmurou, seus olhos fixos nas letras do pequeno chaveiro.

Vincent sorriu para Gil e apertou o objeto entre os dedos indo em direção à lixeira que ficava no quarto. E então, o chefe apenas jogou o chaveiro lá dentro. Simples assim. Vincent se livrou daquilo sem aparentar qualquer hesitação. 

— Por que você fez isso? — Gil olhou perplexa para a lixeira.

— Porque eu quis. — ele disse simplesmente.

— E o que toda essa cena significa, Vincent?

— Significa exatamente o que é. Que eu estou jogando o chaveiro fora. Porque não é mais no fundo do armário que esse objeto deve ficar. Estou jogando fora porque não quero essa conexão com ninguém além de você. — ele suspirou, se aproximando e segurando o rosto de Gil. — Eu estou jogando fora porque estamos tentando, Gilan. Porque eu sou o seu marido. Porque eu sou seu.

Gil até pretendia disfarçar a empolgação de escutar aquilo, mas os músculos do seu rosto a traíram com um sorriso. Se viu esfregando a sua pele nos dedos de Vincent, como se pedisse por um pouco mais daquela proximidade que a deixava tão consciente do quanto adorava estar naquele quarto com ele.

— Será que agora eu ganho um beijo de verdade? — o chefe a provocou, roçando levemente os seus lábios.

— Parece razoável. — ela o provocou de volta, mas sem realmente beijá-lo.

— Razoável? — Vincent riu contra a sua boca. — Eu esperava mais de alguém que se diz apaixonada.

— Você precisa mesmo ficar repetindo isso? — Gil revirou os olhos, o chefe conseguia ser tão irritante.

— Talvez eu apenas tenha gostado de saber.

— Ou talvez você só seja um convencido de merda. — ela retrucou, fazendo Vincent rir ainda mais.

— É provável. — ele encostou novamente os seus lábios nos de Gil. — Mas pode ser que eu adore te ver vermelha.

— Você é tão irritan-

Vincent a puxou prensando os seus lábios juntos. Agora sim era um beijo. Com a intimidade que estavam aprendendo a compartilhar e um toque de desespero que já fazia tão parte deles. Exatamente da forma que um beijo com Vincent deveria ser.

— Tem algo importante acontecendo aqui, Gilan. — o chefe apontou entre os seus corpos pressionados. — E eu não deixarei que nada estrague isso.

Vincent tocou novamente em seu rosto e Gil se permitiu acreditar. Por que seria diferente? Era Vincent ali, a olhando com olhos honestos. Era Vincent, por quem ela estava se expondo de maneira tão sincera e desprotegida. Por Deus, era o seu marido ali, querendo tentar. O que mais Gil poderia pedir?

Estava apaixonada por um homem que era seu. Isso tinha que valer de alguma coisa. Isso tinha que levá-los para algum lugar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e valido a espera. E acreditem, o próximo capítulo não demora…Prometo, mãe! xD



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