Feel My Bones escrita por Veridis Quo


Capítulo 1
- It's Only Natural.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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"Dont you wanna come with me? Dont you wanna feel my bones in your bones? It's only natural."

 

A vida amorosa de Leonard H. “Bones” McCoy nunca foi as mil maravilhas. Quer dizer, desde que nasceu seu pais achavam que o menino era muito propenso a perder a paciência da forma mais resmungona possível, começando a reclamar desde cedo, suscetível ao mal humor. McCoy não possuía paciência para besteiras, dramas sem sentido ou pessoas arrogantes, assim como não tinha paciência para mulheres que exigiam muito de si. Formou-se em Medicina, namorou algumas até casar-se com aquela que lhe consumiu até os ossos da paciência, tanto que ele se disponibilizou a entrar para a Frota Estelar e largar de mão aquela mulher.

Então eis que ele conheceu outra, mais sensata, que lhe roubou a atenção pela coragem de ter mentido para Spock além de querer desarmar, sozinha, um torpedo. A atenção que ela lhe deu para o braço preso, o olhar brincalhão de volta ao “você vomita?” quando a Nave estava caindo nos céus. Não teve tempo de falar com ela além de tentativas vãs de lhe pagar uma bebida ou tirar os olhos do PADD. Mas uma coisa que Leonard sempre se questionava era porque ela não queria vir com ele, sentir os ossos dela nos seus? Talvez Bones sempre passasse uma espécie de medo para os outros tripulantes, como naquela vez que Chekov mostrou exatamente isso quando fez o favor de furar a mão em um acidente, sangrando no chão e fazendo Sulu quase berrar. Não fora um ferimento grave, mas Pavel parecia querer cair em prantos a qualquer momento.

— Eu não sei como você fez isso, menino, mas não está tão feio assim. — Reclamou em meio a um estalar da língua na boca. Enfaixou a pequena mão do Russo — Podia ser pior.

Mas quando ergueu a cabeça, Pavel lhe fitava com certo medo, sabendo que Leonard podia explodir em cima de si por não ter sido mais atencioso, afinal, lugar de criança é em casa e não em uma Nave Espacial.

—O que foi?

— Posso ir, senhor? — Perguntou ele em seu forte sotaque russo.

— Claro, mas fique longe de coisas pontudas.

Chekov saiu dali quase correndo e Sulu, que estava como um Guarda na porta da enfermaria, apenas fitou Bones de maneira aliviada. Com aquilo na cabeça, Leonard se sentou ao lado de Spock no refeitório, notando que o Oficial tomava um pouco de café.

— Você está esperando alguém, Spock?

— Negativo, Dr. McCoy, pode tomar o assento se quiser.

Em um suspiro típico de alguém impaciente, Leonard se sentou. Spock permaneceu lhe fitando da maneira altiva, serena, as íris castanhas transmitindo certa tranquilidade que o Médico não conhecia de perto.

— Não vai perguntar por que eu me sentei aqui, Spock? — McCoy torceu o bico.

— Eu estava esperando que me dissesse.

— Ótimo, ótimo. Onde está Jim?

— Ainda na Ponte acertando as últimas coordenadas de comunicação com Tenente Uhura, Dr. McCoy. — Respondeu Spock, imparcial — Sendo assim, não virá ao refeitório hoje para conversações longas.

— Temo atrapalhá-lo. — Suspirou de novo, o que fez Spock pensar o quanto aquele pulmão sugava ar e o quanto as costelas se dilatavam para a ação. — Vocês tem alguma partida de xadrez marcada hoje?

O Vulcano-Híbrido ergueu uma das sobrancelhas.

— Dr. McCoy, há algo lhe incomodando? — Spock não costumava se arrepender de suas falas o tempo todo por serem muito bem pensadas, mas naquele momento, quase quis arrancá-las do espaço tempo porque o Médico se levantou da cadeira como um raio:

—Eu pareço incomodado?! Por que todos estão agindo como se eu estivesse incomodado? Eu estou muito bem para a sua informação, Sr. Spock!

E a reação do Oficial irritou ainda mais McCoy por ter sido tão sensata: — Não entendo o porque da defensiva, Dr. McCoy, meu questionamento não foi para sanar uma curiosidade pessoal. O fiz porque seus pulmões tomaram consideráveis rajadas de ar nos últimos instantes e tomei a liberdade de preocupar-me.

— Eu estou ótimo para a sua informação, estou ótimo! — McCoy abandonou o refeitório e foi pisando fundo para a Ponte, entrando nela e notando que Uhura já recolhia os equipamentos. Ela passou por ele em um “olá” e Bones se aproximou de Jim que retirou o fone do ouvido.

—Bones. — Saudou ele.

— Preciso te fazer uma pergunta.

— Você está me assustando. — Jim se permitiu arregalar os olhos azuis em um sorrisinho — O que foi que eu fiz?

— Não é o que você fez, Jim, é o pessoal dessa Nave. O Spock acabou de dizer com todas as palavras que estou estressado, Chekov tem medo de mim e Carol----

— Espera! — Kirk se inclinou para o amigo — Spock falou com todas as palavras que você está estressado? 

— Claro que não, no dia que ele falar assim eu me demito e vou para um hospital psiquiátrico porque estarei delirando — Rolou os olhos — Mas a questão não é o Spock, Jim, sou eu.

Kirk riu.

— Bones o que você tem?

— Eu acabei de te falar.

— Você por acaso está me perguntando se eu lhe acho estressado?

“It’s someone’s calling? An angel whispers my name, but the message relayed is the same:

Wait till tomorrow, you’ll be fine.

— Sim, eu estou. — Respondeu e cruzou os braços na altura do peito, ouvindo Jim ter um ataque de riso. A veia pulsou na sua testa e tentou ignorar, mas o Capitão da Nave parecia estar sendo engolido por uma espiral de piadas mentais, ou talvez pelo simples fato de Leonard, o homem mais estressado do mundo, estar perguntando aquilo.

Então Jim deu tapinhas no rosto de Bones, dizendo: — Bones, você só pode estar de brincadeira!

—Vá se foder! Vá se foder! — Gritou e tirou a mão dele de seu rosto, saindo da ponte do mesmo jeito que havia deixado: aborrecido. Então quer dizer que para ter Carol precisaria aguentar o Jim do mesmo jeito que Spock aguentava? Ou então ficar apoiando Scott bêbado? É isso! Scott!

Entrou na Engenharia e o viu comendo um sanduíche de atum.

— Opa! — Exclamou o Engenheiro Bélico, tentando esconder a comida — Não se preocupe que estou dentro da dieta, Bones!

Algo oscilou dentro dele. Scott estava comendo na engenharia. Na porra da engenharia. O refeitório servia para quê? Mas tudo bem, engoliu. Não se preocupe com isso, Sr. Scott, eu vim apenas checar como está tudo por aqui.

O escocês não parecia convencido.

— Está tudo maravilhoso. Já vou terminar o lanche e passar a marcha, haha. — Riu nervosamente — Então....

McCoy assentiu. Tentou não olhar para o sanduíche gorduroso nas mãos do mais baixo em pé a sua frente.

— Na verdade não foi somente isso que vim lhe perguntar.

— É sobre mulheres?

— Em parte.

— Ah, mulheres — Scott suspirou se encostando em uma das barras prateadas da Enterprise — Elas fazem a gente querer ser outra pessoa apenas para agradá-las não é mesmo? Quem é a felizarda, Dr. McCoy?

— Ainda não quero falar quem é. Sabe, ainda não tenho certeza se vai dar certo. — Bones respondeu.

Scott sorriu: — Como quiser. Eu sou um profissional em questão de mulheres, embora tenha ficado sozinho por um tempo. Esse período me permitiu analisá-las melhor, claro.

— Acha que o comportamento de um homem pode afastá-las?

— Claro que pode. — Scott deu mais uma dentada no sanduíche, completando de boca cheia: — A primeira impressão é a que fica.

Ah, fodeu. Que impressão havia deixado em Carol? Que metia a mão na barriga de Gorns?

"But it’s gone to the dogs in my mind I always hear them when the dead of night comes calling to save me from this fight. But they can never wrong this right."

— Eu posso ter deixado ela amedrontada. E não a culpo, Scott, é que simplesmente as pessoas não facilitam para mim. — Passou a mão na nuca — O senhor acha que estou muito estressado?

Neste momento, Scott se engasgou com o sanduíche e começou a tossir em busca de ar. Com a mão em punho, deu tapinhas no próprio peito e McCoy tentou ajudá-lo até perceber que ele estava rindo. E ria como se tivesse ouvido a mesma piada contada à Kirk.

—Posso saber por que o senhor está rindo? — Quase desferiu um tapa no pobre Scott que respondeu:

—Você vai me — Tossia — desculpar, mas essa pergunta foi....— Riu de novo. Bones o deixou ali e muito magoado, foi ficar sozinho em um lugar que ninguém lhe perturbaria: A sala de projeção.

Se sentou sobre o batente prateado muito parecido com o que Scott se encostara com o sanduíche e respirou fundo, tentando buscar no fundo da memória algum momento que pudesse ter assustado Carol Marcus. Aquilo ali não era a moça somente em questão e sim o medo de acabar sendo evitado pelas pessoas, lá no fundo, pela sua personalidade. Jim nunca havia reclamado de nada, mas percebia que ele fazia de tudo para animá-lo ou deixá-lo mais solto, inclusive com as tentativas de levá-lo para a sala de jogos. Mas não, McCoy se sentia velho para isso, e tudo que era jovial em Jim faltava nele pelo divórcio difícil, os papéis assinados, ter de sair de casa e começar uma vida na Frota Estelar.

Ergueu a cabeça e no silêncio da sala de projeção, seus olhos foram iluminados pela energia das estrelas, seu núcleo de plasma. Tão entretido no brilho e nos próprios pensamentos, não percebeu que alguém adentrara a sala de projeção.

— Não era de meu conhecimento que a constelação de Cetus possuía um admirador além de mim, Dr. McCoy. — Bones não se assustou com a voz repentina por causa da calmaria contida nela, caso contrário teria pulado para frente e batido a cabeça no vidro.

Era Spock. O Vulcano se aproximou e ficou ao lado dele, embora não encostado ali na barra. As mãos estavam posicionadas nas costas e ele não lhe fitara mui longamente. McCoy percebeu que sobre a luz, o sangue esverdeado se tornava mais visível.

— Ah, olá, Spock. — Saudou — Desculpe qualquer coisa no refeitório.

— Suas desculpas não são necessárias. — Ele fez questão de pontuar — Confesso que minhas observações não foram adequadas.

McCoy quase riu: — Um Vulcano falando que errou? Estou ouvindo direito?

— Sua audição está perfeita, Dr. McCoy. — Havia um toque de ironia na voz de Spock, algo divertido. Quase uma “tirada” — Mas nem sempre falamos coisas agradáveis, as vezes cometemos certos equívocos. É para isso que serve o começar de novo, talvez uma confissão do próprio erro. Alguns cientistas terráqueos diziam que admitir o equívoco é a chave da sabedoria.

A Chave da sabedoria. Nunca admitiria, mas Spock era o homem mais sábio que conhecera, possuía certa admiração por ele. Então ficou calado esperando sorver mais daquilo, esquecendo-se um pouco do próprio aborrecimento das conclusões que tivera.

Never had a lover, never had soul, never had a good time, never got gold.”

Notando que Leonard não implicara consigo como normalmente faria, Spock o fitou. Não era um especialista em emoções humanas ou muito menos adepto a leitura de Freud, mas foi possível sentir decepção em McCoy. O Médico quebrou o silêncio:

— Eu sou uma pessoa péssima.

— Qual foi o motivo de tão inusitada conclusão, Dr. McCoy? — Perguntou Spock.

— Não venha me dizer que não sabe, duende. — Respondeu ele de imediato — Na primeira vez que tive contato com você, xinguei sua filosofia. Carol deve estar fugindo de mim.

—Então tais questionamentos inerentes a sua existência, conhecidos como "crise existencial" vem da senhorita Marcus. — Concluiu o Vulcano. — Fascinante.

— O que tem de fascinante aqui? Há somente um homem precisando de uma boa dose de bebida, esquecer de si mesmo e você vem me dizer que é Fascinante, Spock?!

Estava um pouco escuro na sala de projeção, mas Leonard podia jurar que seu amigo Vulcano estava sorrindo de canto.

— É fascinante o modo em que seres humanos tomam conclusões precipitadas sem, antes, confirmá-las. O senhor por acaso já perguntou à Senhorita Carol se ela não aprecia sua companhia?

— Não preciso perguntar, ela mal para na Enfermaria. — McCoy sentiu algo arder na garganta — Eu não sou idiota, Spock.

— Eu não disse isso, Doutor.

— Então por que diabos o Chekov estava tão amedrontado quando foi à enfermaria? Por que Scott tem tanto medo de comer na minha frente quando não está no refeitório e por que você vive afirmando coisas técnicas sobre minha respiração? Porque eu sou um cara rabugento que nunca mais vai ter uma mulher na vida. Ela dizia isso, sabe? Eu fiquei três anos casado para descobrir que nunca a fiz feliz e não sei porque estou lhe contando isso. Você não entende essas coisas, sua filosofia é baseada na lógica e não no sentir. — McCoy se afastou um pouco, lambendo os lábios e negando com a cabeça — Vulcano de sangue verde.

Spock ficou um tempo ouvindo a respiração ruidosa de Bones indicando que este se encontrava um pouco alterado. E ao contrário dele, o Oficial apenas assentiu suavemente.

— O senhor está certo em parte. — Fez um gesto com a cabeça — Mas não em todo o argumento. A filosofia Vulcana tem a lógica como modo de vida, uma base para existência e alicerce quando por algum motivo não sabemos o que fazer. Tais situações, de se encontrar perdido, Dr. McCoy, são universais para qualquer vida baseada em Carbono. O senhor não está ausente disso sendo humano e eu também não estou, a minha mãe era humana. — Parecia doer em Spock falar de Amanda no passado, mas ele continuou — Todavia, afirmar que nunca mais irá encontrar uma parceira é completamente ilógico tendo em vista suas qualidades e seu talento para a medicina. Se Pavel Chekov lhe temeu, creio que me teme também, pois este as vezes se encontra desconfortável na presença de pessoas mais velhas sendo considerado na transição da infância para a adolescência. E Jim nunca reclamou de sua forma de agir, muito pelo contrário, ele preza a sua presença assim como eu o faço. Não acredite, Dr. McCoy, em pensamentos negativos que lhe vem a mente baseados em situações difíceis de sua vida. Caso fosse assim, eu também não teria como começar novamente ou muito menos qualquer um desta Nave. Meu conselho é que pare de ficar observando a Constelação de Cetus e vá, por fim, questionar a Senhorita Marcus se os seus interesses amorosos são compatíveis aos seus.

McCoy ia abrir a boca quando Spock educadamente interrompeu: — Caso contrário, não vejo porque não deixar as coisas fluírem em sua maneira natural.

"It’s only natural."

Leonard virou o rosto para a esquerda afim que Spock não o visse sorrir e meio que assentiu, fazendo um gesto suave. Admitiu para si mesmo que tinha de conversar mais vezes com aquele Vulcano tão excêntrico e sarcástico da ponte, lhe dedicar algumas farpas e pedir um conselho. Surpreso e fitando uma última vez a constelação de Cetus antes de se despedir, disse: — Que essa conversa fique apenas entre nós dois.

— Considere um segredo nosso, Dr. McCoy. Caso não se importe, ficarei aqui mais um pouco.

Bones sorriu e deu um tapinha sobre o braço de Spock que lhe respondeu apenas com um erguer de uma das sobrancelhas. Parou na saída da sala de projeção.

— Obrigado. — Emendou — Por ter dito o nome da constelação. Eu sempre esqueço.

— Não por isso. — Spock disse e as portas se fecharam porque McCoy se afastou. O peso retirado de si fora considerável e mais leve, se permitiu relaxar um pouco a expressão. Era um momento raro, mas não impossível afinal.

No turno seguinte, sem esperar, Carol apareceu na enfermaria com o PADD e o pousou na mesa. Leonard a fitou como se estivesse vendo a moça pela primeira vez e retribuiu o sorriso que ela lhe direcionou, notando que esta colocava uma mecha dos cabelos loiros para atrás da orelha.

— Olá, Leonard. — Saudou a loira.

— Bom dia, Carol. — Disse, lembrando que, no horário artificial da Enterprise, era dia. — Finalmente terminou o relatório?

— Sim, sim. Me desculpe a demora, foi realmente difícil acompanhar Mr. Sulu para lá e para cá na Estufa. Foi algo desafiador. — Riu.

Bones voltou a olhar para seu telescópio em uma gargalhada breve, isso até sentir a mão dela sobre seu ombro: — Eu----

—Tem algo para me perguntar?

— Sim. — Afirmou, o sangue nas bochechas — O senhor por acaso está livre mais tarde?

Para sentir a pele dela sobre a sua? Estava livre para sentir seus ossos nos de Carol? Acertaram horários, Leonard fez questão de deixar claro toda a sua liberdade. Porque desde a vez que a viu corajosa a tentar tirar sua mão do torpedo, sentiu que chegou a hora de começar de novo. E do jeito que Spock falou, foi natural. Natural como a evolução, natural como a verdade.

E natural como as pessoas que apreciam automaticamente a personalidade tão exótica de McCoy, ele sentiu os ossos dela sobre os seus.

É simplesmente natural.


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