Crônicas de uma garota Uchiha escrita por LittleR


Capítulo 3
O despertar: a maldição do ódio


Notas iniciais do capítulo

A partir de agora, os capítulos ficarão um pouquinho maiores



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"Naquele dia, você me ensinou que a solidão é dolorosa! Eu entendo muito bem agora. Eu tenho família e eu tenho amigos, mas se você se for... para mim... será o mesmo que estar sozinha."
— Haruno Sakura.

 

III.

 

(Uma vez, alguém me disse que, para sobreviver, nós nos apegamos a tudo aquilo que conhecemos e entendemos, e rotulamos isso como realidade. Mas, conhecimento e entendimento são ambíguos, assim, a realidade é apenas uma miragem.

Quem foi mesmo que me disse isso?

Ah, sim. Foi meu tio. Mas não era exatamente para mim que ele estava dizendo. Eu só estava lá... de penetra.)

***

Era tarde. Bailava uma brisa fria, naquele dia. Uma brisa mórbida que assoviava entre meus cabelos e me fazia ter sensações constrangedora.

Eu havia sonhado com Bolt. A noite inteira. Talvez por isso, seja possível imaginar o porquê de tais sensações. Principalmente com aquele sentimento estranho se formando na boca do meu estômago e a vontade quase irresistível de vê-lo. Havia alguma coisa errada comigo naquele dia, definitivamente.

Ignorei tais pensamentos e continuei correndo. Correndo através da floresta e da brisa fria. Não sozinha, é claro. Meus companheiros comigo, um à minha direita e outro à minha esquerda. Olhei-os de esguelha, mas evitei prolongar o olhar no lado direito... o motivo é... você sabe... ele poderia perceber... que eu o estava ignorando desde a saída da vila.

Eu sei que não tenho o direito, mas não é culpa minha se, de repente, eu olho meu amigo de infância e me lembro dos sonhos constrangedores que tive noite passada. Não, definitivamente, eu não teria coragem para falar com ele antes das oito da noite. Eu amaldiçoo os pensamentos que me desrespeitam e as vontades que me confrontam.

Ao invés disso foquei toda a minha atenção na missão. Suspirei. O sol já estava se pondo e nunca é uma boa ideia viajar à noite. Alguns metros mais à frente, em uma clareira cercada de cerejeiras em floração, eu parei a formação. Aquele me parecia um bom lugar.

— Que acham de acamparmos aqui? — eu retomei as conversações.

A resposta veio de Mitsuki.

— Parece bom.

Com a concordância de todos, nós pulamos para a clareira e começamos a montar acampamento. Ou quase. Boruto estava quieto demais, eu notei. Mal disse duas palavras e sua expressão não era das mais amigáveis. Isso nunca era um bom sinal, mas... não pense nisso, Sarada. A missão, concentre-se na missão.

— Eu vou procurar lenha. — notifiquei de súbito. — Vocês podem ir armando as barracas.

Com isso, eu me livraria de um trabalho em que eu era péssima e ainda teria algum tempo para organizar meus pensamentos. Mas as coisas não ocorreram bem como planejado.

— Eu vou com você. — Bolt se prontificou.

Ah, ótimo. Senti minhas bochechas queimarem quando a velocidade de meu pulso aumentou. E pior nem era isso. Era uma sensação estranha e friorenta se formando como uma tempestade em meu estômago.

— Mitsuki vai precisar da sua ajuda. — argumentei. Sem sucesso.

Boruto é e sempre foi mais determinado do que eu. Impaciente, ele fez os selos de seu jutsu favorito e, com uma bomba de fumaça, lá estavam eles: 5 clones das sombras de Boruto. Um já é difícil de lidar, mas 6...

— Agora ele tem bastante ajuda. — o meliante disse, agarrando-me pelo pulso e arrastando-me floresta a dentro. — Vamos.

 

***

 

— Precisamos conversar. — Bolt disse, depois de alguns minutos de caminhada. Seus braços estavam cheios  de lenha. O cabelo loiro fora bagunçado pela brisa  e o rosto já se encontrava meio sujo.

Não o olhei. Olhá-lo me deixaria expostas a todo tipo de... bem...

— Precisamos, é? — minha voz saiu mais desinteressada do que o desejado. Concentrei-me na tarefa de esquadrinhar o chão.

Mas Bolt não parecia satisfeito com minha atitude. Ele largou a lenha no chão e virou-se bruscamente para mim.

— É, precisamos. — ergueu o tom. Eu dei um passo para trás. —  Sarada, o que há com você? Ontem estávamos bem e agora você mal fala comigo!

Recuei outro passo quando ele se aproximou e, nesse instante, senti minhas costas contra o tronco de uma árvore.

— Isso é impressão sua, Boruto. Não há nada de errado comigo.

Bolt fechou a cara e eu soube que ele havia atingido o ápice de sua irritação. Desrespeitando meu espaço pessoal, ele caminhou novamente na minha direção, deixando-me sem saída.

— Você acha que eu sou idiota, Sarada? De longe dá pra ver que você está estranha comigo. Foi algo que eu fiz? Eu falei alguma coisa errada?

Fiz meu melhor rosto de desentendida. Ajeitei meus óculos.

— Escuta, essa conversa é totalmente desconexa e desnecessária. É melhor voltarmos pro acampamento.

Dei-lhe as costas ao girar sobre os calcanhares, mas, de imediato, senti uma mão forte e firme agarrar-me o pulso, fazendo eu me voltar para o loiro dono dos meus sonhos. Olhos azuis. Olhos muito azuis e claros. Claríssimos. Os quais, por algum motivo que me era desconhecido na época, eu desejei que olhassem só pra mim. E aquela sensação veio mais forte, aquela na boca do estômago. A proximidade de nossos rostos fazia nossas respirações se confundirem, a brisa trazia seu cheiro para minhas narinas, um cheiro amadeirado e a leve essência de chá. Tive medo, naquele momento, que ele pudesse ouvir meu coração. Impactada como estava, exposta, visível, franzi o cenho e tentei livrar-me de seu enlaço.

— Uzumaki... — agarrei seu braço que mantinha meu pulso cativo. — Mas o que diab...?

Ele agarrou-me pelos ombros dessa vez, me manteve ainda mais presa que antes. Encarou-me com seriedade e alguma coisa que não pude reconhecer em seu olhar.

— Droga, Sarada, não faça isso comigo! — quase pude sentir súplica em sua voz.

— Isso o quê? — perguntei, confusa.

Longe de mim querer ferir ou deixar triste meu amigo de infância. Mas alguma coisa era tão assustadora, me fazia querer correr e me esconder. Ou abraçá-lo, talvez. E esconder meu rosto na curva de seu pescoço... e deslizar meus dedos pelos fios de seu cabelo amarelo. Isso não era adequado. Não é adequado, Sarada. Por isso, eu estava com medo. Como eu era tola na época.

Ali, presa em seu olhar cortante, tive a sensação que ele podia ver minha alma, os cantos mais remotos do meu ser. Exposta, visível. Temi que ele pudesse ler meus pensamentos também. Senti o rosto queimar de constrangimento.

— Sarada, eu... eu tenho uma coisa muito importante pra dizer... e já tem um tempo...

Confusa, concordei com a cabeça.

— Tá, então... diga. - incentivei. Tenho certeza de que minha confusão era visível em meu rosto.

Boruto pareceu procurar as palavras por alguns instantes.

— Eu...

As palavras nunca vieram. Um estrondo interrompeu-nos, seguido de um tremor de terra. Logo veio o fogo, alertando-nos de que algo acontecera na clareira, onde Mitsuki ficara responsável por armar o acampamento. Assustados, encaramos a fumaça e as árvores em chamas, e depois, encaramos um ao outro. Apenas alguns instantes, é claro, antes de loucamente corrermos para o local.

 

***

 

Você já sentiu seu sangue gelar?

É claro que sim.

É uma sensação que geralmente nos sobrepuja quando vemos algo importante para nós correndo perigo. Sangue gelando é a melhor descrição que posso dar para o que senti ao chegar no lugar.

Havia fogo, calor, cheiro de folhas queimadas. Havia um exército de homens estranhos, com roupas estranhas, com seu estranho modo de falar. E havia Mitsuki no meio de tudo aquilo, ajoelhado, com uma katana apontada para seu pescoço, pronta para rasgar-lhe a garganta a qualquer movimento em falso. 

O que posso dizer depois disso? Fiquei paralisada.

— Onde está? — ouvi um dos homens interrogar meu companheiro. Tinha um sotaque estranho, as palavras eram quase ininteligíveis, mas eu pude reconhecer a arrogância e convicção de um shinobi.

— Pode me matar, se quiser. — respondeu Mitsuki, mais convicto ainda. Quase como um soldado criado em laboratório somente para servir a seu mestre. — Mas você não vai levar o medalhão.

— TAJUU KAGE BUNSHIN NO JUTSU!!!

Ouvi a voz gritante de Bolt e ele já não estava escondido entre as árvores junto comigo, mas sim no meio dos inimigos. Suspirei, derrotada. Ele nem havia me dado tempo para bolar uma estratégia. Bom, há males que vem para bem. Então, aproveitei a deixa para me teleportar para o meio do pequeno círculo de homens que cercava Mitsuki. Era uma técnica que eu havia aprendido com o NanadaimeSe não me engano, a mais poderosa técnica de teletransporte criada. Ela necessitava de uma marca para ser realizada, mas eu já havia marcado Boruto e Mitsuki previamente. 

Num instante, minha mão já estava sobre as contas de Mitsuki, que curvou o corpo devido ao peso repentino. Ao me verem, os homens avançaram com suas espadas. Ergui os pés e girei meu corpo sobre o de Mitsuki, consegui chutar os primeiros a se achegarem. Pulei para o chão, meu companheiro me olhou com incredibilidade. Os outros vieram. 

— Mitsuki, segure-se em mim. — gritei.

Ele entendeu, é claro. Seus braços esticaram-se até minha cintura e nela se enrolaram como cobras.

— SHANAROOOOO!

No instante em que meu punho tocou o solo, teleportei-me dali com Mitsuki. O impacto do Okashou destruiu tudo naquele perímetro, fazendo os homens ficarem soterrados.

Bem perto dali, Mitsuki me encarou com incredulidade.

— Que... que raio de técnica de teletransporte é essa?

— Chama-se Raijin Voador. — respondi. — É uma técnica que o Nidame e o Yondaime usavam. Nanadaime me ensinou, ele disse que eu tinha um bom controle de chakra.

— Você... tem uma técnica de três Hokages? — olhou-me como se eu fosse um monstro.

— Eu não diria que tenho. — passei a mão na nuca, tomada por uma súbita onda de vergonha. — Eu não aperfeiçoei a técnica ainda. Só posso teleportar por uma pequena distância e... existe um número limitado de vezes que posso usar o Raijin Voador por dia. Meu máximo é duas, então...

— Nada de Raijin mais por hoje? — palpitou ele. Suspirou. — Mais importante, você está com o medalhão e o pergaminho?

Pus a mão na bolsa ninja que eu carregava no cinto. Era lá que eu havia guardado as relíquias, para me certificar de que não se separariam de mim.

— Sim, estão comigo.

— Então saía daqui! — ele foi categórico.

Eu levei um segundo de olhos arregalados para processar a informação. E me indignar contra ela.

— Quê?! Não! Mitsuki...

— Escute. — ele cortou, pondo ambas as mãos em meus ombros. Encarou-me fria e ainda ternamente, com seus olhos amarelos, da cor de topázios, ouros, sóis. — Nós não podemos lutar contra essas pessoas sozinhos. Eles são muito fortes. Boruto e eu podemos segurá-los. Volte para Konoha e peça reforço.

— E deixar vocês lutarem sozinhos? Você enlouqueceu, Mitsuki? Vocês vão morrer.

— Morreremos os três se você ficar! — entonou mais forte dessa vez. Quase irritadiço. — Sua missão é proteger o medalhão! Cumpra a missão! Se quer ser Hokage nesta vida, tem que aprender a fazer sacrifícios.

Ele estava basicamente me pedindo para escolher entre meus amigos ou meu sonho. A resposta deveria ser óbvia.

— Não vou abandonar meus amigos. — insisti. — Eu vou lutar.

— Não! Você vai sair daqui agora, protegendo a missão que nos foi dada. Vai garantir que as esperanças postas em nós não sejam em vão e vai pedir reforços, enquanto eu e Boruto seguramos esses homens. Você é uma ninja, tome decisões de um ninja, não de uma criança.

Não sou uma criança. E não o sou há muito  tempo. Eu sei disso. Mas, mesmo assim... Eu não queria ter que tomar esse tipo de decisão. Eu não fui feita pra ser uma líder. Eu devia apenas ter recusado. Tomada pela súbita onda de espanto e remorso prévio, senti lágrimas se formarem em  meus olhos, borrando-me a visão. 

— Eu...

Mitsuki me abraçou.

Senti seus braços se apertarem ao redor de meus ombros e seu nariz fino pousar sobre minha testa. Somos amigos há muito tempo. Mitsuki é normalmente muito devoto a Boruto e, embora eu saiba que ele também tem grande consideração por mim, eu nunca esperaria esse tipo de atitude. Mas, considerando o histórico que temos, Mitsuki sempre parecia saber exatamente o que eu precisava. Ele sempre entendeu melhor e mais rápido, no final das contas.

Afundei meu rosto em seu peito e engoli meus sentimentos. A fraca e covarde Sarada, incapaz de fazer sacrifícios. Não demorou muito pra que ele se afastasse e me encarasse com seriedade.

— Vá, Sarada!

Eu assenti, engolindo o choro, já caminhando para trás.

— Eu... eu vou voltar logo com o reforço.

Mitsuki balançou a cabeça. Seu sorriso de sempre. Nem confiante, nem triste, nem alegre, nem retraído. Um sorriso misterioso que eu nunca vou conseguir decifrar.

Cambaleando, viro as costas e volto de onde vim. Ah, mas essa história não acaba aqui, com um final quase feliz, caríssimo leitor. Não, a tempestade vem primeiro.

Na minha frente, pôs-se um deles. Um dos shinobi rivais. Longos cabelos negros voando com a brisa, olhos suaves, face rígida, roupas tradicionais azuis e esvoaçantes.

— Aonde está indo, ojou-chan? — quando ele falou, sua voz era fria e suave, como a neve no inverno. Se impunha mesmo sem se exaltar. Seu sotaque era estranho, tal como os outros, mas pude reconhecer um comandante em seu timbre. — Vamos conversar.

Posicionei-me em guarda alta.

— Conversar? — entonei, um pouco de indignação em meu tom. — Você nos atacou sem nenhuma hesitação, que espécie de conversa é essa?

— Seu amigo albino não parecia disposto a negociar. — argumentou ele. — E olhe o que o loiro está fazendo. — apontou para as dezenas de clones de Bolt nocauteando seus homens. — Ele não parece muito propenso à conversação.

Conhecia meus colegas. Nem Boruto e muito menos Mitsuki iriam querer ouvir qualquer coisa. Este último principalmente. Não me leve a mal, eu adoro Mitsuki, mas ele é um tanto inflexível e sanguinário. Eu, por minha vez, não considerava fora de cogitação uma negociação.

— Quem são vocês? — inquiri, desconfiada. — O que querem?

— Somos os guerreiros Shiaolin, monges do norte do País da Grande Muralha. — o homem explicou. — Desde a semana passada sentimos o poder que emana do Medalhão Sagrado, que foi criado por nosso fundador. Ele pertence à nossa casa por direito, então viemos em busca dele. Está com você, não é? Eu consigo sentir. Ojou-chan, dê pra mim e não haverá necessidade de derramarmos sangue.

— Desculpe, jii-san, eu não posso. Não posso entregar as relíquias senão para o Imperador do País da Grande Muralha.

Seus olhos suaves tornaram-se nervosos.

— Nosso imperador é uma farsa, um usurpador. Ele escraviza e humilha nosso povo como bichos mandados ao matadouro. Nossa única esperança é o Medalhão Sangrado. Nossa única chance.

Confrontei-me ali com uma das primeiras grandes decisões de minha vida. Tal como naquela vez em que decidi se iria ou não atrás do meu pai, se iria salvar minha mãe, se iria me tornar Hokage. Parte de mim dizia para entregar àquele homem tudo o que ele precisasse. A outra parte dizia que não era problema meu. É claro, eu ouvi a parte racional.

— Isso não é algo em que eu possa interferir. — dei-lhe minha resposta. — Foi-me dada uma missão e eu vou cumpri-la nos termos dela. Só o imperador colocará as mãos nesse medalhão.

Ele fechou os olhos, suspirou.

— Se é assim, me perdoe, ojou-san. — ergueu as mãos, uma montanha de gelo surgiu sob meus pés, percorrendo minhas pernas até as coxas, me manteve presa.

Um... usuário de Hyuuton. Pensei que eles estavam extintos. Olhei para meus pés presos. Encarei homem, e lá vinha uma lança de gelo em minha direção. Arregalei os olhos. Estava mirada em meu coração. Paralisei. O Raijin Voador me abandonou, não havia tempo para o Okashou, nem para pensar havia tempo. Senti um medo mórbido subir-me pela garganta, pensando nas milhões de coisas que eu queria fazer. Queria dar uma bronca em meu pai, queria ter dito à minha mãe que a amava, deveria ter agradecido o Nanadaime apropriadamente. Deveria ter dito a Mitsuki que eu era feliz por ele ter sido colocado na mesma equipe que eu. E Bolt... Ah, Bolt...

Aqui se vai muito tempo para contar, mas tudo aconteceu em um piscar de olhos. Rápido demais para que eu pudesse ponderar.

Fechei os olhos, esperando o impacto, mas ele não veio. Não neste dia. Ao invés disso senti uma substância liquida e viscosa respigar em minha face e roupas.

Abri os olhos devagar. O medo mórbido fez minhas veias tremerem e eu o vi. A cabeleira loira mal penteada. Um corpo forte e bem treinado, que as garotas da vila adoravam apalpar. E havia uma lança de gelo transpassando-o. E as roupas desgastadas pelo treinamento estavam encharcadas de sangue. A visão tornou-se turva... porque meus olhos estavam cheios de lágrimas. De uma coisa, eu tinha certeza: feridas no coração são fatais.

— Você não... pensava em... sair de fininho... sem se despedir de mim... né, senhorita Uchiha? — Bolt exalou as palavras, pude sentir um pequeno sorriso sínico em seus lábios.

— Boruto, o que você... — balbuciei, entorpecida.

Eu estava em transe. Eu nem mesmo podia acreditar no que estava diante de meus olhos. Bolt tossiu e desabou para trás. Meu corpo moveu-se por puro instinto, porque minha mente ainda parecia paralisada. Eu o segurei antes que ele chegasse ao solo. Eu abracei seu corpo ferido, que quebrou o gelo em meus pés, com o impacto.

Mitsuki estava ali também. Eu podia sentir seus olhos como os de uma serpente, vidrados. Vendo tudo. Ele não faz barulho, ele não se exalta e nem corre. Ele só sente, o sol apagando-se dentro dele. Exatamente como eu. Mitsuki me entendia rápido, eu o entendia rápido também.

Uma serpente branca, de repente, enlaçou-se no homem que nos atacava, prendendo-lhe todo o corpo, até que ele estivesse no chão. Mas eu não me importava. Eu estava em transe. Em meus braços, Bolt ofegou.

— Sara-chan, eu... preciso te dizer uma coisa.

Eu balancei a cabeça, quase incapaz de falar. As lágrimas pingavam através dos meus cílios.

— Não fale, Boruto. — pedi, a voz saindo embargada pelo choro. — Eu vou curar você.

Suas mãos trêmulas deslizaram sobre as minhas, repletas  do chakra verde da cura que eu aprendera depois de duras e longas horas com Mama, e tiraram-nas de seu peito ensanguentado.

— Não seja boba... Eu sei que... — tossiu. — Feridas no coração... são fatais... Tudo bem, eu tenho que...

— Não, eu posso curar você!

— Me escute, Sarada! — ele foi categórico.

Solucei. As lágrimas saíam quentes, porque vinham do coração.

— Então fale, baka!

O ritmo de sua respiração acelerou, e eu imaginei que ele estivesse com falta de ar.

— Eu... faz tempo que eu... quero dizer isso a você... mas as palavras simplesmente não... saíam... cof, cof... Sarada, eu sou... completamente apaixonado por você... — arregalei os olhos, surpresa. Eu nunca esperaria uma coisa dessas. — E eu não vou morrer com isso... entalado na minha garganta! Eu amo você. Eu amo tudo em você. E eu gostaria de ter... dito isso de forma diferente... — sorriu, com dificuldade. — Eu gostaria de ter roubado um beijo seu... mesmo que... cof... isso me custasse alguns ossos... Eu gostaria de ter visto... sua cara quando eu te... pedisse em namoro... e gostaria de ter... visto você vestindo uma... capa de Hokage... ficaria linda, com certeza... E acima de tudo... eu gostaria de acordar todos os dias e... me deparar com os seus olhos, brilhantes e expressivos...

Eu estava em transe. Presa em camadas e camadas profundas de torpor. Eu estava quebrada em pequenos pedaços irregulares e irreparáveis. Eternamente marcada por aquela noite. Acho que este foi o estopim. Eu saí do estado de torpor e entrei no estado de desespero. Lembrei-me que, provavelmente, eu iria acordar todos os dias, e me levantar, e fazer o café. Mas eu não veria nenhum par de olhos  azuis  claríssimo. Nunca mais. E eu chorei. Um mar inteiro.

— Que droga... Boruto... Por quê? — questionei, entre soluços. — Você não precisava...

— É claro que eu... precisava... Sarada, eu havia prometido conquistar seu coração... cof, cof, mas... eu não poderia, se você estivesse... morta, então... eu resolvi morrer no seu lugar... Mas, estou... feliz... cumpri minha promessa, no fim... você viverá,... e poderá realizar seu sonho... eu protegi você, isso é o que importa...

A sua voz estava falhando. A respiração parecia desesperada. Ele estava chegando ao fim. A dor de uma pessoa que se vai é maior do que a dor da pessoa que fica? Morrer é fácil, viver é que é o problema.

Agarrei seus ombros, sacudi levemente seu corpo. Fui tomada por uma onda de raiva, medo e dor. 

— Não, não ouse morrer! — ordenei, entre gemidos e lágrimas. — Como líder, eu o proíbo... de... morrer.

— Eu nunca fui bom em obedecer mesmo. — sorriu, divertido. Maldito! — Uchiha Sarada, chorando por mim... isso é uma honra...

Ele parou no meio da frase. Desesperei-me ao vê-lo engasgar-se com o próprio sangue.

A última coisa que vi foram olhos azuis muito claros, brilhantes e significativos se fechando. Meu peito doeu enquanto seus lábios se moviam, dando-me suas últimas palavras... As palavras que eu nunca esquecerei.

Boruto Uzumaki se foi. Para sempre.

Foi na hora de sua morte que me dei conta de que eu estava completa e absolutamente apaixonada pelo meu companheiro de equipe. Mas e daí? Bolt estava morto e eu, provavelmente, ainda sonharia com ele à noite e ainda teria aquela sensação estranha na barriga. Eu ainda ia querer vê-lo, mas já era tarde demais.

A única coisa que me lembro depois disso é da dor, seguida da massa quase palpável de ódio emergindo dentro de mim, capaz de fazer meu sangue entrar em ebulição.

Eu me lembro de desejar vingança.

(...)

 

** Mitsuki's point of vision **

 

O que era aquela sensação?

Dor?

Medo?

Vazio?

Eu nunca tinha sentido tais coisas antes de conhecer a luz.

Boruto era capaz de me surpreender mesmo em sua morte. Não sabia que alguém era capaz de sentir coisas como as que eu senti quando vi morrer o filho do Hokage.

Sobre Sarada, eu sabia.

Aliás, quem não sabia?

Qualquer um podia ver que Boruto a amava. Exceto ela própria, é claro. Tão ingênua.

Lembro-me de ter dito a ele que falasse abertamente com ela sobre os sentimentos. Ah, mas ele tinha tanto medo. Isso foi antes, é claro, agora o medo só restara para nós, os sobreviventes.

Não sei o quê, mas algo dentro de mim se rasgava, pedaço a pedaço, a cada palavra que ele dizia. Exceto as últimas. Estas só cabem à filha do Nukennin.

Depois que a luz fechou os olhos, veio tensão. Uma aura assassina tão poderosa como eu nunca havia sentido antes; o ar tornou-se pesado, irrespirável.

Medo.

Vi os ombros da líder tornarem-se rijos.

Pavor.

Ela se levantou, devagar, como uma cobra em busca da presa. Involuntariamente, dei um passo para trás. Aquela não era a Sarada que eu conhecia. Virou-se para a multidão de homens e vi um brilho escarlate em seus olhos. Insanidade, intolerância, ódio. O Sharingan uivou vermelho vivo. Mas não era o de sempre. Era um novo. 

Os tomoes se uniram à retina e se expandiram pela íris, como pétalas de uma flor carmesim. O lendário olho copiador caleidoscópio de que meu pai me falara.

Mangekyou Sharingan.

— Mitsuki. — ouvi a voz dela. Estava repleta de ódio e amargura. — Afaste-se. Vou mostrar a esses desgraçados o verdadeiro poder de Uchiha.

Continua...


No próximo episódio:

O brilho escarlate: a fúria de seus olhos

"Quando as labaredas do Amaterasu de Sarada começaram a consumir o que restara da floresta, Mitsuki soube que era hora de, ao menos, tentar pará-la.

— Sarada, o que está fazendo?! — ele exclamou, aflito. — Pare com isso!

Por instinto, ela virou o rosto para ele. Vê-lo a despertou de sua raiva, como se ela se desse conta de que não devia fazer aquilo. Voltou-se novamente para os homens, que agora corriam, desesperados, para fugir das chamas inextinguíveis, mas a cada tentativa, um deles queimava até a morte."


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam. Comentário adiantam a saída do próximo capítulo.



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