45% escrita por SobPoesia


Capítulo 7
Heterocromia e Embolia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/641385/chapter/7

45% sorriu ao som da minha resposta. Abaixou sua cabeça e retirou seus óculos, levantando então a mesma. Precisou limpar a mais bonita obra de arte, retirando seus cabelos do rosto. Era a primeira vez que vi seus olhos.

Por um segundo, entendi o porquê de ela querer tanto os esconder sempre. Não, eles não eram feios, eram, na verdade, os olhos mais bonitos que já havia visto em toda a minha vida, mas eram estranhos diferentes e não seriam compreendidos.

Bruni tinha grandes olhos expressivos que enchiam e delineavam seu pequeno rosto, seu magnífico rosto. Era uma espécie de Zooey Deschanel e se antes eu a achava linda, agora ela havia subido alguns níveis.

O câncer não conseguia retirar a perfeição da cor natural de seus olhos, mas conseguiu os deixar com uma aparência falha e defeituosa. Possuía heterocromia, aquela anomalia genética que faz a pessoa ter ambos os de cores diferentes.

O direito, aquele que claramente enxergava, era azul, mas não um ridículo azul comum. Seus olhos eram delineados em um azul-marinho, com riscos em azul-cobalto tendo o fundo em um claro e cintilante azul bebê. Ele refletia o prata e o neon da sala, era absurdo e não parecia real.

Já seu olho esquerdo era aquele que não enxergava. A sua cor natural era linda. Coberto em um verde-musgo, em sua extremidade direita tinha uma mancha expressiva em carvalho escuro. Era extravagante e seria perfeito, se não fosse o claro defeito que possuía em sua íris. Como uma pessoa velha que tem catarata, sua íris era cinza, marcada, manchada e imperfeita aos olhos de outros, mas não para mim.

Não acho que aquilo, nem por um segundo, a enfeiou. A beleza de seus olhos estava na estranheza que eles causavam. Sua coloração diferente e seu detalhe a faziam ser insanamente mais bonita e mais real para mim.

O problema é que ela era bonita demais.

E vocês sabem muito bem o que acontece quando eu vejo garotas bonitas.

Tentei falar alguma coisa sobre qualquer coisa, mas não consegui, em segundos já estava sobre meus joelhos no chão.

Uma dor aguda começou no meio do meu peito. O ar todo que estava em meus pulmões saiu de uma vez, sendo expulso em um sopro, um gemido. Tossi secamente e quando coloquei a mão sobre meu tórax, ela estava gelada, demais. Minha visão estava turva, mas pude ver minhas unhas ganharem um tom arroxeado e já não aguentava o peso do meu próprio corpo.

Coisas estranhas e misturadas passaram pela minha cabeça mau oxigenada, desde o fato de que eu nunca havia sofrido uma embolia tão forte e tão rápida quanto aquela ao fato de que ainda não havia sonhado com a aparição. Por pouco achei que aquele fosse meu fim.

Minha perda de consciência era eminente e tudo que consegui fazer foi chorar, pateticamente, sem aguentar a dor avassaladora que me seguia.

Apaguei.

A dor era insuportável demais.

O barulho da máquina estava ressoando em minha cabeça, assim como o barulho da digitação nervosa de Evans. Estaria eu de volta?

Aquele ciclo repetitivo que colocava o ar para dentro e para fora do meu peito tomou conta da minha cabeça. Não sabia se estava horas, segundos, dias ou minutos notando, sentindo e escutando o som da máquina. Eu só estava ali.

Tentei mover meus dedos para ter certeza de que estava bem, acabei por fazer um movimento descoordenado que levou a minha mão a cair da cama. Abri meus olhos, mas ainda não enxergava, só percebia as luzes do teto, os sons, como meu pé estava dormente, mas se mexia. Estava completamente louca dos remédios.

“Drogas de hospital de graça...” A voz de Evans ressoou em minha cabeça, como uma lembrança. Sorri.

Sentei-me com dificuldade, o que me pareceu ter levado horas. O loiro me entregou o balde, o segurei, era frio e prata e não tinha uma sacola. Aquele gelado subiu em meu braço e me arrepiou, podia o sentir em meus ossos. Estava muito louca dos remédios.

A quente mão de Evans retirou minha máscara e prendeu meu cabelo em um mal feito rabo de cavalo. Tentei balbuciar que não conseguiria respirar sem a Hazel de dormir, mas acabei pronunciando várias sílabas estranhas como um bebe que ainda não aprendeu a falar.

—Tudo bem, meu amor. Se não conseguir respirar a Hazel está aqui, ok? Estou cuidando de você. - o loiro passou a mão em minha cabeça e eu me senti tão melhor.

Instantaneamente tudo voltou e precisava sair. Vomitei, muito. A ponto de desistir de tomar conta do meu corpo e o deixando expelir tudo que precisava. Meus olhos derramavam lágrimas, o gosto era ácido, fedia.

Depois do que julguei ser uma hora de puro vomito, já não havia mais nada dentro de mim para sair, nem ao menos meu estômago. Precisava de ajuda para tomar banho.

Evans colocou uma cadeira dentro do chuveiro e me carregou até lá. Me despiu de uma forma respeitosa e me deixou ganhar consciência abaixo da água gelada. Depois, me ajudou a tomar o resto do banho enquanto ainda me sentia fraca e tremia. Tudo que conseguia pensar era como ele era muito mais forte do que eu, sempre tendo aquelas crises e tomando aqueles remédios, sem nunca precisar de mim para tomar banho.

Estava com um curativo enorme entre os seios. A cicatriz ia desde o meio das minhas costelas até quase atingir meu umbigo, cheia de pontos, mas até disso ele tomou conta, a lavando e refazendo o curativo por meio de pomadas e gases.

Seria uma cicatriz feia, ainda mais por ser uma por cima de outra e de outra. Aquilo nunca fora muito bom para a minha autoestima. Eu era uma garota meio alta, magra, com poucos seios e uma cicatriz enorme em todo meu tronco, tirando uma embaixo da minha axila esquerda. Infelizmente, nem sempre não pensar a respeito funcionava e a estética não era o que preocupava meus médicos.

Uma roupa foi colocada em mim, uma calça de moletom, uma larga blusa sem mangas, sem sutiã e um ar de acabada. Ainda com os cabelos molhados me deitei na cama e resolvi que a melhor solução para aquele mal estar era retirar um cochilo. O loiro me cobriu e eu pude descansar.

Acordei horas depois, estava quente. Minha máquina de respirar estava desligada, minha cabeça e meus cortes de cirurgia doíam. Abri os olhos e com dificuldade sentei-me na cama. Os três, minha mãe na escrivaninha, Evans em sua cama e Bruni sentada ao pé da minha cama se voltaram e se amontoaram em cima de mim com uma velocidade que minha cansada mente não conseguia entender.

—Eu morri e acordei no inferno? – juntei as sobrancelhas.

—Violet O'Neil! – minha mãe esbravejou.

O loiro me deu um tapa na perna e 45% sorriu, sendo a única que amava meu humor negro.

—Não, isso é muito pior que o inferno. – suspirei.

—Senti saudades. – Bruni se levantou e me deu um beijo na bochecha.

Primeiro aquilo me arrancou um sorriso, depois uma cara insatisfeita de minha mãe, o que me arrancou outro e mais aberto sorriso. Então eu notei:

—Onde está Hazel?

—Pela cara dela, essa é a nossa deixa. – Evans puxou 45%.

Ambos saíram, mas ficaram me observando pelo vidro da porta, como os dois idiotas que eram.

—Tudo está bem querida. – minha mãe começou a acariciar meu cabelo, mas em uma ação compulsiva e nervosa do que em um carinho real.

—Não tem nada bem aqui! Onde está a Hazel? Como merdas eu estou respirando? Mãe, o que está acontecendo aqui? – senti meus batimentos cardíacos acelerarem, sabia o que aquilo significava e não era nada bom.

—Violet... – ela segurou ambas as minhas mãos – Você teve outra embolia pulmonar, havia um pouco de gordura na sua artéria principal. Foi uma cirurgia bem simples. Pediram permissão para o seu pai, já que você estava aberta na mesa, para observarem o resto da sua condição e fazer alguns exames, por aquele dia que você passou sem respirar. A sua bolsa de gordura foi embora! Eles colocaram um balão no lugar, para ela não se encher, com um dreno, daí você não vai ter que ser aberta de novo por causa disso, é uma técnica nova que está testando em você e tudo parece ter corrido bem. Como não tem mais nada comprimindo seu pulmão ou pesando seu diafragma, você não precisa mais da Hazel, consegue respirar sozinha! Só vai continuar usando a máquina a noite por precauções de paradas respiratórias e para limpar toda essa fumaça residual de cigarro do seu peito. – o sorriso em seu rosto era aberto, incrível.

Não conseguia acreditar. As paredes começaram a se fechar em meu entorno. Minha respiração estava ofegante, minhas mãos soavam e eu precisava fugir. Antes de surtar como da outra vez, peguei meu maço e meu isqueiro na gaveta, sem me preocupar que a minha mãe me via o fazendo. Coloquei as minhas pantufas brancas de bichinho e saí do quarto.

Minha mãe, Evans, 45% e algumas enfermeiras gritaram coisas comigo que eu não conseguia entender, que não iriam me parar. Continuei cambaleando e andando a uma velocidade ridícula até o elevador.

Entrei no mesmo e apertei para que subisse até o quarto andar. Imediatamente me joguei no chão e chorei. Meu ar não estava dos melhores, sempre que fazia falta voltava em um solavanco, como se meu pulmão estivesse reaprendendo a respirar.

Era patético, tinha recebido ótimas notícias e estava jogada ao chão chorando como uma criança que acabou de perder seu doce.

Subi ao telhado e fiquei a parede, chorando, fumando, completamente perdida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "45%" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.