45% escrita por SobPoesia


Capítulo 29
Até Logo




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Era, enfim, a única hora que tínhamos para dizer adeus e eu não queria dizer adeus.

Tinha passado todo o tempo que não estava ao seu lado, chorando. Ainda estava presa em minha incapacidade de ir até a cafeteria e me sentar ao lugar que Abby tinha morrido, comer em paz, isso me dava alguns minutos de solidão no quarto, que eram preenchidos de memórias, e, no final daquela semana, estaria tão sozinho quanto eu.

O loiro queria ir sozinho para o telhado, pensar um pouco longe do meu abraço e se preparar para todas as lágrimas que viriam a seguir. Bruni ficou em meu quarto, comigo, usando um vestido preto, que, mesmo que fosse rodado, tinha uma face de funeral.

—Você já sabe o que vai dizer? – segurei sua mão.

—Não existe nada que eu possa dizer para ele. Sabe o quando o mundo gira em torno de uma pessoa? Não tem como dizer adeus para isso. – ela me olhou nos olhos.

45% tinha tomado isso com força.

Não sabia se havia, realmente, uma faísca de paixão entre os dois depois do sexo, principalmente, porque nunca quis saber. Tinha medo de descobrir que a garota que eu amava sentia algo pelo meu melhor amigo. Tudo que eu sei foi que ela ficou pálida quando soube que ele iria morrer.

Seus vestidos coloridos e cintos amarelos se tornaram uma calça jeans surrada e blusas monocromáticas. Seus diversos óculos tinham se aposentado. O sorriso que iluminava todo o quarto não aparecia com tanta frequência. Seu único olho bom estava todo o tempo vidrado na boca de quem estava prestes a ser um defunto.

Quem era eu para julgar?

Violet, a dona da razão.

Chorava nos cantos, nos banhos, segurava seus cabelos loiros a noite e a mão dela de manhã. Julgando toda essa dança de luto em silêncio, porque, no final, eu não conseguia processar o que estava para acontecer. Era tão mais fácil montar conceitos sobre a dor dos outros do que simplesmente observar e aceitar a minha.

Meu peito não doía. E eu duvido que notaria se doesse, porque a mão dela suava todas as manhãs e seus olhos estavam fixos no dele, que sempre escolhia seu lado na hora de se sentar para almoçar.

Sabia, em suma, que minhas pernas tremiam todas as vezes que ele falava meu nome. Podia ser a última vez. Tudo podia ser a última vez, mas saber que ninguém nunca mais falaria “Violet” com aquele sorriso e aquele tom de desaprovação, despedaçava meu peito, em especial.

O relógio de teto bateu nas horas exatas que tínhamos de ir. Podia ouvir meu coração bater ao fundo do que era uma caminhada fúnebre.

—O que você vai dizer? – Bruni se levantou.

—O que eu não vou dizer? – suspirei.

—Você tende a ter os melhores discursos. – ela estendeu a mão para que eu pudesse me levantar.

—Eu tendo a manter as coisas para mim e as revelar apenas em ocasiões como estas. Não tem disso com ele, eu nunca escondi nada dele. – segurei-me em sua mão e me levantei.

45% tomou meu braço e entramos no elevador, com quase o nosso andar inteiro.

Pessoas caindo aos pedaços subiram as escadas para se despedirem dele.

O loiro se sentou no meio do telhado pequeno e nós fomos fazendo um círculo ao seu redor, um círculo de doentes, de lutadores.

Eu sorri, mas de verdade, porque eu realmente estava feliz. Evans merecia algo muito similar a isso, na verdade, acho que ele merecia o mundo e aquilo era tudo que tínhamos a oferecer, então entregamos tudo de braços abertos.

—Eu realmente não esperava que tantas pessoas viessem. – ele girou, olhando nos olhos de quem podia, mas os seus castanhos espelhavam apenas a sua alma cristalina, as lágrimas de felicidade se juntavam nos cantos, junto com suas bochechas rosadas e sua boca já vermelha de tanto chorar - Eu sei que todos vocês têm coisas muito importantes para me dizer, tem textos e despedidas preparadas, mas eu não quero nada disso, quero algo diferente. Vou começar excluindo a Violet desse discurso, porque ela realmente não se encaixa em nada do que eu vou dizer. Todos vocês são guerreiros que receberam uma pena de morte muito cedo, todos nós recebemos. Mas em vez de desistirmos, como a Violet, colocamos maquiagem, perucas e sorrisos e vamos estudar, vamos fazer algo do que resta de nós. Temos amigos, amantes, boa comida, uma cama boa, enfermeiros incríveis e uma vida. Nós construímos uma vida com a sentença que nos foi dada. Eu não sou diferente. Muitos disseram que meu caso tinha cura ou que era perda de tempo tentar, então eu vim parar aqui, conheci a minha melhor amiga, me apaixonei diversas vezes, fiz amigos inesquecíveis, ri, chorei e além de tudo eu vivi. Cada mínimo suspiro, eu vivi. Não estou triste de ter que partir, porque achei que iria sem isso, achei que ia sozinho, sem ninguém e, muito pelo contrário, vou partir com todos vocês subindo aqui em cima para me dizer um “até logo”. Não mereço três coisas boas sobre mim, porque cada um de vocês é uma coisa ótima sobre mim. E é isso que eu quero, que cada um de vocês diga seu nome e se sente ou vá embora, porque as minhas qualidades são quem subiu aqui em cima, quem lutou todos os dias, quem conseguiu e quem não conseguiu.

Fiquei orgulhosa da quantidade de tempo que ele aguentou antes de derramar as suas famosas lágrimas. Bebe chorão, loiro, é isso que você sempre foi, mas pelo menos, você tinha o meu colo.

Algum garoto no final do círculo disse seu nome e se sentou e assim, consecutivamente, quase duzentos adolescentes em seus últimos suspiros. Evans fechou seus olhos e aguentou como pode.

Depois de muito tempo, estava eu em pé, apenas eu em pé.

E eu não sabia meu nome.

Como todos tinham tanta certeza de quem eram, enquanto eu não sabia quem era.

Suspirei, enchi meus pulmões.

—Julieta. – as lágrimas escorreram do meu rosto - Abby. Vivi. Seus pais. A nossa enfermeira. E o nome do seu médico que eu nunca tive a curiosidade de perguntar. A merda da Aparição.

Simples assim, os nomes de todos os nossos amigos que morreram começaram a saltar para fora da minha boca, junto com todo mundo que eu sabia que o conhecia. O loiro abriu seus olhos e ficou me observando, enquanto eu gritava vários nomes de tantas e tantas pessoas. Quantas pessoas podiam ter morrido no tempo em que ele esteve no hospital? 10, 20, 30 minutos de pessoas.

E eu me lembrei de todas. Citei o nome de todas.

Cada um deles merecia ter seu nome dito, seu rosto lembrado e seus suspiros comemorados.

Tremia quando acabei. Minhas mãos fechadas em punhos, meu rosto inchado, Hazel completamente entupida por meleca.

Então suspirei, olhei no fundo de seus olhos e sorri.

—Eu não tenho um nome quando estou sem você, Evans. Eu sou a sua alma gêmea e essa é a minha única função.

—Alma gêmea. – ele sorriu e eu assenti.

Todas as pessoas se retiraram, inclusive Bruni. Ficamos só nós dois no telhado.

Ele segurou a minha mão:

—Obrigada por lembrar de todo mundo, Violet.

—Não quero nunca mais escutar meu nome. – peguei meu cigarro.


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