Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 7
O estranho do rio


Notas iniciais do capítulo

Nos falamos lá embaixo ;*



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Rosie mal podia acreditar no que seus olhos viam quando, no dia seguinte, entreguei a autorização de Jacob Black para ela. Acho que ela realmente duvidou que eu fosse conseguir, assim como eu mesma. Mas ali estava e ela nem podia me negar o livro agora. Foi com muito receio e com uma boca muito contraída que Rosie me passou o fino livro de lendas e mitos quileutes. O peso daquele pequeno livro foi imenso ao colocar na minha mochila. Dava para notar o quão importante ele deveria ser para o pessoal da reserva. Fiquei imaginando, enquanto andava de volta para casa, o motivo de Jacob me entregar a autorização. Será que era a forma dele em me ajudar a desvendar qualquer coisa que estivesse acontecendo por aqui?

Parecia um pouco improvável, mas Jacob não se mostrava do tipo que seguia regras com muita facilidade. Acho que isso deve ter sido um dos incentivos.

Era sábado e eu estava ficando o dia em casa. Isso se devia ao castigo que John me deu assim que coloquei os pés dentro da sala de estar. Era visível a preocupaçao dele pelo tempo em que passei fora, mas na hora eu nem me importei, até me deu uma certa animação em vê-lo tão preocupado comigo. Eu só aceitei o castigo por que tinha o trabalho para fazer e uma curiosidade que com certeza me manteria trancada o dia inteiro no quarto. Se não fosse por isso, eu não teria aceitado tão facilmente, não sem lutar primeiro, pelo menos.

Assim que entrei em casa peguei Austin saindo. Ela até tinha sugerido passar o dia comigo no quarto, mas achei injusto. Eu sabia que a festa de Drill ia ser amanhã e que ela e Lali hoje iriam se reunir para decidir o que vestir. Eu não iria privá-la disso. Então lhe dei um breve sorriso encorajador e entrei na casa vazia. Novamente Jane e John estavam na reserva, fazendo sabe-se Deus o que. Eu ainda não conseguia entender como os nativos deixavam John tão a vontade lá, mas geralmente mantinham distância do resto da população de La Push. Era algo que eu acreditava descobrir assim que minha investigação terminasse com resultados positivos.

Era também uma boa distração depois de tudo o que aconteceu nas últimas semanas.

Deixei minha bolsa da escola no sofá enquanto tirava o casaco e o pendurava. Depois subi com a mochila para o meu quarto, jogando os livros em cima da cama e puxando meu notebook para o colo, com a intenção de começar o meu trabalho. Nada como algo bem trabalhoso para manter nossa mente longe de pensamentos indevidos. Como as mãos de Jacob em meu braço... Pigarreei e voltei o meu trabalho em ligar o notebook.

Comecei a dar uma folheada no livro de mitos e lendas. Bem superficial. Havia algumas imagens aqui e ali que eu parava para analisar. Eram desenhos rabiscados e de difícil compreensão, estava na cara que eram muito antigos... Na verdade, o livro não era impresso... Era escrito à mão.

Isso tornou seu peso ainda maior.

Como estava afobada demais para poder me concentrar no que o pequeno livreto poderia me fornecer, o deixei de lado. Partindo mais os livros mais geográficos e técnicos. Comecei sem dificuldade nenhuma o meu trabalho, escrevendo furiosamente enquanto checava os livros e um pouco da internet também. Eu sabia que o cunho do trabalho deveria ter algo de opinativo, por isso inseri algumas observações aqui e ali, mas no todo não era tão difícil. O problema seria não ultrapassar as dez páginas solicitadas.

Quando ficou evidente que a geografia já não mais poderia me ajudar, decidi puxar o livro de mitos e lendas. Fechei o notebook, com a intenção de primeiro absorver tudo o que esse pequeno e precioso livro poderia me oferecer e depois o inserir no trabalho. O inicio não tinha data e nenhuma menção a uma época. Começou com uma história simples da colonização de La Push. Notei, logo em seguida, que não era um livro imparcial e de fatos... Era mais um diário.

“É difícil precisar quando tudo começou. Alguns dizem que foi antes da colonização e outros que foi após, com a intenção de proteger o povo dos desconhecidos brancos que invadiam nossas terras. Mas não há dúvidas sobre quem começou. Não exatamente quem, mas quais. Uma geração inteira de família dedicada exclusivamente para a proteção e prosperidade do povo. Os Umi eram assim e sempre foram. Era trabalho deles dar vida à tribo. Mas, além de tudo, era trabalho deles esconder a magia que tem nesse povo.

Todos da tribo eram instruídos a não sair muito dos limites estabelecidos, havia outra tribo rival que estava de olho na nossa prosperidade. Sempre há alguém de olho na nossa prosperidade. Os Umi pressentiram o que iria acontecer muito antes de qualquer um da tribo imaginar. Aliados com grandes espíritos, eles começaram a magia. Um perigo iminente que sempre espreitou a tribo. Os Umi se movimentaram. Cada integrante de uma família da tribo deveria receber o cristal, cada cristal possuía uma força e energia inimagináveis. Era dever de todos manter o cristal seguro enquanto seguiam para longe das terras em que foram criados. Nós sempre fomos uma tribo muito pequena e muito indefesa. A violência nunca esteve em nosso sangue. Mas a magia sim. A magia viajava de quileute para quileute, sendo engrandecida pela família Umi, que detinha a maior sabedoria de todos.

Mas mesmo assim, para onde quer que a tribo migrasse, havia alguém de olho em nossos segredos e prosperidades. E nunca fomos fortes o suficiente para nos defender, para lutar por uma terra nossa. Foi Sahale quem teve a iniciativa. Sahale era a filha mais nova dos Umi. Curandeira habilidosa e bondosa, que sempre tinha hora para qualquer um da tribo. Sua conexão com as propriedades da terra eram maiores do que qualquer um poderia imaginar. Era considerada a filha mais sábia não por seu conhecimento, mas por sua ousadia em enfrentar os perigos.

Sahale elegeu os homens e mulheres aptos para serem guerreiros, aqueles que sempre se mostravam seguros diante dos perigos da tribo ser nômade. Uma reunião foi feita, um ritual começou. Tenho a impressão que Sahale sempre soube que seu feito iria se perpetuar por mais tempo do que viveria. Essa era a intenção principal da família Umi. Manter todos vivos e prosperando. Passando, de geração para geração, seus conhecimentos e valores.

Três homens, três mulheres.

De imediato ninguém nunca soube o que os tornava tão especial. Mas as habilidades de Sahale foram postas à prova pouco depois. Uma tribo rival grande, com numerosos guerreiros e numerosas armas avançava sobre a tribo pequena e indefesa. Em nenhum momento os quileutes perderam a fé que tinham em seus protetores, os Umi. Não houve desespero, não houve gritaria. Os seis escolhidos se adiantaram, postando-se à frente da tribo desprotegida. Não usavam armas, não estavam prontos para a guerra.

Sahale começou a murmurar suas palavras sagradas, palavras que se perderam no tempo e nas gerações. Não há como saber a língua que era dita na época, mas a sua força e magia se manteve forte nos dias de hoje. Os seis guerreiros transcenderam. Seus espíritos elevando-se aos céus, fortes, prontos para a luta.

A história dos espíritos guerreiros começa e se perde aí. Não há mais relatos do que aconteceu com o início da tribo Quileute. Tudo o que vem a seguir foi há muito tempo depois de Sahale Umi. Mas igualmente importante para o desenvolvimento da tribo. Ficou claro que Sahale passou seus conhecimentos para frente, de filho para filho, a linhagem e ensinamento nunca se perdendo. Eles eram a garantia da tribo Quileute, que sempre foi pequena, mas nunca desapareceu. De fato, apenas evoluiu”.

O primeiro capítulo acabava ali. Eu fechei o livreto, com o coração acelerado. Não era um enredo envolvente, não havia apelação e manipulação de um bom escritor para manter seu público atento. Não, ali era muito pessoal com o único intuito de passar as lendas para frente, de perpetuar algo que poderia acabar com o tempo. No entanto, eu senti como se estivesse lá. Como se visse uma menina de aparência frágil e dócil, com uma ideia que salvaria toda a sua tribo, com a vontade de salvar todos aqueles que amava. Era como se a história tivesse entrado dentro de mim e feito seu caminho até minha mente.

Era quase real.

Balancei a cabeça para tentar empurrar longe a impressão do livro. Analisando com um olhar atual, de quem vê os quileutes reduzidos a um punhado de pessoas... Eu conseguia ver beleza nessa pequena lenda inicial. Um povo unido e próspero. Feliz em eu seu modo incerto de viver. Assim como também havia beleza nos quileutes de agora. A união continuou por muito tempo.

Meus dedos pararam quando terminei de abrir novamente o notebook. Sentia um peso na ponta dos dedos que não estava lá antes. Parecia errado colocar qualquer trecho do livreto nesse trabalho. Era algo tão pessoal, tão íntimo dos quileutes... Mordi o lábio, pensando em como fazer meu trabalho ter sua credibilidade ao mesmo tempo sem me sentir uma traidora repugnante. Decidi, então, não colocar nenhuma citação. Eu apenas escreveria as impressões do livro. Bem simples. Nada demais. E depois as referências bibliográficas falariam por si só.

Terminei de escrever o trabalho por hoje. Sentindo meus dedos doendo e minha mente sonolenta. Ainda era de tarde e se eu dormisse agora, não conseguiria de noite. Então estiquei os músculos. Tecnicamente, eu não podia sair do terreno da casa... Mas nosso terreno era muito grande. Coloquei o celular no bolso enquanto descia as escadas. Não era um dia bonito, mas pelo menos a chuva tinha dado uma trégua. Eu tinha o livreto nas mãos quando sai. Pensando em ler um pouco com os pés na água corrente do rio quileute que passava na parte detrás da minha casa.

A parte detrás da casa dava para o rio Quileute, e não havia vista melhor do que isso. A floresta na outra margem, o suave barulho da água corrente, o barulho da copa das árvores balançando e balançando. Parecia um ciclo sem graça, para quem não se interessasse. Mas a natureza era a minha vida. Eu a respirava todos os dias. Não havia um momento sequer em que que eu não pensasse sobre a vida que tinha ao meu redor, sempre tão constante e discreta. As pessoas tinham a tendência em se esquecer disso.

Seria muito melhor se a água não estivesse tão congelante. Eu poderia ficar por mais tempo também, mas era exigir demais e La Push. Então aproveitei o máximo que pude. Abri o livreto e passei algumas folhas, mais interessada em folhear do que ler. Para estudá-lo, eu preferia estar dentro de casa, aconchegada em meu cobertor com um notebook ao lado, para fazer as anotações. Perdi-me nos desenhos rabiscados que a cada punhado de página apareciam.

No início não consegui entender nenhum deles, mas aproximei mais o meu rosto, analisando com cuidado. Notei que as formas não eram para ser descobertas assim, com uma passada de olhar. Os rabiscos se ligavam constantemente, mas o desenho principal estava mais espaçado, como se fosse desenhado pelos buracos e não os contornos. Na verdade, eram muito parecidos com aquelas imagens que os psiquiatras usam para saber a primeira coisa que vem na sua mente, julgando se você é maluco ou não – nunca entendi muito bem como eles chegam a essa conclusão com apenas algumas imagens. Eu vi um animal, lobo... Mas ele estava representado em uma forma grande demais para ser lobo, provavelmente era um urso. Os dentes em adaga estavam bem evidenciados. Era uma imagem que me fez estremecer. Dava medo, o tipo de bicho que te persegue nos sonhos.

Folheando mais um pouco parei em outra imagem. Embaixo dela havia uma legenda: Sahale Umi. Novamente a imagem era bem difícil de entender, mas aos poucos fui vendo o formato do rosto pequeno. O desenho era de corpo inteiro, ambos os braços estavam dobrados para cima, e parecia ter algo na palma da mão dela, mas eu não consegui entender. A roupa era um vestido longo, no qual em seus pés parecia se transformar em labaredas. Muito linda. Fiquei imaginando se ela foi assim mesmo. A imagem não era tão aterrorizante.

Passando mais um pouco as páginas, chegando ao final do livreto, havia um último desenho que encerrava tudo. Era um rosto, bem focado e centralizado. Não era um rosto amigável. Os olhos foram pintados de vermelho, e havia algo... No queixo que parecia escorrer, mas eu não tinha certeza. Os dentes estavam para fora, como se ele estivesse gritando. As linhas pareciam mais furiosas nesse desenho, mais tensas. Raivosas. Quase animalescas. Meu corpo estremeceu.

Tirei os pés da água, julgando que talvez fosse isso. Fechei o livro e o coloquei de lado. Era um desenho bem impactante, daqueles filmes de terror que te perseguem durante a noite. Cruzei bem minhas pernas, sentindo o vento gelado varrer meus cabelos para o lado enquanto eu encarava o rio. Estava perdida em pensamentos, ao mesmo tempo em que às vezes não pensava em nada. Meus olhos admiravam a clareza do rio quando notei, um pouco antes da minha casa, algo flutuar.

Franzi o cenho.

O povo de La Push nunca sujaria o rio. Não por ser proibido, mas a ligação deles com seus patrimônios era muito importante. Levantei o meu corpo, a fim de tentar ver melhor o que era. O objeto era longo e flutuava sem problema algum, balançando enjoativamente de um lado para o outro. Forcei a vista. Talvez fosse só um tronco de árvore.

Caminhei pela beirada, me afastando da casa. O conselho não ia ficar nada feliz se fosse lixo, provavelmente fariam uma reunião com todos. Parei de andar e esperei. O objeto estava boiando cada vez mais perto, a correnteza o trazendo próximo da margem. Quando passou por mim, não consegui gritar. Não consegui fazer nada além de tapar a boca em horror.

Era um homem. Melhor, um corpo. Completamente destroçado.

Virei para o lado e vomitei, incapaz de conter a ânsia que subiu pela garganta. A correnteza trouxe o corpo para a margem e eu me afastei, tropeçando no livreto e caindo no chão. Agarrei o livro enquanto me afastava engatinhando, horrorizada demais para chegar perto. Meu corpo estava arrepiado e eu não sabia o que fazer. Tentei levantar e não consegui também, minhas pernas bambas e moles. Então fiz a única coisa que consegui no momento. Eu gritei. O máximo que podia, o máximo que minha garganta permitia.

* * *

– Então, você viu o corpo na margem?

– Não... – minha voz mal saia. Havia duas viaturas da polícia local de La Push estacionada na frente da casa, as únicas da estação policial na verdade. Ele estava tentando arrancar respostas de perguntas que eu já havia respondido. A cada menção ao corpo eu lembrava de quão destruído ele estava, isso me causava uma nova onda de enjoo. – Eu já falei! Estava na margem, lendo, quando vi algo flutuando. Achei e estranho e me aproximei um pouco. A correnteza que trouxe o... Corpo – me forcei a dizer – para a margem.

– Você não chegou a tocar no corpo?

O olhei afiada.

– Claro. Sim, toquei nele. E depois brinquei de salão de beleza, por que é típico de alguém ver um corpo destroçado no quintal da sua casa e resolver tocar nele. – falei acidamente.

– Acho que já chega por hoje, Will. – meu pai disse apertando meus ombros enquanto me empurrava um pouco para trás, havia repreensão na sua voz, tanto para mim quanto para o assistente do xerife, que estava na parte detrás da casa, ajudando a perícia a remover o corpo.

O assistente assentiu e saiu de perto, indo para os fundos. Em algum momento alguém colocou uma manta nos meus ombros, mas não me lembro quando foi. Mesmo assim eu me sentia tremer de vez em quando, principalmente ao lembrar do corpo. O conselho da cidade também estava parcialmente ali, inclusive Jacob Black. Ele foi um dos primeiros a chegar depois que liguei para a polícia.

Meu pai passou um braço nos meus ombros. Foi o único movimento desde que eu chegara aqui que demonstrava sua afeição e preocupação. Acho que era a única vez que eu também dava liberdade para ele fazer isso, por isso deitei a cabeça em seu peito enquanto olhava a tarde de sábado ir embora. Aqui em La Push costumava escurecer mais cedo.

– Você ficará bem sozinha por um tempo? Preciso falar rapidamente com Billy e Sam.

– Tudo bem. – eu disse voltando ao normal e me afastando de seu braço. – Vou ficar aqui na varanda.

Vi meu pai caminhar rapidamente até o canto em que o conselho se mantinha cordialmente longe do restante do pessoal. A maioria da equipe da perícia era um conjunto entre pessoas de Forks e de La Push. A maioria era da delegacia de ambas as cidades, que costumavam se unir em momentos assim – pelo menos foi isso que meu pai me passou, ele falou mais coisas também, mas eu não estava prestando atenção. Sentei nas escadas da varanda olhando para meus pés. Eu estava de chinelo e meus dedos estavam bem gelados, mas não queria ir até meu quarto para colocar sapatos. Parecia bobeira me incomodar com esse frio.

O livreto ainda estava seguramente em meus braços, apertado contra meu peito como um talismã. Relaxei a posição quando notei que estava começando a amassar ele. Passei um bom tempo alisando a capa, mesmo quando ela já estava lisa novamente.

– Como você está? – a voz rouca de Jacob soou acima de mim.

Foi engraçado como eu não me assustava mais com essas aparições dele. Na verdade, eu meio que sentia quando ele se aproximava, já esperando que ele fizesse tal coisa. Jacob se sentou ao meu lado na escada, apertando um pouco nós dois naquele pequeno espaço. Eu nao reclamei, ter o calor aconchegante de Jacob era muito bom... Não que eu fosse admitir isso para ele. Virei meu rosto para olhá-lo, mesmo sendo muito mais alto do que eu, a proximidade era intensa.

– Bem. – falei e voltei a olhar para meus pés. – Não é todo dia que você encontra um corpo destroçado no seu quintal. – ironizei.

– Foi uma pergunta estúpida.

– Sim, foi. – consegui esboçar um sorriso.

Nós entramos em um silêncio pensativo. Eu tentava a todo custo não me lembrar do corpo, mas ficar aqui parada não estava me ajudando nem um pouco. Eu observava meu pai conversar com o conselho, olhando a cada expressão que eles faziam. Sam e Billy não pareciam tão chocados quanto os delegados, que estavam atonitos enquanto removiam o corpo. Estreitei meus olhos enquanto buscava por expressões de surpresa no rosto dos dois. Nada.

Pareceu que uma luz acendeu em meu cérebro. Foi forte o suficiente para me fazer ofegar.

– Isso não é surpresa para vocês. – falei sem tirar os olhos de meu pai. Sam virou seus olhos para mim, como se estivesse escutado a minha declaração. Havia muita serenidade e calma em suas feições, mas seus olhos estavam preocupados.

Jacob não respondeu de início e de certa forma não era nem uma pergunta. Mas estava na cara que eu esperava uma resposta, qualquer tipo. De repente, pareceu muito melhor tentar arrancar alguma resposta de Jacob do que ficar parada aqui tentando não me lembrar das escoriações vazias no rosto e corpo do homem.

– Não. – ele respondeu e isso me surpreendeu. Voltei meus olhos para ele, que também me encarava. Lá estava ela, aquela intensidade que possuia tantos segredos com qualquer outro olhar de Jacob, mas estavam quase na borda de seus olhos. Eu gostaria de alcançá-los, de chegar mais perto para ver se isso iria ajudar. Mas não me aproximei.

– Desde quando?

– Faz algum tempo que Forks tem reclamado de alguns desaparecimentos. Parece que vamos ter que lidar com o mesmo problema. – havia um tom muito sombrio na voz dele.

Segurei a emoção para mim enquanto voltava meus olhos para meu pai, Billy e Sam. Eles estavam conversando mais próximos agora, as cabeças quase coladas. Havia muita cumplicidade ali, era quase palpável. Voltei a me perguntar o motivo de John ser tão próximo deles.

– Meu pai parece se dar bem com vocês – comentei tentando não colocar emoções na voz.

Jacob também estava observando os três, mas vi que seus olhos estavam longe dali, como se avaliasse o meu comentário. Ele parecia fazer muito disso, pensar antes de responder meus comentários e perguntas.

– Seu pai entende nossas limitações. – falou vagamente.

Eu não fazia ideia do que isso significava, mas no momento não busquei por mais informações. Eu estava cansada, para falar a verdade. Meu corpo estava mais mole agora, a não ser por meus ombros, que doiam de tão tensos. O livreto escapou de minhas mãos e caiu no chão, eu tentei pegá-lo, mas quando me abaixei logo voltei. Jacob já o tinha nas mãos. Eu mal vi o movimento, nem reparei que ele tinha pego o livro. Mas ali estava ele, analisando a capa e folheando sem cuidado algum algo tão delicado e precioso.

Senti vontade de tirar o livreto de suas mãos rudes. Contorci a boca com isso.

– Então era pra isso que precisava da autorização? – havia um ar de riso em sua voz, mas ele não sorriu. Seus olhos escorregaram e deixaram transparecer uma preocupação antiga, que parecia ser passada de quileute para quileute.

– É. Tem me ajudado bastante. – falei retirando o livro de suas mãos, temendo que ele não quisesse mais me devolver.

– Hm. – foi a única coisa que disse, seus olhos ainda fitaram mais um pouco o livro e depois subiram para meu rosto. Sustentei seu olhar. – Precisa de alguma coisa?

Havia uma conotação diferente nessa pergunta. Para qualquer outra pessoa comum poderia ser interpretada pelo o que tinha acontecido, uma consolação. Mas eu sentia que não era isso. Havia algo de estranho em todos os quileutes, mas ninguém revelava mais isso do que Jacob Black. E eu sentia que ele sabia. Então a pergunta não cabia na situação em que eu me encontrava, não tinha nada a ver com o corpo na margem do rio. Parecia ter algo a ver com o livreto, com o segredo que eles protegiam com tanto afinco.

– Depende. Acha que preciso? – perguntei com um quê de petulância na voz.

Jacob sorriu, um de seus raros sorrisos completos e sinceros, que iluminava todo o rosto. Foi um sorriso que aqueceu meu peito, dissipando um pouco da frieza que tinha me tomado durante essas últimas semanas. Parecia que eu tinha encontrado o calor novamente. Prendi essa sensação o máximo que eu conseguia.

– Não. Acho que você vai se sair bem, é esperta. – isso soou animado, mas havia preocupação também em sua voz.

Desviei meus olhos dos seus, olhando para o livreto em minhas mãos.

– Alguma dica? – perguntei brincando.

Jacob sorriu mais uma vez, aquecendo-me novamente. Era incrível. Ele transmitia seu calor com a mesma intensidade que transmitia o perigo. Qualquer tipo de sentimento extremo de Jacob parecia ser emanado em ondas, atingindo a todos. Isso podia repelir, como sempre fazia, ou aproximar.

– Procure abrir sua mente. – disse no pé de meu ouvido, bem baixo e a voz quase nula.

O ar quente entrou em minha pele e me fez estremecer. Meu coração dobrou seu batimento, respondendo quase alto demais ao sussurro de Jacob. Por um breve momento eu senti como se ele realmente pudesse ouvir, havia uma satisfação visível em seu rosto por um momento, mas logo em seguida eu tirei isso da minha cabeça. Ele não conseguia ouvir meus batimentos cardíacos.

Jacob se levantou e caminhou até meu pai, acho que estava se despedindo, trocou poucas palavras e foi até sua moto. Um sorriso se abriu em meu rosto ao me lembrar da moto. Ela não parecia mais ser tão horrível, pelo menos não quando Jacob estava nela... Tudo bem, afastei esses pensamentos da minha mente. Eram só um reflexo do sentimento quente e vibrante que percorreu meu corpo com Jacob tão perto.

Aos poucos as pessoas começaram a ir embora. O corpo já tinha sido removido, mas isolaram a área e não deram previsão de quando iam liberar. Também não queria pensar no corpo novamente, mas as palavras de Jacob rondavam minha mente. Ele disse que já fazia um tempo que isso vinha acontecendo... Então por que é que ninguém sabia? É claro: o conselho não iria querer colocar o seu povo em desespero. Isso não seria nada útil. O mais fácil seria tentar lidar com a situação o mais discreto possível e depois, assim que resolvido, passar para todos. Mas isso não funcionou. Agora todo mundo sabia sobre o corpo encontrado nos fundos da casa de John e que sua filha estrangeira havia visto tudo.

Tomei um longo e demorado banho. Como se isso fosse retirar todo e qualquer resquício do que passei por hoje. Depois me embrenhei nas cobertas, não querendo falar com ninguém. Austin chegou, mas não comentou nada comigo. Simplesmente pegou um livro, me empurrou para o canto e se deitou na cama comigo, no seus sempre tímido modo de estar ao meu lado. Fiquei extremamente grata, principalmente por não ser bombardeada de perguntas ou com aquele olhar preocupado. Ela ficou comigo até de noite.

Dormimos juntas e eu senti, mesmo sem ela ter me direcionado um olhar sequer, todo o amor e lealdade que Austin tinha para mim. E isso não tinha preço.


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Notas finais do capítulo

Entãaaaaao?! O que acharam do capítulo? Queria agradecer ao comentário da Amando. E das visualizações dos senhores (as) fantasmas. Por mais que vocês não comentem, fico feliz por estarem lendo!
Alguém tem alguma ideia do que vai acontecer a seguir? Vamos lá! Vamos supor, dar palpites!
Nos vemos semana que vem!
Beijooooos.



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