Depois de tomar o remédio eu dormi que nem uma pedra. Fico feliz por ter tido pelo menos uma noite sem pesadelos. Levantei com o humor um pouco melhor, como todos os dias preparei o café e me sentei junto de Dona Renê para tomá-lo.

- “Dormiu bem querida”?

- Bem melhor. Tive um sono sem sonho esta noite.- falei antes de dar um gole no suco.

De repente meu telefone tocou.

- “Quem será essa hora”? – perguntou Dona Renê.

- Não sei, só um instante que eu vou ver.- falei e fui buscar o telefone.

- Alô!

- Alô Bella? É o Mike.

- Oi Mike!

- Eu tava aqui pensando e faz muito tempo que eu não te alimento. – falou rindo. – então o que você acha se eu te levar pra tomar um café?

- Er, eu já estou tomando café.

- A tá, então o que você gostaria de fazer? Eu tenho o dia todo livre. - ele disse meio sem jeito.

- Por que você não vem aqui em casa? Eu preparo alguma coisa, a gente conversa... – falei antes que ele ficasse sem graça de novo.

- “Perfeito. Te vejo às 17:00h”.

- Não se atrase!  -Falei rindo.

- “Jamais”!

(...)

A manhã passou tranqüila, aproveitei o dia pra arrumar o closet, eu tenho pouca coisa, não que isso tenha me impedido de fazer uma bagunça enorme. Depois do almoço eu levei o lixo pra fora e voltei ao meu quarto na intenção de separar alguma roupa descente pra vestir. Voltei pra cozinha e coloquei uma torta de maçã no forno. O Mike veio no horário combinado, era muito fácil ser sua amiga, ele era bem espontâneo e quase nunca me deixava constrangida.

- Fico feliz que esteja melhor. – falou sentando ao meu lado. – O seu rosto ainda dói? perguntou com cautela.

- Só um pouco. - falei me arrependendo de não ter aprendido a usar maquiagem quando tive oportunidade. - o meu olho ainda está dolorido, e as costelas continuam me maltratando um pouco, mas eu vou ficar bem. Por sinal era sobre isso que eu queria falar.

- Sou todo ouvidos.

- Na verdade eu não tive tempo de te agradecer, o Dr. Richard me falou que foi você quem me encontrou e me levou pra casa.

- Você não precisa me agradecer, nós somos amigos e eu tenho certeza que você teria feito o mesmo por mim.

- Sim teria. E é pelo fato de sermos amigos que eu gostaria de saber como foi que você me encontrou?

Ele hesitou por um instante, mas ao perceber que eu não desistiria tão fácil, respirou fundo e começou a falar.

- Eu esqueci o meu portfólio na loja do meu pai então resolvi buscá-lo antes de ir para aula. Estacionei o carro na rua de trás, e como ele confiscou o meu carro não queria que ele  soubesse que eu havia pego o da minha mãe emprestado.  Foi aí que eu te vi. – ele hesitou novamente.

- E? – falei tentando estimulando-o a continuar.

- Você estava deitada de bruços. O cabelo cobria o rosto então eu me aproximei pra ver. Afastei o cabelo, e quando vi que era você tentei te acordar, mas você não respondia então eu verifiquei a sua respiração e fui ligar pra emergência. Depois sentei do seu lado e fiquei esperando a ajuda chegar. E é só!

A imagem passou na minha cabeça como um filme, fiquei em transe por alguns segundos até que ele me despertou, provavelmente deduzindo que o que eu estava pensando não era nada fácil de esquecer.

- Então, o que nós vamos fazer agora? Você disse que ia me alimentar dessa vez lembra?

- Claro, vem comigo!- falei enquanto eu o encaminhava para cozinha.

- Não tem ninguém em casa?

- Tem! A Dona Renê está no jardim com o Sr. Williams. – falei enquanto tirava a torta do forno.

- Nossa foi você quem fez? – ele perguntou com cara de espanto.

- Não conta pra ninguém mais essa é uma das poucas coisas que eu sei fazer. – falei sussurrando.

Nós dois rimos.

(...)

Quando estava começando a anoitecer, eu o levei até o portão principal. Nos despedimos com um beijo no rosto, ele deve voltar durante a semana mas por hora não há nada confirmado. Fiquei olhando o Mike sair com o carro, ao me virar dei de cara com Jake do outro lado da rua me olhando, provavelmente queria falar comigo. Ele não se aproximou, colou o capacete e saiu com a moto. A essa altura, deve estar pensando que eu tenho alguma coisa com o Mike. Que seja!

Depois do jantar, comi mais uma fatia de torta e fui dormir. Não nego o fato de ter ficado impressionada com o que Mike me contou, mesmo assim não deixei isso me abalar. Entretanto independente do quão agradável o dia tivesse sido, à noite eu não consegui fugir do pesadelo. Mas esse era diferente, a perseguição não acabava, eu corria com todas as minhas forças, mesmo assim não demorou muito e ele me alcançou. Depois que ele me atingiu eu comecei a ver a cena como se estivesse fora dela, como se eu fosse outra pessoa que assistia de longe, incapaz de fazer alguma coisa. Assim como todos os outros pesadelos, eu acordei gritando e suando frio, mas dessa vez Dona Renê não veio. Me enrolei no edredom como era de costume, porém um som familiar me fez tremer da cabeça aos pés. Ouvi passos pesados caminhando pelo corredor. Seja lá o que for, desceu as escadas e sumiu.

Fiquei deitada mais um tempo até ter certeza de que a casa estava novamente calma. O relógio marcava 05:00h da manhã. Eu não agüentava mais viver desse jeito. Me levantei aos prantos, peguei papel, caneta e comecei a escrever.

Irmã Agnes

Peça desculpas à Alice e á Dona Renê por mim. Diga a elas que eu as amo muito porém não encontrei outra saída.

Bella

Me levantei da cadeira e fui até o closet buscar a caixinha de costura. Peguei a gilete que estava no fundo da caixa então me ajoelhei no meio do quarto. Parece ruim, mas no momento cair no esquecimento era sem dúvida um alívio. Posicionei a ponta da lamina no meu pulso esquerdo respirei fundo e em meio às lágrimas tomei coragem para iniciar o fim.