Heróis e Vilões - Um mundo de poderes escrita por Felipe Philliams


Capítulo 11
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Notas iniciais do capítulo

Demorei muito, eu sei. Mas aqui está :3 não me julguem pela demora, mas eu tive GRAVÍSSIMOS problemas com meu pai... Ele acha que manda em todo mundo e que eu sou o empregado dele ou coisa assim... É muito formal e não gosta de mim.
Mas enfim, vocês não fizeram nada para eu ficar falando cocô sobre minha vida... Boa leitura



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O café da manhã foi pão massa grossa (ou pão francês, como John os chamou certa noite) quentinho e recente; recheado com um bacon frito no ponto, com a gordura ainda estalando, e detalhado com uma salada banhada por azeite e recheada de tomate; com um refrigerante geladinho, sem açúcar e "nutritivo" para empurrar abaixo. Foram servidos em dois pratos de porcelana branca entalhada em detalhes de ondas marítimas e peixes. Um pouco pesados, eram grossos, e eu tive a impressão de que o pão meio grande não pesava uma grama.
Comemos na mesa da cozinha, eu, faminta, devorei o pão lentamente. Eu estava tentando não sujar minha farda, que ainda estava limpa, mesmo tendo passado quatro dias desde segunda. Mamãe fitava-me com os olhos avaliadores, talvez tentando adivinhar - e não ouvir - o que eu pensava. Seus cabelos pretos e, agora, levemente acastanhados, caíam-lhe costa abaixo. Ela usava uma camisa preta amassada, um pouco apertada, com a logo de um trem em branco. Seus olhos estavam quase imperceptivelmente vermelhos e o semblante era indiferente, menos os olhos, avaliadores. Conferindo a maneira como ela me olhava, eu julguei estar de frente para um juiz, que escolheria minha sentença: vida ou morte. Por mais estranho que poderia parecer eu senti-me levemente pouco à vontade na presença da minha mãe naquele dia. Talvez ela tivesse descoberto alguma infração minha ou erro... qualquer coisa que a fizesse olhar-me e dizer: não tenho orgulho de ser sua mãe.
Meus pensamentos voltaram-se para a escola, afim de esquivar minha mãe. Por ser uma telepata, ela consegue ouvir o se passa em minha mente apenas com um olhar, mesmo que eu a esteja devolvendo o olhar ou não. Meu único alívio - ou única preocupação - era que Mariana Philliams não dominava o poder de maneira aprofundada; ou seja, ela só podia ouvir minha mente no básico, saber basicamente emoções, desejos, pensamentos. Mas não lembranças, mesmo que esse último ela consiga só se fizer um esforço maior. Mamãe me olhava com seus avaliadores semblantes e isso foi apenas a última prova que eu precisei para perceber o óbvio.
De qualquer jeito eu já estava livre de mamãe vasculhando profundamente. Após ter essa conclusão eu havia desviado totalmente meus pensamentos para as coisas relacionadas à escola. Provas, atividades, deveres, aulas, assuntos para estudar... talvez funcionou, pois assim que minha mãe ingeriu dois goles de refrigerante abaixo a indagação surgiu-lhe nos lábios:

– Como tá indo na escola, Marcela?
– Legal... - eu havia acordado um pouco triste naquela manhã de sexta-feira, mas o porquê... eu não sabia. Talvez devesse ser porque eu não via John havia quatro dias, ou porque a discussão com Fernanda ainda me incomodava. No fundo uma última esperança me ocorreu com a pergunta dela, mas não o suficiente para me fazer falar.
– Tá indo bem nas aulas, participando?
– Faço o que posso.
– E "o que você pode" é suficiente para tirar notas boas em todas as matérias nesse bimestre?
– Não sei... - talvez minha mãe não estava percebendo minha vontade zero de conversar.

A voz dela ficou em um tom, ainda que leve, de censura.

– Marcela, me dê respostas concretas!
– Mãe, eu não tô muito afim de conversar, por favor, me deixa.
– Como é? Repete! - seu tom agora expressava raiva, incredulidade, mas ainda sim não gritava... mantinha a voz sobre controle.
– Eu só... não quero falar.
– Marcela, você vai ficar de castigo - decidiu ela, em um último ato para ser respeitada. - Não volte a falar comigo desta maneira! Você me deve respeito porque sou sua mãe!

Olhei para ela, engolindo o escárnio.

– E quais são os termos do castigo?
– Você não vai sair daqui por dois dias.

Quase deixei a raiva súbita extravasar. Quase

– Mãe, não posso ficar sem sair daqui por DOIS dias. A senhora faz ideia do quão chato é este lugar à tarde?! - deixei a calma chegar - Diga outra coisa.
– Três dias.
– Mas...
– Quer quatro?

Respirei.

– Mãe...
– Quatro. Quer cinco? Vai continuar a me question...
– Mas que merda, mãe! Droga, me deixa! Não, estou bem, dá para entender isso!?

Levantei-me, furiosa, peguei minha mochila e saí. Por alguns minutos eu não soube o que fazer, até que, quando a calma veio, percebi que tinha de ir para a casa de Fernanda e esperar com ela o ônibus escolar. Enquanto caminhava por aquilo que pareceram horas, percebi que o eco das últimas palavras ainda prolongava-se em minha mente. Pensei em minha mãe e o que ela poderia estar pensando naquele momento.
E, sem eu escolher, veio-me a mente minha reflexão acerca do assunto sobre minha mudança. Eu estava mudando, reparei, na hora. Minhas ideias começavam a ficar expostas, mas isso havia refletido de maneira ruim. Nas duas vezes que conversei profundamente com Fernanda e mamãe, tentei ser eu mesma. O resultado foram duas discussões e um mau-humor que, mais cedo ou mais tarde, me deixaria exausta. Em algum lugar na minha vida já ouvi alguém me falar que a única pessoa que sofria rancor era aquela que o guardava. Por mais que eu tentasse era difícil não guardá-lo, até porque eu não via o sentido em falar normalmente com alguém após dar-lhe golpes de realidade.
Mesmo consciente de que eu havia iniciado a briga, percebi que minha mãe também havia mudado. Ela talvez tinha brigado com alguém ou alimentado um hipótese acerca de segunda-feira, quando eu havia chegado em casa depois das onze. Thiago, o encarregado da locomoção na RM, deixara Fernanda e eu na rua paralela com da nossa casa, então simplesmente andamos. Quando eu cheguei em casa, mamãe perguntou-me por onde eu havia andado. Respondi-lhe, em meio aos engasgos, que o ônibus que tomei havia torrado o motor, então tivemos de voltar andando.

– Mas ainda sim não teria como vocês chegarem aqui três horas após meu limite! - avisara ela, em um controlado tom de raiva.
– É que Fernanda se confundiu às vezes... - essa parte fora verdade, por isso eu não havia gaguejado.

Se minha mãe resolvera ler minha mente, eu estava bem ferrada. A RM não voltara a dar sinais de existência desde a segunda-feira, mas não parava de pensar naquele lugar. As paredes gigantes não queriam sair dos meus pensamentos, nem os milhares de olhos postos em mim. Meus pensamentos concentraram e alimentaram as ideias de que eu voltaria para a RM, mas como a presidenta. Eu de súbito olhava-me diante de todos os olhares suplicantes, governando acima de todos, fazendo o que queria. Eu tinha amigos cujas faces me cercavam, mas em nenhum lugar John se encontrava.
Debaixo das minhas ilusões, cheguei perto da casa de Fernanda. Quando ia bater na porta, ouvi passos leves no chão e a porta abriu-se para uma Fernanda com cheiro de creme para cabelo e com um sorriso jovial no rosto. Ela vestia a farda escolar que estava, agora, com uma cor marrom-escuro na região abaixo do pescoço. Seus cabelos loiros curtos e lisos caíam-lhe e em coordenadas aleatórias era possível ver gotículas de creme salpicadas. As feições do seu rosto eram uma alternação entre macio e levemente áspero, curvando-se para dentro delicadamente.

– Bom dia, alegria! - disse ela, como se risse de uma piada muito engraçada.
– Pra mim não, Fernanda... Meu dia não está bem.
– Ué, por quê?
– Além de brigar com minha mãe, eu briguei com a minha mãe!

Ela ficou, de um segundo a outro, com um semblante de incredulidade, após o sorriso esvair-he do rosto.

– Marcela! Como foi que você brigou com a tia Mariana?!
– Eu não acordei com disposição pra falar hoje, aí ela me forçou e eu não aguentei... Então agora não podemos sair durante a tarde por quatro dias.
– Cara, por que sua mãe fez isso?! Ela sabe que... Ai, meu Deus! E agora?
– Acho que... Você precisa ter calma e... Esperar o tempo passar. Em breve o castigo acaba e a gente vai estar por aí - forcei-me a dar um sorriso amigo.
– É, se bem que... Não, nada.
– Então... - eu estava ansiosa para mudar de assunto - você teve notícias da RM desde que...

Ela tapou minha boca com a mão direita.

– Marcela! - advertiu, com os dentes semicerrados - Você tem que ser discreta! Eu ainda... NÓS ainda estamos na porta da casa da minha mãe! Ela é telepata!
– Tá, me desculpe - hesitei, antes de falar. - Mas teve?
– Não - ela admitiu.

Assim esperamos por alguns minutos, até que, pelo lado esquerdo da pista, o ônibus e sua armadura amarela chegaram implacavelmente. Lá dentro estava Maria e, é claro, John. Ele usava a farda escolar, com a alça da bolsa nos ombros e as mãos no colo. Assim que que me viu abriu um sorriso e jogou a mão no assento ao lado.

– John! - cumprimentei ele com um abraço.
– Oi, Cecela! - quando franzi o cenho ele perguntou - não gostou?
– Não, é que você falou assim... Pela primeira vez, Jonjon...
– Jonjon? - ele riu - gostei desse! - riu mais.
– Você é um bobo.

Percebi que ele havia guardado um lugar para mim, então tomei-o e sentei-me perto dele. Seu cabelo preto brilhava com o resto das gotículas de água do banho, sem falar que cheirava a xampu de flor. O cabelo dele tirava todo o destaque da testa, pequena e fofa. Seu rosto tinha feições levemente grossas, e curvava-se para dentro elegantemente. Sua pele era clara, levemente bronzeada, e livre de espinhas. Os lábios carnudos estavam naturalmente vermelhos e, quando riu, seus dentes eram um pouco amarelos.

– E aí, como vai indo o cursinho de engenharia?
– Cursinho? Aquela porcaria é mais difícil que - aproximei-me dele e sussurrei-lhe no ouvido - escalar o monte.
– Nossa - comentou, depois de uma risada. - Mas você tá conseguindo acompanhar as aulas e tals?
– Sim, sim... Às vezes é difícil porque o professor começa a falar um monte de coisa aí eu tenho que me esforçar para acompanhar.
– É, o meu também é assim... Sem falar que ultimamente tenho sofrido com enxaquecas fortes. Mais de quatro vezes tive de ir para o hospital...

Aquilo me fez ficar com frio na barriga. John dificilmente ia para o hospital. Ele tendo enxaquecas era algo demasiado preocupante. Além dos poderes e músculos, John realizou que tinha ótimos glóbulos brancos. Desde o ano anterior ele nunca mais havia pego uma virose, ou gripe. Nem mesmo resfriados.
Maria chamou-me.

– Oi? - virei-me, apoiada no banco.
– Marcela, você tem que sair daqui AGORA! - o tom dela era preocupantemente urgente; eu odiava quando ela fazia isso, dava a impressão de que minha vida dependia daquilo. A pior parte era que quase sempre dependia MESMO.
– Por que, o que vai acontecer?
– Se não sair, você vai MORRER! - ela tentou gritar e sussurrar ao mesmo tempo.
– Vou morder? - John sorriu.
– MORRER!
– Vou foder quem? - John quase gargalhou.
– Marcela é serio, tem que sair AGORA! - ela ignorou John profundamente depois disso.
– Maria, deixa de coisa. Eu não vou morrer - respondi-lhe.
– MARCELA!

Virei-me para John.

– Onde estávamos?
– Hum... Posso ganhar um beijo de bom dia?
– Não, não estávamos aí... - mas acabei por lhe conceder. Não durou mais que alguns segundos... Minutos - Nossa... - comentei, quando tentei me afastar, mas o doce da boca dele me chamou voluptuosamente de volta e deixei-me ficar mais um pouco. Depois da minha briga com minha mãe, aquele beijo foi tão reconfortante que eu quis ir na casa da minha mãe pedir-lhe desculpas.

Se fosse por mim, eu ficaria ali mais um pouco, mas, de repente, senti-me muito mal, com uma terrível inquietação. Afastei-me dando toques na região em que John sentia cócegas, então comentei:

– John, não estou me sentindo bem... Tem alguma coisa errada.

Eu teria o maior prazer de dizer que saíram aliens bebês das barrigas de todo mundo, mas, na verdade, foi pior. O ônibus parou bruscamente quando senti minha cabeça doer como se estivesse pegando fogo. Meus sentidos falharam-me, a visão ficou turva e um som terrivelmente agudo começou a ecoar dentro do meu ouvido. Minhas mãos, involuntariamente, foram aos ouvidos, mas de nada adiantou. Os pensamentos em minha mente ficaram voando de um lado ao outro quando fui tomada por um ataque de espasmos que lançou em John minha mão direita.
Em tudo de repente parou. O som extinguiu-se e os espasmos pararam. Confusa, olhei em volta; o teto do ônibus havia sumido e quase todos os alunos haviam fugido, o resto tinha as cabeças espalhadas aleatoriamente no chão, com o corpo inerte e o pescoço a espirrar sangue. John estava desacordado ao meu lado e Fernanda tinha os braços de areia longos, terminado em mãos reforçadas que apertavam o pescoço de alguém que flutuava.
Maria apareceu de repente, puxou-me para fora dos assentos e caminhou comigo até a porta frontal. John... Pensei, entorpecida. Lá fora, uma confusão de carros e pessoas espalhava-se pela pista. O ônibus escolar estaria intacto se não fosse pelo teto removido. Metade dos alunos já estavam a léguas do local, enquanto outros chamavam pela polícia. Ainda estávamos na Parte Dois, a deduzir isso por duas casas iguais com uma cerca branca a separar os quintais. Havia uma árvore que, por nada ter chegado a ela, ainda não pegava fogo. As portas e portões das duas casas estavam trancados com cadeados, forçadamente apertados lá.
Encima do ônibus sem teto, a mulher flutuante lutava contra braço e mão de Fernanda. Outras pessoas arremessavam coisas na mulher. Eu achei que logo alguém lhe acertaria a cabeça, mas a mulher foi subitamente arremessada para cima enquanto os braços e mãos de Fernanda desintegravam-se em uma nuvem de areia fina e pura. Depois isso ela demorou para se recompor.
Embaixo as pessoas começavam a correr para dentro das casas. Algumas cercas brancas que delimitavam o quintal dos moradores estavam quebradas e uma delas tinha um carro que batera de encontro com a casa, no outro lado da pista. Não demorou muito para que as pessoas parassem de jogar coisas e começassem a correr pela vida.
Maria jogou-me para trás quando um bloco de concreto quebrou a pista, com um impacto extra-forte. A mulher não estava mais flutuando, mas sim no chão, na frente do ônibus. Os cabelos ruivos e os olhos vermelhos brigaram com a minha memória, tentando saber onde aquela mulher havia sido vista por mim antes. Com os pensamentos ainda voltando ao normal, minha mente entrou em uma desesperada busca por memorias que me fez cambalear por alguns segundos. No entanto eu não precisei pensar muito quando os braços dela esticaram-se até uma cerca solta.
A Taxista (vou chamá-la assim até descobrir o nome dela) arremessou a cerca em mim, utilizando de uma velocidade descomunal. Meus instintos surpreenderam-me quando, no último minuto, abaixei-me, ao encontro do chão. A cerca passou zunindo acima da minha cabeça e rebentou-se contra uma casa. O olhar da mulher incitava raiva, talvez inveja, mas ela acabou tirando minhas concentrações quando falou:

– Você se acha a esperta, né, Marcela? Se acha demais porque tem poderes que podem dominar o mundo! Talvez deva se achar mesmo, porque não vai estar viva para descobrir o máximo que poder fazer, seu pedaço de cocô! Agora fique quieta para que eu possa matar-lhe rapidamente.
– Marcela! - Fernanda, com os membros inferiores submersos em um mar de areia, jogou na mulher uma poeira de areia que a cegou por tempo suficiente para eu planejar fazer algo - Não hesite, amiga! - berrou Fernanda, antes de voltar a lutar contra o invisível, mesmo sem pernas.

Quando corri ao encontro da Taxista, Maria, que estivera praticamente invisível ao meu lado, praguejou alguma coisa e saiu correndo. Não culpei-a, eu também correria de fosse uma mutante que pudesse simplesmente ver o futuro. Sim, isso é totalmente útil no dia a dia, mas quando se está em uma batalha a coisa pode ter o efeito contrário. Não que a estivesse chamando inútil, mas é que, às vezes, a realidade é dura.
A Taxista praguejou algo quando eu cheguei perto dela e, mais rápido que eu me permitia, dei-lhe um soco no rosto; ou pelo menos tentei, pois ela esquivou-se facilmente.
Eu não havia treinado muito o corpo a corpo desde que fiz dezoito anos, mas tinha o básico do básico do básico do básico... Até o fim. Fiquei investindo golpes desajeitados nela, mas a garota parecia prever o que eu ia fazer. Lançava-me sustos quando brandia o punho, mas eu só recuava por puro reflexo.
A Taxista escapuliu para trás quando fechei as mãos e as joguei para a frente tão forte que eu tive a impressão de que iria sair do braço. Quando chegou a vez dela investir sobre mim, mantive-me na defesa, tentando achar alguma falha dela. Seus golpes eram precisos e rápidos, acertavam onde ela parecia querer. O mais frustante era que ela olhava para a esquerda e investia para a direita. Mas mesmo com tanta rapidez...
Tinha pouca força. Suas investidas com o punho pareciam mais tapas leves que se assemelhavam a uma brincadeira. Eram fracos os golpes, mas irritavam muito, principalmente porque ela não parava de investir. Eu tentava desviar, mas fazia isso tão desajeitadamente que me perguntei se não poderia entrar para um programa de comédia. Pelos meus conceitos, notei que se estivesse assistindo àquela cena - duas mulheres brigando, uma com golpes de balão, que só estava lá para encher linguiça, e outra parecendo um camelo lavando roupa sem usar as mãos enquanto dançava Street Dance - eu mijaria de tanto rir.
Notei várias falhas em meu sistema de defesa enquanto ela me lançava golpes. Eu estava muito para a frente, o que dava à Taxista uma ótima vantagem quanto o posicionamento; enquanto eu me adiantava para tentar deixá-la na defensiva, ela poderia lançar-me um golpe na perna, desequilibrando a mim e terminando o assunto. Outra falha se encontrava em meus pés: tinha a perna direita para frente e a esquerda para trás; se eu notasse nela uma falha e fosse suficientemente rápida para explorá-la, não teria com por o impulso.
Não olhei para as falhas dela, o que resultou em um erro fatal: o cansaço. Meus braços imploravam por descanso quando ela investiu contra meu rosto um pouco mais forte que o comum. Eu havia previsto aquele golpe, mas, acostumada com os contínuos golpes fracos dela, não preparei meu rosto o suficiente para segurar sua investida. Quando o golpe veio, cegou-me por uns instantes. Tomada pela dor, deixei-me relaxar. A dor veio depois, ao passo que ela chutava-me a barriga e fazia-me dar golfadas de dor.
Então tudo aconteceu como um flash: em um instante eu me encontrava no chão, com as costelas estalando de dor. Eu sentia duas barras de ferro pressionando-me contra o chão tão fortemente que o ar dentro de meus pulmões fugiu assustado. Quando tentei inspirar o ar tentou achar brechas escondidas na laringe que cada vez mais cedia sobre as barras, o que implicou em um som terrivelmente assustador, como uma pessoa sugando o curso de um rio com um canudinho. Enquanto, sem ar, a vida abandonava-me, meu mundo expandiu-se. Com os olhos bem abertos, as coisas começaram a derreter. As árvores sumiram, as pessoas viraram cinzas, os carros viraram borrões e o chão debaixo de mim sumiu em um gradiente lento e forte. Debaixo de tudo havia o espaço, uma infinita extensão de gases e pontos brancos, azuis, vermelhos e laranjas.
Quase sem perceber, a dor em meu corpo passara, e eu era nada mais que uma pessoa sozinha, finalmente sozinha, em um mundo aleatório. Não estava compreendendo nada do que se passava ali. Olhei para os lados, procurando por meus amigos, inimigos e desconhecidos. Não importava o sentido para qual olhava, não havia nada, NADA.
E eu não respirava. Isso foi o mais assustador, ver que eu não movimentava a barriga nem para baixo e nem para cima. O oxigênio não habitava ali, nem gás carbônico, hélio... Nada.
Com as esperanças perdidas e a mente viajando a mil por hora, notei que todas as estrelas estavam paradas... Menos uma. Outra coisa que se tornou óbvia foi o tamanho das bolinhas: todas não pareciam ter mais de dez centímetros de diâmetro, mas havia uma que se diferenciava das outras. Seu formato, cor e tamanho e eram diferentes, sem falar que ela começava a se movimentar para dentro e para fora, como se fosse uma estrela a expandir-se e gerar um buraco negro. Mas isso não aconteceu.
Ao passo que tudo se aproximava do fim as estrelas foram ficando cada vez maiores até se tornarem suficientemente grandes para que eu visse imagens nelas... partes da minha vida. Em uma delas eu tinha seis anos e, brincando com Tulio, um amigo de infância, eu lhe disse:

– A gente tem que derrotar eles, mas não matar... matar pessoas não pode, é algo feio.

Em outra eu tinha dez anos, ao lado de Fernanda. Estávamos em uma biblioteca, com estantes de livros atrás de nós e apenas dois na mesa, um aberto por mim e outro por Fernanda. Eu não falei nada, mas eu conseguia ver o que se passava na minha mente: uma terra sem grama, vasta e escura. Na mão eu tinha uma tocha e na outra um cajado. Eu me via como alguém grande, infinitamente poderosa e rica... o que agora revelava-me ser uma ilusão.
Não importava para onde eu olhava, só via as estrelas gigantes a mostrar-me segredos, pedaços de vida excluídos e memorias há muito esquecidas. Eu, ainda flutuando, comecei a prestar atenção nelas de novo, tentando achar coisas que minha mente fizera-me esquecer. Vi amores perdidos, esperanças destruídas e planos arruinados. Minha vida, meu consiente, estava se despedaçando cada vez mais diante daquelas bolinhas. Meu coração não palpitava, pois ainda não respirava, mas isso não impedia-me de arregalar os olhos, morrendo de medo.
Enquanto olhava as estrelas aumentaram ainda mais, tornando cada vez mais nítido as visões que eu tinha. Aumentaram cada vez mais, até ficarem demasiado grandes para ocuparem um espaço... E se uniram em uma só grande estrela, brilhando na minha frente. Senti-me uma formiga perto de um homem com trezentos metros de altura. Meu cérebro ansiou pela respiração, mas ela não via. Em vez de memorias, eu comecei a ver uma tela branca dentro da estrela.
Então aquele movimento de vai e vem recomeçou, deixando-me enjoada. Inicialmente quase imperceptível, mas logo a estrela gigante parecia aumentar quatro vezes o próprio tamanho e diminuir até ficar menor que um grande areia.
O ar voltou-me aos pulmões enquanto a estrela cada vez mais aumentava seu contrair e expandir. Quando inspirei, o ar veio-me as narinas, penetrando-me os pulmões; então abri os olhos, entorpecida. O sol brilhava acima de mim, e as pessoas gritavam ao meu redor. Ouvi vozes terrivelmente familiares e sons nunca antes escutados. Os borrões ganharam as formas lentamente, e Fernanda pairava encima de mim.

– Marcela... - balbuciou.

Quando ela tocou-me o rosto, senti sua maciez. Ela tinha um rosto deformado, numa mistura de sangue e areia, mas não parecia se importar. Andava balançando o cabelo para cima e para baixo, deixando-a assustadora. Sua mão estava estranhamente macia, considerando a aspereza da areia. O toque mandou-me nostalgias ótimas e sensações das quais não esqueceria mais...
Antes de fechar os olhos pela última vez.


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Notas finais do capítulo

receio que vou demorar para continuar... Mas enfim, assim que pronto, posto. Flw ^^



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