Twilight - a Magia do Amor escrita por Sol Swan Cullen


Capítulo 4
3º Capítulo – Fenómeno




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(Bella POV)

 

Quando abri os olhos, de manhã, algo estava diferente.

Era a claridade. Caracterizava-se ainda pela tonalidade verde-acinzentada de um dia nublado na floresta, mas, de alguma forma, estava mais luminosa. Apercebi-me de que não havia nevoeiro a velar a minha janela.

Levantei-me de um salto, cambaleando em seguida mas ignorei a tontura, para olhar para o exterior e, então, soltei um gemido de horror.

Uma fina camada de neve cobria o jardim, empoava o tejadilho da minha pick-up e embranquecia a estrada. Porém, isto não era o pior. Toda a chuva que caíra no dia anterior gelara e solidificara – revestindo as agulhas das árvores de configurações deslumbrantes e fantásticas e fazendo da estrada uma mortífera superfície gelada. Já tinha bastante dificuldade em manter-me de pé quando o piso estava seco; talvez fosse mais seguro para mim voltar agora para a cama.

Como se tu fosses mais perigosa para ti do que para os outros… Murmurou a minha consciência ao que eu revirei os olhos.

- Onde pus a porcaria do telemóvel… - Perguntei-me enquanto andava pelo quarto à procura dele.

Serias mais inteligente se usasses os teus poderes para o encontrares. Voltou a dizer-me a minha consciência.

- Mas tu não te calas?! – Perguntei irritada. Hoje era um daqueles dias em que o bom humor tinha desaparecido de vez.

Por fim consegui encontrar o telemóvel e marquei o nº1 para as chamadas automáticas, o número de Ana apareceu no visor e começou a chamada. Colei o telemóvel ao ouvido e esperei que a minha irmã atendesse.

- Estou? – Disse Ana do outro lado da linha, com voz de quem tinha acabado de acordar.

- Ana! Minha desgraçada! Porque é que não me disseste que hoje ia nevar aqui em Forks?! – Perguntei num grito. Se havia algo mais frustrante do que ter-me mudado para a cidade da chuva, esse algo era ter uma irmã gémea que via o futuro e não nos ligava para avisar das mudanças de tempo.

- Ahn? Bella? Neve? O quê? – Ela perguntou confusa. – O que é que se passa?

- Forks! Neve! Eu metida em Forks num dia com neve e tu não me avisaste que iria nevar! – Exclamei frustrada.

- Só isso? – Ela perguntou como se nada fosse.

Só isso? O que é que ela queria dizer com só isso?!

- Anabella Swan! Tu sabes perfeitamente que eu tenho um equilíbrio terrível em chão seco e agora com gelo achas que eu vou ter a vida facilitada! Como é que tu me podes dizer só isso! – Exclamei outra vez.

- Bella, nada vai acontecer! Por Deus, julguei que fosse algo bem pior.

- Como é que podes dizer que pensaste que fosse algo bem pior! Ana, o que é que tu não entendes?

- Bella, relaxa! Tu tens um anjo da guarda… Não te vai acontecer nada! Acredita em mim… Tu vais chegar viva ao final do dia. – Prometeu-me Ana ainda com a sua voz de sono. – Agora importas-te de me deixar dormir? São duas da manhã!

- Desculpa… - Murmurei arrependida de lhe ter gritado. – Dorme bem… Eu ligo mais tarde. Beijos.

Desliguei o telemóvel, coloquei-o em cima da secretária e pus música a tocar no meu PC, tinha que me preparar para a escola e não gostava nada do silêncio em que a casa estava.

Charlie já saíra para o trabalho antes de eu descer. Sob muitos aspectos, o facto de viver com Charlie equivalia a ter a minha própria casa e dei por mim a deliciar-me com a solidão, em vez de me sentir só.

Tomei apressadamente uma taça de cereais e um pouco de sumo de laranja directamente do pacote. Sentia-me animada por ir para a escola e isso assustava-me. Sabia que não era pelo estimulante ambiente de aprendizagem que eu esperava ansiosamente, nem por ver o meu novo grupo de amigos. Se quisesse ser honesta comigo mesma, tinha consciência de que estava impaciente por chegar à escola porque iria encontrar Edward Cullen, o que era uma grande, grande idiotice.

Devia tentar evitá-lo completamente por dois motivos: motivo nº1 – deveria evitá-lo porque o monstro em mim desejava ardentemente retirar a vida dele, e motivo nº2 – deveria evitá-lo por completo depois da minha insensata e embaraçosa verborreia do dia anterior. Além disso, tinha as minhas desconfianças em relação a ele; porque haveria de mentir a respeito dos seus olhos? Estava ainda assustada com a hostilidade que, por vezes, sentia emanar dele e ficava ainda sem palavras sempre que visualizava o seu rosto perfeito. Estava absolutamente ciente de que o meu mundo e o mundo dele eram pólos que não se tocavam. Logo, eu não deveria, de modo algum, estar ansiosa por vê-lo neste dia.

Havia ainda outra coisa, as palavras de Ana intrigavam-me. O que quereria ela dizer com “tu tens um anjo da guarda”? Que anjo da guarda? Sempre julguei que nós como seres míticos não tínhamos anjos da guarda. Não era para “salvarmos” a nossa alma que ajudava-mos os humanos? Que queria ela dizer com aquilo.

Foi necessária toda a minha concentração para conseguir percorrer a glacial entrada de tijolo e chegar ao fim com vida. Quase perdi o equilíbrio e quando finalmente cheguei junto da pick-up, mas consegui segurar-me ao espelho retrovisor lateral e manter-me a salvo. Este dia seria manifestamente um pesadelo.

Talvez devesses usar os teus poderes. Sugeriu a consciência calmamente.

Por momentos desejei saber como é que se desligava a vozinha da minha consciência, se ela iria continuar a mandar palpites pelo resto do dia, bem que poderia calar-se.

Ao conduzir até à escola, o meu medo de cair e as minhas indesejadas especulações acerca de Edward Cullen, afastaram-se do meu espírito, ao pensar em Mike e Eric e na óbvia diferença de forma como os rapazes adolescentes reagiam à minha pessoa nesta cidade. Tinha a certeza de que a minha aparência era exactamente a mesma que tinha em Phoenix. Era natural que isso estivesse apenas relacionado com o facto de os rapazes da minha terra terem assistido à minha lenta passagem por todas as estranhas fases da adolescência e ainda fizessem esta ideia de mim. Talvez esta realidade se devesse ao facto de eu ser uma novidade nesta cidade, onde as novidades eram poucas e surgiam muito de longe a longe. Possivelmente, a minha incapacitante falta de jeito era encarada como sendo enternecedora em vez de patética, projectando sobre mim a imagem de uma donzela em apuros. Qualquer que fosse a razão, o comportamento típico de um cachorrinho que Mike assumia e a aparente rivalidade que existia entre ele e Eric eram desconcertantes. Não sabia ao certo se preferia ser ignorada.

O desempenho da minha pick-up não parecia ser, de modo algum, dificultado pelo gelo negro que cobria as estradas. Apesar disso, eu conduzia muito lentamente, não querendo deixar um rasto de destruição na Rua Direita.

Quando sai da minha pick-up, na escola, vi por que motivo tivera tão escassas dificuldades. Algo prateado chamou a minha atenção e dirigi-me à parte traseira da pick-up – segurando-me cuidadosamente ao flanco para me apoiar – para examinar os respectivos pneus. Havia finas correntes de neve na minha pick-up. Senti subitamente a garganta apertada. Não estava habituada a que cuidassem de mim e a tácita preocupação de Charlie apanhou-me de surpresa.

Encontrava-me junto do canto traseiro da pick-up, esforçando-me por conter a súbita onda de emoção que as correntes de neve haviam gerado, quando ouvi um ruído estranho.

Tratava-se de um guincho estridente e estava depressa a tornar-se dolorosamente sonoro. Ergui o olhar, sobressaltada.

Vi várias coisas simultaneamente. Nada se movia em câmara lenta, como acontece nos filmes. Em vez disso, o fluxo de adrenalina parecia fazer com que a actividade do meu cérebro acelerasse significativamente e eu fui capaz de assimilar, com grande pormenor, várias coisas ao mesmo tempo.

Edward Cullen encontrava-se a quatro automóveis de distância de mim, olhando-me fixamente com um ar horrorizado. O seu rosto sobressaía num mar de rostos, estando todos paralisados com a mesma máscara de choque. No entanto, o factor de importância mais imediata era a carrinha azul-escura que derrapava, com os pneus bloqueados e a chiarem sob efeito dos travões, fazendo piões descontroladamente no gelo do parque de estacionamento. Ia embater na traseira da minha pick-up e eu estava de permeio. Não tive sequer tempo para fechar os olhos.

Bella, mexe-te! Faz um feitiço, qualquer coisa! Gritou-me a minha consciência em pânico. Rapidamente a minha mente procurou todos os feitiços que me recordava, depressa encontrei dois que certamente impediriam a minha morte.

- Tempo… - Comecei a proferir o feitiço mas a pressa impedia-me de me lembrar de todas as palavras.

Não conseguiria recitar o feitiço a tempo de impedir a minha morte. Não havia esperança. Preparei-me para o embate da carrinha.

Precisamente antes de ouvir o esmagador estrépito da carrinha a embater contra a plataforma da pick-up, moldando-se a ela, algo me atingiu, com violência, mas não vindo da direcção que eu esperava. A minha cabeça bateu no alcatrão gelado e senti algo sólido e frio a prender-me ao chão. Estava estendida no passeio por trás do automóvel castanho-amarelado ao lado do qual eu estacionara, mas não tive oportunidade de reparar em mais nada, pois a carrinha continuava a avançar na minha direcção. Enfaixara-se com um ruído irritante na traseira da pick-up e, ainda rodopiando e patinando, estava prestes a colidir novamente comigo.

Uma imprecação proferida em voz baixa fez-me perceber que estava alguém comigo e era impossível não reconhecer aquela voz. Duas mãos longas e brancas precipitaram-se de forma protectora à minha frente e a carrinha estremeceu até parar a trinta centímetros da minha cara, com as grandes mãos a encaixarem-se providencialmente numa mossa profunda da parte lateral da carroçaria da carrinha.

Então, as mãos dele moveram-se tão rapidamente que se desfocaram. Uma estava subitamente a agarrar a parte inferior da carroçaria da carrinha e algo me arrastava, sacudindo as minhas pernas como se das de uma boneca de trapos se tratasse, até que estas bateram no pneu do carro castanho-amarelado. Um áspero baque metálico feriu-me os tímpanos e a carrinha ficou imobilizada, com vidro a saltar sobre o asfalto – exactamente onde, há um instante, estavam as minhas pernas.

Olhei para cima e vi os olhos absolutamente dourados de Edward Cullen a observarem-me.

De repente, tudo escureceu.

 

 

(Edward POV)

 

Na verdade, eu não estava sedento, mas decidi caçar outra vez nessa noite. Uma pequena onça por prevenção, ainda que soubesse que seriam insuficientes.

Carlisle veio comigo; não tínhamos estado juntos a sós desde o meu regresso de Denali. Enquanto corríamos pela floresta negra, ouvi-o pensar no adeus apressado da semana passada.

Na sua memória, vi o modo como as minhas feições estavam distorcidas com puro desespero. Senti a sua surpresa e súbita preocupação.

- Edward, o que se passa? Não devias estar na escola? Onde estão os outros? O que se passa, filho?

- Eu tenho que partir!

- O que se passou, Edward? Porque é que tens que partir?

- Nada! Eu só tenho que…

Ele tentou tocar-me no braço. E senti o quão magoado ficou quando me afastei da sua mão.

- Não compreendo.

- Alguma vez… encontraste algum ser humano que cheirasse melhor que todos os outros? Muito melhor?

Observei o meu ar desesperado através da sua profunda preocupação.

- Ah. Compreendo.

Quando soube que ele compreendia, a minha face baixou-se com vergonha.

Eu sei que vais fazer o que é melhor! Ele pensou na altura e depois disse. – Vamos sentir a tua falta!

- E eu a vossa! Pede desculpa por mim à mãe, pai!

- Assim o farei, meu filho. Toma. Leva o meu carro.

Agora ele estava a perguntar-se se tinha feito a coisa certa na altura, mandar-me embora. Perguntando-se se não me tinha magoado com a sua falta de confiança.

- Não. – Sussurrei enquanto corria. – Era o que eu precisava. Poderia ter facilmente traído a confiança, se me dissesses para ficar.

- Lamento que estejas a sofrer, Edward. Mas devias fazer o que estiver ao teu alcance para manter a criança Swan viva. Mesmo que isso signifique que tens que nos deixar outra vez.

- Eu sei, eu sei.

- Porque voltaste? Tu sabes o quão feliz estou por te ter aqui, mas se isto é demasiado difícil…

- Não gostei de me sentir um cobarde. – Admiti.

Desaceleramos – agora estávamos praticamente a correr devagar através da escuridão.

- Antes isso do que pô-la em perigo. Ela vai-se embora num ano ou dois.

- Estás certo, eu sei. – Ainda que, contrariamente as suas palavras apenas me faziam mais ansioso para ficar. A rapariga desapareceria num ano ou dois…

Carlisle parou de correr e eu parei com ele; ele virou-se para examinar a minha expressão.

Mas não vais fugir, pois não?

Baixei a minha cabeça.

É orgulho, Edward? Não há vergonha em –

- Não, não é orgulho que me mantém aqui. Não agora.

Nenhum sitio para onde ir?

Dei uma curta gargalhada. – Não. Isso não me impediria, se eu conseguisse fazer-me partir.

- Nós iremos contigo, claro, se é isso que precisas. Tens apenas que pedir. Mudaste-te sem te queixares pelos outros. Eles não te negarão isto.

Ergui uma sobrancelha. Como poderia ele pensar que eu queria que eles viessem comigo? Pior: como poderia ele pensar que os outros não iriam reclamar?

Ele gargalhou. – Sim, Rosalie iria, mas ela deve-te isso. De qualquer maneira, é muito melhor para nós se partirmos agora, sem estragos feitos, do que partirmos depois, depois de ter sido destruída uma vida. – Todo o humor tinha desaparecido no fim,

Estremecia com as suas palavras. Eu não permitiria que a vida de Bella acabasse por minha culpa.

- Sim. – Concordei. A minha voz soando rouca.

Mas não te vais embora?

Suspirei. – Devia.

- O que te agarra aqui, Edward? Estou a falhar em ver…

- Não sei se consigo explicar. – Até para mim mesmo não fazia sentido.

Ele mediu a minha expressão por um longo momento.

Não, não vejo. Mas vou respeitar a tua privacidade, se preferires.

- Obrigado. É generoso da tua parte, vendo como eu não dou privacidade a ninguém. – Com uma excepção. E que estava a fazer o que podia para lhe tirar essa privacidade, não estava?

Todos temos as nossas astúcias. Ele gargalhou outra vez. Vamos?

Ele tinha acabado de apanhar o cheiro de um pequeno filhote de veado. Era difícil reunir muito entusiasmo pelo que era, mesmo sob as melhores circunstâncias, um aroma abaixo de deixar água na boca. Neste momento, com a memória do sangue fresco da rapariga na minha mente, o cheiro realmente revirava-me o estômago.

Suspirei. – Vamos. – Concordei, ainda que soubesse que forçar mais sangue pela minha garganta abaixo poderia ajudar muito pouco.

Ambos nos modificamos para uma posição de caça e deixamos que o desatraente cheiro nos puxasse silenciosamente.

 

Estava mais frio quando regressámos a casa. A neve derretida tinha regelado; era como se um fino lençol de vidro cobrisse tudo – cada agulha de pinheiro, cada lâmina de relva estava coberta por gelo.

Enquanto Carlisle se foi vestir para o seu primeiro turno no hospital, eu fiquei ao pé do rio, esperando que o sol nascesse. Quase me senti inchado pelo amontoado de sangue que tinha consumido, mas sabia que a actual ausência de sede significaria pouco quando me sentasse junto da rapariga outra vez.

Frio e parado como a pedra em que me sentava, olhei para a negra água correndo sob a camada de gelo, olhei através disso.

Carlisle estava certo. Eu devia deixar Forks. Eles poderiam espalhar qualquer história para explicar a minha ausência. Intercâmbio na Europa. Visitar familiares distantes. Fuga de adolescente. A história não importava. Ninguém iria perguntar intensamente.

Era apenas um ano ou dois, e então a rapariga desapareceria. Ela seguiria com a sua vida – ela teria uma vida para prosseguir. Ela iria para a faculdade algures, envelheceria, começaria uma careira, talvez casasse com alguém. Eu podia imaginar isso – eu podia ver a rapariga vestida toda de branco e a andar a um passo medido, de braço dado com o seu pai.

Era estranha, a dor que essa imagem me causou. Não conseguia perceber. Estaria com ciúmes, porque ela tinha um futuro que eu nunca poderia ter? Não fazia sentido. Cada um dos humanos à minha volta tinha o mesmo potencial na sua frente – uma vida – e eu raramente parava para os invejar.

Eu devia deixá-la para o seu futuro. Parar de arriscar a sua vida. Essa era a coisa certa a fazer-se. Carlisle sempre escolhia o caminho certo. Eu devia ouvi-lo agora.

Mas tu não és o Carlisle, Edward. Murmurou a minha consciência. Tu não tens que fazer as mesmas escolhas que Carlisle.

O sol ergueu-se por detrás das nuvens, e a fraca luz fez brilhar todo o vidro congelado.

Mais um dia, decidi. Eu vê-la-ia mais uma vez. Eu podia aguentar isso. Talvez eu pudesse mencionar o meu desaparecimento pendente, armar a história.

Seria difícil; eu conseguia sentir que na pesada relutância que já me estava a fazer inventar desculpas para ficar – para estender a partida para dois dias, três, quatro… Mas eu faria a coisa certa. Sabia que podia confiar no conselho de Carlisle. E também sabia que estava em demasiado conflito para fazer a decisão certa, sozinho.

Muito demasiadamente em conflito. Quanta desta relutância veio da minha obsessiva curiosidade, e quanta veio do meu apetite insatisfeito?

Entrei para mudar para roupas frescas para a escola.

Alice estava à minha espera, sentada no último degrau no terceiro andar.

Vais te embora outra vez. Ela acusou-me.

Suspirei a consenti.

Não consigo ver para onde vais desta vez.

- Ainda não sei para onde vou. – Sussurrei.

Quero que fiques.

Abanei a cabeça.

Talvez o Jazz e eu pudéssemos ir contigo?

- Eles vão precisar mais de vocês do que eu, se eu não estiver aqui para olhar por eles. E pensa na Esme. Irias tirar metade da família dela de uma só vez?

Tu vais fazê-la ficar tão triste.

- Eu sei. É por isso que tens que ficar.

Não é a mesma coisa sem ti aqui, e tu sabes.

- Sim. Mas eu tenho que fazer o que está certo.

Contudo, há muitas maneiras certas, e muitas maneiras erradas, não há?

Por um breve momento ela foi varrida para uma das suas estranhas visões; observei com ela enquanto as imagens indistintas tremeluziram e rodopiaram. Vi-me misturado com estranhas sombras que eu não conseguia desvendar – formas confusas e imprecisas. E então, subitamente, a minha pele estava a brilhar na brilhante luz do sol numa pequena e aberta clareira. Era um lugar que eu conhecia. Havia uma figura na clareira comigo, mas, outra vez, estava indistinta, não suficientemente para ser reconhecida. As imagens tremeram e desapareceram enquanto um milhão de pequenas escolhas refez o futuro outra vez.

- Não apanhei muto daquilo. – Disse-lhe quando a sua visão ficou negra.

Nem eu. O teu futuro está a mudar tanto que eu não consigo acompanhar nada. Ainda que ache…

Ela parou e saltou através de uma vasta colecção de outras visões recentes para mim. Eram todas iguais – desfocadas e vagas.

- Contudo, penso que algo está a mudar. – Ela disse em voz alta. – A tua vida parece estar numa encruzilhada.

Gargalhei sinistramente. – Apercebeste-te de que agora soaste como uma falsa vidente numa feira, certo?

Ela deitou-me a sua fina língua de fora.

- Hoje está tudo bem, não está? – Perguntei, a minha voz abruptamente apreensiva.

- Não te vejo a matar ninguém hoje. – Ela assegurou-me.

- Obrigado, Alice.

- Vai-te vestir. Não vou dizer nada – vou deixar-te contar aos outros quando estiveres pronto.

Ela levantou-se e lançou-se escada abaixo, os seus ombros ligeiramente encolhidos. Já sinto a tua falta. A sério.

Sim, eu também sentiria muita falta dela.

Foi uma viagem sossegada para a escola. Jasper pode perceber que Alice estava aborrecida por alguma coisa, mas ele sabia que se ela quisesse falar sobre isso já o tinha feito. Emmett e Rosalie estavam alheios a tudo, tendo mais um dos seus momentos, olhando nos olhos um do outro maravilhados – até era enjoativo de ver por fora. Estávamos todos cientes de quão desesperadamente apaixonados eles estavam. Ou talvez eu estava apenas a ser severo porque era o único sozinho. Alguns dias era mais difícil de viver com três pares de perfeitos apaixonados. Este era um deles.

Talvez eles fossem mais felizes sem me ter a vaguear por aí, mal-humorado e rezingão como o homem velho que eu deveria ser agora.

Claro, a primeira coisa que fiz quando chegámos à escola foi procurar pela rapariga. Apenas para me preparar outra vez.

Certo.

Errado. Contra-disse a minha incansável consciência.

Era embaraçoso como o meu mundo parecia subitamente vazio de tudo menos dela – toda a minha existência centrada na rapariga, em vez de ser em mim com antes.

Era suficientemente fácil de entender, contudo, a sério; depois de oitenta anos com as mesmas coisas todos os dias e todas as noites, qualquer mudança seria um ponto de absorção.

Ela ainda não tinha chegado, mas eu podia ouvir o troante som do motor da sua carrinha à distância. Encostei-me ao lado do carro para esperar. Alice ficou comigo, enquanto os outros foram direitos para a aula. Eles estavam aborrecidos com a minha fixação – para eles era incompreensível como qualquer humano conseguia manter o meu interesse por tanto tempo, não importava quão deliciosamente ela cheirasse.

A rapariga conduziu lentamente para a vista, os seus olhos propositadamente na estrada e as suas mãos apertadas no volante. Ela parecia ansiosa por alguma coisa. Levou-me um segundo para perceber o que era, para perceber que todos os humanos utilizavam aquela mesma expressão hoje. Ah, a estrada estava escorregadia com o gelo, e eles estavam a tentar conduzir mais cuidadosamente. Eu conseguia ver que ela levava o risco adicional muito a sério.

Parecia corresponder com o pouco que eu tinha aprendido sobre o seu carácter. Acrescentei isto à minha pequena lista: ela era uma pessoa séria, uma pessoa responsável.

Ela estacionou não muito longe de mim, mas ela ainda não tinha reparado em mim aqui parado, a olhar para ela. Perguntei-me o que ela faria quando visse? Coraria e afastar-se-ia? Essa foi a minha primeira hipótese. Mas talvez ela retribuísse o olhar. Talvez ela viesse falar comigo.

Respirei fundo, enchendo os meus pulmões esperançosamente, apenas caso fosse necessário.

Ela saiu da carrinha com cuidado, testando o chão escorregadio antes de pôr o seu peso nele. Ela não olhou para cima, e isso frustrou-me. Talvez fosse falar com ela…

Não, estaria errado.

Mas tu queres! Queixou-se a minha consciência como se apenas a minha vontade fosse o suficiente para resolver a situação.

Em vez de se virar no sentido da escola, ela caminhou para a traseira da sua carrinha, agarrando-se à plataforma de uma maneira engraçada, não confiando no seu balanço. Isso fez-me sorrir, e senti os olhos de Alice na minha cara. Não ouvi o que quer que isto a fez pensar – estava a divertir-me muito mais a observar a rapariga verificar as suas correntes para a neve. Ela realmente parecia em perigo de cair, o modo como os seus pés estavam a deslizar para os lados. Mais ninguém estava a ter problemas – teria ela estacionado na parte mais congelada?

Ela parou ali, olhando para baixo com uma expressão estranha no seu rosto. Seria… tensão? Como se algo no pneu a fizesse ficar… emocionada?

Outra vez, a curiosidade queimou-me como a sede. Era como se eu tivesse que saber em que estava ela a pensar – como se nada mais importasse.

Andaria até ela. Ela parecia precisar de uma ajuda de qualquer maneira, até ela estar fora do pavimento escorregadio. Claro, eu não lhe podia oferecer isso, ou podia? Hesitei, dilacerado. Tão adversa como ela parecia ser para com a neve, ela dificilmente aceitaria o toque da minha fria e branca mão. Eu devia ter usado luvas –

- NÃO! – Alice ofegou em voz alta.

Instantaneamente, perscrutei os seus pensamentos, adivinhando a princípio que eu tinha feito uma má escolha e ela viu-me a fazer algo imperdoável. Mas não era absolutamente nada a ver comigo.

Tyler Crowley tinha escolhido fazer a curva para entrar no parque de estacionamento a uma velocidade imprudente. Esta escolha iria mandá-lo a patinar através de um embutido de gelo…

A visão veio apenas meio segundo antes da realidade. A carrinha de Tyler rodou o canto enquanto eu continuava a observar a conclusão que tinha puxado o arfo horrível através dos lábios de Alice.

Não, esta visão não tinha nada a ver comigo, e ainda assim tinha tudo a ver comigo, porque a carrinha de Tyler – cujos pneus neste preciso momento batiam no gelo no pior ângulo possível – ia girar através do estacionamento e embater na rapariga que se tinha tornado não convidadamente o ponto principal do meu mundo.

Até mesmo sem a visão de Alice teria sido suficientemente fácil de ler a trajectória do veículo, voando fora do controlo de Tyler.

A rapariga, parada exactamente no lugar errado da traseira da sua carrinha, olhou para cima, assustada com o som estridente dos pneus. Ela olhou directamente nos meus olhos cheios de horror, e então virou-se para observar a sua morte próxima.

Ela não! As palavras dispararam na minha cabeça como se pertencessem a outra pessoa.

Ainda preso nos pensamentos de Alice, vi a visão mudar subitamente, mas eu não tinha tempo de ver o desfecho.

Lancei-me através do estacionamento, lançando-me entre a carrinha deslizante e a rapariga congelada. Movi-me tão depressa que tudo era um borrão indistinto excepto pelo objecto de meu foco. Ela não me viu – nenhuns olhos humanos conseguiriam acompanhar o meu voo – ainda a olhar para a forma pesadona que estava prestes a esmagar o seu corpo contra a sua carrinha.

Apanhei pela cintura, movendo-me com demasiada urgência para ser tão gentil como ela precisaria que eu fosse. Num centésimo de segundo entre o tempo em que eu desviei a sua forma esguia do caminho da morte e o tempo que cai no chão com ela nos meus braços, eu estava vividamente ciente do seu frágil e quebrável corpo.

Quando ouvi a sua cabeça bater contra o gelo, senti-me como se também eu tivesse congelado.

Mas eu nem sequer tinha um segundo inteiro para ter a certeza da sua condição. Ouvi a carrinha atrás de nós, dissonante e gritando agudamente enquanto se torceu à volta da estável carroçaria da carrinha da rapariga. Estava a mudar de curso, rodando, vindo atrás dela outra vez – como se ela fosse um íman, puxando-a para nós.

Uma palavra que eu nunca tinha dito antes na presença de uma senhora escapou por entre os meus dentes cerrados.

Eu já tinha feito demasiado. Enquanto quase voei através do ar para a afastar do caminho, eu tinha estado completamente ciente do erro que estava a cometer. Saber que era um erro não me parou, mas eu não estava desatento para o risco que estava a tomar - a tomar, não só para mim, mas para a minha família toda.

Exposição.

E isto certamente não iria ajuda, mas de modo algum eu iria permitir que a carrinha tivesse sucesso na sua segunda tentativa para lhe tirar a vida.

Larguei-a e atirei as minhas mãos para fora, apanhando a carrinha antes que esta pudesse tocar na rapariga. A força da carrinha empurrou-me para trás para o carro estacionado ao lado da carrinha dela, e eu conseguia sentir a estrutura agarrar-se atrás dos meus ombros. A carrinha estremeceu e tremeu contra o incondescendente obstáculo dos meus braços, e então oscilou, balançando instavelmente nos dois pneus mais distantes.

Se movesse as minhas mãos, o pneu de trás da carrinha iria cair nas pernas dela.

Oh, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, as catástrofes nunca mais acabavam? Haveria mais alguma coisa que pudesse correr mal? Eu conseguia dificilmente sentar-me aqui, a agarrar a carrinha no ar, e esperar por socorro. Nem podia atirar a carrinha para longe – havia em consideração o condutor, os seus pensamentos incoerentes com o pânico.

Com um rosnado interno, empurrei a carrinha para que balançasse para longe de nós por um instante. Assim que voltou para mim, apanhei-a por baixo da carroçaria com a minha mão direita enquanto enlaçava o meu braço esquerdo à volta da cintura da rapariga outra vez e arrastei-a debaixo da carrinha, puxando-a apertadamente contra mim. O seu corpo moveu-se molemente enquanto a balancei à volta para que as suas pernas ficassem à vista – estaria ela consciente? Quantos estragos lhe teria causado na minha tentativa imprudente de salvamento?

Deixei a carrinha cair, agora que não conseguia magoá-la. Bateu no pavimento, todas as janelas se partiram em uníssono.

Eu sabia que estava no meio de uma crise. O que é que ela tinha visto? Teria havido outras testemunhas a verem-me materializar-me ao lado dela e então sacudir a carrinha enquanto tentava mantê-la fora de baixo daquilo? Estas perguntas deviam ser a minha maior preocupação.

Mas eu estava demasiado ansioso para realmente me preocupar sobre a ameaça de exposição tanto quanto devia. Demasiado em pânico de que pudesse tê-la magoado eu próprio no meu esforço para protegê-la. Demasiado assustado por tê-la tão perto de mim, sabendo que poderia cheirar se me permitisse inspirar. Demasiado ciente do calor do seu corpo suave, pressionado contra o meu – mesmo através do duplo obstáculo dos nossos casacos, eu podia sentir o calor…

O primeiro medo era o maior. Enquanto o grito das testemunhas irrompeu à nossa volta, baixei-me para examinar a sua cara, para ver se ela estava consciente – esperando ardentemente que ela não estivesse a sangrar em nenhum lado.

Assim que olhei para baixo deparei-me com os olhos cor de chocolate dela, uma estranha emoção brilhava nos seus olhos e então ela desmaiou nos meus braços.

- Bella? – Chamei-a com urgência. No meu peito, um peso fez-se sentir enquanto sentia o corpo inconsciente da rapariga nos meus braços. – Bella, acorda!

Ela não me respondeu e o pânico alastrou-se pela minha mente, impedindo-me de ter um raciocínio claro.

Carlisle. Eu precisava de Carlisle. E precisava dele agora!

Calma, Edward! Uma vozinha tentou dizer-me dentro da minha cabeça. Não era a voz de Alice nem de ninguém à nossa volta. Era a minha. Mantém a calma. Ela precisa disso.

Edward! Edward! D          esta vez era Alice, a sua voz preocupada chegou à minha mente. Está tudo bem? A Bella? Edward?

A minha respiração acelerou com o pânico e não me importei com o cheiro dela. Então lembrei-me de algo, enquanto tivéssemos que esperar que tirassem a carrinha de junto de nós eu poderia ter, de certo modo, a certeza de que ela não estava magoada exteriormente.

Inspirei o ar, sentindo a minha garganta arder com a sede e então tive a confirmação de que ela não estava ferida, apenas inconsciente. Mas e os danos internos? Eu poderia tê-la magoado seriamente e no entanto não saber.

Edward, consegues ouvir-me?! Chamou-me Alice, não soube dizer ao certo se ela estava no mesmo sítio que antes ou se estava também ao redor da carrinha como todos os outros. Os adultos já estão aí a chegar! A Bella está bem? Vejo-a desmaiada, mas não sei se está a sangrar ou não! E tu, Edward? Estás bem?

Olhei novamente para a rapariga no meu colo, sentindo-me impotente perante o seu ar tranquilo, a preocupação queimava-me tanto como a sede ou a curiosidade. Se ao menos eu pudesse ouvir os seus pensamentos, saber se ela estava bem! Mas eu não a ouvia, logo tinha que resolver uns pequenos assuntos relacionados com a minha família (no meio disto tudo, eu devia-lhes isso) e procurei nos pensamentos assustados e em pânico que nos rodeavam, não havia ninguém que tivesse reparado em mim e isso era bom. Todos os pensamentos estavam virados para Bella, temerosos pelo estado dela.

- Bella, acorda. Por favor! – Pedi-lhe e a minha voz estava estranhamente à beira das lágrimas.

Porque me sentia tão preocupado? Boa pergunta, mas neste momento a única coisa que me preocupava realmente era o facto de que eu tinha a rapariga, que mais me intrigava neste mundo, nos meus braços desmaiada! Se ao menos conseguisse tirar-nos daqui, levá-la-ia a Carlisle para que a examinasse e me tirasse este tormento de cima.

Demorou mais tempo do que pareceu a virem tirar a carrinha de ao pé de nós, claro que eu poderia tê-lo feito mas isso só atrairia as atenções dos outros. Eu tinha que me comportar como um humano, pela minha família e por Bella. Eu não poderia deixá-la ali assim.

Foram necessários seis técnicos da emergência médica e dois professores para conseguirem tirar a carrinha do seu lugar, eu poderia tê-los ajudado mas recusava-me a largar a rapariga. Foi nesse entretanto, em que esperava ansiosamente por ter Bella numa maca dentro da ambulância a caminho do hospital, que ouvi os pensamentos de Rosalie, Emmett e Jasper. Os três estavam com pensamentos reprovadores, especialmente Rosalie e Jasper, mas consegui ignorá-los, tinha que me concentrar na rapariga.

Quando finalmente conseguiram chegar a nós com as macas, um rosto grisalho e familiar avaliou-me.

- Olá, Edward. – Disse Brett Warner. Ele era também um enfermeiro registado, e eu conhecia-o bem do hospital. Era um golpe de sorte – a única sorte hoje – que ele fosse o primeiro a chegar a nós. Nos seus pensamentos, ele estava a reparar que eu parecia preocupado. – Estás bem, miúdo?

- Óptimo, Brett. A carrinha não me tocou. Mas temo que a Bella tenha uma contusão. Ela bateu com a cabeça com muita força quando a afastei do caminho… - Respondi-lhe olhando para a rapariga no meu colo.

Brett virou a sua atenção para a rapariga deitada nos meus braços, depressa me pediu para a largar e deitá-la na maca, algo que fiz um pouco contrariado. O calor dela nos meus braços provocava uma sensação de preenchimento incrível e quando me vi de braços vazios foi como se me tivessem tirado parte de mim, como se me tivessem levado algo importante.

Pára, Edward! Tu, vampiro! Ela, humana! Ralhou-me a minha consciência. Ela é suposto ser a tua refeição, lembras-te?

Ignorei os meus pensamentos enquanto ouvia um enfermeiro a tentar insistir que eu fosse tratado, mas não foi difícil dissuadi-lo da sua empreitada. Prometi-lhe que deixaria o meu pai observar-me, e então ele deixou-me ir. Com a maioria dos humanos, falar com muita segurança era tudo o que era necessário. Com a maioria dos humanos, menos com a rapariga, claro. Caberia ela em algum padrão normal?

Enquanto colocavam o colar cervical no pescoço da rapariga, aproveitei o momento de distracção para silenciosamente arranjar a forma das minhas mãos no carro amarelado com as costas do meu pé. Apenas os meus irmãos repararam no que eu estava a fazer, e eu ouvi a promessa mental de Emmett de que ele trataria do que quer que eu me esquecesse.

Grato pela sua ajuda – e ainda mais grato que, pelo menos, Emmett já me tivesse perdoado pela minha perigosa escolha – estava mais relaxado enquanto subi para o lugar da frente da ambulância junto de Brett.

O chefe da polícia chegou antes que tivessem colocado Bella nas costas da ambulância.

Embora os pensamentos do pai de Bella fossem palavras passadas, o pânico e a preocupação que emanavam da mente do homem sobressaíam-se de qualquer outro pensamento na vizinhança. Muda ansiedade e culpa, uma grande parte delas, escorreu dele assim que viu a sua única filha na maca.

Escorreu dele e através de mim, ecoando e fortalecendo-se. Quando Alice me avisou que matar a filha de Charlie Swan o mataria também, ela não estava a exagerar.

A minha cabeça inclinou-se com culpa enquanto ouvi a sua voz em pânico.

- Bella! – Gritou ele.

Ele aproximou-se da maca para ver a filha inconsciente e depois virou-se para o enfermeiro mais próximo e pediu mais informações.

Não foi até o ouvir falar, formando frases perfeitamente coerentes ignorando o seu pânico, que eu percebi que a sua ansiedade e a preocupação não eram mudas. Eu apenas… não conseguia ouvir as palavras exactas.

Hum. Charlie Swan não era tão silencioso como a sua filha, mas eu conseguia ver de onde ela tinha recebido o seu silêncio. Interessante.

Nunca passei muito tempo ao pé do chefe da polícia da cidade. Sempre o considerei um homem de pensamento lento – agora percebi que eu é que era lento. Os seus pensamentos estavam parcialmente ocultos, não ausentes. Eu conseguia apenas distinguir o tenor, o tom deles…

Eu queria ouvir mais, para ver se conseguia encontrar neste novo e menor puzzle a chave para os segredos da rapariga. Mas Bella foi carregada para o interior naquela altura, e a ambulância já estava a caminho, com o carro da polícia mesmo atrás.

Foi difícil de me separar desta possível solução para o mistério que se tinha tornado na minha obsessão. Mas tinha que pensar agora – olhar de todos os ângulos para o que tinha sido feito hoje. Tinha que ouvir, ter a certeza de que não nos tinha posto a todos em tanto perigo que fôssemos obrigados a partir imediatamente. Tinha que me concentrar.

E a rapariga, Edward? E a Bella? Não achas que deves preocupar-te com ela? A minha consciência lembrou-me da minha preocupação primária. Bella.

Procurei nos pensamentos dos enfermeiros algo que me dissesse o estado da rapariga. Não havia nada nos pensamentos deles para me preocupar. Tanto quanto eles podiam dizer, não havia nada seriamente errado com a rapariga. E Bella ainda não tinha acordado. Demoraria muito para que acordasse?

A primeira prioridade, quando chegássemos ao hospital, era ver Carlisle. Apressei-me pelas portas automáticas, mas não me foi possível esquecer-me totalmente de monitorar Bella; mantive-me de olho nela através dos pensamentos dos paramédicos.

Foi fácil de encontrar a familiar mente do meu pai. Ele estava no seu pequeno escritório, sozinho – o segundo golpe de sorte neste dia azarado.

- Carlisle.

Ele ouviu-me aproximar-me, e ficou alarmado assim que viu a minha cara. Pôs-se de pé num salto, a sua cara empalidecendo mais. Ele esticou-se sobre a sua bem organizada secretária.

Edward – tu não –

- Não, não, nada disso.

Ele respirou fundo. Claro que não. Desculpa ter entretido o pensamento. Os teus olhos, claro, eu deveria saber… Ele reparou nos meus ainda dourados olhos com alívio.

- Ela está magoada, contudo, Carlisle, provavelmente não seriamente, mas -

- O que aconteceu?

- Um estúpido acidente de carro. Ela estava no lugar errado à hora errada. Mas eu não podia ficar ali parado – deixá-lo esmagá-la –

Volta ao começo, não percebi. Como foste envolvido?

- Uma carrinha patinou pelo gelo. – Sussurrei. Olhei para a parede atrás dele enquanto falava. Em vez de um conjunto de diplomas, ele apenas tinha um quadro pintado a óleo – um favorito seu, um desaparecido Hassam. – Ela estava no caminho. Alice viu-o a vir, mas não havia tempo para fazer alguma coisa a não ser correr pelo estacionamento e tirá-la do caminho. Ninguém reparou… à excepção dela. Eu tinha que parar a carrinha, também, mas outra vez, ninguém viu isso… para além dela. Eu… Eu lamento, Carlisle. Eu não queria pôr nos em perigo.

Ele circundou a secretária e pôs a sua mão no meu ombro.

Tu fizeste a escolha certa. E não poderia ser fácil para ti. Estou orgulhoso de ti, Edward.

Então pude olhá-lo nos olhos. – Ela sabe que há algo… de errado comigo. – Disse, pensando depois. - E eu sei que ela também esconde alguma coisa.

- Não importa. Se tivermos que partir, partimos. O que é que ela disse?

Abanei a cabeça, um pouco frustrado. – Nada ainda.

Ainda?

- Ela está desmaiada, Carlisle.

Ele fez uma careta, ponderando sobre isto.

- Ela bateu com a cabeça – bem, eu fiz isso. – Continuei rapidamente. – Atirei-a ao chão com bastante força. Ela parece estar bem, mas… não sei o que é que a pode ter levado a desmaiar. E também não sei o que ela poderá dizer quando acordar. Talvez esse facto nos ajude a desacreditá-la.

Senti-me mal ao pensar que eu poderia ser a causa do seu desmaio.

Carlisle ouviu a distância na minha voz. Talvez não seja necessário. Vamos ver o que acontece, pode ser? Parece que tenho um paciente para tratar.

- Por favor. – Disse – Estou tão preocupado de a ter magoado.

A expressão de Carlisle iluminou-se. Alisou o seu cabelo – apenas uns tons mais claros que os seus olhos dourados – e gargalhou.

Tem sido um dia interessante para ti, não tem? Na sua mente, eu podia ver a ironia, e era hilariante, pelo menos para ele. Bastante o contrário dos papéis. Algures durante aquele pequeno e silencioso segundo quando corri através do estacionamento congelado, tinha me transformado de assassino em protector.

Gargalhei com ele, relembrando quão seguro eu tinha estado de que Bella nunca necessitaria de protecção de nada mais que eu. Havia um limite no meu riso porque, não contando com uma carrinha deslizante, ainda era totalmente verdade.

 

Esperei sozinho no escritório de Carlisle – uma das mais longas horas que eu já tinha vivido – ouvindo o hospital cheio de pensamentos.

Tyler Crowley, o condutor da carrinha, parecia estar mais magoado que Bella; e a atenção foi toda para ele enquanto ela esperava a sua vez para fazer raio-X. Carlisle manteve-se no fundo, confiando no diagnóstico dos paramédicos que a rapariga estava levemente magoada. Isto fez-me ficar ansioso, mas sabia que ele estava certo. Ainda não havia certezas de que ela estivesse acordada ou não.

Como estava inconsciente foi colocada num quarto separado dos outros enquanto Tyler foi colocado no quarto das urgências.

Houve um momento em que Charlie Swan apanhou Carlisle num corredor.

- Carlisle? – Ouvi-o dizer. – Diz-me! Sabes alguma coisa da minha filha?

Ao início não compreendi. De onde vinha toda aquela cumplicidade? Era como se Charlie conhecesse Carlisle há muito tempo.

- Ainda estão a ser feitos testes, Charlie. – Ouvi o meu pai responder. Também com a mesma cumplicidade. – Mas até agora não se verificou nada de errado com ela. Acho melhor ires ter com ela e veres se já acordou. Talvez consigas ficar a saber o que se passou.

- Obrigado, Carlisle. É bom saber que posso contar contigo, velho amigo. – Ouvi Charlie e vi um sorriso amigável abrir-se nos lábios do meu pai.

- Não te preocupes com isso agora, Charles! Vai ver da Bella. Mais tarde irei vê-la. – Assegurou Carlisle e depois saiu.

Novamente, senti uma enorme curiosidade. De onde Charlie Swan conheceria Carlisle para falarem assim como se fossem velhos amigos? Teria de perguntar a Carlisle para descobrir. Mas talvez isso fosse muito indelicado da minha parte, afinal, eu estava a ser muito rude, ouvindo as conversas dos outros. Por mais curioso e preocupado que estivesse, eu não tinha direito algum de bisbilhotar na vida dos outros, especialmente na vida do homem que eu considerava meu pai.

Tentei esquecer a conversa que ouvira seguindo a mente de Charlie para o interior do quarto onde estava a rapariga. Esperava ansiosamente que ela já estivesse acordada e não era o único, o pai da rapariga também esperava a mesma coisa. Ele entrou no quarto e logo viu que ela ainda estava inconsciente, mesmo assim aproximou-se e eu senti o carinho e a preocupação espalharem-se no meu corpo vindos da mente do homem. Por momentos, pensei no que pensaria Jasper se estivesse aqui, de certo acharia estranho o modo como me estava a sentir.

- Oh, Bella! – Lamentou-se Charlie retirando uma mexa de cabelo do rosto da sua filha. – O que fiz? O que aconteceu para ficares assim, minha querida filha?

Charlie fez uma festa no rosto dela e eu senti um estranho desejo de poder fazer o mesmo que ele, de sentir a pele da rapariga sob a minha. Era uma vontade incrível e eu não sabia como impedir esta vontade, olhei para as minhas mãos e senti… raiva! Raiva por saber que ao mínimo toque eu poderia destruir qualquer coisa. Por saber que eu era repugnante para Bella. O meu toque gelado, a minha força destrutiva! Mas… Porque é que eu estava a pensar nestas coisas? Eu e a rapariga não tínhamos nada a ver um com o outro a não ser o acidente do dia de hoje. O acidente que quase lhe tirara a vida e eu a salvara.

- Eu devia ter previsto que isto iria acontecer! Devia ter previsto que… - Charlie continuou a lamentar-se e eu senti-me, outra vez, curioso. Como é que um humano poderia prever que a sua única filha iria ter um acidente de automóvel e quase perderia a vida?

Hoje, sem dúvida alguma, era dia em que eu teria mais perguntas a fazer do que propriamente respostas a receber. Havia demasiadas perguntas na minha cabeça e várias delas dirigiam-se à família Swan. Se o silêncio na mente de Bella era frustrante, então o que poderia dizer sobre aquilo que eu queria perceber da mente do pai dela?

- Pai? – Ouvi através da mente de Charlie a voz de Bella dizer.

No exacto momento em que ouvi a voz da rapariga, uma onda de alívio percorreu o meu corpo e, subitamente, o meu peito ficou mais leve ao saber que ela esta acordada.

- Bella! Oh, meu Deus! Obrigado! – Murmurou Charlie abraçando Bella de um modo um quanto ou tanto estranho. Da mente do chefe da polícia, eu pude ver o rosto da rapariga corar violentamente e soube imediatamente que ela não se sentia confortável com a situação. – Pregaste-me um valente susto, Isabella!

Ainda pela mente dele, vi o rosto dela fechar-se à citação do seu nome, ela não gostava do nome completo. Ela desculpou-se, um pouco embaraçada – talvez, por ter feito o pai sentir-se mal – e ele perguntou-lhe como é que ela tinha saído da trajectória da carrinha tão rapidamente.

Ela mordeu o lábio inferior, não sei se ela não se lembrava do que tinha acontecido ou se estava à procura de uma resposta conveniente na sua mente. Fiquei impaciente, parei até mesmo de respirar. O que iria ela responder?

- Hum… - Ele ouviu-a dizer. Ela fez uma longa pausa na qual o seu pai se perguntou se a sua pergunta a tinha confundido. Finalmente, ela continuou. – O Edward puxou-me e afastou-me da trajectória da carrinha.

Soltei o ar que estava a prender. E então a minha respiração acelerou. Nunca a tinha ouvido dizer o meu nome, já a tinha ouvido pensá-lo mas na altura não tinha dado muito crédito ao efeito que o som da sua voz causava em mim. Gostei do modo como soou – mesmo ouvindo-o através dos pensamentos do pai dela. Eu queria ouvi-lo pessoalmente…

- O Edward Cullen. – Ela disse, quando percebeu que o pai não estava a perceber a quem ela se referia. Encontrei-me na porta, a minha mão na maçaneta. O desejo de vê-la aumentou. Tinha que me recordar da necessidade de ser cauteloso.

- Ele estava ao pé de mim.

Agora eu estava confuso. Teria ela visto o que eu fiz? Para estar a dizer aquilo ela deveria recordar-se de alguma coisa.

- O Cullen? – O pai dela repetiu. O miúdo do Carlisle? Engraçado. Ele pensou e relembrei-me da conversa que o ouvira ter com Carlisle.

- Ele está bem? – Ela perguntou um pouco preocupada demais. Gostei do modo como ela se preocupou com o meu bem-estar. Gostei bem mais do que devia.

- Penso que sim. Creio que deve estar com o pai dele. Não te preocupes, querida. – Disse-lhe Charlie de modo a que ela ficasse mais calma. Estranho. Não creio que ela devesse estar tão ligada a ele, afinal… Ele começou a pensar mas então parou.

Afinal o quê? Porque será que estava tudo contra mim? A mente de Charlie Swan ainda era mais confusa do que a silenciosa mente da sua própria filha.

Através dos olhos do chefe Swan, vi o olhar pensativo no rosto dela, o seu rosto relaxou um pouco mas mesmo assim, alguma preocupação preenchia os seus olhos. E este facto passou despercebido ao chefe Swan.

Pouco depois, apareceram duas enfermeiras que levaram Bella para fazer um raio-X. Era a minha oportunidade.

Estava no corredor a meio caminho do quarto de Bella, sem pensar por um segundo no que estava a fazer. Felizmente, a enfermeira entrou no quarto antes de mim – era a vez de Bella fazer o raio-X. Encostei-me contra a parede num canto escuro mesmo na esquina, e tentei controlar-me enquanto ela foi levada.

Apanhei os pensamentos de um enfermeiro bastante jovem que passou por ela.

Ela é bonita. Ele estava a pensar, quase surpreendido. Mesmo toda desarrumada. Não é o meu tipo, mas…

Não importava que o enfermeiro pensasse que ela era bonita. Todos poderiam perceber isso. Não havia razão para me sentir… como me sentia eu? Irritado? Ou seria furioso o mais próximo da verdade? Não fazia sentido nenhum.

Fiquei onde estava por tanto quanto podia, mas a impaciência levou a melhor de mim e dirigi-me para a sala de radiologia. Ela já tinha sido levada de novo para o seu quarto, mas eu poderia dar uma espreitadela às suas radiografias enquanto a enfermeira estivesse de costas para mim.

Senti-me mais calmo quando vi. A cabeça dela estava bem. Não a tinha magoado, não seriamente.

Carlisle apanhou-me lá.

Pareces melhor. Ele comentou.

Apenas olhei para a frente. Não estávamos sozinhos, os corredores cheios de funcionários e visitantes.

Ah, sim. Ele prendeu as radiografias dela no negatoscópio, mas eu não precisava de uma segunda vista. Estou a ver. Ela está absolutamente bem. Bom trabalho, Edward.

O som da aprovação do meu pai criou um misto de reacções em mim. Eu teria ficado satisfeito, excepto que eu sabia que ele não aprovaria o que eu ia fazer agora. Pelo menos, ele não aprovaria se soubesse as minhas reais motivações…

- Acho que vou falar com ela – antes de ela ver-te. – Murmurei debaixo da minha respiração. – Age normalmente, como se não se tivesse passado nada. Alisa o terreno. – Tudo razões aceitáveis.

Carlisle assentiu distraidamente, ainda a olhar para as radiografias. – Boa ideia. Hum.

Olhei para ver o que tinha captado o seu interesse.

Olha para todas estas contusões saradas! Quantas vezes terá a mãe dela a deixado cair? Carlisle riu-se da sua piada.

- Começo a pensar que a rapariga tem mesmo má sorte. Sempre no lugar errado há hora errada.

Forks é certamente o sítio errado para ela estar, contigo aqui.

Estremeci.

Vai na frente. Alisa o terreno. Irei juntar-me a ti dentro de momentos.

Afastei-me rapidamente, sentindo-me culpado. Talvez eu fosse mesmo um bom mentiroso, se eu conseguia enganar Carlisle.

Quando cheguei ao quarto de Bella, encontrei o seu pai sentado numa cadeira a olhar para ela enquanto ela estava deitada de olhos fechados. Sabia que ela não estava a dormir, pois mesmo de olhos fechados, a sua respiração não estava leve, e de vez em quando os seus dedos mexiam-se impacientemente.

Olhei para a cara dela por um longo momento. Esta seria a última vez que a veria. Esse facto desencadeou uma dor aguda no meu peito. Seria porque eu odiava deixar algum puzzle por resolver? Essa não parecia ser uma explicação suficiente.

Finalmente, respirei fundo e fiz com que o pai de Bella reparasse na minha presença.

Quando o chefe da polícia me viu, os seus olhos estreitaram-se e os seus pensamentos tornaram-se estranhamente mais incoerentes do que eu poderia pensar ser possível.

- Ela está a dormir? – Murmurei.

Os olhos de Bella abriram-se e focaram-se na minha cara. Eles arregalaram-se momentaneamente, e então ficaram rapidamente meigos. Senti um aperto no peito ao receber aquele olhar dela, senti-me amolecer sob aquelas orbes castanhas. Por momentos esqueci-me do que deveria fazer e sorri-lhe carinhosamente.

- Edward. – Chamou-me o pai dela e relembrou-me do que eu tinha que fazer. – Obrigado…

Ergui uma mão para parar os seus agradecimentos. – Não havendo sangue, não há problema. – Disse descontraidamente. Sem pensar, sorri demasiado abertamente para a minha piada privada.

Era incrivelmente fácil ignorar o cheiro do sangue dela, que enchia a sala de um modo intoxicante. Nunca percebi como Carlisle conseguia fazer aquilo – ignorar o sangue dos seus pacientes para tratar deles. Não seria a tentação tão distractiva, tão perigosa…? Mas, agora… eu conseguia ver como, se estivesse focado em algo com muito força, a tentação não seria nada.

Mantive a distância dela ficando aos pés da sua cama.

- Então, qual é o veredicto? – Perguntei-lhe.

Então a cara dela fechou-se instantaneamente. Pois, ela não gostava que tratassem dela.

- Não há absolutamente nada de errado comigo, mas não me deixam ir. Porque é que não estás amarrado a uma maca como nós?

A impaciência dela fez-me sorrir outra vez.

Já conseguia ouvir Carlisle no corredor.

- Tudo depende dos nossos conhecimentos. – Disse levemente. – Mas não te preocupes, vim libertar-te.

Observei a sua reacção lentamente enquanto o meu pai entrou no quarto. Os seus olhos arregalaram-se e a sua boca, de facto, abriu-se de surpresa. Rugi internamente. Sim, ela teria certamente reparado nas semelhanças.

- Então, Miss Swan, como se sente? – Carlisle perguntou. Ele tinha um magnificamente calmante junto de maneiras que punha a maioria dos pacientes à-vontade dentro de momentos. Não conseguia dizer de que maneira isso afectava Bella.

- Estou óptima. – Ela disse calmamente.

Carlisle prendeu as radiografias dela ao negatoscópio sobre a cama. – As suas radiografias parecem estar bem. Dói-lhe a cabeça? O Edward comentou que bateu com a cabeça com bastante violência.

Ela suspirou, e disse: – A minha cabeça está óptima. – Outra vez, mas desta vez a impaciência demonstrou-se na sua voz. Então ela lançou um olhar mal-humorado na minha direcção.

Carlisle aproximou-se dela e perscrutou gentilmente o crânio dela até encontrar o alto sob o cabelo dela.

Fui apanhado desprevenido pela onda de emoção que se abateu sobre mim.

Eu já tinha visto Carlisle trabalhar com humanos centenas de vezes. Anos atrás, eu até o tinha assistido informalmente – ainda que apenas em situações em que não estava envolvido sangue. Então não era uma coisa nova para mim, observá-lo interagir com a rapariga como se ele fosse tão humano como ela. Tinha invejado o seu controlo tantas vezes, mas aquilo não era o mesmo que esta emoção. Eu invejava-o mais do que o seu controlo. Doía-me a diferença entre Carlisle e eu – que ele pudesse tocá-la tão gentilmente, sem temer, sabendo que ele nunca a magoaria…

Ela estremeceu, e eu mexi-me no meu lugar. Tive que me concentrar por um momento para manter a minha postura relaxada.

- Está dorido? – Carlisle perguntou.

O queixo dela elevou-se por uma fracção. – Nem por isso. – Ela disse.

Outra pequena peça do carácter dela caiu no lugar: ela era corajosa. Ela não gostava de demonstrar fraqueza.

Possivelmente a mais vulnerável criatura que eu já tinha visto, e ela não queria parecer fraca. Um riso escapou através dos meus lábios.

Ela lançou-me outro olhar.

- Bem. – Carlisle disse. – Não me parece que haja nada de errado consigo. Pode ir para casa com o seu pai agora. Mas volte cá se sentir tonturas ou se tiver qualquer problema de visão.

Olhei para o pai dela para ver o seu rosto e lancei a minha mente de encontro à dele. Ao olhar deparei-me com o seu olhar posto em mim por momentos e depois poisar-se na sua filha. Não consegui perceber em que ele pensava antes de ela voltar a falar, a sua face ansiosa.

- Não posso voltar para a escola?

- Talvez devesse repousar por hoje. – Sugeriu Carlisle.

Os seus olhos voltaram a poisar-se em mim. – E ele, pode ir para a escola?

Age normalmente, alisa as coisas… ignora a maneira como te sentes quando ela me olha nos olhos…

- Alguém tem de espalhar a boa notícia de que nós sobrevivemos. – Disse.

- Na verdade – corrigiu Carlisle. – A maior parte da escola parece estar na sala de espera.

Antecipei a sua reacção desta vez – a sua aversão pela atenção. Ela não me desapontou.

- Oh, não! – Ela lastimou, e pôs as suas mãos sobre o seu rosto.

Gostei de finalmente ter acertado. Estava a começar a entende-la…

- Quer ficar? – Carlisle perguntou.

- Não, não! – Ela disse rapidamente, balançando as suas pernas para o lado da maca e deslizando até os seus pés estarem no chão. Ela tropeçou para a frente, desequilibrada, para os braços de Carlisle. Ele apanhou-a e estabilizou-a.

Outra vez, inveja fluiu através de mim.

- Estou óptima. – Ela disse antes que Carlisle pudesse comentar, um leve rosa nas suas bochechas.

Claro, aquilo não incomodaria Carlisle. Ele certificou-se de que ela estava equilibrada, e largou-a.

- Tome Tylenol para as dores. – Ele instruiu.

- Não dói assim tanto.

Carlisle sorriu enquanto assinava o quadro dela. – Parece que teve imensa sorte.

Ela virou o seu rosto ligeiramente, para me olhar com um olhar meigo. – Tive a sorte de o Edward se encontrar junto de mim.

Estranhei. Ela estava a mentir por mim e eu nem sequer lho tinha pedido.

- Oh, bem, sim. – Carlisle concordou rapidamente, ouvindo a mesma coisa na voz dela que eu tinha ouvido.

É toda tua. Carlisle pensou. Resolve isto do modo que achares melhor.

- Muito obrigado. – Sussurrei, rápida e calmamente. Nenhum dos humanos me ouviu. Os cantos dos lábios de Carlisle subiram um pouco diante do meu sarcasmo enquanto ele se virou para a porta do quarto.

- Carlis… Quer dizer, Dr. Cullen. – Disse Charlie muito de repente. – Eu queria dar-lhe uma palavrinha.

Acho bom que ele não faça nada com a minha menina. Ouvi muito repentinamente os pensamentos do chefe da polícia.

Saíram os dois, deixando-me a sós com Bella no quarto. O silêncio entre nós os dois era incómodo. Estava na hora de resolver as coisas.

Bella caminhou deliberadamente para mim, não parando até estar desconfortavelmente próxima de mim. Relembrei-me de como tinha desejado, antes de todo o acidente, que ela se aproximasse de mim… Isto era como a realização desse desejo.

- Posso falar contigo por um instante? – Ela perguntou-me.

A sua respiração quente varreu-me o rosto e tive que dar um passo atrás. O seu cheiro não tinha enfraquecido nem um pouco. Sempre que ela estava perto de mim, aquilo acordava todos os meus piores e mais urgentes instintos. Veneno encheu a minha boca e o meu corpo ansiou por atacar – prende-la nos meus braços e levar os meus dentes à sua garganta.

A minha mente era mais forte que o meu corpo, mas apenas isso.

- O teu pai está à tua espera. – Relembrei-a, o meu maxilar fortemente cerrado.

Ela lançou um olhar na direcção da porta fechada. Eu conseguia ouvir as pessoas no corredor e sabia que ao longe, Carlisle e Charlie estavam no escritório do meu pai.

- Queria… - Ela começou. A sua voz subitamente meiga e nervosa. – Queria apenas agradecer-te.

Olhei para ela espantado. Julguei que ela iria perguntar-me o que tinha visto.

- Queria agradecer-te por me teres salvo. Não sei como o fizeste ou como chegaste ao pé de mim tão depressa. – Ela falou depressa demais, sabia que se fosse humano talvez não a conseguisse compreender. – Mas salvaste a minha vida. E queria agradecer-te por isso.

Ela respirava aceleradamente, esperando a minha resposta. Não estava preparado, ou melhor, estava mas não para aquilo. Eu esperava que ela viesse pedir-me explicações do que se passara. Já sabia o que lhe iria dizer, desmenti-la, fazê-la duvidar do que vira… Por mais que isso me desagradasse.

Cometi o erro de olhá-la nos olhos, estes brilhavam com gratidão e eu sabia que o que iria fazer a seguir a magoaria e… me magoaria também. Virei-lhe costas, ela pareceu ficar revoltada com isso e mais depressa do que eu poderia pensar que ela era capaz, meteu-se na minha frente.

- Não me vais dizer nada?

- O que queres que te diga? – Perguntei com a voz fria.

- Talvez… Talvez me pudesses explicar como é que me salvaste? – Ela pediu-me. – Eu disse ao meu pai que tu estavas ao pé de mim e que me tinhas tirado do caminho. Mas isso não é propriamente verdade. Tu não estavas ao pé de mim! Tu estavas ao pé do teu carro!

- Bella, bateste com a cabeça, não sabes o que estás a dizer.

O seu queixo elevou-se. Tinha a ofendido.

- Não há nada de errado com a minha cabeça.

Ela estava zangada agora, e isso facilitou-me as coisas. Encontrei o seu olhar, tornando a minha cara menos amigável.

- O que queres de mim, Bella?

- Quero saber a verdade. Quero saber por que motivo estou a mentir por tua causa.

O que ela queria era apenas justo – e isso frustrava-me de ter que negar-lho.

- O que julgas que aconteceu? – Quase lhe rugi.

As suas palavras saíram numa torrente. – Sei apenas que não estavas próximo de mim, portanto, não me venhas dizer que bati com a cabeça com demasiada violência. Aquela carrinha ia esmagar-nos a ambos, tal não se verificou e as tuas mãos deixaram mossas na parte lateral da viatura. Deixaste ainda uma mossa no outro carro e não tens qualquer ferimento. A carrinha ter-me-ia esmagado as pernas, mas tu estavas a erguê-la no ar… - Subitamente, ela cerrou os dentes e os seus olhos brilharam com lágrimas por derramar.

Olhei para ela, a minha expressão incrédula, ainda que tudo o que eu realmente sentia era receio; ela tinha visto tudo.

- Pensas que levantei uma carrinha de cima de ti? – Perguntei sarcasticamente.

Ela respondeu com apenas um aceno de cabeça.

A minha voz ficou mais trocista. – Ninguém vai acreditar nisso, sabes?

Ela fez um esforço para controlar a sua raiva. Quando me respondeu, ela falou cada palavra com lenta deliberação. – Eu não vou contar a ninguém.

Ela falava a sério – podia ver nos seus olhos. Mesmo furiosa e traída, ela manteria o meu segredo.

Porquê?

O choque arruinou a minha cuidadosamente desenhada expressão por meio segundo, e então recompus-me.

- Então, que importância é que isso tem?

- Para mim, tem! – Ela disse intensamente. – Não gosto de mentir; logo, é bom que haja um excelente motivo para estar a fazê-lo.

Ela estava a pedir-me para confiar nela. Tal como eu queria que ela confiasse em mim. Mas este era um limite que eu não podia atravessar.

A minha voz ficou indiferente. – Não podes apenas agradecer-me e superar isso?

- Já te agradeci. – Ela disse, e então bufou silenciosamente, esperando.

- Não vais esquecê-lo, pois não?

- Não.

- Nesse caso… - Não podia contar-lhe a verdade se quisesse… e eu não queria. Preferia que ela inventasse a sua própria história do que soubesse o que eu era, porque nada podia ser pior que a verdade – eu estava a viver um pesadelo, tirado de um livro de terror. – Espero que gostes de sofrer desilusões.

Olhámo-nos mutuamente com um ar colérico. Era estranho quão carinhosa a sua raiva era. Como uma gatinha furiosa, suave e inofensiva, e tão distraída da sua própria vulnerabilidade.

Ela corou e cerrou os dentes outra vez. – Porque te deste sequer àquele trabalho?

A pergunta dela não era uma que eu esperasse ou estivesse pronto para responder. Perdi o meu controlo no papel que estava a desempenhar. Senti a máscara escorregar do meu rosto, e disse-lhe – desta vez – a verdade.

- Não sei.

Memorizei a sua cara uma última vez – ainda estava marcada com linhas de raiva, o sangue ainda não tinha deixado as suas bochechas – e então virei-me e afastei-me dela.

 

 

(Bella POV)

 

Conseguia ouvir vários barulhos, estranhos aos meus ouvidos. E o meu nariz captava o cheiro de medicamentos e plástico. Estava no hospital e estava deitada.

- Eu devia ter previsto que isto iria acontecer! Devia ter previsto que… - Ouvi uma voz dizer bastante próxima de mim. Eu conhecia a voz, conhecia-a bastante bem.

- Pai? – Chamei, procurando ter a certeza de que era quem eu pensava.

- Bella! Oh, meu Deus! Obrigado! – Disse o meu pai abraçando-me. Senti as minhas bochechas corarem, sabia perfeitamente que o meu pai não costumava demonstrar muito as suas emoções, mas isto era uma total surpresa. - Pregaste-me um valente susto, Isabella!

Fechei o rosto perante o meu nome, julguei que ele soubesse o quanto eu odiava ser tratada por aquele nome.

- Desculpa, não foi minha intenção… - Disse olhando-o carinhosamente. Ele sabia a que me referia.

- Como é que te afastaste tão depressa? Disseram-me que num momento estavas exactamente no sítio onde a carrinha embateu e no momento a seguir já não. – Ele perguntou-me subitamente.

Fiquei confusa por momentos, o que lhe haveria de responder? Na minha mente, o acidente passou todo como a cena de um filme, relembrando-me de que não estava sozinha. Edward. Ele tinha-me tirado do caminho. Tinha-me tirado de baixo da carrinha impedindo que esta me esmagasse. Inconscientemente, mordi o lábio inferior. Diria a verdade…

Não, Bella! Imagina o que o teu pai te vai dizer? Disse-me a minha consciência. Conta-lhe uma mentira. É necessário.

Sim, era necessário mentir para que ninguém se metesse em sarilhos.

- Hum… O Edward puxou-me e afastou-me da trajectória da carrinha.

- Quem?

- O Edward Cullen. – Repeti. – Ele estava ao pé de mim.

- O Cullen? – Ele repetiu e eu senti-me subitamente preocupada.

- Ele está bem? – Perguntei, não contendo a minha preocupação.

- Penso que sim. Creio que deve estar com o pai dele. Não te preocupes, querida. – Ele sorriu-me carinhosamente e afagou-me a bochecha.

Com o pai dele? Sim, normal. O pai dele era o Dr. Cullen. Era normal. Mas mesmo assim, estaria ele bem? Estaria ele ferido?

Pouco depois, apareceram duas enfermeiras que me levaram para me fazerem uma radiografia à cabeça. Isso irritou-me, eu já lhes tinha dito que estava óptima. E estava certa, as radiografias provaram-me isso.

Nessa altura perguntei-lhes se me podia ir embora, mas uma das enfermeiras afirmou que eu tinha que consultar primeiro um médico. Então fiquei presa naquele quarto todo branco, com um cheiro enjoativo e sob o olhar constante do meu pai. A minha cabeça estava totalmente confusa, os acontecimentos deste dia estavam a rodopiar de maneira desordenada pela minha cabeça. Fechei os olhos para tentar arrumar as ideias.

- Ela está a dormir? – Perguntou uma voz melodiosa.

Os meus olhos abriram-se imediatamente.

Edward encontrava-se aos pés da minha cama, sorrindo-me carinhosamente. Olhei-o meigamente. Era bom saber que ele estava bem, pelo menos assim o aparentava.

- Edward. Obrigado… - Começou Charlie.

Edward ergueu a mão para detê-lo.

- Não havendo sangue, não há problema. – Declarou ele, exibindo os seus dentes brilhantes.

Ele olhou-me durante algum tempo ainda sorrindo ternamente.

- Então, qual é o veredicto? – Perguntou-me.

- Não há absolutamente nada de errado comigo, mas não me deixam ir embora. – Lamentei-me. – Porque é que não estás amarrado a uma maca como nós?

- Tudo depende dos nossos conhecimentos. – Respondeu ele. – Mas não te preocupes, vim libertar-te.

Em seguida, um médico entrou no quarto e eu fiquei boquiaberta. Era jovem, louro, mais bonito do que qualquer estrela de cinema que eu já alguma vez vira e… estranhamente familiar. No mesmo instante em que vi a cara do médico, uma memória que parecia não me pertencer invadiu a minha mente, mostrando-me o doutor a aproximar-se de um berço e a beijar a testa de uma criança. O sorriso no rosto do médico era encantador e caloroso, quase como o sorriso que um pai mostra a um filho quando chega de um longo dia de trabalho. A memória acabou e eu pude ver melhor o rosto do médico. Estava pálido, com um ar cansado e olheiras vincadas. De acordo com a descrição traçada pelo meu pai, só podia tratar-se do pai de Edward.

- Então, Miss Swan – Disse o Dr. Cullen com uma voz extraordinariamente cativante -, como se sente?

- Estou óptima. – Afirmei, esperando tê-lo feito pela última vez.

Dirigiu-se ao negatoscópio que se encontrava na parede por cima da minha cabeça e ligou-o.

- As suas radiografias parecem estar bem. – Disse ele. – Dói-lhe a cabeça? O Edward comentou que bateu com a cabeça com bastante violência.

- A minha cabeça está óptima. – Repeti com um suspiro, lançando um rápido olhar mal-humorado na direcção de Edward.

Não tinha sido ele a dizer-me que me vinha libertar? Pois eu estava a sentir-me ainda mais presa nesta maldita cama de hospital.

Os dedos frios do médico perscrutaram levemente o meu crânio. Reparou no meu estremecimento. Embora não tivesse sido a diferença de temperatura que emanava das mãos do médico que o tivesse causado.

- Está dorido? – Perguntou.

- Nem por isso. – Já sentira dores mais profundas. De facto, a parte de ser uma bruxa que não controla os seus poderes faz parte das dores mais profundas que se pode sentir. Como o pai me tinha explicado que devemos libertar a magia para que esta não nos mate. E as dores de cabeça que tinha sentido devido à magia, não se comparavam aquilo.

Ouvi um riso abafado e ao olhar, deparei com o sorriso condescendente de Edward. Semicerrei os olhos.

- Bem. Não me parece que haja nada de errado consigo. Pode ir para casa com o seu pai agora. Mas volte cá se sentir tonturas ou se tiver qualquer problema de visão.

- Não posso voltar para a escola? – Perguntei, imaginando Charlie a tentar ser atencioso.

- Talvez devesse repousar por hoje.

Olhei de relance para Edward.

- E ele, pode ir para a escola?

- Alguém tem de espalhar a boa notícia de que nós sobrevivemos. – Afirmou Edward com comprazimento.

- Na verdade – corrigiu Dr. Cullen – a maior parte da escola parece estar na sala de espera.

- Oh, não. – Lastimei-me, tapando o rosto com as mãos.

O Dr. Cullen franziu o sobrolho.

- Quer ficar?

- Não, não! – Exclamei com insistência, colocando as pernas fora da cama e levantando-me rapidamente. Demasiado rapidamente – titubeei e o Dr. Cullen amparou-me. Parecia preocupado.

- Estou óptima. – Assegurei-lhe novamente.

Não havia necessidade de lhe dizer que os meus problemas de equilíbrio nada tinham a ver com a pancada que eu sofrera na cabeça.

- Tome Tylenol para as dores. – Sugeriu ao devolver-me o equilíbrio.

- Não dói assim tanto. – Insisti.

- Parece que teve imensa sorte. – Afirmou o Dr. Cullen, sorrindo enquanto eu assinava a minha ficha com um floreado caligráfico.

Sim. Tivera.

- Tive sorte de o Edward se encontrar junto de mim. – Rectifiquei, lançando um olhar meigo ao alvo da minha afirmação. Na verdade, tencionava mandar-lhe um daqueles olhares que demonstram aquela expressão: se o olhar matasse… Mas estava demasiado grata para o fazer.

- Oh, bem, sim. – Concordou o Dr. Cullen, subitamente ocupado com os documentos que tinha diante de si.

- Carlis… Quer dizer, Dr. Cullen. – Disse Charlie muito de repente. – Eu queria dar-lhe uma palavrinha.

O que quereria Charlie com o médico? Hum. Talvez devesse perguntar-lhe quando chegar a casa ou talvez deva apenas esquecer o assunto.

Saíram os dois, deixando-me sozinha com Edward. Ficámos em silêncio durante breves momentos e como se o meu corpo não me obedecesse, aproximei-me dele, como se estivesse a ser atraída por um campo magnético.

- Posso falar contigo por um instante? – Perguntei-lhe, totalmente embaraçada. Como haveria de dizer-lhe o que tinha a dizer?

Ele recuou um passo, afastando-se de mim, com os maxilares subitamente cerrados.

- O teu pai está à tua espera. – Disse ele por entre dentes.

Olhei de relance para a porta e a minha audição apurada captou o som de vozes no corredor, mas nenhuma delas pertencia ao meu pai.

- Queria… - Comecei sentindo-me extremamente embaraçada. – Queria apenas agradecer-te.

O seu rosto perfeito foi coberto pelo espanto.

- Queria agradecer-te por me teres salvo. Não sei como o fizeste ou como chegaste ao pé de mim tão depressa. – Disse-lhe com demasiada velocidade devido aos nervos. – Mas salvaste a minha vida. E queria agradecer-te por isso.

A minha respiração estava ofegante, como se tivesse corrido uma longa distância. Esperei a resposta dele, eu queria que ele dissesse algo. Que me desse alguma justificação. Não lha ia pedir, mas eu queria saber. Não era normal um humano conseguir parar uma carrinha com as mãos e ainda deixar mossas. A minha mente procurava possíveis respostas para o mistério que Edward Cullen se começava a demonstrar.

Ele virou-me costas e preparava-se para se ir embora quando me coloquei na sua frente. Ele olhou-me nos olhos e eu própria senti o meu corpo amolecer sob o ouro derretido dos seus olhos.

- Não me vais dizer nada? – Perguntei-lhe.

- O que queres que te diga? – A voz dele estava fria, sem qualquer emoção.

- Talvez… Talvez me pudesses explicar como é que me salvaste? Eu disse ao meu pai que tu estavas ao pé de mim e que me tinhas tirado do caminho. Mas isso não é propriamente verdade. Tu não estavas ao pé de mim! Tu estavas ao pé do teu carro!

- Bella, bateste com a cabeça, não sabes o que estás a dizer.

- Não há nada de errado com a minha cabeça.

Ele retribuiu o olhar.

- O que queres de mim, Bella?

- Quero saber a verdade. – Declarei. – Quero saber por que motivo estou a mentir por tua causa.

Na verdade, não me importava de mentir por ele mas eu tinha a certeza que o meu pai me iria confrontar em casa, querendo saber porque motivo não usei magia, porque é que não fui eu própria a parar a carrinha…

- O que julgas que aconteceu? – Perguntou com brusquidão.

Tais palavras foram proferidas num ímpeto.

– Sei apenas que não estavas próximo de mim, portanto, não me venhas dizer que bati com a cabeça com demasiada violência. Aquela carrinha ia esmagar-nos a ambos, tal não se verificou e as tuas mãos deixaram mossas na parte lateral da viatura. Deixaste ainda uma mossa no outro carro e não tens qualquer ferimento. A carrinha ter-me-ia esmagado as pernas, mas tu estavas a erguê-la no ar…

Apercebi-me de quão disparatado parecia tudo isto e não consegui prosseguir. Estava tão enfurecida que sentia as lágrimas virem-me aos olhos; tentei reprimi-las rangendo os dentes.

Ele fitava-me incredulamente, mas o seu rosto estava tenso, defensivo.

- Pensas que levantei uma carrinha de cima de ti?

O seu tom de voz punha em causa a minha sanidade mental e contribuiu apenas para aumentar ainda mais a minha desconfiança. Parecia uma deixa perfeitamente proferida por um actor experiente.

Limitei-me a acenar uma vez com a cabeça, com os maxilares cerrados. Não me tinha apercebido mas, até então, a minha mente tinha percorrido dezenas de feitiços que poderiam não matá-lo mas talvez causar-lhe as feridas que o embate da carrinha não tinha causado.

- Ninguém vai acreditar nisso, sabes?

A sua voz agora tinha uma ponta de troça. Como se o meu rosto fosse de alguma forma cómico. Mas quem lhe tinha dito que eu iria contar? Não atrair atenções era a regra que me tinham imposto e, no entanto, já a tinha quebrado o suficiente.

- Eu não vou contar a ninguém.

Pronunciei cada palavra devagar, controlando cuidadosamente a minha raiva.

A surpresa atravessou-lhe o rosto.

- Então, que importância é que isso tem?

- Para mim, tem! – Insisti. – Não gosto de mentir; logo, é bom que haja um excelente motivo para estar a fazê-lo.

- Não podes apenas agradecer-me e superar isso?

- Já te agradeci.

Eu esperava, encolerizada e expectante.

- Não vais esquecê-lo, pois não?

- Não.

- Nesse caso… Espero que gostes de sofrer desilusões.

Olhámo-nos mutuamente com um ar colérico, em silêncio. Fui a primeira a falar, tentado manter-me concentrada. Corria o risco de ser distraída pelo seu rosto lívido e sublime. Era como tentar vergar um anjo destruidor com um olhar.

- Porque te deste sequer àquele trabalho? – Perguntei friamente.

Ele deteve-se e, por um breve momento, o seu rosto de uma beleza estonteante tornou-se inesperadamente vulnerável.

- Não sei. – Sussurrou.

Em seguida, virou-me as costas e afastou-se.

Eu estava tão zangada que só após alguns minutos consegui mexer-me. Quando consegui começar a andar, encaminhei-me vagarosamente para sair do quarto, reparando que algumas coisas levitavam a poucos centímetros das superfícies em que antes se encontravam poisadas. Respirei pesadamente e fiz com que as coisas voltassem aos seus devidos lugares.

O confronto com a sala de espera foi mais desagradável do que eu temera. Parecia que todas as caras que eu conhecia em Forks estavam ali, olhando-me fixamente. Charlie precipitou-se para junto de mim e colocou-me um braço na cintura. Nunca agradeci tanto o contacto físico com o meu pai como naquele momento, eu sentia-me fraca, como se tivesse estado a levantar pesos ou a fazer uma grande maratona, ou pior, como se tivesse estado a utilizar magia o dia todo.

Tanto Mike como Jessica e Eric estavam presentes, começando a convergir na nossa direcção.

- Vamos embora. – Pedi a Charlie numa vozinha fraca e baixa.

Charlie encaminhou-me para as portas de vidro da saída. No caminho, acenei timidamente aos meus amigos, esperando transmitir a ideia de que já não precisavam de se preocupar comigo. Foi um enorme alívio – a primeira vez que me senti assim – entrar no carro de rádio-patrulha.

- O que disse o médico? – Acabei por perguntar, já dentro do carro e a caminho de casa, ao lembrar-me que ele me tinha deixado a sós com Edward para ir conversar com o médico.

- O Dr. Cullen disse-me que estavas óptima e que te podia levar para casa. Disse-me também que não deverias fazer muitos esforços hoje e que deverias descansar. O que significa que hoje não te vou treinar. – Respondeu-me.

Acenei levemente com a cabeça e fiquei em silêncio.

Seguimos o resto do caminho em silêncio. Estava tão absorta nos meus pensamentos que mal notava a presença de Charlie. Tinha a certeza de que o comportamento defensivo de Edward no quarto era a confirmação das bizarras ocorrências que ainda mal acreditava ter presenciado. E isso só podia significar que ele era como nós. Um bruxo.

Quando parámos em frente à casa, Charlie falou finalmente.

- Hum… tens de telefonar à Renée.

Baixou a cabeça, invadido por um sentimento de culpa.

Fiquei aterrada.

- Contaste à mãe!

- Desculpa.

Ao sair bati com a porta do carro do meu pai com um pouco mais de violência do que a necessária.

A minha mãe estava histérica, como é evidente. Tive de lhe dizer que me sentia optimamente no mínimo trinta vezes até que se acalmasse. Implorou-me que regressasse a casa – esquecendo o facto de que esta, naquele momento, se encontrava vazia -, mas foi mais fácil de resistir às suas súplicas do que eu teria pensado. Estava consumida pelo mistério que Edward representava e mais do que um pouco obcecada pelo próprio Edward. Parva, parva, parva. Não estava ansiosa por fugir de Forks como deveria estar, como qualquer pessoa normal e sã de espírito estaria.

Tu não és uma pessoa normal. Comentou a minha consciência. Talvez uma bruxa normal, mas mesmo essas estariam desejosas por ficar.

Resmunguei comigo por isso, talvez a minha consciência estivesse certa, as bruxas, geralmente, procuravam cidades pequenas e muito cobertas para morarem, por ser mais fácil de se misturarem com a população.

Decidi que mais valia deitar-me cedo nessa noite. Charlie continuava a vigiar-me. Ao dirigir-me para o quarto, fiz uma paragem no quarto de banho para ir buscar três comprimidos Tylenol. Surtiram, de, facto, efeito e, à medida que a dor se atenuava, eu adormecia.

Essa foi a primeira noite em que sonhei com Edward Cullen.


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