Twilight - a Magia do Amor escrita por Sol Swan Cullen


Capítulo 3
2º Capítulo – Livro Aberto (2ª Parte)




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(Bella POV)

 

Depois do telefonema de Ana e Emily, o fim-de-semana passou-se sem chuva, o que significava que eu podia dormir sem ter que me preocupar com o som irritante da chuva. Embora não chovesse, parecia que estava mais frio e eu tinha a certeza de que se quisesse obter água a partir do ar, eu conseguiria tal feito. Descobri que tinha marcada uma viagem a Seattle dentro em breve para ir em busca de livros novos visto a biblioteca de Forks estar tão pobremente abastecida.

A segunda-feira com aquela estranha temperatura começou como sempre, a rotina tinha se estabelecido na minha miserável vidinha em Forks. Comecei o dia com Inglês e Mike sentou-se ao meu lado na aula (começo a pensar que vou ter que me livrar dele de qualquer maneira) e tivemos um teste surpresa sobre O Monte dos Vendavais. Directo e fácil. Pelo menos eu achei.

Na verdade, eu sentia-me bastante mais à vontade do que pensara. Mais à vontade do que alguma vez esperara sentir-me aqui.

Quando saímos da aula, o ar estava repleto de farrapos brancos que giravam num torvelinho. Conseguia ouvir as pessoas gritarem de forma empolgada umas paras as outras. O vento açoitava-me a face e o nariz.

- Ena! – Exclamou Mike. – Está a nevar.

Olhei para os pequenos pompons de algodão que estavam a acumular-se ao longo do passeio e a rodopiar erraticamente diante do meu rosto.

- Que horror! Neve. Lá se vai o meu bom dia.

Na verdade o que eu queria dizer era: Bolas! Está a nevar e eu não tenho cá o Nick! Lá se vai a hipótese de lhe devolver a derrota da batalha daquele outro ano.

No entanto, Mike pareceu surpreendido.

- Não gostas de neve?

Sim, claro que gosto!

- Não. Significa que está demasiado frio para chover. É óbvio. Além disso, pensei que devia cair em flocos, tu sabes, cada um único e tudo isso. Estes assemelham-se apenas às extremidades dos cotonetes.

- Nunca assististe à queda de neve? – Perguntou ele incredulamente.

- Claro que já assisti – detive-me. Sim, era verdade, já tinha assistido e era tal e qual como eu tinha descrito, flocos únicos e blá blá. Em Salem era assim! Mas eu não podia dizer isso. – Na televisão.

Mike riu-se. Então, uma bola grande e mole de neve gotejante atingiu-o na nuca. Ambos nos voltámos para ver de onde provinha. Eu desconfiei de Eric, que se afastava, de costas voltadas para nós, caminhando na direcção errada para a sua aula seguinte. Mike, pelos vistos, tinha mesma opinião. Inclinou-se e começou a formar um monte com aquela macia polpa branca.

- Encontramo-nos ao almoço, está bem?

Continuei a andar enquanto falava. Quando as pessoas começarem a arremessar substâncias húmidas, abrigo-me.

Ele limitou-se a acenar com a cabeça, tendo os olhos pousados na figura em retirada de Eric.

Ao longo da manhã, todos tagarelaram empolgadamente a respeito da neve; pelos vistos, tratava-se do primeiro nevão do novo ano. Eu mantive-me calada. É claro que era mais seca do que a chuva – até se derreter nas nossas meias.

Não que eu me preocupasse, conseguiria secar-me em menos de dois segundos com um feitiço simples, mas a regra do meu pai impedia-me de utilizar os meus poderes.

Então, caminhei de modo vigilante até à cantina, na companhia de Jessica, depois da aula de Espanhol. Bolas de polpa macia voavam por toda a parte. Eu mantive uma capa nas minhas mãos, pronta para usá-la como escudo de protecção se tal fosse necessário. Jessica achou-me hilariante, mas algo na expressão do meu rosto a impedia de ser ela própria a lançar-me uma bola de neve.

Mike alcançou-nos quando entrámos, rindo, com gelo a derreter-se no cabelo, anulando o efeito espetado. Ele e Jessica conversavam animadamente acerca da luta na neve quando entrámos na fila para comprar comida. Relanceei o olhar na direcção da mesa do canto por uma questão de hábito e, em seguida, fiquei paralisada no local onde me encontrava. Estavam cinco pessoas sentadas à mesa.

Jessica puxou-me pelo braço.

- Sim? Bella? O que desejas?

Baixei o olhar; tinha as orelhas a ferver. Não tinha qualquer motivo para me sentir inibida, relembrei a mim mesma. Não fizera nada de errado.

- O que se passa com a Bella? – Perguntou Mike a Jessica.

- Nada – respondi eu. – Hoje, vou tomar apenas um refrigerante.

Voltei para o final da fila.

- Não tens fome? – Perguntou Jessica.

- Na verdade, sinto-me um pouco enjoada – declarei, com os olhos ainda pregados no chão.

Esperei que eles recebessem a comida e, posteriormente, segui-os até uma mesa, com os olhos pousados nos meus pés.

Sorvi o meu refrigerante lentamente, com o estômago às voltas. Mike perguntou-me duas vezes, com desnecessária preocupação, como é que me sentia. Disse-lhe que se tratava de algo sem importância, mas interrogava-me se deveria fazer uma encenação, escapar até à enfermaria e ali permanecer durante a hora seguinte.

Que ridículo. Eu não devia ter de fugir.

Sim, tu és ridícula! Onde já se viu uma bruxa fugir de um humano? Murmurou a minha consciência enquanto eu avaliava o meu plano interiormente.

Decidi permitir-me um olhar de relance para a mesa da família Cullen. Se ele estivesse a olhar-me com um ar feroz, eu faltaria a Biologia, como cobarde que era.

Mantive a cabeça baixa e relanceei o olhar por baixo das minhas pestanas. Nenhum deles estava a olhar na minha direcção. Levantei um pouco a cabeça.

Estavam a rir-se. Tanto Edward como Jasper e Emmett tinham o cabelo completamente repleto de neve a derreter-se. Alice e Rosalie afastavam-se enquanto Emmett sacudia o seu cabelo gotejante na direcção delas. Desfrutavam do dia nevoso, tal como todos os outros – só que ele pareciam mais formar uma cena retirada de um filme do que o resto de nós.

No entanto, além do riso e do espírito de brincadeira, havia algo diferente e eu não conseguia determinar ao certo em que é que consistia essa diferença. Examinei Edward de forma mais minuciosa. Cheguei à conclusão de que a sua pele estava menos pálida – talvez enrubescida pela luta na neve – e os círculos sob os seus olhos menos perceptíveis. Havia, porém, algo mais. Ponderei, olhando-os fixamente, tentando isolar a mudança.

- Bella, para que é que estás a olhar? – Intrometeu-se Jessica, seguindo o meu olhar fixo.

Apanhada.

Nesse preciso momento, os olhos dele deslocaram-se para se cruzarem com os meus.

Baixei a cabeça, deixando os cabelos caírem para me ocultarem o rosto. Tinha, todavia, a certeza de que, no instante em que os nossos olhares se cruzaram, ele não parecia descortês ou hostil como acontecera da última vez que o vira. Parecia, de novo, meramente curioso, insatisfeito sob algum aspecto.

- O Edward Cullen está a olhar-te fixamente – comentou Jessica ao meu ouvido soltando risinhos.

- Não parece zangado, pois não? – Não consegui evitar a pergunta.

- Não – respondeu ela, parecendo confusa com a minha pergunta. – Devia estar?

- Acho que ele não gosta de mim – confessei. Ah! E o monstro dentro de mim quer vê-lo morto só para ajudar à festa! Pensei com sarcasmo.

Sentia-me ainda indisposta. Pousei a cabeça no braço.

- Os Cullen não gostam de ninguém… bem, não se mostram delicados o suficiente para que as pessoas gostem deles. Mas ele contínua a olhar-te fixamente.

- Pára de olhar para ele! – Murmurei com alguma exasperação.

Soltou um riso abafado, mas desviou o olhar. Levantei a cabeça o suficiente para me certificar de que ela o fazia, encarando a possibilidade de recorrer à violência se ela oferecesse resistência ou até mesmo a possibilidade de lhe lançar um feitiço que a obrigasse a fazer o que eu lhe tinha dito.

Mike interrompeu-nos nesta altura – estava a preparar uma épica batalha de nevasca no parque de estacionamento depois das aulas e queria que nós participássemos. Jessica acedeu com entusiasmo. A forma como ela olhava para Mike deixava pouca margem para dúvidas relativamente ao facto de que estaria disposta a alinhar no que quer que fosse que ele sugerisse. Eu mantive-me calada. Teria de me esconder no ginásio até que o parque de estacionamento ficasse vazio.

Então acima do burburinho de vozes que enchia a cantina, eu ouvi o som da minha salvação. Pelos vistos não teria que esperar.

Durante o resto da hora de almoço, mantive, com extremo cuidado, os olhos pregados na minha própria mesa, recitando feitiços complexos mentalmente para me distrair e abster das conversas humanamente secantes dos meus colegas de mesa. Decidi honrar o compromisso que firmara comigo mesma. Como ele não tinha um ar zangado, eu assistiria à aula de Biologia. O meu estômago dava pequenas voltas de pavor ao pensar que iria sentar-me novamente ao seu lado.

Não queria propriamente caminhar até à aula na companhia de Mike, como era hábito (mau hábito, devo dizer) – ele parecia ser um alvo privilegiado para os atiradores furtivos de bolas de neve -, mas, quando chegámos à porta, todos os que se encontravam junto de mim se lamentaram em uníssono. Tal como eu pensava, a chuva caía, apagando todos os vestígios de neve em faixas límpidas e glaciais que escorriam pela berma da passagem para peões. Coloquei o capuz na cabeça, estando, no meu íntimo, satisfeita. Estaria livre para ir directamente para casa após a aula de Ginástica.

A caminho do edifício quatro, Mike não parou de se lamuriar e, no meu íntimo, só desejava que ele se calasse.

Assim que entrámos na sala de aula, verifiquei, com alívio, que a minha bancada ainda se encontrava desocupada. O professor Banner circulava pela sala, distribuindo um microscópio e uma caixa de diapositivos por cada bancada. Ainda faltavam alguns minutos para o início da aula e na sala imperava o burburinho das conversas. Mantive o olhar afastado da porta, rabiscando indolentemente a capa do meu caderno de apontamentos.

Pouco depois, senti uma presença ao meu lado e ouvi nitidamente a cadeira que se encontrava a meu lado mover-se, mas os meus olhos permaneceram cuidadosamente concentrados nos motivos que eu estava a desenhar.

- Olá – disse uma voz suave, melodiosa. A sua voz.

Ergui o olhar, aturdida por ele estar a dirigir-me a palavra. Estava sentado tão distante em relação a mim quanto a bancada o permitia – o que achei extremamente inteligente visto eu ser a sua sentença de morte -, mas a sua cadeira estava virada na minha direcção. Tinha o cabelo molhado ao ponto de gotejar, em desalinho – mesmo assim, parecia alguém que acabara de participar na filmagem de um anúncio publicitário a gel capilar. O seu rosto deslumbrante tinha uma expressão amigável, aberta, com os lábios perfeitos a esboçarem um ligeiro sorriso. Os olhos, porém, espelhavam algum cuidado.

Claro que ele devia estar cuidadoso, depois da triste e involuntária demonstração de poderes que eu tinha feito na semana passada, também o bruxo mais poderoso de Salem estaria cuidadoso ao pé de mim.

- Chamo-me Edward Cullen – prosseguiu. – Não tive a oportunidade de me apresentar na semana passada. Deves ser a Bella Swan.

A minha cabeça girava de tão confusa. Será que tudo aquilo fora fruto da minha imaginação? Ele estava, agora, a ser perfeitamente delicado. Totalmente o oposto da semana passada.

Toca-lhe… Outra vez o monstro sussurrou tentadoramente.

Não! Não fora imaginação.

Eu tinha de falar, ele estava à espera. Não me ocorria, contudo, nada de convencional para dizer.

- Como é que sabes o meu nome? – Balbuciei. Estúpida!

Ele riu-se de uma forma suave e encantadora.

- Oh, acho que todos sabem o teu nome. Toda a cidade tem estado a aguardar a tua chegada.

Esbocei um esgar. Sabia que tal correspondia mais ou menos à verdade. E também sabia que eu era um motivo de diversão para este “completamente” estranho.

- Não – insisti estupidamente. – O que eu queria perguntar-te era porque motivo me chamaste Bella.

Não que eu me importe que um autêntico anjo como tu diga o meu tosco nome, mas como é que o sabes? Pensei sarcasticamente para comigo.

Ele pareceu confuso.

- Preferes Isabella?

- Não, gosto de Bella – retorqui. – Mas julgo que o Charlie – quero dizer, o meu pai – deve chamar-me Isabella nas minhas costas – parece que é por esse nome que todas as pessoas daqui me conhecem. – Tentei explicar, sentindo-me como uma completa débil mental.

- Oh.

Deu o assunto por encerrado. Eu desviei o olhar com algum constrangimento.

Felizmente, o professor Banner deu início à aula nesse momento. Tentei concentrar-me enquanto ele explicava o trabalho laboratorial do dia. Os diapositivos que se encontravam na caixa estavam desordenados. Trabalhando como parceiros de laboratório, tínhamos de separar os diapositivos referentes às células da extremidade da raiz da cebola consoante as fases de mitose que representavam e classificá-los em conformidade com estes aspectos. Não podíamos consultar os livros. Vinte minutos depois, ele faz uma ronda pelas bancadas para ver quem acertara.

- Comecem. – Ordenou.

- Primeiro, as senhoras, parceira? – Perguntou Edward.

Eu levantei o olhar e vi-o esboçar um sorriso constrangido tão belo que eu conseguia apenas fitá-lo como uma idiota. Mas ao mesmo tempo, estava tão admirada como a palavra parceira soava tão bem aos meus ouvidos dita por ele.

- Ou, se desejares, posso ser eu a começar.

O sorriso esbateu-se; ele começava evidentemente a perguntar-se se eu seria mentalmente apta.

Diz-me, Bella, achas-te mentalmente apta para fazeres este trabalho? Imaginei-o a perguntar-me e eu tinha a resposta perfeita.

Oh sim! Desculpa, estou só tão admirada pela tua beleza que eu esqueço-me que já sei este trabalho decore! Imaginei-me a responder-lhe e então apercebi-me de como a minha mente estava afectada.

- Não – disse eu, ruborizando. – Eu começo.

Estava a exibir-me, apenas um pouco. Já realizara este trabalho laboratorial e sabia o que procurar. A tarefa adivinhava-se fácil. Coloquei o primeiro diapositivo sob o microscópio e regulei este para a objectiva de 40X. Examinei o diapositivo durante breves instantes.

A minha avaliação era segura.

- Profase.

- Importas-te que dê uma olhadela? – Perguntou ele quando eu começava a retirar o diapositivo. A mão dele segurou a minha, para me deter, enquanto fazia a pergunta. Os seus dedos estavam gelados, como se, antes da aula, os tivesse colocado numa acumulação de neve. Não foi, porém, por este motivo que retirei a minha mão tão bruscamente. Quando ele me tocou, senti uma dor pungente na mão, como se um fluxo de corrente eléctrica nos tivesse atravessado, e o monstro em mim preparava-se para sugar a energia de Edward ao mínimo toque.

- Desculpa. – Murmurei por entre dentes.

- Desculpa. – Sussurrou ele por entre dentes, ao mesmo tempo que eu, retirando imediatamente a mão.

Estúpida! Estúpida! Estúpida! Rosnou o monstro ferozmente, mas eu ignorei-o.

No entanto, ele continuou a tentar alcançar o microscópio. Observei-o, ainda desconcertada, enquanto ele examinava o diapositivo, o que fez num instante ainda mais breve do que eu fizera.

- Profase. – Concordou ele, registando a designação com uma caligrafia impecável no primeiro espaço da nossa ficha de trabalho. Substituiu agilmente o primeiro diapositivo pelo segundo e, em seguida, olhou-o rapidamente.

- Anafase. – Murmurou, anotando a denominação ao pronunciá-la.

Mantive um tom de indiferença na minha voz.

- Posso?

Ele esboçou um sorriso afectado e aproximou o microscópio de mim.

Olhei através da ocular de modo ansioso, apenas para sofrer uma desilusão. Raios! Ele tinha razão.

- Passamos ao terceiro diapositivo?

Estendia a mão sem lhe dirigir o olhar, rezando interiormente para que não houvesse grande contacto entre as nossas mãos. Entregou-mo; parecia estar a ser cauteloso de modo a não voltar a tocar a minha pele, pelo que lhe agradeci mentalmente.

Olhei para o diapositivo da forma mais fugaz que consegui.

- Interfase.

Passei-lhe o microscópio antes de ele ter tido tempo para o pedir. Deu uma rápida espreitadela e, em seguida, apontou a designação. Eu tê-lo-ia feito enquanto ele olhava para o diapositivo, mas a sua caligrafia clara e elegante intimidava-me. Não queria conspurcar a página com as minhas toscas garatujas.

Terminámos antes de o resto da turma estar perto de o fazer. Conseguia ver Mike e o seu parceiro a compararem dois diapositivos uma e outra vez e um outro grupo tinha o livro aberto debaixo da bancada.

Assim, fiquei sem nada para fazer, a não ser tentar não olhar para ele… sem sucesso. Relanceei o olhar para cima e ele fitava-me, com aquele mesmo ar de frustração inexplicável reflectido nos olhos. Subitamente, identifiquei aquela diferença subtil no seu rosto.

- Puseste lentes de contacto? – Disse de forma abrupta e impensada.

Ele pareceu ficar perplexo com a minha pergunta inesperada.

- Não.

- Oh – balbuciei. – Pensei que havia algo diferente nos teus olhos.

Correcção: Não pensei! Os teus olhos estão diferentes!

Ele encolheu os ombros e desviou o olhar.

Na verdade, eu tinha a certeza de que havia algo diferente. Lembrava-me nitidamente da uniforme cor negra dos seus olhos da última vez que ele me lançara um olhar hostil – a cor destacava-se ao contrastar com o fundo da sua pele pálida e do cabelo castanho-avermelhado. Neste dia, os olhos dele tinham uma cor completamente diferente: um estranho ocre, mais escuro do que caramelo de manteiga, mas com o mesmo tom dourado. Não compreendi como tal poderia ser possível, a não ser que, por algum motivo, ele estivesse a mentir a respeito das lentes de contacto ou talvez Forks estivesse a enlouquecer-me na verdadeira acepção da palavra.

Baixei o olhar. As suas mãos estavam novamente fechadas, com os punhos cerrados.

O professor Banner veio, então, até à nossa bancada para ver por que motivo não estávamos a trabalhar. Olhou por cima dos nossos ombros para ver de relance o trabalho laboratorial concluído e, em seguida, examinou-o com maior atenção para conferir as respostas.

- Então, Edward, não achaste que deveria ser dada à Isabella a oportunidade de utilizar o microscópio? – Perguntou o professor Banner. Estúpido!

- À Bella – corrigiu Edward automaticamente. – Na verdade, ela identificou três das cinco fases representadas nos diapositivos.

O professor Banner olhava agora para mim, com uma expressão de cepticismo estampada no rosto.

- Já realizaste este trabalho laboratorial? – Perguntou ele.

Eu sorri acanhadamente. Como se deve dizer a um professor que só preciso de tocar num livro para ficar a saber o seu conteúdo e que sim, que eu já tinha feito este trabalho?

- Com raiz de cebola, não.

- Com blástula de coregono?

- Sim.

O professor Banner acenou com a cabeça. Devia estar a pensar que era um milagre ter-me como aluna, talvez.

- Em Phoenix, estavas integrada num programa de colocação avançada?

- Estava.

- Bem – exclamou ele após alguns instantes. – Suponho que o facto de vocês os dois serem parceiros de laboratório seja proveitoso.

Balbuciou algo mais ao afastar-se. Depois de se ter ido embora, comecei novamente a rabiscar no meu caderno de apontamentos, enquanto também tentava ocupar a minha mente com feitiços que precisasse de praticar.

- Foi pena aquilo da neve, não foi? – Perguntou Edward.

Parei repentinamente e olhei para ele, tinha a sensação de que ele estava a obrigar-se a estabelecer um diálogo de ocasião comigo. A paranóia invadia-me novamente. Era como se ele tivesse escutado a minha conversa com Jessica ao almoço e estivesse a tentar provar que eu estava errada.

- Nem por isso – respondi de forma sincera, em vez de fingir ser normal como todas as restantes pessoas. Estava ainda a tentar afastar a estúpida sensação de suspeição e não conseguia concentrar-me.

- O frio não te agrada. – Não era uma pergunta.

- Nem por isso. E o tempo chuvoso também não.

- Deve ser difícil para ti viver em Forks. – Devaneou.

- Poderia ser mais. – Murmurei por entre dentes de modo enigmático e sincero. Pensara em responder-lhe um “nem por isso” também mas temia que ele pensasse que eu só sabia aquele modo de responder.

Por algum motivo que eu não conseguia imaginar, ele parecia fascinado com aquilo que eu dizia. O seu rosto constituía uma tal fonte de distracção que eu tentava não olhá-lo mais do que aquilo que a cortesia permitia.

- Poderia ser mais? Então porque vieste para cá?

Ninguém me colocara tal questão – não tão directamente como ele fizera, exigindo tal informação.

- É… complicado.

Como poderia ser sincera sem revelar o que era? Como poderia corresponder totalmente à verdade quando, em geral, tudo se resumia ao facto de eu ser bruxa e o meu pai também?

- Acho que consigo acompanhar-te. – Pressionou.

Após um longo momento de silêncio, cometi o erro de o fitar directamente no olhar. Os seus olhos dourado-escuros baralharam-me e respondi sem pensar.

- A minha mãe casou pela segunda vez. – Declarei.

- Não parece ser algo assim tão complexo – discordou ele. No entanto, subitamente, mostrou-se solidário. – Quando é que isso aconteceu?

- No passado mês de Setembro.

A minha voz parecia triste, mesmo aos meus próprios ouvidos.

Se eu estivesse a mentir, estaria no bom caminho, mas, na verdade, o que lhe estava a contar era parte dos muitos motivos que me levaram a mudar-me de Phoenix para Forks.

- E tu não gostas dele – conjecturou Edward, ainda com um tom de voz gentil.

- Não, o Phil é uma boa pessoa. Talvez um pouco jovem de mais, mas é bastante simpático.

- Porque é que não ficaste com eles?

Porque sou uma bruxa que está quase a atingir a maioridade e que a cada dia que passa fica cada vez mais descontrolada! Pensei numa resposta tão sincera quanto a verdade.

Não conseguia determinar o motivo do seu interesse, mas ele continuava a fitar-me com um olhar penetrante, como se a entediante história da minha vida tivesse, de algum modo, uma importância vital.

- O Phil viaja muito. Ganha a vida a jogar à bola.

Esbocei um sorriso irónico.

- Já ouvi falar dele? – Perguntou, retribuindo o sorriso.

- Provavelmente não. Ele não joga muito bem. Joga na segunda liga e desloca-se muito.

- E a tua mãe mandou-te para cá de modo a poder viajar com ele. – Disse como se se tratasse novamente de uma suposição e não de uma pergunta.

O meu queixo elevou-se um pouco.

- Não, ela não me mandou para aqui. Vim por vontade própria.

O seu sobrolho ficou carregado.

- Não compreendo. – Confessou, parecendo desnecessariamente frustrado com este facto.

E quem disse que era para compreenderes? Nunca ouviste dizer que cabeça de mulher não é sítio para homens? Pois bem, então devo dizer-te que cabeça de bruxa adolescente é um sítio altamente desaconselhável para os homens!

Suspirei. Porque é que estava a explicar-lhe esta situação? Ele continuava a olhar-me fixamente com uma curiosidade evidente.

- A princípio, ficava comigo, mas sentia saudades dele. A separação fazia-a infeliz… logo, decidi que estava na altura de passar algum tempo útil com o Charlie.

Quando acabei de falar, a minha voz estava soturna.

- Agora, porém, és tu quem está infeliz. – Referiu ele.

- E daí? – Desafiei-o.

Não era verdade, eu não era de todo infeliz. Aqui com o meu pai eu poderia fazer aquilo que sempre quisera fazer e não podia, mas sentia saudades da minha mãe e do sol quente.

- Não parece ser justo.

Encolheu os ombros, mas o olhar continuava a ser intenso. Ri sem vontade.

- Nunca ninguém te disse «A vida não é justa.»?

- Creio ter ouvido isso algures. – Assentiu secamente.

- Então, é tudo. – Insisti, perguntando-me por que motivo é que ele continuava a fitar-me daquela maneira.

O seu olhar fixo tornou-se analítico.

- Disfarças bem – disse ele lentamente. – Mas estaria disposto a apostar que estás a sofrer mais do que demonstras a todos.

Fiz-lhe um esgar, resistindo ao impulso de mostrar a língua como uma criança de cinco anos, e desviei o olhar.

- Estou enganado?

Tentei ignorá-lo.

- Bem me pareceu que não. – Murmurou presunçosamente.

- Porque é que te interessa? – Perguntei, irritada.

Mantive os olhos afastados, observando o professor enquanto este fazia as suas rondas.

- Essa é uma excelente pergunta. – Sussurrou por entre dentes, num tom de voz tão abafado que me interroguei se ele não estaria a falar consigo mesmo. No entanto, após alguns instantes de silêncio, conclui que esta seria a única resposta que eu iria obter.

Suspirei, olhando com o sobrolho carregado para o quadro.

- Estou a aborrecer-te? – Perguntou ele com ar divertido.

Olhei-o de relance sem pensar… e voltei a dizer a verdade.

- Não propriamente. Estou mais aborrecida comigo mesma. Sou tão transparente… a minha mãe chama-me sempre o seu livro aberto. – Respondi franzindo o sobrolho.

- Pelo contrário; considero-te muito opaca.

Apesar de tudo o que eu dissera e ele supusera, parecia estar a falar a sério.

- Então, deves ser um bom avaliador de carácter. – Retorqui.

- Normalmente.

Esboçou um sorriso rasgado, exibindo uma dentadura perfeita e extremamente branca.

O professor Banner restabeleceu, então, a ordem, na sala e eu virei-me para prestar atenção. Não queria acreditar que acabara de expor parte da minha vida monótona àquele bizarro e lindo rapaz que devia, ou não, desprezar-me. Parecia absorto na nossa conversa, mas, agora, eu conseguia ver, pelo canto do olho, que ele estava a afastar-se de mim, com as mãos a segurarem na borda da mesa com inequívoca tensão.

Tentei parecer atenta enquanto o professor Banner ilustrava, com acetatos no retroprojector, aquilo que eu observara, sem dificuldade, através do microscópio. Os meus pensamentos, porém, estavam ingovernáveis.

Quando o toque da campainha finalmente soou, Edward apressou-se a sair da sala de forma tão ágil e graciosa como fizera na segunda-feira anterior e, tal como nesse mesmo dia, fixei, com assombro, o olhar na direcção em que ele seguira.

Mike avançou rapidamente para junto de mim e pegou nos meus livros. Imaginei-o com uma cauda a agitar-se.

- Foi horrível. – Lamentou-se. – Todas pareciam exactamente iguais. Tiveste sorte em ter o Cullen como parceiro.

- Não tive quaisquer dificuldades em identificá-las. – Afirmei, ofendida com a sua pressuposição, arrependendo-me imediatamente da reprimenda. – Mas já fiz este trabalho laboratorial. – Acrescentei antes que ele considerasse que eu acabara de ferir os seus sentimentos.

- Hoje, o Cullen parecia estar bastante simpático. – Comentou ele enquanto vestíamos as nossas gabardinas.

Não pareceu satisfeito com aquele facto.

Tentei mostrar-me indiferente.

- Pergunto-me o que teria ele na passada segunda-feira.

Não conseguia concentrar-me na conversa de Mike enquanto caminhávamos para o ginásio e a aula de E.F. também não cativava muito a minha atenção. Hoje Mike fazia parte da minha equipa. De forma cavalheiresca, ocupou a minha posição e também a dele, pelo que a minha abstracção era apenas interrompida quando chegava a minha vez de servir; a minha equipa desviava-se prudentemente sempre que tal acontecia.

Quando me dirigi ao parque de estacionamento, a chuva não passava de neblina, mas senti-me mais confortável quando entrei na cabina seca da pick-up. Liguei o aquecimento, não me importando, pela primeira vez, com o embrutecedor ronco do motor. Abri o fecho do casaco, tirei o capuz e soltei o cabelo húmido para que, com o calor, secasse no trajecto para casa.

Olhei ao redor para me assegurar de que o caminho estava desimpedido. Foi então que reparei na figura branca e imóvel. Edward Cullen estava encostado à porta dianteira do Volvo, a três carros de distância de mim, e a olhar atentamente na minha direcção. Desviei rapidamente o olhar e procedi a uma manobra de marcha-atrás com a pick-up, quase embatendo num Toyota Corolla ferrugento, com a minha pressa. Para sorte deste, travei a tempo. Tratava-se precisamente do género de carro do qual a minha pick-up faria sucata. Respirei profundamente, ainda olhando para o lado oposto do meu carro, e voltei a recuar cautelosamente, com maior êxito. Olhei fixamente em frente ao passar pelo Volvo, mas, através de um vislumbre periférico, podia jurar que o vira rir-se.

 

 

(Edward POV)

 

- Vai ficar tudo bem. – Alice disse sob a sua respiração. Os seus olhos estavam desfocados, e Jasper tinha uma das suas mãos levemente sobre o cotovelo dela, guiando-a para a frente enquanto andávamos para o interior da cantina. Rosalie e Emmett guiavam o caminho, Emmett ridiculamente parecia-se com um guarda-costas em território inimigo. Rosalie também parecia desconfiada, mas de um modo muito mais irritado do que protector.

- Claro que vai! – Resmunguei. O comportamento deles era ridículo. Se eu não estivesse certo de que conseguiria aguentar este momento, eu tinha ficado em casa.

A mudança súbita da nossa normal, até mesmo brincalhona manhã - tinha nevado durante a noite, e Emmett e Jasper não deixaram de se aproveitar da minha distracção para me bombardear com bolas de neve; quando se aborreceram com a minha falta de resposta, viraram-se um para o outro – para esta excessiva vigilância que teria sido cómica se não fosse tão irritante.

- Ela ainda não está aqui, mas pelo caminho que ela vai fazer para entrar… ela não vai estar contra o vento se nos sentarmos no nosso lugar habitual.

- Claro que nos vamos sentar no nosso lugar habitual. Pára com isso, Alice. Estás a enervar-me. Eu ficarei absolutamente bem.

Ela piscou uma vez assim que Jasper a ajudou a sentar-se no seu lugar, e os seus olhos finalmente focaram-se na minha cara.

- Hum, - Ela disse, parecendo surpreendida. – Penso que tens razão.

- Claro que tenho. – Murmurei.

Eu odiava ser o foco da sua preocupação. Senti uma súbita simpatia por Jasper, lembrando-me de todas as vezes em que tínhamos estado em cima dele protectoramente. Ele encontrou o meu olhar brevemente e sorriu.

Irritante, não é?

Fiz-lhe uma careta.

Tinha apenas passado uma semana desde que esta longa e monótona sala me parecia tão mortalmente estúpida? Que tinha parecido quase como dormir, como um coma, estar aqui?

Hoje os meus nervos estavam à flor da pele – arames de piano, preparados para cantar à mais leve pressão. Os meus sentidos estavam hiper-alertos; eu verificava cada som, cada vista, cada movimento de ar que tocava na minha pele, cada pensamento. Especialmente os pensamentos. Havia apenas um sentido que matinha em baixo, que recusava usar. O olfacto, claro. Eu não respirava.

Esperava ouvir mais sobre os Cullen nos pensamentos pelos quais passava. Todo o dia tinha esperado, procurando por qualquer novo conhecimento que Bella Swan pudesse ter confidenciado, tentando ver a direcção que a nova bisbilhotice poderia tomar. Mas não havia nada. Ninguém tinha reparado nos cinco vampiros na cafetaria, apenas o mesmo que antes da chegada da nova rapariga. Muitos dos humanos daqui continuavam a pensar na rapariga, ainda pensando os mesmos pensamentos da semana passada. Em vez de achar isto inexprimivelmente aborrecido, eu estava agora fascinado.

Ela não tinha dito nada sobre mim a ninguém?

Não havia modo de ela não ter reparado no meu negro e assassino olhar. Eu tinha a visto reagir a isso. Certamente, assustei a tola. Eu tinha estado convencido de que ela haveria de mencionar isso a alguém, talvez até exagerar um pouco a história para a fazer melhor. Dando me algumas linhas ameaçadoras.

E então, ela também me ouviu a tentar sair da aula de biologia que partilhávamos. Ela deve ter se perguntado, depois de ver a minha expressão, se ela era a causa. Uma rapariga normal teria perguntado por ai, comparado a sua experiencia com outras, procurando factos comuns que explicassem o meu comportamento para que não se sentisse excluída. Os humanos estavam constantemente desesperados para se sentirem normais, para se enquadrarem. Para se misturar com todos à sua volta, como um rebanho de ovelhas. A necessidade era particularmente forte durante os inseguros anos da adolescência. Esta rapariga não seria excepção à regra.

Mas ninguém parecia reparar em nós sentados aqui, à nossa habitual mesa. Bella deve ser excepcionalmente tímida, se ela não confidenciou a ninguém. Talvez ela tivesse falado com o pai dela, talvez essa fosse a relação mais forte… embora parecesse pouco provável, visto ela ter passado tão pouco tempo com ele pela sua vida fora. Ela seria mais próxima da mãe. Ainda assim, eu teria que passar pelo Chefe Swan dentro em breve e ouvir o que ele pensava.

- Alguma coisa nova? – Perguntou Jasper.

- Nada. Ela… não deve ter dito alguma coisa.

Todos ergueram uma sobrancelha perante as notícias.

- Talvez não sejas tão assustador como pensas. – Disse Emmett rindo-se. – Aposto que a conseguiria assustar mais que isso.

Revirei os olhos.

- Pergunto-me porquê…? – Ele questionou-se outra vez sobre a minha revelação acerca do silêncio único da rapariga.

- Já todos pensámos nisso. Eu não sei.

- Ela vem aí. – Alice murmurou. Senti o meu corpo enrijecer. – Tentem parecer humanos.

- Humanos, dizes tu? – Perguntou Emmett.

Ele levantou o seu punho direito, torcendo os dedos para revelar a bola de neve que ele tinha salvo na sua palma. Claro que não tinha derretido ali. Ele tinha a apertado num granuloso bloco de gelo. Ele tinha os seus olhos postos em Jasper, mas eu vi a direcção dos seus pensamentos. Tal como Alice, claro. Quando ele abruptamente lhe lançou o grande pedaço de gelo, ela desviou-o com um casual agitar dos seus dedos. O gelo ricocheteou através do comprimento da cafetaria, demasiado depressa para olhos humanos verem, e despedaçou-se com um aguçado estalo contra a parede de tijolo. O tijolo estalou também.

As cabeças naquele canto da sala viraram-se todas para olhar para o amontoado de gelo partido no chão, e então olharam em volta para encontrar o culpado. Não olharam muito além de algumas mesas de distância. Ninguém olhou para nós.

- Muito humano, Emmett, - Rosalie disse sarcasticamente. – Porque não dás um muro através da parede enquanto a atravessas?

- Seria muito mais impressionante se fosses tu a fazê-lo, querida.

Tentei prestar-lhes atenção, mantendo um sorriso na minha cara como se eu fizesse parte do seu gracejo. Não me permiti olhar para a fila onde eu sabia que ela estava parada. Mas era tudo o que eu ouvia.

Eu podia ouvir a impaciência de Jessica com a nova rapariga, que parecia estar distraída também, parada sem se mexer na fila em movimento. Eu vi, nos pensamentos de Jessica, que as bochechas de Bella Swan estavam mais uma vez coloridas de um rosa brilhante com o sangue.

Comecei a respirar em pequenas golfadas de ar, preparado para parar de respirar se algum do seu cheiro tocasse o ar à minha volta.

Mike Newton estava com as duas raparigas. Ouvi ambas as suas vozes, mental e verbal, quando ele perguntou a Jessica o que se passava com a rapariga Swan. Eu não gostei do modo como os seus pensamentos se envolveram à volta dela, o tremular de fantasias já estabelecidas que nublava a mente dele enquanto ele observava o começo dela e olhava para cima da sua divagação como se ela se tivesse esquecido que ele estava ali.

- Nada. – Ouvi Bella dizer naquela sossegada e clara voz. Parecia soar como um sino sobre o burburinho na cafetaria, mas eu sabia que era apenas porque eu estava a ouvi-la tão intensamente.

- Eu vou apenas beber um refrigerante hoje. – Ela continuou enquanto se mexia para acompanhar a fila.

Não pude evitar dirigir um olhar na sua direcção. Ela estava a olhar para o chão, o sangue a desaparecer lentamente da sua face. Afastei o olhar rapidamente, para Emmett, que gargalhou para o agora sofrido sorriso na minha cara.

Pareces doente, mano.

Rearranjei o meu rosto para que a expressão parecesse casual e descontraída.

Jessica perguntava em voz alta sobre a falta de apetite da rapariga. – Não tens fome?

- Na verdade, sinto-me um pouco enjoada. – A voz dela era baixa, mas ainda assim bastante clara.

Porque é que me incomodava, a preocupação protectora que subitamente emanava dos pensamentos de Mike Newton? O que é que importava que houvesse um limite possessivo neles? Não eram assuntos meus se Mike Newton se sentisse desnecessariamente ansioso por ela. Talvez fosse assim que todos respondiam por ela. Não tinha eu querido, instintivamente, protege-la, também? Antes de a ter querido matar, assim…

Mas estava a rapariga doente?

Era difícil de dizer – ela parecia tão delicada com a sua pele translúcida… Então reparei que também eu me estava a preocupar, tal como aquele diminuto rapaz, e eu forcei-me a não pensar na saúde dela.

Mas devias preocupar-te! Murmurou uma vozinha na minha cabeça, a minha consciência. Afinal ela parece tão delicada, tão frágil…

Apressei-me a ignorar aqueles pensamentos.

Indiferente, eu não gostava de monitorá-la através dos pensamentos de Mike. Troquei para os de Jessica, observando cuidadosamente enquanto os três escolhiam em que mesa se haviam de sentar. Felizmente, sentaram-se com os habituais companheiros de Jessica, numa das primeiras mesas da sala. Não contra o vento, como Alice tinha prometido.

Alice fitou-me. Ela vai olhar em breve, age humanamente.

Cerrei os meus dentes por trás do meu sorriso.

- Relaxa, Edward. – Emmett disse. – Francamente. Matas um humano. Dificilmente será o fim do mundo.

- Tu saberias. – Murmurei.

Emmett riu-se. – Tens que aprender a ultrapassar as coisas. Como eu. A eternidade é muito tempo para espojares-te com culpa.

Então, Alice lançou uma menos mão cheia de gelo que ela tinha estado a esconder da cara insuspeita de Emmett.

Ele pestanejou, surpreendido, e então sorriu em antecipação.

- Pediste por isso. – Ele disse esticando-se sobre a mesa e abanando o seu cabelo enregelado na direcção dela. A neve, derretendo no calor da sala, voou do seu cabelo numa pequena chuva de metade-liquido, metade-gelo.

- Ew! – Rose queixou-se, enquanto ela e Alice se refugiavam da calamidade.

Alice riu-se, e todos nos juntámos. Eu podia ver na mente de Alice que ela tinha orquestrado o momento perfeito, e eu sabia que a rapariga – eu devia parar de pensar nela desse modo, como se ela fosse a única rapariga no planeta – que Bella estaria a observar-nos rir e brincar, parecendo felizes e humanos e idealisticamente como uma pintura de Norman Rockwell.

Alice continuou a rir-se, e segurou no seu tabuleiro como um escudo. A rapariga – Bella ainda devia estar a olhar para nós.

… A olhar para os Cullen outra vez, alguém pensou, apanhando a minha atenção.

Olhei automaticamente na direcção do despropositado chamado, realizando assim que os meus olhos encontraram o seu destino que reconhecia a voz – eu tinha estado a ouvi-la tanto hoje.

Mas os meus olhos passaram directamente por Jessica, e focaram-se no olhar penetrante da rapariga.

Ela olhou para baixo rapidamente, escondendo-se por detrás do seu denso cabelo outra vez.

Em que estava ela a pensar? A frustração parecia acumular-se enquanto o tempo passava, em vez de se dissolver. Tentei – incerto do que estava a fazer por nunca o ter tentado antes – sondar com a minha mente o silêncio à volta dela. A minha audição extra sempre tinha vindo até mim naturalmente, sem pedir; nunca tive que trabalhá-la. Mas agora concentrei-me, tentando penetrar através de qualquer escudo que a rodeasse.

Nada mas silêncio.

O que é que há de tão especial sobre ela? Jessica pensou, ecoando a minha própria frustração.

- O Edward Cullen está a olhar-te fixamente. – Ela sussurrou no ouvido da rapariga Swan, adicionando um risinho abafado. Não havia sinais da sua irritação ciumenta no seu tom. Jessica parecia ser bastante hábil a fingir amizades.

Eu ouvi, demasiado interessado, a resposta da rapariga.

- Não parece zangado, pois não? – Ela sussurrou de volta.

Então ela tinha reparado na minha estranha reacção na semana passada. Claro que tinha.

A pergunta confundiu Jessica. Vi a minha própria cara nos seus pensamentos enquanto ela verificava a minha expressão, mas não cruzei o meu olhar com o seu. Eu ainda estava concentrado na rapariga, tentando ouvir algo. A minha concentração propositada não parecia ajudar em nada.

- Não. – Jess contou-lhe, e eu sabia que ela desejava poder dizer sim – como inflamava-se dentro dela, o meu olhar – embora não houvesse vestígios disso na sua voz. – Devia estar?

- Acho que ele não gosta de mim. – A rapariga sussurrou, deitando a sua cabeça no seu braço como se estivesse subitamente cansada. Tentei entender o motivo, mas eu podia apenas supor. Talvez ela estivesse cansada.

- Os Cullen não gostam de ninguém, - assegurou-lhe Jessica. – Bem, pelo menos não se mostram delicados o suficiente para que as pessoas gostem deles. – Não costumam. O seu pensamento era um murmúrio de lamentação. - Mas ele continua a olhar-te fixamente.

- Pára de olhar para ele! – A rapariga disse ansiosamente, levantando a sua cabeça do braço para ter a certeza de que Jessica obedecia à ordem.

Jessica riu-se, mas fez o que lhe disseram.

A rapariga não olhou para além da sua mesa durante o resto da hora. Pensei – embora, claro, não pudesse ter a certeza – que isto era deliberante. Parecia que ela queria olhar para mim. O seu corpo virar-se-ia levemente na minha direcção, o seu queixo começaria a virar-se, e então ela controlava-se, respirava fundo, e olharia fixamente para quem estivesse a falar.

Ignorei os pensamentos dos outros à volta da rapariga na maior parte, enquanto não eram, momentaneamente, sobre ela. Mike Newton estava a planear uma luta de neve no estacionamento depois das aulas, parecendo não se aperceber que a neve já tinha sido levada pela chuva. A ondulação dos suaves flocos contra o telhado tinha se tornado no mais comum padrão de gotas de chuva. Como é que ele não ouvia a mudança? Parecia-me tão alta.

Quando o tempo de almoço acabou, fiquei no meu lugar. Os humanos formaram fila para sair, e eu apanhei-me a tentar distinguir o som dos passos dela do som do resto, como se houvesse algo importante ou incomum neles. Quão estúpido.

A minha família também não se mexeu para sair. Esperaram para ver o que eu poderia fazer.

Iria para a aula, sentar-me-ia ao lado da rapariga onde eu poderia cheirar o absurdamente potente cheiro do seu sangue e sentir o calor moderado da sua pulsação no ar na minha pele? Era forte o suficiente? Ou já tinha tido o suficiente por um dia?

- Eu… acho que vai ficar tudo bem. – Alice disse, hesitante. – Estás decidido. Eu acho que vais conseguir aguentar durante uma hora.

Mas Alice sabia demasiado bem quão rapidamente uma mente poderia mudar de ideias.

- Porque esforçar, Edward? – Jasper perguntou. Embora ele não se quisesse sentir presunçoso de que eu era o mais fraco agora, eu podia ouvir que ele sentia-se, apenas um pouco. – Vai para casa. Vai devagar.

- Qual é o problema? – Emmett discordou. – Se ele vai ou não matá-la. Pode muito acabar com isto, de qualquer maneira.

- Eu ainda não me quero mudar. – Rosalie queixou-se. – Não quero recomeçar tudo de novo. Estamos quase a acabar o liceu, Emmett. Finalmente.

Eu estava igualmente virado na decisão. Eu queria, queria muito, enfrentar isto do que fugir outra vez. Mas também não me queria esforçar muito. Tinha sido um erro na semana passada para Jasper passar tanto tempo sem caçar, seria isto outro estúpido erro?

Eu não queria desarraigar a minha família. Nenhum deles iria agradecer-me por isso.

Mas eu queria ir para a minha aula de biologia. Apercebi-me de que queria ver a cara dela outra vez.

Foi isso que decidiu por mim. Aquela curiosidade. Eu estava zangado comigo mesmo por senti-la. Eu não me tinha prometido que não deixaria que o silêncio da mente da rapariga me fizesse indevidamente interessado nela? E ainda assim, aqui estava eu, muito indevidamente interessado.

Eu queria saber em que estava ela a pensar. A mente dela estava fechada, mas os seus olhos estavam muito aberto. Talvez pudesse lê-los ao invés.

- Não, Rose, acho que vai ficar mesmo tudo bem. – Disse Alice. – Está a fixar-se. Eu estou 93% certa de que nada de mal vai acontecer se ele for para a aula. – Ela olhou para mim curiosamente, perguntando-se o que teria mudado nos meus pensamentos para fazer a sua visão do futuro mais segura.

Seria a curiosidade suficiente para manter Bella Swan viva?

Emmett estava certo, contudo – porque não acabar com isto de uma vez por todas? Eu enfrentaria a tentação.

- Vão para as aulas. – Ordenei, afastando-me da mesa. Virei-me e afastei-me deles sem olhar para trás. Eu podia ouvir a preocupação de Alice, a censura de Jasper, a aprovação de Emmett e a irritação de Rosalie a rastejar atrás de mim.

Respirei fundo uma última vez à porta da sala de aula, e então segurei-o nos meus pulmões enquanto entrei no pequeno e quente espaço.

Eu não estava atrasado. Mr. Banner ainda estava a preparar as coisas para o trabalho laboratorial de hoje. A rapariga sentava-se à minha – à nossa mesa, a sua cara para baixo outra vez, olhando para a capa em que desenhava. Examinei o esboço enquanto me aproximei, interessado até nesta trivial criação da sua mente, mas não tinha qualquer significado. Apenas um conjunto de voltas e contra-voltas ao acaso. Talvez ela não estivesse concentrada no padrão, mas a pensar noutra coisa?

Afastei a minha cadeira com desnecessária aspereza, deixando-a arrastar pelo linóleo; os humanos sempre se sentiam mais confortáveis quando o barulho anunciava a aproximação de alguém.

Eu sabia que ela tinha ouvido o som; não olhou para cima, mas a sua mão falhou uma volta no desenho que ela desenhava, fazendo-o desequilibrado.

Porque é que ela não olhou para cima? Provavelmente estava assustada. Tinha que ter a certeza de a deixar com uma melhor impressão minha desta vez. Fazê-la pensar que tinha imaginado as coisas antes.

- Olá. – Disse no tom de voz que usava quando queria fazer os humanos confortáveis, formando um sorriso educado nos meus lábios de modo a que não mostrasse nenhum dos meus dentes.

Então, ela olhou para cima, os seus grandes olhos castanhos assustados – quase perplexos – e cheios de perguntas silenciosas. Era a mesma expressão que tinha estado a obstruir-me a visão na última semana.

Enquanto olhava para esses curiosamente profundos olhos castanhos, reparei que o ódio – o ódio que imaginei que esta rapariga merecia por simplesmente existir – tinha se evaporado. Agora sem respirar, sem saborear o seu cheiro, era difícil de acreditar que alguém tão vulnerável pudesse justificar qualquer ódio.

As suas bochechas começaram a corar, e ela não disse nada.

Mantive os meus olhos nos dela, focando-me apenas na sua profundidade questionante, e tentei ignorar a apetecível cor da sua pele. Tinha fôlego suficiente para falar durante mais um bocado sem inspirar.

- Chamo-me Edward Cullen. – Disse, embora soubesse que ela sabia disso. Era o modo educado de começar. – Não tive a oportunidade de me apresentar na semana passada. Deves ser a Bella Swan.

Ela parecia confusa – havia aquela pequena ruga entre os seus olhos outra vez. Levou-lhe meio segundo a mais do que devia para responder.

- Como sabes o meu nome? – Ela perguntou, a sua voz um pouco chocada.

Devo tê-la mesmo aterrorizado. Isto fez-me sentir culpado; ela era tão indefesa. Ri-me gentilmente – era um som que sabia deixar os humanos mais à vontade. Outra vez, cuidados em relação aos meus dentes.

- Oh, penso que todos sabem o teu nome. – Certamente ela tinha reparado que se tinha tornado o centro das atenções neste sítio monótono. – Toda a cidade tem estado a aguardar a tua chegada.

Ela fez uma careta como se esta informação fosse desagradável. Suponho, que sendo tímida como ela parecia ser, atenção parecer-lhe-ia uma coisa má. A maioria dos humanos sentia o oposto. Ainda que não se quisessem sobressair do rebanho, ao mesmo tempo desejavam um foco de luz para a sua individual uniformidade.

- Não. – Disse ela. – O que eu queria perguntar-te era porque motivo me chamaste Bella.

- Preferes Isabella? – Perguntei, perplexo pelo facto de não conseguir ver aonde esta questão me levaria. Não percebia. Certamente, ela tinha feito evidente a sua preferência muitas vezes naquele primeiro dia. Seriam todos os humanos assim incompreensíveis sem o contexto mental como guia?

- Não, gosto de Bella. – Ela respondeu, inclinando a sua cabeça um pouco para o lado. A sua expressão – se eu estava a ler correctamente – estava virada entre embaraço e confusão. – Mas julgo que o Charlie – quero dizer, o meu pai – deve chamar-me Isabella nas minhas costas – parece que é por esse nome que todas as pessoas daqui me conhecem. – A sua pele ficou mais corada.

- Oh. – Disse estropiadamente, e rapidamente desviei o olhar da sua cara.

Tinha-me acabado de aperceber o que as suas questões significavam: tinha escorregado – cometido um erro. Se não tivesse andado a escutar todos os outros naquele primeiro dia, então tê-la-ia inicialmente abordado pelo seu nome completo, como todos os outros. Ela tinha reparado a diferença.

Senti uma agonia de pouco à vontade. Ela foi muito rápida a reparar no meu deslize. Bastante astuta, especialmente para alguém que era suposto estar aterrorizada pela minha proximidade.

Mas eu tinha problemas maiores do que qualquer suspeita sobre mim que ela ainda pudesse manter guardada dentro da sua cabeça.

Eu estava sem ar. Se iria voltar a falar com ela outra vez, teria que inspirar.

Seria difícil evitar falar. Infelizmente para ela, partilhar esta mesa fazia dela minha parceira de laboratório, e nós teríamos que trabalhar juntos hoje. Parecer-me-ia estranho – e incompreensivelmente rude – ignorá-la enquanto fazíamos o trabalho. Isso fazê-la-ia ficar com mais suspeitas, com mais medo…

Afastei-me dela o mais possível sem mexer o meu banco, virando a minha cabeça para o corredor. Apertei-me, prendendo os meus músculos no lugar, e então enchi o peito de ar, respirando apenas pela boca.

Ah!

Era genuinamente doloroso. Mesmo sem a cheirar. Podia saboreá-la na minha língua. A minha garganta inflamou-se outra vez, o desejo tão forte como naquele primeiro momento em que apanhei o seu cheiro na semana passada.

Cerrei os meus dentes e tentei compor-me.

- Comecem! – Ordenou Mr. Banner.

Pareceu-me que levou cada parte do auto-controlo que tinha acumulado nos setenta anos de trabalho árduo para me virar para a rapariga, que olhava para a mesa, e sorrir.

- Primeiro, as senhoras, parceira? – Ofereci.

Ela olhou para a minha expressão e a sua cara ficou pálida, os seus olhos arregalados. Havia algo de errado com a minha expressão? Ela estava assustada outra vez? Ela não falou.

- Ou, se desejares, posso ser eu a começar. – Disse calmamente.

- Não. – Ela disse, e a sua face passou de branca a vermelha outra vez. – Eu começo.

Olhei para o equipamento na mesa, o velho microscópio, a caixa com diapositivos, preferível a observar o sangue circular sob a sua clara pele. Tomei outra rápida golfada de ar, por entre dentes, e retrai-me assim que o sabor fez a minha garganta doer.

- Profase. – Ela disse depois de uma examinação rápida. Ela começou a remover o diapositivo, ainda que ela mal o tenha examinado.

- Importas-te que dê uma olhadela? – Instintivamente – estupidamente, como se eu fosse um da espécie dela – impedi-a de remover o diapositivo. Por um segundo, o calor da pele dela queimou a minha. Era como um impulso eléctrico – certamente mais quente que uns meros 98.6 graus. O calor disparou através da minha mão pelo meu braço acima. Ela retirou a mão bruscamente debaixo da minha.

- Desculpa. – Ouvi-a murmurar.

- Desculpa. – Sussurrei por entre dentes cerrados. Precisando de algum lugar para olhar, agarrei no microscópio e olhei brevemente pela ocular. Ela estava certa.

- Profase. – Concordei.

Continuava muito desconcertado para olhar para ela. Porque me teria ela pedido desculpa quando fui eu que lhe toquei? Respirando tão brevemente quanto possível por entre dentes cerrados e tentando ignorar a sede, concentrei-me no simples trabalho, escrevendo a palavra no lugar apropriado da ficha, e então trocando o primeiro diapositivo pelo próximo.

Em que estava ela a pensar agora? O que teria ela sentido quando lhe toquei na mão? A minha pele deve ter sido gelada – repulsiva. Não admirava que ela estivesse tão calada.

Dei uma olhada ao diapositivo.

- Anafase. – Disse para mim mesmo enquanto o escrevia na segunda linha.

- Posso? – Ela perguntou.

Olhei para ela, surpreendido por ver que ela estava à espera expectante, uma mão meia esticada na direcção do microscópio. Ela não parecia assustada. Será que ela pensava que eu tinha a resposta errada?

Não pude evitar sorrir perante o olhar esperançoso na cara dela enquanto deslizei o microscópio para ela.

Ela olhou para a ocular com uma ansiedade que depressa se desvaneceu. Os cantos da sua boca viraram-se para baixo.

- Passamos ao terceiro diapositivo? – Ela perguntou, não retirando o olhar do microscópio, mas estendendo a sua mão. Depositei o próximo diapositivo na sua mão, não deixando que a minha pele tivesse qualquer contacto com a dela. Sentar-me ao lado dela era como me sentar ao lado de uma lâmpada de calor. Eu podia-me sentir a aquecer levemente com a temperatura elevada.

Ela não se demorou muito com o diapositivo. – Intérfase. – Ela disse indiferentemente – talvez tentando um pouco demais que soasse assim – e empurrou o microscópio para mim. Ela não tocou no papel, mas esperou que eu escrevesse a resposta. Verifiquei – ela estava certa outra vez.

Concluímos desta maneira, falando uma palavra à vez e nunca olhando nos olhos um do outro. Fomos os únicos que acabámos – os outros na turma estavam a ter dificuldades com o trabalho. Mike Newton parecia estar a ter problemas para se concentrar – ele estava a tentar observar a Bella e eu.

Desejava que ele tivesse ficado onde quer que ele tenha ido. Mike pensou, olhando-me maldosamente. Hum, interessante. Não tinha reparado que o rapaz guardava quaisquer maus sentimentos em relação a mim. Isto era um novo desenvolvimento, parecia ser tão recente como a chegada da rapariga. Ainda mais interessante, descobri – para minha surpresa – que o sentimento era recíproco.

Olhei para a rapariga outra vez, perplexo pela vasta fila de estragos e desordem que, tirando a sua comum e inofensiva aparência, ela estava a criar na minha vida.

Não que não conseguisse ver pelo que Mike estava a seguir. Ela, na verdade, era bem bonita… de uma maneira incomum. Melhor que ser linda, a cara dela era interessante. Não propriamente simétrica – o seu estreito queixo desequilibrado com as suas vastas bochechas; o extremo da coloração – o contraste claro e escuro da sua pele com o seu cabelo; e ainda havia os seus olhos, completamente a transbordar com silenciosos segredos…

Olhos que estavam subitamente a incidirem nos meus.

Retribui-lhe o olhar, tentando mesmo adivinhar um daqueles segredos.

- Puseste lentes de contacto? – Ela perguntou abruptamente.

Que pergunta tão estranha. – Não. – Quase sorri com a ideia de melhorar a minha vista.

- Oh. – Ela balbuciou. – Pensei que havia algo diferente nos teus olhos.

Subitamente senti-me mais frio outra vez quando percebi que aparentemente eu não era o único que tentava desvendar segredos hoje.

Estremeci, os meus ombros tremeram, e olhei directamente para a frente onde o professor estava a fazer as suas rondas.

Claro que havia algo de diferente nos meus olhos desde a última vez que ela olhou para eles. Para me preparar para o desafio de hoje, para a tentação, tinha passado o fim-de-semana inteiro a caçar, saciando a minha sede tanto quanto possível, até mesmo exagerando. Tinha-me saciado com o sangue de animais, não que fizesse muita diferença enfrentando o ultrajante sabor que flutuava no ar à volta dela. Da última vez que tinha olhado para ela, os meus olhos tinham estado negros com a sede. Agora, o meu corpo a nadar em sangue, os meus olhos estavam de um caloroso dourado. Âmbar claro com a minha excessiva tentativa de matar a sede.

Outro deslize. Se tivesse visto o que ela queria dizer com a sua pergunta, poderia apenas ter-lhe dito que sim.

Sentava-me ao lado de humanos há já dois anos nesta escola, e ela era a primeira a examinar-me perto o suficiente para reparar na mudança da cor dos meus olhos. Os outros, enquanto admiravam a beleza da minha família, tendiam a olhar para baixo rapidamente quando retribuíamos o olhar. Eles intimidavam-se, bloqueando os detalhes da nossa aparência numa tentativa instintiva para impedir a si próprios de perceber. A ignorância era uma bênção para a mente humana.

Porque haveria de ser esta rapariga que via demasiado?

Mr. Banner aproximou-se da nossa mesa. Gratamente inspirei a golfada de ar limpo que ele trouxe consigo antes que se misturasse com o cheiro dela.

- Então, Edward, - Ele disse olhando para as nossas respostas. – Não achaste que deveria ser dada à Isabella a oportunidade de utilizar o microscópio?

- À Bella, - Corrigi-o instintivamente. – Na verdade, ela identificou três das cinco fases representadas nos diapositivos.

Os pensamentos de Mr. Banner estavam cépticos enquanto ele olhava para a rapariga. – Já realizaste este trabalho laboratorial?

Observei, interessado, enquanto ela sorria, parecendo levemente embaraçada.

- Com raiz de cebola, não.

- Com blástula de coregono? – Mr. Banner sondou.

- Sim.

Isto surpreendeu-o. O trabalho de hoje era algo que ele tinha retirado de um curso mais avançado. Ele acenou pensativamente para a rapariga. - Em Phoenix, estavas integrada num programa de colocação avançada?

- Sim.

Ela era avançada então, inteligente para um humano. Isto não me surpreendeu.

- Bem, - Mr. Banner disse, pressionando os seus lábios. - Suponho que o facto de vocês os dois serem parceiros de laboratório seja proveitoso. – Ele virou-se e afastou-se murmurando. – Para que os outros miúdos tenham a oportunidade de aprender alguma coisa por eles próprios. – Sob a sua respiração. Duvidei que a rapariga pudesse ouvir aquilo. Ela começou a rabiscar voltas sob a sua capa outra vez.

Dois deslizes em meia hora. Uma muito pobre demonstração da minha parte. Contudo eu não fazia ideia do que a rapariga pensava de mim – quão me temia ela, quanto é que ela suspeitava? – Eu sabia que daqui em diante necessitava de fazer um melhor esforço para a deixar com uma nova impressão minha. Algo melhor que apagasse da sua memória o nosso feroz último encontro.

- Foi pena aquilo da neve, não foi? – Disse, repetindo a pequena conversa que já tinha ouvido uma dúzia de alunos ter. Um aborrecido e comum tópico de conversa. O tempo – sempre seguro.

Ela olhou para mim com óbvia dúvida nos seus olhos – uma reacção anormal para as minhas muito normais palavras. – Nem por isso. – Ela disse surpreendendo-me outra vez.

Tentei conduzir a conversa novamente para caminhos menos densos. Ela era de um sítio muito mais luminoso e quente – a sua pele parecia reflectir isso de alguma maneira, pondo de parte a sua descoloração – e o frio deve fazê-la sentir-se desconfortável. O meu toque gelado certamente que fez…

- O frio não te agrada.

- Nem por isso. E o tempo chuvoso também não. – Ela discordou levemente.

- Deve ser difícil para ti viver em Forks. – Talvez não devesses ter vindo para cá, queria adicionar. Talvez devesses voltar para onde pertences.

Ainda que, não estivesse certo se queria isso. Eu iria sempre recordar-me do cheiro do seu sangue – Haveria alguma garantia de que eu não iria eventualmente segui-la? Além de que, se ela se fosse embora, a sua mente seria para sempre um mistério. Um constante e incomodo puzzle.

- Poderia ser mais. – Ela disse em voz baixa, olhando para além de mim por um momento.

As suas respostas nunca eram o que eu esperava. Elas apenas me faziam querer fazer mais perguntas.

- Poderia ser mais? Então porque vieste para cá? – Exigi, reparando instantaneamente que o meu tom era demasiado acusador, não casual o suficiente para a conversa. A pergunta soou rude, rígida.

- É… complicado.

Ela piscou os seus grandes olhos, deixando-o por isso, e eu quase explodi de curiosidade – a curiosidade queimava tanto como a sede na minha garganta. Na verdade, descobri que se estava a tornar levemente mais fácil de respirar; a agonia estava a tornar-se mais tolerável com a familiaridade.

- Acho que consigo acompanhar-te. – Insisti. Talvez a cortesia comum a mantivesse a responder às minhas perguntas enquanto eu fosse rude o suficiente para as perguntar.

Ela olhou silenciosamente para as suas mãos. Isto deixou-me impaciente; queria colocar a minha mão sob o seu queixo e levantar a sua cabeça para que pudesse ler os seus olhos. Mas isso seria uma tolice minha – um perigo – tocar na pele dela outra vez.

Ela olhou subitamente para cima. Era um alívio poder ver as emoções nos seus olhos outra vez. Ela falou apressadamente, tropeçando nas palavras.

- A minha mãe casou pela segunda vez.

Ah, isto era humano o suficiente, fácil de entender. Tristeza passou pelos seus claros olhos e trouxe a ruga entre eles de volta. Em que estaria ela a pensar?

- Não parece ser algo assim tão complexo. – Disse. A minha voz estava gentil sem que tivesse que me esforçar para isso. A sua tristeza tinha deixado em mim um estranho sentimento de impotência, desejando que houvesse algo que eu pudesse fazer para a fazer sentir melhor. Um estranho impulso. Talvez nem tanto, respondeu a voz da minha consciência. - Quando é que isso aconteceu?

- No passado mês de Setembro. – Ela expirou pesadamente – não exactamente um suspiro. Segurei a minha respiração enquanto o seu sopro quente me batia na cara.

- E tu não gostas dele. – Adivinhei, pescando mais informações.

- Não, o Phil é uma boa pessoa. – Ela disse, corrigindo a minha suposição. Agora havia vestígios de um sorriso nos cantos dos seus lábios cheios. – Talvez um pouco jovem de mais, mas é bastante simpático.

Isto não combinava com o cenário que tinha montado na minha cabeça.

- Porque é que não ficaste com eles? – Perguntei, a minha voz um pouco curiosa demais. Soou como se estivesse a ser abelhudo. O que eu estava, admitindo.

- O Phil viaja muito. Ganha a vida a jogar à bola. – O pequeno sorriso tornou-se mais evidente; essa careira divertia-a.

Sorri também, sem querer. Não estava a tentar deixá-la à vontade. O seu sorriso apenas me fez querer sorrir em resposta – participar no segredo.

- Já ouvi falar dele? – Corri pelos roteiros de futebolistas profissionais na minha cabeça, perguntando-me qual seria o Phil dela…

- Provavelmente não. Ele não joga muito bem. – Outro sorriso. - Joga na segunda liga e desloca-se muito.

Os roteiros na minha cabeça mudaram instantaneamente, e tabulei uma lista de possibilidades em menos de um segundo. Ao mesmo tempo, imaginava um novo cenário.

- E a tua mãe mandou-te para cá de modo a poder viajar com ele. – Disse. Fazer suposições parecia extrair-lhe mais informações do que fazer-lhe perguntas. Funcionou outra vez. O seu queixo elevou-se, e a sua expressão ficou repentinamente obstinada.

- Não, ela não me mandou para aqui. – Ela disse, e a sua voz tinha uma nova e rígida margem. A minha suposição tinha a aborrecido, ainda que não visse como. - Vim por vontade própria.

Não consegui adivinhar o que ela queria dizer, ou a fonte por trás do seu melindre. Estava totalmente perdido.

Então desisti. Esta rapariga não fazia sentido. Ela não era como os outros humanos. Talvez o silêncio dos seus pensamentos e o perfume do seu cheiro não fossem as únicas coisas invulgares nela.

- Não compreendo. – Admiti, odiando admitir.

Ela suspirou, e olhou-me nos olhos por mais tempo que a maioria dos humanos aguentaria. Havia algo nela que me dizia que ela tinha um segredo como eu.

- A princípio, ficava comigo, mas sentia saudades dele. – Ela explicou devagar, o seu tom tornando-se mais desamparado a cada palavra. - A separação fazia-a infeliz… logo, decidi que estava na altura de passar algum tempo útil com o Charlie.

A pequena ruga entre os seus olhos aprofundou-se.

- Agora, porém, és tu quem está infeliz. – Murmurei. Parecia que não conseguia parar de dizer as minhas hipóteses em voz alta, esperando aprender com as suas reacções. De qualquer maneira, esta não pareceu ultrapassar a marca.

- E dai? – Ela disse, como se isto nem fosse um aspecto a ser considerado.

Continuei a olhar para os seus olhos, sentindo que finalmente tinha conseguido a minha primeira autêntica espreitadela para a sua alma. Vi naquela pequena palavra onde ela se colocava entre as suas prioridades. Ao contrário dos outros humanos, as suas próprias necessidades estavam muito abaixo na lista.

Ela era altruísta.

Assim que vi isto, o mistério da pessoa escondida dentro desta mente silenciosa começou a atenuar-se.

- Não parece ser justo. – Disse. Encolhi os ombros, tentando parecer casual, tentando conciliar a intensidade da minha curiosidade.

Ela gargalhou, mas não havia divertimento no som. - Nunca ninguém te disse «A vida não é justa.»?

Quis rir-me com as suas palavras, ainda que eu, também, não sentisse verdadeiro divertimento. Eu sabia um pouco sobre a injustiça da vida. - Creio ter ouvido isso algures.

Ela retribuiu-me o olhar, parecendo confusa outra vez. O pequeno V entre os seus olhos, um pequeno lembrete do seu sofrimento, incomodava-me. Queria alisá-lo com o meu dedo. Mas, claro, não podia tocar-lhe. Era inseguro de muitos modos.

- Disfarças bem – disse lentamente, ainda a considerar as hipóteses. – Mas estaria disposto a apostar que estás a sofrer mais do que demonstras a todos.

Ela fez uma careta, os seus olhos estreitando-se e a sua boca fazendo um trejeito mal-humorado, e ela olhou para a frente da sala. Ela não gostava quando eu adivinhava. Ela não era o comum mártir – ela não queria espectadores para a sua dor.

- Estou enganado?

Ela estremeceu levemente, mas doutro modo fingiu não ouvir-me.

Isso fez-me sorrir. - Bem me pareceu que não.

- Porque é que te interessa? – Ela exigiu, ainda sem olhar para mim.

- Essa é uma excelente pergunta. – Admiti, mais para mim do que para lhe responder.

O seu discernimento era melhor que o meu – ela via o cerne das coisas enquanto que eu andava pelas bordas, andando cegamente por pistas. Os detalhes da sua muito humana vida não me deviam importar. Era errado eu importar-me com o que ela pensava. Para além de proteger a minha família de suspeitas, os pensamentos humanos não eram significantes.

Não estava habituado a ser o menos intuitivo de algum par. Dependia imenso da minha audição extra – claramente não era tão perceptivo como me gabava ser.

A rapariga suspirou e olhou irritada para a frente da sala. Algo na sua expressão frustrada era engraçada. Toda a situação, toda a conversa era engraçada. Nunca ninguém tinha estado em tanto perigo por minha causa como esta pequena rapariga – a qualquer momento, eu poderia distrair-me das minhas ridículas especulações na conversa, inspirar através do meu nariz e atacá-la antes que me conseguisse impedir – e ela estava irritada porque eu não tinha respondido à sua pergunta.

- Estou a aborrecer-te? – Perguntei, sorrindo para o absurdo disto tudo.

Ela lançou-me um olhar rápido, e então os seus olhos pareceram ficar presos pelo meu olhar.

- Não propriamente. – Ela disse-me. - Estou mais aborrecida comigo mesma. Sou tão transparente… a minha mãe chama-me sempre o seu livro aberto.

Ela franziu as sobrancelhas, desgostosa.

Olhei para ela fascinado. A razão pela qual ela estava aborrecida era porque ela pensava que eu via através dela demasiado facilmente. Quão bizarro. Nunca depositei tanto esforço para entender alguém em toda a minha vida – ou melhor, existência, como vida era dificilmente a palavra certa. Eu não tinha verdadeiramente uma vida.

- Pelo contrário; - Discordei, sentindo-me estranhamente… alarmado, como se houvesse aqui algum perigo escondido que eu estava a falhar ao ver. Eu estava subitamente no limite, a premonição a fazer-me ansioso. – Considero-te muito opaca.

- Então, deves ser um bom avaliador de carácter. – Ela adivinhou, fazendo as suas próprias especulações que estavam, outra vez, certas.

- Normalmente. – Concordei.

Sorri-lhe abertamente, deixando os meus lábios exporem a fileira de brancos e afiados dentes.

Era uma coisa estúpida de se fazer, mas eu estava abruptamente e inexplicavelmente desesperado para lhe passar algum tipo de aviso. O seu corpo estava mais próximo de mim que antes, tendo mudado de posição inconscientemente no decorrer da nossa conversa. Todas as pequenas marcas e sinais que seriam suficientes para assustar o resto da humanidade pareciam não ter efeito nela. Porque é que ela não se afastou de mim com horror? Certamente que ela já tinha visto bastante do meu lado negro para perceber o perigo, intuitiva como ela parecia ser.

Não pude ver se o meu aviso tinha tido o efeito desejado. Mr. Banner chamou então a atenção da turma, e ela afastou-se de mim de vez. Ela parecia um pouco aliviada pela interrupção, então talvez ela tinha percebido inconscientemente.

Eu esperava que sim.

Reconheci a fascinação a crescer em mim, mesmo que tentasse ignorá-la. Eu não podia proporcionar não achar Bella Swan interessante. Ou melhor, ela não podia proporcionar isso. Agora, estava ansioso por outra oportunidade de falar com ela. Queria saber mais sobre a sua mãe, a sua vida antes de ela ter vindo para aqui, a sua relação com o pai. Todos os detalhes insignificantes que pudessem desvendar mais o seu carácter. Mas cada segundo que passava com ela era um erro, um risco que ela não devia ser obrigada a tomar.

Distraidamente, ela atirou o seu espesso cabelo no exacto momento em que eu me tinha permitido inspirar. Uma particularmente concentrada onda do seu cheiro bateu no fundo da minha garganta.

Era como o primeiro dia – como a bala. A dor do seco ardor fez-me sentir tonto. Tive que me agarrar à mesa para me manter no assento. Desta vez tive um pouco de mais controlo. Pelo menos, não parti nada. O monstro rosnou dentro de mim, mas não teve nenhum prazer na minha dor. Ele estava bem preso. Por agora.

Parei de respirar ao mesmo tempo que me afastei o máximo possível da rapariga.

Isso mesmo, Edward… Protege-a. Murmurou a minha consciência.

Não, eu não me podia permitir achá-la fascinante. Quanto mais interessante a achasse, mais provável seria matá-la. Já tinha feito dois pequenos deslizes hoje. Poderia fazer um terceiro, um que não fosse pequeno?

Assim que a campainha tocou, voei através da sala – provavelmente destruindo quaisquer impressões de educação que já tivesse começado a construir no decorrer da hora. Outra vez, respirei com dificuldade em contacto com o limpo e húmido ar da rua como se fosse um perfume curativo. Apressei-me a colocar tanta distância entre mim e a rapariga quanto possível.

Emmett esperava-me do lado de fora da porta da nossa aula de Espanhol. Ele leu a minha expressão brava por um momento.

Como correu? Ele perguntou alarmadamente.

- Ninguém morreu. – Resmunguei.

Julgo que isso seja alguma coisa. Quando vi a Alice distraída ali atrás, pensei que…

Enquanto entrámos na sala, vi a sua memória de há uns momentos atrás, vendo através da porta aberta da sua última aula: Alice andando agilmente e com uma expressão desligada através dos pátios até ao edifício cientifico. Senti a sua ânsia de se levantar e juntar-se a ela, e então a sua decisão de ficar. Se Alice precisasse da sua ajuda, ela pediria…

Fechei os meus olhos com horror e desgosto assim que me enterrei no meu lugar. – Não tinha percebido que estava tão perto. Não pensei que fosse… Não vi que era assim tão mau. – Murmurei.

Não era, ele assegurou-me. Ninguém morreu, certo?

- Certo. – Disse por entre dentes. – Desta vez.

Talvez se torne mais fácil.

- Claro.

Ou, talvez a mates. Ele encolheu-se. Não serias o primeiro a fazer asneira. Ninguém te iria julgar demasiado duramente. Às vezes uma pessoa apenas cheira demasiado bem. Estou impressionado que estejas a durar tanto.

- Não estás a ajudar, Emmett.

Estava revoltado pela sua aceitação da ideia que eu poderia matar a rapariga, que isto era de alguma maneira inevitável. Seria culpa dela cheirar tão bem?

Eu sei quando me aconteceu…, ele relembrou-se, levando-me meio século atrás consigo.

Ele relembrava-se da mulher com um cheiro maravilhoso, naquele campo ao entardecer. Não havia nada que pudesse marcar aquela tarde na memória se uma brisa não tivesse levado o cheiro da mulher ao encontro do meu irmão.

- Ah. – Gemi calmamente. Como se a minha própria relembrada sede não fosse suficiente.

Eu sei. Não durei meio segundo. Nem sequer pensei em resistir.

A sua memória tornou-se demasiado explícita para eu suportar.

Pus-me de pé num salto, os meus dentes suficientemente apertados para cortar através de aço.

- Esta bien, Edward? – Senora Goff perguntou, assustada pelo meu movimento súbito. Podia ver a minha cara na sua mente, e eu sabia que parecia estar muito longe de bem.

- Me perdona. – Murmurei, saindo pela porta.

- Emmett – por favor, puedas tu ayuda a tu hermano? – Ela perguntou, gesticulando impotentemente para mim enquanto me apressava para fora da sala.

- Claro. – Ouvi-o dizer. E então ele estava mesmo ao meu lado.

Ele seguiu-me para o lado mais afastado do edifício, onde ele conseguiu apanhar-me e pôs a mão no meu ombro.

Afastei a mão dele com desnecessária força. Teria quebrado os ossos numa mão humana, e os ossos do braço em conjunto.

- Desculpa, Edward.

- Eu sei. – Respondi ofegando, tentando limpar a minha cabeça e os meus pulmões.

- É assim tão mau? – Ele perguntou, tentando não pensar no cheiro e no sabor da sua memória enquanto perguntava, e sem ter muito sucesso.

- Pior, Emmett, pior.

Ele ficou calado por um momento.

Talvez…

- Não, não será melhor se eu acabar com isto. Volta para a aula, Emmett. Eu quero ficar sozinho.

Ele virou-se sem mais uma palavra ou pensamento e afastou-se rapidamente. Ele poderia dizer à professora de Espanhol que eu estava doente ou a baldar-me ou um vampiro perigosamente fora de controlo. A sua desculpa importava realmente? Talvez eu não fosse voltar. Talvez tivesse que partir.

Fui para o meu carro outra vez, para esperar que a escola acabasse. Para me esconder. Outra vez.

Eu devia ter gasto tempo a fazer decisões ou a tentar auxiliar a minha solução, mas, como um viciado, dei por mim a procurar pelo murmúrio de pensamentos que emanavam dos prédios da escola. As familiares vozes sobressaíam-se, mas eu não estava interessado em ouvir as visões da Alice ou as lamúrias da Rosalie neste momento. Encontrei Jessica facilmente, mas a rapariga não estava com ela, então continuei à procura. Os pensamentos de Mike Newton apanharam a minha atenção, e finalmente localizei-a, no ginásio com ele. Ele estava descontente, porque eu tinha falado com ela hoje em biologia. Ele estava a ouvir a resposta dela quando trouxe o assunto ao de cima…

Nunca o tinha visto a falar realmente com alguém para além de uma palavra ou outra. Claro que ele iria decidir achar a Bella interessante. Não gosto do modo como ele olha para ela. Mas ela não parece estar muito entusiasmada por ele. O que é que ela disse? “Pergunto-me o que teria ele na passada segunda-feira.” Ou algo do género. Ela não parecia que ela se importava. Não poderia ser assim uma grande conversa…

Ele deixou-se do seu pessimismo assim, animado pela ideia de que Bella não estivesse estado interessada na sua conversa comigo. Isto irritava-me um pouco mais do que o aceitável, então parei de o ouvir.

Pus um CD de música violenta no rádio, e aumentei o volume até que silenciasse as outras vozes. Tinha que me concentrar muito na música para me impedir de voltar aos pensamentos de Mike Newton, para espiar a insuspeita rapariga…

Fiz batota algumas vezes, enquanto a hora se aproximava do fim. Não estava a espiar, tentei convencer-me. Estava apenas a preparar-me. Queria saber exactamente quando é que ela ia sair do ginásio, quando ela estaria no parque de estacionamento. Não queria que ela me apanhasse desprevenido.

Enquanto os estudantes começaram a sair do ginásio, sai do meu carro, sem saber porque o fiz. A chuva estava miúda – ignorei-a enquanto molhava lentamente o meu cabelo.

Eu queria que ela me visse? Esperava que ela viesse falar comigo? O que estava eu a fazer?

Não me mexi, ainda que tentasse convencer-me a voltar para dentro do carro, sabendo que o meu comportamento era repreensível. Mantive os meus braços cruzados sobre o peito e respirei lentamente enquanto a observei andar lentamente na minha direcção, os cantos da sua boca virando-se para baixo. Ela não olhou para mim. Olhou algumas vezes para as nuvens com uma careta como se elas a tivessem ofendido.

Fiquei desapontado quando ela alcançou o seu carro antes de ter passado por mim. Teria ela me falado? Teria eu falado com ela?

Ela entrou numa Chevy de um vermelho desbotado, um veiculo que era mais velho que o pai dela. Observei-a ligar a carrinha – o velho motor roncou mais alto que qualquer outro veiculo no estacionamento – e esticou as suas mãos para o ar condicionado. O frio era desconfortável para ela – ela não gostava disso. Ela penteou os seus espessos cabelos com os dedos, puxando madeixas para a corrente de ar quente como se tentasse secá-las. Imaginei como deveria cheirar a cabina da carrinha, e depressa me desliguei desse pensamento.

Ela olhou à sua volta enquanto se preparava para sair, e finalmente olhou na minha direcção. Ela retribuiu-me o olhar por apenas meio segundo, e tudo o que pude ler nos seus olhos foi surpresa antes de ela desviar o olhar e começar a fazer marcha-atrás. E então fez uma paragem outra vez, a traseira da carrinha falhando uma colisão com o compacto de Erin Teague por poucos centímetros.

Ela olhou para o seu espelho retrovisor, a sua boca aberta com pesar. Quando o outro carro passou por ela, ela verificou todos os seus pontos cegos duas vezes e então saiu do estacionamento tão cuidadosamente que isso me fez sorrir. Era como se ela pensasse que era perigosa na sua decrépita carrinha.

O pensamento de Bella Swan ser perigosa para alguém, não importava o que ela estava a conduzir, fez-me rir enquanto ela passou por mim a conduzir, olhando sempre em frente.


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