Um Coringa na festa das Cartas escrita por V M Gonsalez


Capítulo 6
Monstros na Floresta


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que se escondem de si mesmos...



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Uma pessoa caminhava pela floresta.

Era noite, uma noite escura e levemente quente, a Lua brilhava no alto do céu, encoberta pelas árvores altas e arrogantes da floresta; a Lua não ligava, ela não queria ver a pessoa.

A pessoa andava num passo vagaroso, não sabia para onde ir, mas até ai, quem sabe para onde vai afinal? Ela apenas via as pedras a sua frente e caminhava, ouvindo o quebrar das folhas a seus pés, o calor do ar na sua pele, sua cabeça leve a sonhar. A pessoa fugia. Mas fugia do que? Das contas, ela disse a um estranho que encontrou na rua; do tempo, disse a sua tão amada ou não família; da pressão, disse a seus amigos; não sei, disse a ela mesma. A pessoa fugia.

Na escuridão da floresta, escondidos e devorando aquilo que sobrava da vida ao seu redor, haviam monstros. Não me julgue preconceituoso por classificar todos os monstros como ‘monstros’, pois apesar de suas inúmeras diferenças particulares eles ainda eram a mesma espécie: eram criações das fantasias reprimidas dos humanos. Eles tinham formas estranhas, tão estranhas quanto são os humanos. Eram criaturas doces e nervosas, belas e feiosas, todo o tipo de diversidade que se possa imaginar. Elas viviam na floresta obscura, rondando e espreitando, jamais caçando, apenas devorando o que sobrava dos animais que se alimentavam, frutas, carcaças, raízes meio comidas, tudo o que sobrasse lhes cairia bem. Seus humanos, criaturas tão vis, as alimentavam com medo, raiva, ódio, desprezo, insegurança, rancor, má juízo de si e dos outros (esse era o alimento favorito dos nossos pequenos amigos) e uma tal de auto-estima, seja lá o que isso for. Os monstros eram criaturas tão estranhas quanto seus humanos.

Dizia uma lenda de um velho sábio (que provavelmente inventou isso) que todos os humanos, em algum momento da vida devem encontrar seus monstros e olhá-los nos olhos, exigindo alguma explicação pelo estado deplorável de suas vidas miseráveis (como se os monstros pudessem ajudar em alguma coisa, mas... humanos, não é? Acho que é coisa da espécie). Vamos presenciar esse momento de uma intimidade excessiva, porque eu estou com vontade de relatar e, se leu até aqui, acredito que esteja com vontade de ler.

A pessoa continuava caminhando pela floresta para cumprir seu profético destino, muito embora não soubesse disso, até que seu caminho aleatório foi interrompido por uma tartaruga. Essa tartaruga devia ter um metro e meio de altura, ficava sobre dois pés, tinha uma cabeça ligeiramente maior do que deveria, onde exibia simpáticos cabelos ruivos e um sorriso de medo, estava nervosa, era seu primeiro encontro com seu humano. Ela trazia um rato morto em uma das patas, pretendia dar para o humano como um presente da suas boas intenções. A pessoa, como todo bom humano, mal educadamente gritou e correu diante da aparição do monstro (como se os monstros fossem os monstros da história). Como não tinha para onde correr, afinal estava perdida na floresta, a pessoa se virou para o monstro, que havia largado o rato e exibia uma expressão de choro.

— Quem é você? - a pessoa estava com medo e com raiva

— Eu sou você, aqui nessa floresta

— Impossível, eu sou eu nessa floresta!

— Nós somos você, aqui nessa floresta. Você é quem você é, quem já foi e quem será. Mas, especialmente, você é quem esconde ser. Eu sou o medo que você tem da solidão, eu sou a raiva que você tem das segundas, eu sou o escuro que se esconde quando você deseja brilhar, eu sou o verme que devora a carne pobre das escolhas que você fez, eu sou aquele que bebe suas lágrimas quando chora de vergonha de si mesma, eu sou a faca que corta fundo na sua alma a cada palavra auto-depreciativa que você enuncia num quarto escuro. Eu sou aquilo que você quer esconder nessa floresta, de todos, menos de você.

A pessoa se ajoelhou e chorou e chorou, então abraçou o monstro.


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Notas finais do capítulo

... e querem se encontrar.



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