Elementar escrita por LunaLótus


Capítulo 28
Destino certo


Notas iniciais do capítulo

"A magia, seja ela qual for, mesmo a dos livros, diz ela para si mesma, é algo muito complexo para meros mortais. Nós a sentimos, mas não podemos descrevê-la. Porque o nosso próprio interior é mágico, e assim como qualquer objeto que vibra em ressonância quando encontra outro com sua mesma frequência, nosso coração vibra quando encontra magia igual ou maior."



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Não adianta tentar impedi-la. Thaís está determinada em salvar Renato. E, caso não consiga, prefere a morte à vê-lo sofrer. Ela caminha para o leste, ainda sem rumo, sem saber ao certo onde está. Saíra da Bélgica, mas não faz a mínima ideia de em que parte do globo terrestre aquele maldito avião caiu. Quando ela se distancia uns dez metros, uma voz a chama:

— Espera! – É Felipe. – Eu vou com você.

— O quê?! Você não vai, não.

— Ah, eu vou, com certeza.

— É perigoso.

Felipe bufa.

— Perigo. Grande coisa.

— Você pode morrer, Panches.

— Isso vale para você também.

Ela dá as costas e retorna a caminhada. Ele a acompanha.

— Não vou levá-lo comigo – ela diz.

— Ótimo, eu a sigo.

— Pare com isso! – Thaís levanta as mãos para o céu, exasperada. – Você vai morrer! Não quero carregar a culpa de uma morte!

— E como tem tanta certeza de que vou morrer? Não coloque as páginas antes da capa.

Thaís revira os olhos. Não adianta discutir com Panches. Quando ele fala “não”, é não. E quando ele diz “vou segui-la”, é “não importa se você quer ou não.” Ela para e se vira para ele.

— Ok, mas teremos regras. Primeiro, – ela olha em volta. O avião caiu em um descampado, e a única paisagem é uma enorme linha de ferro, árvores dispostas regularmente e várias postes de iluminação – você vai fazer tudo o que eu disser. Quando eu disser corra, você corre. Abaixe-se, você abaixa. Fuja...

— Nem pensar! Não! – Ele a interrompe, balançando veementemente a cabeça.

— Então você não vai. – Ela cruza os braços.

Ele a encara por alguns segundos, até que solta o ar e responde:

— Ok... Se você disser fuja, eu fujo.

— Ótimo. Tudo bem. – Thaís olha para o próprio pulso. – São 15:00. Como o tempo passou tão rápido? Tudo bem, esqueça. Afinal... Onde nós estamos?

— Alemanha – responde ele, olhando para o próprio pulso.

— Nós estamos na Alemanha? – Ela se espanta.

— Sim.

— Onde exatamente?

Felipe olha novamente o seu pulso, onde fica seu próprio telecomunicador. Thaís percebe que é diferente do dela. Há algo a mais. Ele repara que ela o observa.

— A Tearfoagen dá uma melhorada nos nossos aparelhos. Para evitar de serem rastreados ou algo assim.

— Bom, parece muito mais evoluído do que o meu.

— Ei, mas não é justo se, além desses poderes incríveis, você também tivesse aparelhos superlegais, não é?

Thaís sorri e balança a cabeça.

— Ok – diz ele. – Estamos a mais ou menos dez quilômetros de Amsterdã.

— Você tem alguma ideia de como iremos para lá? Ou onde está o local em que constroem esses androides?

— Possivelmente, a fábrica fica no maior prédio. O que sei é que o mentor disso tudo é um louco, completamente louco mesmo. Parece que é o filho dele que mantém a ordem por lá.

Alexandre, Thaís pensa. Como ela conseguiu se esquecer dele? Será que ele está vivo? Será que continua lá, trabalhando com o pai?

— Filho? – Ela se faz de desentendida. – O filho do cara?

— Sim. Tivemos informações de que, recentemente, três agentes de lá tiveram grandes problemas com ele. Desapareceram.

Claro. Por que não? Alexandre é filho de um cara completamente louco que quer colocar os humanos como seus súditos, utilizando milhões de androides como seu exército particular. Certo. Não duvido que esses tais agentes estejam mortos, ela pensa. Thaís quase sente pena deles. Quase.

— Você sabe o nome dele? – ela pergunta.

— Do filho?

— Não. Do cara louco.

— Rodrigo. Doutor Rodrigo Sier.

— Doutor Sier...

Felipe olha para ela de esguelha.

— Por que essa curiosidade? O que você planeja?

— Nada. Apenas quero dar um chute no traseiro dele, antes de sair de lá.

— Você não...

— Ah, eu vou. Eu vou, com certeza. – Ela dá um sorriso malicioso.

Thaís começa a andar, puxando Felipe pelo braço.

— Como vamos para Amsterdã? – pergunta a jovem.

Felipe mexe novamente no seu telecomunicador.

— Já está chegando – diz ele, olhando para a estrada. – Você não vai dar um chute no traseiro do cara, não é?

Thaís ignora a pergunta.

— Então é isso – diz ela. – Nós temos cerca de cinquenta e sete horas para descobrir onde fica a fábrica, achar Renato e a Elementar da Água e sairmos de lá com vida. Algum plano?

Felipe ri e balança a cabeça. Nesse momento, surge ao longe uma mancha preta vindo em direção a eles. Ele não responde até que o enorme veículo para em sua frente.

— No momento, tudo o que precisamos é de mantimentos e de um mapa do local. E eu já sei onde achar isso tudo.

Eles entram no carro e Felipe dá a partida, saindo em alta velocidade.

 

As árvores passam rápido. Árvores.  Se é que se pode chamá-las assim. Projetos de plantas mutantes que, muitas vezes, são somente mais um pretexto e uma arma de vigilância. Ou pode até ser somente para gerar uma paisagem. A busca pela perfeição.

Thaís está desconfortável no carro. Um deslizador que anda numa velocidade de duzentos quilômetros por hora e o passageiro não sente nenhum tranco. Ela quase fica com raiva. Por que as pessoas tinham que ser tão estúpidas? Encosta a cabeça na janela.

Felipe está completamente focado no caminho. Não vai demorar muito para chegar, a essa velocidade. Em poucos minutos, na verdade. O controle de navegação já indica o que antes era a entrada da cidade. Thaís suspira.

— Onde eu moro... morava... não era assim. Quer dizer, era mais... natural, sabe? – diz ela.

— Não. Não sei como é. Nasci em Bruxelas.

— Bom, é claro que a obsessão doentia por tecnologia existe lá também. Mas as pessoas não se esqueceram uma das outras, entende? Elas ainda têm o contato. Hoje em dia, tudo é feito com esses aparelhos. Até mesmo para se comunicar com as outras pessoas. Como é que o mundo se transformou nisso? Viramos escravos das máquinas.

— Entendo você. Quando eu era criança, queria construir um ciborgue para mim. Vi num filme antigo chamado O Homem de Ferro. O cara era super inteligente e construiu uma armadura, mas a usou para salvar vidas, e não para destruí-las.

Thaís não responde. Essa deveria ser a função da tecnologia, não é? Ajudar as pessoas, melhorar a vida delas, torná-la mais ágil. Deveria chegar à perfeição. E de tão perfeita, tornou-nos dependentes.

— Quando será que isso tudo começou...? – ela pergunta, mais para si mesma do que esperando uma resposta.

— As pessoas são um pouco ingênuas. Para eles, tudo aquilo que está além da sua capacidade de compreensão não é importante. E quando eles colocam uma coisa na cabeça, não pensam no que pode acontecer, nas consequências de talvez algumas centenas de anos mais tarde. Rodrigo Sier é fruto do meio em que cresceu.

— Não entendi.

— O doutor Sier é descendente de um outro Rodrigo. A família dele veio do antigo Brasil. O primeiro Rodrigo era um homem muito inteligente e perspicaz.  A família se dedicou a ampliação do uso tecnológico como forma de ajudar as pessoas. O nosso Rodrigo Sier, no entanto, viu nela uma forma de dominação. – Ele faz uma pausa e franze a testa. – Acho que os pais dele o deixaram ler muitas histórias em quadrinhos.

Thaís franze a testa e sorri. Ela se lembra do pai e da sua biblioteca de relíquias. Ali, uma vez, ela vira as tais histórias em quadrinhos e se divertira com elas. Os exemplares estavam gastos, mas ela conseguira ler. Mas lembra-se também que os vilões tinham sempre um final engraçado ou trágico.

— Será que o final de doutor Sier será como o dessas histórias? – pergunta ela.

Felipe olha para ela sério e responde:

— Aquelas histórias não traziam nada de sobrenatural, como o que estamos vivendo.

Thaís não fala mais nada, apenas olha para ele. Felipe se volta para frente, os olhos fixos à estrada. A jovem se ajeita e volta sua atenção para o caminho, quando pode ver os imensos prédios erguendo-se a sua frente. Ela fica boquiaberta.

— É imenso! Como vamos encontrar a fábrica aqui?

— Fácil – ele diz, dando de ombros. – Está no centro da cidade. Exatamente no marco zero.

— Como você...? – ela começa, mas ele a olha, indicando o pulso. – Ah, ok. Vamos diretamente para lá. Certo? – A expectativa transbordava em seus olhos. Felipe serpenteava pelas avenidas, subindo, descendo e ultrapassando outros deslizadores.

— Errado. Primeiro vamos garantir que teremos certeza do que fazemos. Vamos estudar tudo e, depois, a ação.

Thaís cruza os braços e fecha a cara.

— Você é muito chato, sabia?

Panches ri e dá de ombros.

— Chato não. Precavido. Detalhista. Obsessivo. Teimoso. Maluco...

— Ok! Já entendi! – Ela levanta os braços em sinal de rendição.

Os dois riem e ela pergunta:

— Para onde vamos?

— A Tearfoagen tem sedes camufladas em todo mundo. Vamos para uma delas.

— Mas então por que eu precisei viajar até a Bélgica para ir lá?

— Você não precisava.

— Ah, legal – ela ironiza.

Felipe vira mais uma esquina e o carro para silenciosamente em frente a uma loja de antigos artigos orientais. Parece abandonada, e a rua está completamente silenciosa, apesar de se encontrar no centro da cidade. Thaís repara nisso e pergunta sobre esse detalhe enquanto abre a porta.

— Os filhos Magis deram um jeito nisso – respondi Panches.

Magis é mais um clã?

— Então você sabe sobre os clãs? Bem, é. Mas depois falaremos sobre isso. Agora vamos entrar.

Os dois entram lado a lado, empurrando uma porta desgastada pelo tempo. Thaís repara que tudo ali parece muito antiquado, objetos de mais de duzentos anos. A lojinha nada mais é que um imenso corredor meio apertado, com estantes entulhadas de bugigangas ladeando as paredes. Felipe olha para seu telecomunicador e se encaminha para frente, indo em direção de um balcão. Thaís o segue. Ele para e cutuca alguma coisa que aparentemente está escondido ali atrás. Quando Thaís se aproxima, nota que é um homem muito sonolento.

— Olá, o que querem? – pergunta ele.

Thaís se assusta. A voz dele tem um tom misterioso, como se ele pudesse fazer você acreditar em qualquer coisa, iludi-lo de qualquer forma. Seus olhos negros têm uma profundidade arrebatadora, o rosto sério e angulado, e os cabelos meio longos caindo numa combinação secreta que fazia você sentir arrepios só de olhá-lo. Parecia ter uns trinta anos. A jovem se encolhe atrás de Felipe quando ele vira-se bruscamente para ela.

Magis, lavse lihfo ad Gaima— diz Felipe. – Osu lihfo ed Estus

Thaís olha para Felipe.

— O que é isso? – pergunta ela.

— Cale-se – ele ordena, e continua falando com o homem.

O homem assente e sorri.

— Bem vindos, sigam-me.

O homem sai de trás do balcão e Thaís então nota que ele não é tão alto assim. Estivera sentado e, portanto, sua altura não poderia ser bem observada. Agora ele caminha cautelosamente até uma das estantes, retira uma boneca estranha de formato oval, revelando um painel a sensor.

— Qual o seu nome? – Thaís pergunta. A sua curiosidade fora mais forte do que seu medo.

— Chamo-me Miguel – diz o homem, e sorri. – E você é...?

— Thaís. – Ela solta o ar devagar. Pelo menos ele é simpático. – Magis... Significa alguma coisa?

O homem olha para Felipe, sorrindo.

— Ela sabe...? – pergunta.

— Sabe. É uma filha de Tiraf— revela.

— Uma filha de Tiraf! Minha nossa! – Miguel agora gargalha, enquanto digita rapidamente uma combinação louca naquele pequeno painel. Thaís tenta analisar o que ele está fazendo, quando percebe que ele não está digitando nada. Ele está fazendo nascer símbolos da sua mão. Como...

— Magia... – ela comenta. – Existia uma deusa da magia, não é? Qual era o nome dela...?

— Ah sim! – Miguel afirma vigorosamente com a cabeça. – Então você descobriu. Bem, sim, sou um filho da Magia e da Noite. Magis. O nome da deusa era Hécate.

— Era?

— Bom, evidentemente esses deuses não existem mais, não é? Senão não estaríamos aqui.

— Não entendi.

Miguel sorri, mas não responde. O painel faz um clique engraçado e finalmente uma porta é revelada. As estantes são empurradas para os lados, deixando a passagem para duas pessoas poderem percorrê-la lado a lado.

— Vamos? – convida.

Miguel vai à frente, seguido por Thaís e depois Felipe. Normalmente ela não gosta de ter ninguém às suas costas, mas Felipe é um cara que irradia confiança. Assim eles seguem pela passarela.

O corredor é imenso e sem graça, traz uma atmosfera de seriedade. As paredes são de um branco acinzentado, com luzes fluorescentes a cada cinco metros. A claridade é tão forte que quase os cega. O piso faz o som dos passos ecoarem até se perderem. A única vantagem é que só possui uma direção, e assim não tem como se perderem. As paredes parecem estar quase caindo, com várias fissuras. Thaís olha mais atentamente para elas, preocupando-se, quando percebe que as fissuras na verdade não são fissuras, mas sim símbolos de magia.

— O que essas coisas querem dizer? – pergunta.

Miguel olha que ela está apontando para um dos símbolos da parede, e dá de ombros.

— Esta é uma boa pergunta. Não sabemos. Está sempre surgindo um novo.

Thaís desiste de tentar entender qualquer coisa daquele lugar. A magia, seja ela qual for, mesmo a dos livros, diz ela para si mesma, é algo muito complexo para meros mortais. Nós a sentimos, mas não podemos descrevê-la. Porque o nosso próprio interior é mágico, e assim como qualquer objeto que vibra em ressonância quando encontra outro com sua mesma frequência, nosso coração vibra quando encontra magia igual ou maior.

Não demora muito para que eles cheguem a um saguão, com exatamente três portas. Alguns homens e mulheres vestindo exatamente a mesma coisa – uma grande capa preta, com um capuz atrás – passam carregando projeções, telecomunicadores ou comida. Thaís olha para cima, porque de repente ela se sente exposta. Não há teto. Ela pode ver o céu lá fora.

— Como...? – ela aponta.

— Este lugar cresce sozinho. Nós só damos algumas melhoradas – diz Miguel, dando de ombros. – Realmente não há teto.

— E quando chove?

— Não chove. Somos Magis, lembra? – Ele dá uma piscadela e então vira-se para Felipe. – E então, o que vão querer?

— Temos que entrar na sede do doutor Sier.

— Na sede? Vocês enlouqueceram?! – Miguel se espanta e para abruptamente.

— Precisamos de um mapa de lá – diz Panches, dando de ombros.

— Mas o que vocês vão fazer lá? Procurar a morte?

— Meu namorado foi preso – responde Thaís. Miguel abre a boca, certamente para protestar, mas Thaís continua. – E a Elementar da Água também.

— A Elementar da...? Mas como ela se deixou ser capturada? – indaga ele. Está completamente incrédulo.

— Não sei. Mas o que sei é que ela é esperta. Não faria nada que não estivesse em seus planos.

— Você está insinuando que ela se deixou ser presa? – questiona Felipe, estreitando os olhos.

— Estou dizendo que ela é esperta. E que, provavelmente, existe algo por trás disto tudo.

— Tudo bem – Miguel se rende, arriando os ombros. – Vamos, é por ali. – Aponta uma porta logo à direita deles. – Ali tem uma projeção da sede, com todas as suas entradas.


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Notas finais do capítulo

¹Magis, salve, filho da Magia. Sou filho de Estus.

GENTE, DESCULPEM, EU ATRASEI DEMAIS! Mas tenho explicações. Bom, ontem, dia 9, foi o aniversário da minha filha e amanhã, dia 11, será a festa, então está a maior correria por aqui!
Eu devo desculpa a Marys, porque a prometi um capítulo de aniversário, que foi dia 1. Deem parabéns a ela, pessoal! Marys, aqui está seu capítulo! Atrasado, mas chegou, perdão 3
E agora algumas atualizações:
(1) Eu estou postando uma nova original. O nome dela é "Espelho, espelho meu, o meu amor é teu?". Se não estiverem fazendo nada e quiserem dar uma olhada, fiquem à vontade :3
(2) Elementar é um livro que já estava escrito, grande parte. Estamos chegando a parte final, dos prontos, então se eu demorar muito a postar, me perdoem, mas é porque devo voltar a escrevê-la, e esta história me custa uma energia enorme!
(3) Agradeço a todas as pessoas lindas e maravilhosas que continuam acompanhando, comentando ♥ Vocês são incríveis!
E, finalmente, (4) gostaram do capítulo? Admito que estou adorando reler, enquanto posto para vocês!
Nos vemos em breve, ok? Beijos da Luna.



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