Separated by time, united by the creed escrita por TDCAUGirl


Capítulo 12
"Hello, World!"


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem tá viva! Será que ainda tem alguém aqui? kkkkkkk
Bom... Primeiramente peço desculpas pela demora excessiva. Muita coisa aconteceu e por pouco eu quase abandonei a fic, mas tenho muito carinhos pelos meus leitores que me acompanham e também por essa franquia maravilhosa que é AC, e ambos me motivaram a continuar.

B.Os esclarecidos, vamos ao capítulo. E se prepara que esse promete! rs


Boa leitura!



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Quando o beijo teve fim, desfizemos o abraço devagar, ainda permanecendo bem próximos um do outro, próximos o bastante para que eu pudesse sentir a respiração ofegante de Altaïr e me perder naqueles belos olhos dourados que até pareciam brilhar de felicidade ao encontrarem os meus, os quais, se eu me conhecia bem, certamente brilhavam pelo exato mesmo motivo, considerando que aquele era um dos momentos mais felizes que eu já tivera em toda minha vida. Sorrimos juntos, instantaneamente, belos e largos sorrisos apaixonados. Eu nunca o tinha visto sorrir de uma forma tão natural e verdadeira, aparentemente sem medo algum de demonstrar o que sentia, bem diferente de como ele costumava agir. Sem palavras, fiquei ali ainda tentando assimilar aquele momento tão perfeito que sequer parecia real, olhando para o meu amado o tempo todo e sorrindo feito a boba apaixonada que eu era. Estendi uma das mãos e toquei o rosto dele, como se quisesse provar pra mim mesma que aquilo era mesmo verdade e não apenas mais um sonho de uma garota iludida. A música havia acabado, dando total ênfase ao momento e, querendo prestar atenção ao que Altaïr poderia dizer, resolvi desligar o iPod, fazendo-o discretamente ao tateá-lo por fora da túnica. Foi quando de repente, do nada, o Assassino desfez o sorriso e passou a me encarar, visivelmente descontente e perturbado, quebrando o clima em questão de segundos, me deixando totalmente confusa e, como consequência, insegura. Meu sorriso logo deu lugar à angústia e inconformidade. E como se não bastasse, Altaïr ainda retirou minha mão de seu rosto e se afastou, indo embora de uma forma totalmente precipitada e covarde, sem nem mesmo dizer uma só palavra. Fiquei ali parada sem reação por um bom tempo... Teria algo errado? Tinha que ter algo errado! Era a única explicação para um comportamento tão estranho. Mas o que seria? Eu não fazia a mínima ideia. Minha confusão foi tanta que cheguei a questionar até mesmo coisas ridículas como se eu estava ou não com bafo, baforando na minha mão e cheirando. Me sentia uma verdadeira idiota e aquele que antes havia sido um dos momentos mais felizes em poucos segundos se tornara um dos mais tristes e frustrantes que já vivi, traumático, sem dúvidas.

Sentada no chão, abaixei a cabeça e cobri os olhos com as mãos, ali chorei silenciosamente durante vários e vários minutos, lutando contra o impulso natural de sentir ódio de Altaïr e, de certa forma, de mim mesma por ter me deixado levar por meus sentimentos bobos, me sujeitado a uma situação tão humilhante como aquela.

Quando finalmente parei de chorar e decidi voltar aos meus aposentos, encontrei Malik em um dos corredores, que imediatamente notou meu estado e, preocupado, perguntou:

— Erika, você está bem? — Veio correndo em minha direção. — O que houve?

— Pergunte ao homem a quem você chama de Mentor. — Respondi friamente, abaixando a cabeça e seguindo em frente sem dizer mais nada.

— Erika, espere! Deixe-me ajudá-la. — Insistiu, parecendo ainda mais preocupado, provavelmente pela forma incomum com que eu o havia tratado. — Vamos conversar e talvez possamos... — A partir dali não ouvi direito, já estava meio longe. Deixei o coitado do Malik para trás falando sozinho, algo que eu não me orgulhava e inclusive fez eu me sentir uma babaca, porém, depois do que havia acontecido eu não estava na menor condição de conversar com alguém e muito menos sobre o que de fato havia acontecido, só queria um tempo pra mim mesma, sozinha... Longe de tudo e todos.

No meu quarto, fui direto pra cama, querendo simplesmente dormir e esquecer de tudo aquilo, e foi exatamente o que fiz, depois de tomar um bom chá calmante pra conseguir dormir, é claro. Na manhã seguinte, fiquei enrolando na cama por um bom tempo, virando de um lado para o outro e pensando em qualquer coisa que me distraísse, não queria levantar, queria sumir... Sumir pra bem longe. Mas eu não podia, eu tinha que continuar e cumprir minha missão, independente do que acontecesse, era o meu dever e minha equipe contava comigo. Então tomei coragem e levantei, relutantemente, para encarar mais um dia de treinamento, e o pior... Encarar Altaïr.

Assim que cheguei ao jardim, o Assassino, que estava parado no centro do terraço de mármore a minha espera, de longe me encarou com seu olhar intimidador. Pela cara dele, e também pela posição do sol no céu, eu o havia feito esperar por, no mínimo, umas três horas.

— Está atrasada! — Me repreendeu assim que cheguei mais perto, obviamente irritado.

— É, eu sei. — Respondi, sem medo, usando do mesmo tom frio que ele costumava usar. O silêncio se fez e tomou conta do lugar, ficamos apenas encarando um ao outro por um bom tempo, e Altaïr se mostrava bem impaciente, como se esperasse por alguma coisa, chegou até a cruzar os braços.

— Estou esperando... — Finalmente quebrou o silêncio e disse, confirmando o que eu pensei, e pelo visto estava bem incomodado pra precisar deixar claro que obviamente esperava que eu desse algumas explicações sobre o meu atraso. “Eu quem estou esperando desde ontem, seu idiota covarde!” pensei comigo mesma, se alguém devia explicações esse alguém com certeza era ele. Não consegui disfarçar minha enorme insatisfação ao ouvir aquilo vindo justamente dele, cheguei a fazer cara feia e revirar os olhos sem nem perceber direito.

— Não precisa mais esperar. Como vê, já estou aqui. — Mais uma vez respondi na maior cara de pau e agora com ironia, até usei de um sorriso forçado.

— Estou esperando explicações, Erika. — Reafirmou, com ênfase na palavra “explicações”. Mesmo que tentasse esconder o quanto minha atitude o deixava irritado, não conseguia, era visível em seus olhos e no modo autoritário que agora agia. Permaneci calada, esperando que mais cedo ou mais tarde o Assassino fosse desistir, mas ao contrário, ele insistiu: — Não vai se explicar?

— Em uma situação normal certamente. — Provoquei, usando exatamente a mesma resposta que Altaïr havia me dado dias antes no treinamento, e outra vez falando em um tom de voz bem irônico.

— Isso é algum tipo de brincadeira? — Questionou, ainda mais irritado. Tentou se conter e disfarçar, mas não adiantou muito. 

— Me responda você, Altaïr. — Provoquei de novo, desafiando-o audaciosamente com a mesma ironia de sempre, claramente me referindo ao que havia acontecido na noite anterior. Ao falar, me aproximei ainda mais, olhando diretamente nos olhos dele, usando de uma coragem que eu normalmente não tinha.

— Eu acreditei que você estivesse mesmo disposta a mudar de comportamento, mas vejo que me enganei. — Disse como se nada tivesse acontecido, como se eu fosse a errada naquela situação. Eu tinha todos os motivos pra estar irritada. Eu, não ele.

— Curioso você falar de comportamento, não é mesmo? — Rebati, provocando mais uma vez, sem perder o tom irônico. Pude ver o Assassino se contendo ainda mais, ficou calado, sabia que estava errado e claramente tinha entendido o recado, só não tinha coragem para admitir e se desculpar pelo que havia feito. — Se quer um bom comportamento, como Mentor, deveria começar dando o exemplo. — Complementei, agora era eu quem o repreendia. Mais uma vez, Altaïr permaneceu calado por alguns segundos, até se recompor, deixando seu descontentamento e sua irritação de lado, voltando a postura de um Mestre.

— Melhor começarmos! — Ordenou, com uma voz um pouco mais séria e seu natural jeito formal, finalmente dando início aos exercícios. — Tome o seu lugar e fique na postura defensiva que lhe ensinei anteriormente. — Complementou com as instruções. Simplesmente fiz um sinal positivo com a cabeça e obedeci, caminhando até o outro lado do terraço e entrando em posição. — Vejamos seu progresso... — Se aproximou um pouco, também ficando em guarda. — Primeira forma de defesa. — Solicitou, e eu já me preparei para defender, fiquei surpresa ao ver que já conseguia antecipar o soco dele com mais facilidade e bloquear o golpe um pouco mais rápido do que da última vez, porém, conforme a velocidade foi aumentando eu percebi que ainda tinha muito o que melhorar. Foi por pouco que não levei outro soco na cara, pra minha sorte o Assassino parou bem antes de chegar a uma velocidade na qual eu não conseguisse mais defender. — Segunda forma. — Curto e direto, pegou os livros que já estavam no chão e os colocou sobre a minha cabeça, enquanto eu mantinha a postura, parada, tentando me equilibrar e aguardando o ataque dele. Logo no primeiro soco, como imaginava, derrubei os livros ao tentar me esquivar como ele havia ensinado, mesmo depois de ter passado horas repetindo esse único exercício e mais uma madrugada toda treinando meu equilíbrio. Extremamente frustrada, fiz cara feia e abaixei os ombros, desanimada em continuar com aquilo, esperando que Altaïr avançasse para algo novo, afinal eu já não aguentava mais repetir e falhar do mesmo jeito. — Outra vez! — Ordenou, ignorando friamente a forma como eu me sentia, que era mais do que clara. Contra minha vontade, peguei os livros do chão e os coloquei sobre minha cabeça outra vez... E não demorou muito para que os derrubasse de novo, em uma segunda tentativa falha de me esquivar, mas rapidamente voltei a pegá-los antes que recebesse mais uma ordem, soltando o ar pela boca em descontentamento. Depois de vários minutos, várias ordens repetidas e várias tentativas falhas em sequência também, eu não consegui mais me conter e simplesmente parei, encarando o Assassino com uma bela de uma cara feia que faria qualquer um se zangar. Ele, por sua vez, permaneceu calado, imóvel, sem a mínima reação, ainda aguardando que eu recolhesse os livros do chão para continuarmos. 

— Não podemos avançar não? — Questionei, claramente irritada pelo meu tom de voz e com ambas as mãos na cintura. — Já cansei disso!

— Não. — Foi só o que respondeu, ainda de forma fria, e um silêncio constrangedor se fez. — Mais uma vez! — Voltou a ordenar depois de alguns instantes ao ver que eu não tinha obedecido.

— Ah, qual é? Você está vendo que eu não consigo. — Insisti, me sentando no chão para descansar um pouco. O Assassino me olhou de cima a baixo e cerrou os olhos, nada contente com o meu comportamento insolente, esperando que somente seu olhar de desaprovação fosse capaz de fazer eu voltar atrás, ele sabia bem o poder de sua relevância e autoridade como Mentor e, é claro, de sua postura séria e intimidadora.

— O que eu lhe disse a respeito disso, Erika? — Perguntou, me repreendendo, obviamente se referindo sobre o que já havia falado na nossa primeira sessão de treinamento a respeito de “dar o melhor de mim e trabalhar duro para superar obstáculos”, e também que “ninguém aprende tudo em apenas um só dia, que o progresso vem naturalmente com o tempo e blá blá blá” quando desesperadamente pratiquei sem descanso querendo aprender mais rápido. Embora eu me lembrasse bem dos conselhos dele e soubesse que tinha razão, me sentia uma verdadeira inútil, repetindo e falhando, demorando tanto tempo em um único exercício tão idiota... Sem falar no tédio, ah como aquilo era entediante. Queria avançar! Queria ação!

— Mas que saco! — Praguejei baixinho, propositalmente no meu idioma para que Altaïr não entendesse. Outra vez contra minha vontade, me levantei, porém, deixei os livros no chão, ainda olhando toda emburrada para o Assassino. — Eu to cansada disso! Tá chato! — Finalmente tive coragem e desabafei, fazendo gestos expressivos com as mãos. — Quero ir logo pra parte do ataque, pode ser? — Insisti, questionando a autoridade dele como Mentor mais uma vez, em uma atitude bem desrespeitosa e infantil, admito. Na verdade, se o Assassino por algum motivo aceitasse, considerando meu descontentamento com os exercícios atuais e minha ansiedade para praticar movimentos de ataque juntamente com o que havia acontecido na noite passada, cheguei a cogitar até mesmo a louca possibilidade de usar o treinamento ao meu favor e atacá-lo furiosamente pra descontar toda a raiva que estava guardada dentro de mim naquele momento e fazer com que o mesmo notasse o estado em que sua atitude covarde havia me deixado, mas é claro, independente de quão grande fosse a minha mágoa, eu não teria a mínima chance contra um Mestre Assassino tão bem treinado. Altaïr simplesmente permaneceu calado, apenas me observando, parecia pensativo, e me perguntei se por algum milagre aceitaria minha insubordinação e finalmente avançaria com os exercícios.

— Erika, você sabe escrever? — Quebrou o silêncio, me surpreendendo com uma pergunta tão estranha em um momento como aquele, e com uma resposta tão óbvia também, uma vez que ele certamente deve ter visto papeis com anotações minhas espalhados pelos cantos nas vezes em que visitou meus aposentos. Ao falar, olhou em meus olhos, de um jeito meio desconfiado, será que Altaïr realmente acreditava que eu não era capaz de algo tão simples? É, nem tão simples pra época dele, mas mesmo assim. Se já havia me visto ler e inclusive conhecido alguns de meus livros favoritos, por que acharia que eu não sabia escrever? Eu até falava a língua dele, e várias outras. Aquilo soou como uma ofensa pra quem havia sido educada rigorosamente e em altos padrões como eu, não gostei mesmo.

— Ora, mas é claro que sei! — Respondi, de imediato, me sentindo ofendida, e isso ficou evidente no meu tom e expressão não muito gentis. Cheguei a revirar os olhos e torcer um pouco a boca, como se já não bastasse a forma como o idiota havia me tratado horas atrás, agora também parecia me menosprezar. Era só o que faltava!

— E para isto, você primeiro precisou aprender a ler, certo? — Questionou, mantendo sua postura séria. Era outra pergunta óbvia, se eu não o conhecesse diria que estava tirando uma com a minha cara e gostando de me ver irritada.

— É... Precisei. — Respondi com a maior má vontade, ainda fazendo “careta”, batendo um dos pés no chão em ritmo agitado, impaciente.

— Pois então. — Foi curto e direto, mais uma vez. E eu não entendi onde ele queria chegar, fazendo aquele clássico movimento com os braços abertos e ombros levantados de quem não entendeu nada. Ao ver isso, Altaïr caminhou na minha direção, passando a explicar: — Antes você precisa aprender a defender-se propriamente, só então terá base para atacar seu oponente como se deve. Assim como para escrever corretamente você primeiro deve aprender a ler. — Deu uma breve pausa. — Achei que já tivesse lhe dito isto também. — Me repreendeu, pra variar. — Em uma luta sem saber defender-se dos ataques de seu inimigo, estaria morta no primeiro golpe. — Complementou, em um tom mais sério. Por mais que eu detestasse admitir, ele tinha toda razão, foi só eu lembrar do que havia acontecido naquela missão em Acre... Como quase havia sido morta diversas vezes em um único dia por não saber me defender dos ataques dos soldados cruzados, eu tive muita sorte de ter saído viva daquela missão... Muita sorte, um bom par de pernas pra correr e, é claro, uma arma de fogo.

— Está bem... — Respondi, de forma vaga, cansada de insistir e me dando por vencida. Tomei minha posição e coloquei os livros sobre a cabeça mais uma vez... E lá fomos nós, por mais vários minutos repetindo o mesmo exercício, e repetindo, e repetindo... Até que, finalmente, para minha surpresa, acabei conseguindo me esquivar dos socos do Assassino sem derrubar os livros, e por mais de uma vez consecutiva. Precisei até parar e passar as mãos neles pra confirmar que ainda estavam ali e acreditar que tinha mesmo conseguido. Eu estava realmente progredindo e isso era gratificante, ainda mais pra quem se mostrava tão desmotivada. Confesso que por um instante até me senti um daqueles atores fodas de filmes de luta, que conseguem equilibrar um monte de coisas e ainda dar um show de movimentos. — Eu consegui, você viu? É! Eu consegui! — Exclamei, comemorando dando uns pulinhos bem ridículos e quase derrubando os livros, que por sorte eu consegui segurar a tempo antes que caíssem no chão. Olhava para Altaïr, esboçando um largo sorriso vitorioso, orgulhosa de mim mesma com aquele progresso mínimo, e ele apenas assentiu com a cabeça, nada mais. Procurei então me conter e, envergonhada, voltei a equilibrar os livros e permaneci calada.

— Bom, mas ainda há muito o que melhorar. — Afirmou, quebrando o silêncio e mantendo-se sério. — Você tem um longo caminho pela frente. — Se aproximou e pegou os livros que estavam sob a minha cabeça. — E como vê, trabalhar duro traz resultados. Um pequeno progresso hoje, uma habilidade totalmente dominada amanhã... Todo mestre já esteve no lugar de discípulo um dia. — Usou de um tom levemente mais suave, talvez por estar satisfeito em me ver melhorar, mesmo que eu ainda estivesse dando meus primeiros passos. Deixou os livros em um canto e voltou ao terraço de mármore. — Vamos tentar a terceira forma. — Disse, voltando a postura, na qual eu ainda permanecia. “Ah, até que enfim!” Pensei, rindo baixinho, finalmente faria algo diferente, já estava na hora mesmo. O silêncio se fez e eu olhei para os lados, um pouco sem jeito, sem me lembrar o que deveria fazer naquele exercício e com vergonha de admitir que não lembrava, mas ele foi rápido, percebendo isso quase que instantaneamente, e logo explicou: — Jogue seu corpo para trás em uma espécie de salto, desta forma. — Executou o movimento, primeiro devagar para que eu pudesse observá-lo melhor e em seguida mais rápido, bem mais rápido do que imaginei ser capaz, parecia tão fácil e natural, e para alguém com anos de treinamento como Altaïr certamente era. — Cubra a maior distância que conseguir e se mova o mais rápido que puder, afinal em uma situação real de combate onde o inimigo está a uma distância curta, um polegar ou um instante a menos pode ser o suficiente para escapar de um golpe fatal. — Complementou as instruções, mais sério do que de costume, certamente pra me alertar da importância de uma boa esquiva.

— Certo. — Me concentrei, esperando que o Assassino se aproximasse e me atacasse, e quando ele desferiu o soco, joguei o corpo para trás, conseguindo me esquivar do golpe, mas por muito pouco. Não tinha coberto uma boa distância e estava muito lenta, até mesmo para um golpe em uma velocidade baixa. Altaïr saiu de sua posição e se aproximou outra vez, enquanto eu ainda permanecia na minha postura.

— Não. — Disse de um jeito sério, me olhando em desaprovação. — Deve abaixar-se e flexionar as pernas antes de saltar, assim conseguirá mais impulso e, consequentemente, se afastará cobrindo uma distância maior. — Explicou, ainda em tom sério, demonstrando o movimento mais uma vez, bem devagar. — Agora faça! — Ordenou ali parado, e logo eu me abaixei, flexionando as pernas como ele havia instruído, quando o mesmo chegou ainda mais perto e se abaixou para posicioná-las da forma correta. Por mais que tivesse todos os motivos para estar irritada, eu sorri sem nem perceber ao vê-lo agindo assim todo atencioso e fiquei olhando de uma forma nada discreta. Estranhamente, o Assassino parecia estar nervoso, e isso se confirmou quando o mesmo notou que eu o observava, se afastando de imediato e evitando um contato visual tão próximo, que mesmo assim acabou acontecendo por alguns breves segundos. — Observe seu inimigo... — A voz dele falhou um pouco. — ...Preveja os movimentos dele e abaixe-se ao menor sinal de ataque. — Pigarreou, tentando disfarçar e manter aquele jeito sério característico, mas não adiantou, pela primeira vez tive certeza de que Altaïr estava nervoso, porém, o que eu me perguntava era: Por que alguém como ele estaria nervoso naquele momento? Será que finalmente tinha se dado conta da merda que havia feito na noite passada? Não, Altaïr era orgulhoso demais para admitir seu erro. — Faça! — Ordenou, agindo como se nada tivesse acontecido. Fiz o movimento, e desta vez consegui me afastar bem mais, como ele havia dito, porém, me desequilibrei um pouquinho ao aterrissar, o que mesmo eu disfarçando bem não passou despercebido aos olhos de um Mestre habilidoso como ele. — Mantenha os braços abertos quando saltar. — Advertiu, dando uma curta pausa. — Outra vez! — Voltou a entrar em sua postura defensiva e me atacou logo em seguida, devagar para que eu pudesse me esquivar com mais facilidade... E foi o que fiz, executando o movimento da forma exata como Altaïr havia me ensinado, ficando orgulhosa de mim pela segunda vez naquele dia ao me ver fazer outro exercício da forma correta. O Assassino fez um sinal positivo discreto com a cabeça da mesma maneira que havia feito antes pra indicar que eu estava no caminho certo.

E ficamos ali por mais umas horas, alternando entre os exercícios e aumentando a velocidade com que fazíamos os movimentos aos poucos, consequentemente aumentando também a dificuldade até o ponto onde eu não era mais capaz de executar corretamente.

— Calma... Espera... — Pedi com certo desespero, ofegante e quase sem voz, fazendo aquele clássico sinal de “pare” com uma das mãos. Tentava recuperar o fôlego, já estava exausta e precisava de pelo menos alguns minutos para me recompor, visto que eu ainda não tinha me acostumado com aquela rotina de treinamento pesado por horas e horas.

— Terminamos os exercícios de defesa por hoje. Está dispensada. — Disse ele, para o meu alívio. — Descanse e encontre-me em minha sala mais tarde, há mais coisas nas quais você será instruída. — Pegou os livros e se retirou, sem sequer olhar diretamente para mim, parecia mesmo querer evitar contato visual direto e seu estranho nervosismo ainda era um pouco visível.

Como Altaïr havia sugerido, descansei bastante no meu quarto, claro, depois de tomar um bom banho e comer um pouco. Procurei me distrair de várias formas: Ouvir música, escrever, ler, desenhar, fotografar alguma coisa aleatória... Mas não adiantou, nada conseguia me distrair, nem mesmo os hobbies que eu mais amava, a única coisa em que eu conseguia pensar era na situação humilhante da noite passada e em como eu precisava tirar aquilo a limpo com Altaïr, porém me faltava coragem e, naquele momento, estabilidade emocional para isso, e também não tinha ideia de por onde começar. Ah, como eu queria poder dizer tudo o que pensava bem na cara dele! Mas não, não conseguia, simplesmente não era capaz, pelo menos não com tantas dúvidas e tanta confusão na minha cabeça, especialmente depois dos absurdos assustadores que Dexter havia cogitado, e claro, daquelas vozes misteriosas que me davam arrepios e me faziam questionar minha sanidade mental.

— Erika? — Ouvi alguém me chamar enquanto batia na porta, não reconheci a voz, pois a pessoa havia falado baixinho e naquele momento eu estava deitada na cama totalmente alheia a realidade, quase adormecendo. — Erika, você está aí? — Insistiu, batendo mais forte e falando um pouco mais alto, mas eu ainda estava em outro mundo e não consegui reconhecer quem era. Me levantei relutantemente e fui toda desengonçada e sonolenta abrir a porta. Era Malik, com um sorriso simpático, mesmo depois de eu o ter deixado falando sozinho quando o coitado só queria ajudar.

— Ah... Oi... — Falei vagamente, sem jeito, envergonhada pela forma como eu o havia tratado antes, até evitei olhar diretamente nos olhos dele. — Entra... — Sugeri, da mesma forma vaga, me afastando e dando espaço para que Malik pudesse passar. Não sabia o que dizer, então acabei ficando quieta e deixando o silêncio tomar conta do quarto enquanto eu ficava de cabeça baixa, outra vez dispersa, perdida em meus pensamentos nada agradáveis sobre os acontecimentos recentes.

— Vim até aqui ver se você está melhor, mas vejo que não. — Constatou o que era óbvio. Entrou e fechou a porta, sentou-se em uma poltrona, olhando para mim sem dizer nada, o silêncio voltou a reinar.

— É... Então... ? — Tentei dar rumo à conversa, ainda mais envergonhada, enquanto ele permanecia calado, me olhando sem expressão, parecia estar esperando alguma coisa... E com certeza eram as desculpas que eu o devia. — Olha, eu... Sinto muito... Pela forma como eu lhe tratei... — Continuei falando vaga e pausadamente, meio atrapalhada. — Eu não queria... É que...

— Está bem, eu compreendo. — Me interrompeu, erguendo a mão sutilmente para indicar que já bastava. — Embora você tenha deixado a desejar em relação aos bons modos e eu não aprove este tipo de comportamento, não foi para isto que vim até aqui. — Complementou em um tom mais sério, me repreendendo. Fez uma pausa, e quando eu estava prestes a perguntar o que Malik queria então, o mesmo prosseguiu: — O que Altaïr fez desta vez? — Quis saber, indo direto ao assunto sem rodeios daquele jeito já característico dele. Fiquei sem ter o que dizer por alguns segundos, não que eu não quisesse me abrir com ele, eu só não sabia como fazê-lo sem parecer uma idiota. O silêncio constrangedor mais uma vez tomou conta, disfarcei, pegando a jarra com água que estava sobre a mesa e me servindo um copo.

— Água? — Ofereci, tentando desviar do assunto.

— Eu posso ficar aqui o dia todo, Erika. Você decide. — Rebateu, me encarando, não muito contente.

— É... Já vi que não dá pra te enrolar, não é? — Ri baixinho, nervosa. Tomei um pouco de água e tentei me recompor.

— Você pode tentar. — Respondeu sarcasticamente, com ênfase no “tentar”. Deu uma breve pausa, falando de uma forma mais gentil: — Fugir de seus problemas não irá resolvê-los. Eles não vão simplesmente desaparecer, se é o que imagina. Você apenas estará adiando o inevitável, mais cedo ou mais tarde terá que encará-los. — Se mostrava bem calmo e seguro no que dizia.

— E você diz isso pra mim... — Falei baixinho, revirando os olhos, lembrando do que havia acontecido na noite anterior.

— Como disse? — Perguntou Malik, confuso.

— Bem... É que... — Deixei o copo sobre a mesa e cheguei mais perto do Assassino, decidida a desabafar com ele. — Altaïr, ele... Nós... — Procurava como dizer enquanto gesticulava qualquer coisa aleatória com as mãos, ainda mais atrapalhada do que antes. Respirei fundo e falei de uma vez: — Altaïr e eu nos beijamos, ontem à noite. — Curioso como senti um alívio enorme depois de dizer.

— Finalmente! — Respondeu, sorrindo, parecia bem feliz ao ouvir aquilo, mais feliz do que eu imaginava, tão animadinho que só faltou comemorar.

— O que? — Quis confirmar, surpresa com aquela reação. Eu esperava dele uma posição muito mais séria ou até mesmo um puxão de orelha, confesso.

— Ora, já passou do tempo disso acontecer, não acha? — Argumentou, falando de uma forma mais “rude’. — Na verdade, estou surpreso que tenha demorado tanto.

— Espera... Você? Feliz por isso? Eu esperava no mínimo uma bela bronca. — Rebati, sem esconder minha surpresa, acabei tendo até que segurar o riso, aquilo era tão estranho.

— Mas é claro! — Exclamou, se levantando e vindo até mim, envolveu seu braço em meu ombro como um verdadeiro amigo, voltando a sorrir. — Não foi à toa que prometi ajudar-lhe com isto. — Fez com que eu me lembrasse. — Prezo pela felicidade do meu irmão Altaïr e, obviamente, pela sua também. Vocês formam um belo casal! Tenho certeza que serão muito felizes. Eu não apenas aprovo como dou todo meu apoio no que precisarem. — Falou de um jeito tão fofo e gentil que não tive como não sorrir e imaginar aquilo: Eu e meu amado Assassino vivendo juntos e felizes, um ao lado do outro, companheiros para vida toda. Até me perdi outra vez em meus pensamentos, mas esses eram pensamentos tão bons, maravilhosos, verdadeiros sonhos que eu desejava tão desesperadamente que se tornassem realidade, mas não iriam, não poderiam.

— Mas... E Maria? — Me afastei, saindo do meu mundinho imaginário e despertando para o mundo real, falando com uma voz triste, por motivos óbvios.

— A Templária? — Rebateu Malik, desfazendo o sorriso.

— Ela não é mais uma Templária. — Corrigi, usando de um tom mais sério. — Na verdade, Altaïr deve ter lhe contado que ela...

— Eu não confio muito naquela mulher. — Me interrompeu, um pouco rude, pela cara e pela atitude dele parecia não só apenas não confiar como talvez até vê-la como inimiga.

— Olha, você não entende. É que no futuro... — Dei uma longa pausa, antes que fosse tarde. — Ah, esquece. — Resolvi deixar essa conversa pra lá, até porque, como eu já bem sabia, era arriscado falar de fatos que ainda iriam acontecer e eu mesma não queria pensar muito sobre o dilema do futuro de Altaïr já estar definido, já tinha problemas demais na minha cabeça. — Olha, a questão é que... Nós nos beijamos e, quando eu achei que Altaïr tinha mesmo algum sentimento por mim e finalmente estava demonstrando, ele simplesmente fugiu... Fugiu como um verdadeiro covarde e me largou lá sozinha, sem sequer dizer uma só palavra. — De novo, falei tudo de uma vez, e assim como antes, foi um alívio poder desabafar aquilo com um amigo. Respirei fundo, tentando me acalmar, mas eu continuava fazendo alguns gestos expressivos com as mãos que indicavam ainda mais meu nervosismo, que já era bem evidente na minha voz. — Não faz sentido! — Exclamei, tentando procurar alguma explicação praquele estranho comportamento, diferente do mais aceitável, é claro: Altaïr estava se aproveitando do que eu sentia e me fazendo de idiota.

— Mas isto é bem óbvio: Ele está confuso. — Afirmou, seguro de si. — Ou por acaso não leu os papeis que lhe entreguei? — Questionou, pela voz parecia até outra daquelas broncas dele. — Nos quais, inclusive, os sentimentos que nosso Mentor tem por você estão bem explícitos. — Reforçou, fazendo com que eu ficasse sem palavras por um certo tempo, refletindo.

Realmente, Altaïr havia deixado bem claro naquelas páginas que sentia algo por mim... Claro até demais pra alguém como ele, que geralmente era tão frio. Era difícil acreditar, quase impossível, não apenas pela frieza característica dele, mas também por não conseguir imaginar que um homem extraordinário, tão forte, tão corajoso, tão sábio, de muitos talentos e totalmente à frente de seu tempo, se interessaria por mim. Quem era eu? Uma garota vinda do futuro em uma missão extremamente importante, sem a mínima experiência ou habilidade... Eu era uma verdadeira piada! E também, de fato, pelo que escrevera, o Assassino tinha se mostrado bem confuso em relação aos seus sentimentos, parecia estar em um impasse entre Maria e eu. Mas será que estava mesmo? Ele a conhecia há mais tempo e, bem... Estavam praticamente juntos. Aquilo tudo era muito estranho, muito suspeito. Pra mim, a única explicação plausível era que Altaïr estava na verdade me iludindo e me enganando, propositalmente me levando a pensar que realmente sentia algo por mim e fingindo estar confuso pra ganhar tempo, seja por querer alguma coisa ou simplesmente por se sentir ameaçado, de qualquer forma, fazia muito mais sentido, afinal, um homem como ele jamais se apaixonaria por uma mulher como eu.

— Não, Malik... — Finalmente respondi, vagamente, voltando a abaixar a cabeça e falar com uma voz triste. — Por mais que eu queira que isto seja verdade, não é... E nunca será. — Dei uma pausa. — Altaïr nunca sentiria algo por mim, e muito menos ficaria confuso entre Maria e eu, ela é a mulher que ele ama.

— Do que está falando? — Questionou, outra uma vez com aquele tom de bronca, incrédulo. — É evidente que Altaïr te ama, Erika! — Exclamou, com a mesma voz. — Basta notar a forma como ele olha para você. 

— Não há nada de diferente na forma como ele me olha, sou apenas mais uma dos aprendizes, os quais nosso Mentor agora deve ter vários. Você está imaginando coisas. — Desdenhei, caminhando pelo quarto.

— Mas é claro que há! — Voltou a exclamar, insistindo. — Como você não percebe? — Questionou novamente, fazendo um movimento expressivo com a mão, aquilo ainda parecia uma bronca. — E não apenas isto, Altaïr falou comigo, abertamente, confessando os sentimentos que tem por você e desabafando sobre como está confuso nessa situação. — Disse de uma forma mais calma, pareceu não ter problemas em revelar aquilo.

— E você acreditou mesmo? — Perguntei, mais uma vez desdenhando, rindo baixinho e de um jeito bem forçado pra disfarçar o quanto aquilo me deixava abatida.

— Deve saber que eu o conheço há muito tempo e que somos como verdadeiros irmãos. Eu certamente saberia se ele estivesse mentindo. — Caminhou junto a mim, voltando a envolver seu braço em meu ombro e consequentemente me trazer pra mais perto dele. Parecia bem seguro ao falar. — Posso afirmar que tudo o que Altaïr disse foi totalmente sincero. — Também voltou a sorrir, usando de uma voz bem gentil. Fiquei calada por alguns segundos, ainda pensando em tudo aquilo, na verdade, já cansada de pensar.

— Pois eu acho que Altaïr está mentindo. Ele quer me iludir e me enganar, por algum motivo que ainda não sei, mas quer. — Usei de uma voz um pouco alterada, irritada com aquela conversa. Tirei o braço de Malik do meu ombro, de uma forma um pouco rude, o coitado até se assustou. — É a explicação mais lógica. — Complementei, tentando falar mais sério.

— Lógica é algo que não se aplica ao amor. — Rebateu, curto e direto. Deu uma breve pausa. — Erika, você está pensando demais! Está com a cabeça cheia e isso não é bom. Você está criando problemas que existem apenas na sua mente e, o pior, acreditando fielmente neles. Se continuar desta forma pode tomar um caminho que não vai acabar nada bem. — Aconselhou, mantendo o tom de voz gentil. — Talvez um bom descanso lhe faça bem, tire alguns dias para cuidar de si mesma. Eu avisarei ao nosso Mentor que você precisou...

— Já chega! Para de bancar o mestre sábio dos conselhos comigo. Eu sei cuidar da minha vida, não preciso de ninguém me dizendo como estou e o que tenho ou não que fazer, muito menos alguém pretensioso e que pensa que sabe de tudo. — O interrompi, me exaltando mais uma vez. Talvez eu tenha exagerado um pouco, mas a verdade era que eu estava realmente com a cabeça cheia e precisava de um descanso, nisso ele tinha razão. Se antes eu havia assustado Malik, ao dizer aquilo eu o deixei incrédulo, totalmente sem reação por alguns instantes. Ali vi que tinha mesmo ido longe.

— Não seja tola! Estou apenas tentando lhe ajudar! O pior cego é aquele que se nega a ver. — Insistiu, também alterando a voz, agora sim era uma bronca, vinda de alguém inconformado.

— Vá embora! — Ordenei, falando ainda mais alto, apontando a porta e em seguida me virando de costas pra ele. Eu poderia muito bem ser severamente punida por dar uma ordem e agir de uma forma tão desrespeitosa com alguém de um rank superior, ainda mais se tratando de ninguém menos do que o segundo em comando na Irmandade, mas naquele momento o nervosismo e o impulso me fizeram esquecer completamente disso... Só lembrei alguns segundos depois, e tentei corrigir: — Me deixe sozinha, sim? Por favor! — Falei baixinho, com a voz embargada, cobrindo o rosto com as mãos. Ouvi os passos de Malik até a porta e logo em seguida ele abrindo-a, mas não ouvi a mesma sendo fechada.

— Descanse... Reflita... Dê um tempo ao Altaïr e, mais importante, a si mesma. — Quebrou o silêncio, dando um último conselho. — Estarei em minha sala caso precise de alguém "para lhe dizer o que fazer". — Avisou, de forma irônica e bem sagaz. — E ah, antes que eu me esqueça, nosso Mentor não tem outros aprendizes, você é a primeira e única. — Disse antes de finalmente sair e fechar a porta.

Ao invés de refletir como Malik havia aconselhado, resolvi ir dar uma volta pelo vilarejo, afinal se tinha uma coisa que eu estava cansada de fazer era pensar em tudo aquilo. Fiquei andando por Masyaf por um bom tempo, acho que foram umas duas horas... Nem vi passar. De volta ao quarto, peguei meu notebook para atualizar os relatórios da missão como sempre fazia, porém me surpreendi ao ver que o dispositivo exibia um display com algumas interferências como as que presenciei quando o Animus teve problemas e fui parar na época errada, mas estas, por sua vez, eram mais leves, e ao contrário da outra ocasião, o meu equipamento aparentemente parecia estar respondendo normalmente. A tela era totalmente preta e exibia em branco os dizeres: “ESTOU_AQUI” em meio à um monte de caracteres aleatórios distribuídos juntamente com códigos binários e que não faziam o menor sentido naquela bagunça toda, em uma interface simples, visualmente semelhante à um promp de comando, mas pelo pouco que eu sabia os comandos ali eram executados na linguagem C++, o que indicava que na verdade se tratava de um programa, o qual até então era totalmente desconhecido pra mim. Aquilo me deixou extremamente assustada, especialmente quando me lembrei que não usava o notebook desde a vez em que tentei entrar em contato com a tal da misteriosa voz masculina, perguntando se "ele" estava ali. Então, relacionando os fatos, deduzi que só poderia ser aquele indivíduo tentando se comunicar comigo, afinal também havia entrado em contato na outra vez em que meus equipamentos sofreram interferências maiores e bom, seu modo de interagir era sempre incomum... E aterrorizante. Naturalmente, minha primeira reação foi largar o notebook sobre a cama e me afastar, obviamente com medo, sem saber se deveria responder ou não. Sentia um frio enorme na barriga e quando me dei conta já estava trêmula, precisei respirar fundo e fechar os olhos, imaginar que aquilo não era real, que eu estava sonhando ou até mesmo bêbada... Mas era sim real, quando abri os olhos, após alguns segundos, aquela tela ainda estava lá, do mesmo jeito, por mais que eu duvidasse e negasse, estava mesmo ali. Por desespero, tentei executar um comando para finalizar o tal programa, mas uma mensagem de erro foi exibida e nada mais aconteceu, tentei uma segunda e uma terceira vez... E nada. Tentei até mesmo resetar o notebook à força, mas tanto o botão quanto o comando específico para isso não responderam. É... Eu estava realmente presa àquela tela, não tinha para onde fugir. Tive que me acalmar e refletir sobre... As intenções daquele ser para comigo não pareciam ruins, até porque o mesmo havia pedido que eu o encontrasse e, pelas poucas frases dele que pude entender, precisava de minha ajuda para deter alguém. Porém, eu ainda não fazia a mínima ideia de quem ele era e essas aparições misteriosas eram cada vez mais comuns e igualmente assustadoras, mesmo que eu tentasse ser forte e não sentir medo. Precisei lembrar de que, independente de quem fosse, sem o auxílio desse indivíduo eu provavelmente ainda estaria presa em Roma. Então, de certa forma, eu tinha um motivo para confiar nele... E até mesmo retribuir sua ajuda se pudesse. Seria ele um precursor? Não, não era formal como Minerva, embora tivesse me guiado até ela. Ou talvez até fosse, mas tivesse optado por falar de uma forma mais simples pra não me assustar ainda mais e/ou visando tornar a nossa comunicação mais fácil e rápida? Ele falava como se me conhecesse... Seria possível que fosse alguém do meu futuro interagindo através do tempo? Não acreditei que cogitei inclusive essa possibilidade louca, mas a dúvida era tanta que precisei pensar em tudo que pudesse fazer algum sentido. Talvez fosse apenas o idiota do Vinny tentando me assustar e pra depois me zuar pra valer diante de toda a Irmandade, e estivesse rindo da minha cara junto com os demais membros da equipe naquele exato momento. Bom... Eu só iria descobrir a verdade se fosse em frente. Então, apesar do medo, da dúvida e da insegurança, acabei por decidir me comunicar com “ele”.

"onde você está?" digitei relutantemente, e aguardei por uma resposta. “Que beleza! Primeiro fantasmas e agora estou falando com um computador. Só posso ter enlouquecido de vez mesmo!” pensei comigo, tentando quebrar a tensão do momento.

“EM_TODO_LUGAR” foi a resposta que obtive, e ver o computador escrevendo aquilo aparentemente “sozinho” foi tão incrível quanto apavorante, me arrepiei inteira, complemente chocada, ainda mais do que antes por ver com meus próprios olhos, e voltei a me afastar, outra vez tremendo de medo. “POR_FAVOR,_ENCONTRE-ME” escreveu logo em seguida, antes que eu pudesse digitar qualquer coisa. “PRECISAMOS_DETÊ-LA” complementou, confirmando o que eu havia deduzido.

"onde, exatamente, eu posso encontrá-lo?” insisti, tomando coragem pra digitar outra vez, o que não foi nada fácil com meus dedos suando frio.

“EU_NÃO_SEI” respondeu, mas logo prosseguiu com: “É_TUDO_CINZA”. Cinza? Aquilo não fazia o menor sentido. Tinha que ser alguma brincadeira.

"se nem você mesmo sabe, como espera que eu o encontre?” questionei, agora com o medo dando lugar à irritação. Jurei que se aquilo fosse mesmo alguma piada escrota do Vinny eu ia... Ah, ele ia se ver comigo!

“NÃO_TEMOS_MUITO_TEMPO” avisou. Se alguém não tinha tempo esse alguém era eu, muito menos pra brincadeiras de mal gosto de estranhos que eu nem conhecia. Já tinha coisas demais para pensar e me preocupar, estava cansada daquilo! Cansada de joguinhos ridículos e enigmas sem sentido. “ELA_JÁ_COMEÇOU” avisou em seguida.

"ela quem?" perguntei, e prossegui com: "nada do que você diz faz o menor sentido!" sendo sincera. Até levantei e deixei o notebook com cuidado sobre a mesa, olhando fixamente pra tela, apreensiva e impaciente.

“ELA_ESTÁ_SEMPRE_OBSERVANDO” respondeu, ainda sem oferecer qualquer informação que me ajudasse a compreender melhor a situação. “É_DIFÍCIL_MANTER_A_CONEXÃO” aquilo tudo parecia mesmo um quebra-cabeça sem fim, e eu estava ficando sem paciência. “POR_ FAVOR,_ME_AJUDE” pediu, e eu fiquei ainda mais incomodada por não poder fazer praticamente nada, afinal, pra começo de conversa, eu não estava entendendo quase nada. Me perguntei se algumas mensagens não estariam sendo entregues, por falhas na comunicação ou algo do tipo.

"como eu posso te ajudar?" questionei. "seja claro!" complementei, segundos depois. Quando achei que finalmente teria uma resposta útil, os characteres apareceram todos bugados e irreconhecíveis, enquanto as interferências pareciam escondê-los, como se algo estivesse impedindo de propósito que eu recebesse as informações. Aquilo ficava cada vez mais estranho e, por mais que eu quisesse acreditar e ajudar, soava cada vez mais ridículo e falso. Já de saco cheio daquilo tudo, exigi as respostas que eu tanto queria e precisava de imediato: "me diga logo quem é você e o que quer comigo!" e mais uma vez, não obtive resposta alguma, foram apenas mais interferências bloqueando as mensagens na tela, impedindo que eu as visualizasse. "já chega!" digitei, me segurando pra não ficar ainda mais nervosa com a droga de um computador. "cansei dessa brincadeira de mal gosto!" desabafei logo de uma vez. "apareça, seja quem for!" exigi, e foi a última coisa que digitei.

Fiquei parada, encarando a tela como se encarasse um rival, de braços cruzados, aguardando que aquele indivíduo misterioso finalmente desse as caras de uma voz por todas. As interferências ficaram ainda mais fortes, gradualmente, tomando toda a tela, que por fim escureceu por completo, exibindo apenas a palavra “CARREGANDO_DADOS”. Extremamente irritada e temendo perder o controle ao ponto de quebrar aquela porcaria, virei de costas e me retirei do quarto. Achei ter visto um clarão e ter ouvido alguma coisa, mas a raiva do momento me fez deduzir que fosse apenas o sistema do computador reiniciando após ficar tão sobrecarregado, e, além do mais, àquela altura eu já estava longe, caminhando pelos corredores.

Créditos para eu mesma (sim, fiz essa arte especialmente pra esse capítulo). rs (Veja a imagem original no meu DeviantART)

Fui ao encontro de Altaïr na sala dele, como o mesmo havia solicitado, já era noite e o encontrei sentado, escrevendo alguma coisa em uma folha de papel. Sem dizer nada, sequer me anunciar ou cumprimentá-lo, me aproximei bem devagar e sorrateiramente, curiosa, imaginando que aquele papel pudesse ser o que eu pensava que era: Uma das páginas do codex. Se fosse, era certamente uma das coisas que eu mais queria ver desde que cheguei ali, e assim fazer parte da história, presenciando um acontecimento tão importante, não apenas para a irmandade. O silêncio era quase que absoluto, exceto pelo fogo queimando na lareira e, é claro, o suave som da pena com tinta tocando o papel nos curtos intervalos em que o Assassino escrevia. Procurei não fazer nenhum barulho, temendo que, caso Altaïr me notasse, iria parar o que estava fazendo e/ou, por algum motivo, não me deixaria ver. Parada atrás dele, inclinei meu corpo levemente para frente e virei a cabeça para o lado, tendo finalmente uma visão perfeita daquela folha de papel como eu queria. Sorri, satisfeita, e meus olhos com certeza devem ter brilhado ao notar que se tratava mesmo de uma das futuras páginas do codex, precisei me conter para manter o silêncio, mas não deixei de ficar boquiaberta, admirada.

— Aproveitando a leitura, imagino. — Disse Altaïr, quebrando o silêncio, usando de sua característica voz séria e me encarando com um olhar sem expressão. É claro, para um mestre em stealth como ele, minha tentativa de passar despercebida não tinha como dar certo, afinal eram anos e anos de treinamento e experiência, aquilo deve ter soado como uma piada pra alguém do rank dele. Onde eu estava com a cabeça quando tive essa ideia maluca? O lendário Assassino, com toda certeza, sabia da minha presença ali o tempo todo. E bem, pra ser sincera eu não tive tempo de ler nada do que estava escrito naquela folha, só pude assimilar os desenhos aos que já conhecia e sabia que faziam parte do codex.

— AH! — Gritei com o susto e me afastei por reflexo, quase perdendo o equilíbrio, mas me recompus rapidamente e disfarcei, como se nada tivesse acontecido. Precisei disfarçar não apenas o susto, como também a extrema vergonha que eu sentia naquele momento. — Segurança e paz, Mentor. — Falei com uma voz mais séria e parada em uma postura formal.

— Uma atitude ousada e bem corajosa de sua parte, devo admitir. — Deu uma breve pausa. — Mas também bem tola. — Complementou, ainda falava todo sério e agora me olhava atentamente, como se estivesse me analisando, e de fato estava. — Se eu fosse seu inimigo estaria morta desde o momento em que colocou os pés nesta sala. — Confirmou minha teoria, ele realmente sabia desde o início, e com certeza não fez nada justamente por se tratar de mim. Aquilo soou um pouco arrogante, mesmo considerando que, como Mestre, Altaïr sabia muito bem o que estava dizendo. — Você é desleixada, não tem o mínimo de cautela. Pelo que vejo precisará de muito treinamento para ter chances de sobreviver a uma missão na qual for necessário agir furtivamente. — Constatou, e foi longe, por um instante pareceu até que queria me humilhar.

— Tá, já entendi. — Cruzei os braços e revirei os olhos, falando com uma voz bem forçada, nada contente com aquilo. — Foi para isso que me chamou até aqui? Simplesmente pra me humilhar? — Questionei, de um jeito não muito amigável.

— Sente-se. — Foi só o que ele respondeu, curto e direto. Obedeci rapidamente, arrastando uma cadeira que estava do outro lado da mesa pra bem perto e me sentando do ladinho dele, quase que colada. Cheguei a me arrepender e me achar mais idiota ainda, considerando o que havia acontecido entre nós, mas mesmo assim eu simplesmente não conseguia evitar de querer ficar perto de Altaïr, vai ver eu gostava de ser trouxa.

— Eu... Posso? — Perguntei, um pouco receosa, me referindo à folha que tanto queria ler, já esticando a mão para pegá-la.

— Você está aqui em uma missão para ajudar-me com o estudo da Maçã e como tal não há razão para termos segredos um com o outro em relação a este assunto. Não há necessidade de pedir, você deveria saber que é livre para analisar minhas descobertas. — Explicou pra ressaltar o que era óbvio, de uma forma um pouco mais gentil, porém, sem perder sua formalidade... Formalidade até demais. Aquele era outro momento onde o Assassino demonstrava sua total confiança em mim, confiança que, também, era demais, e bem suspeita. De qualquer forma, mais uma vez, eu não poderia deixar de me sentir honrada com tal confiança.

— Um “fique à vontade” já bastava. — Ri baixinho, pegando o papel. Estranhei ao ver que, mesmo sendo fluente na língua dele, não entendia nada do que estava escrito, precisei ler por mais de duas vezes até me dar por vencida. — Eu... Não entendo. — Admiti, claramente envergonhada.

— Está codificada. — Explicou, ainda de um jeito bem gentil pros padrões dele. — É preciso garantir que apenas aqueles que são dignos tenham acesso ao valioso conhecimento que estou colocando nestas páginas. — Levou a mão para o outro lado, onde haviam mais algumas.

— Conhecimento não deveria ser livre para todos? — Questionei.

— Sim, deveria. — Neste momento pareceu gostar bastante do que eu disse, chegou a disfarçar uma expressão de admiração. — Porém, estas são diferentes e não devem, sob hipótese alguma, cair em mãos erradas. E acredito que assim que ler você compreenderá o porque. — Rebateu, falando com uma entonação mais séria. — Estou certo de que você é bem instruída e com isso capaz de decifrá-las, então não serão um problema. — Voltou a falar de forma gentil, olhando confiante para mim.

— Ah sim, claro. É... Com certeza. — Disfarcei, forçando um sorriso. — Quem ele pensa que eu sou? Leonardo Da Vinci? — Pensei alto no meu próprio idioma e acabei falando.

— O que disse? — Ainda me olhava.

— Eu? Nada não. — Voltei a rir baixo, envergonhada, mas feliz por saber que ele não tinha entendido. Deixei a página na mesa e desviei o olhar pra um ponto aleatório.

— Bem... — Se levantou, tomando uma postura mais séria e formal como a de um verdadeiro mestre, e prosseguiu, falando de frente para mim: — Chamei-a aqui porque ser um Assassino não se resume apenas à parte prática do que fazemos, seja esta: Combate, investigação, a execução dos assassinatos em si, ou qualquer outra; antes de tudo, devemos ser bem instruídos em diversas áreas do conhecimento, para que assim possamos compreender melhor o mundo e as nossas próprias ações. — Explicou, clara e objetivamente. Aquela provavelmente deveria ser a primeira vez que Altaïr estava instruindo um aprendiz de forma particular, considerando o que Malik havia dito, porém, analisando os poucos dias que eu tivera de treinamento, a forma confiante com que ele falava e o modo atencioso com o qual agia, Altaïr parecia já ter tido dezenas deles. Talvez fosse sua sabedoria... E claro, toda sua experiência em tão pouca idade. Porém, ele também sabia ser bem exigente e chato ás vezes... Não, pra ser sincera, ele sabia ser chato pra porra! Mas não esperaria menos de um Mestre Assassino tão habilidoso, eu só precisava ter mais paciência pra aguentar mesmo, ainda mais depois do acontecido. Simplesmente estar ali com Altaïr na mesma sala sem me revoltar ou cair na tristeza já era difícil o bastante. — Considerando que você vem de longe e de outra época, onde certamente devem haver outros costumes e métodos, fico sem saber como foi feita a sua instrução na Irmandade do futuro e portanto achei que seria prudente instruí-la eu mesmo nesse âmbito, como parte do treinamento, uma vez que se propôs a seguir os nossos modos. Pode também ser uma forma de, como eu lhe disse antes, aprendermos um com o outro trocando experiências. Eu gostaria muito de saber mais sobre a Irmandade do seu tempo e como...

— Então, basicamente, você quer uma troca. — O interrompi, me levantando também. Cruzei os braços e fechei a cara, encarando o espertinho, sem medo. Ali ele deixava bem claro seu interesse.

— Não seria justo e beneficiaria a todos? — Argumentou, mantendo o tom gentil.

— Você já sabe muito bem que há coisas que, por mais que eu queira, não posso lhe dizer ou mostrar. — Precisei ressaltar mais uma vez, sem muito saco pra isso. — Foi por isso que decidiu me treinar? Por puro interesse? — Questionei, de forma bem direta, e ousada.

— Não. — Altaïr respondeu de forma calma e natural, sem se abater com a forma que eu claramente o confrontei. — Devo admitir que tenho sim interesse no futuro, eu seria um tolo se negasse. Mas não foi com estas intenções que decidi treiná-la. — Complementou, no mesmo tom.

— Então por que? — Insisti, não imaginava outro motivo aparente.

— Porque eu te... — Hesitou por um momento, me perguntei o que ele queria dizer e não disse. — Porque eu te vi em ação e acredito no seu potencial, sei da sua vontade de fazer mais pela nossa causa e quis lhe dar a chance que a Irmandade do seu tempo infelizmente não lhe deu. E também porque me sinto em dívida com você, uma vez que está aqui em uma missão unicamente para me auxiliar, sem pedir nada em retorno. — Explicou, ainda se mostrava bem calmo e, por mais que eu não quisesse admitir, parecia estar sendo sincero. — Eu realmente gostaria que houvesse uma troca entre nós, mas compreendo se não for possível e não irei forçá-la a nada, aceitarei o que achar seguro e puder me dizer. Já sou grato por você estar aqui. — Aproximou-se devagar, segurando minhas mãos, em um ato nada comum vindo dele. A forma como ele havia dito pareceu até carinhosa, e me deixou completamente sem jeito, feito uma idiota apaixonada... Que eu definitivamente era.

— Certo. — Falei de um jeito mais sério, desviando o olhar daqueles belos olhos dourados que insistiam em fitar os meus. Me afastei rapidamente, antes que fosse tarde. Não foi fácil resistir, mesmo com os meus ressentimentos. Porém, eu tinha que lembrar que aquilo podia fazer parte dos planos dele. — Obrigada por compreender. — Disfarcei, forçando uma voz gentil. O silêncio tomou conta do lugar, outra vez era possível ouvir o fogo na lareira.

— Fale-me sobre o credo. — Ordenou, quebrando o silêncio antes que o mesmo se tornasse constrangedor e voltando a tomar sua postura séria e rígida de Mestre. Estendeu a mão discretamente na direção da cadeira, indicando que eu deveria voltar a me sentar, e assim o fiz, olhando para ele ali em pé parado.

— Você é o Mentor, tenho plena certeza de que o conhece muito bem, não? — Não resisti, falando sem medo em tom de deboche olhando bem pra cara dele, até ri e tudo. Fiz de propósito mesmo, sabendo que Altaïr não iria gostar e certamente tentaria esconder que aquilo o havia irritado. Se o que eu suspeitava era verdade, ele merecia... E muito mais! Fiquei só esperando a reação eminente...

— Não estou aqui para brincadeiras, Erika. E creio que você, encarregada de uma missão tão importante, também não está. — Dito e feito! Rebateu de imediato, claramente controlando-se para parecer o mesmo Mestre sério e formal de sempre. — Viajou quase mil anos ao passado para agir feito uma criança e responder isto? — É, ele não resistiu no final. Acabou soltando essa em um tom levemente mais autoritário e me encarando com uma expressão não muito agradável. Eu o tinha irritado mesmo, e vê-lo sair de sua zona de conforto de homem supostamente frio e inabalável, mesmo que de leve, era impagável! Deu uma pausa e se recompôs rapidamente, complementando, novamente com uma abordagem mais séria e um pouquinho mais gentil: — Sei que pode fazer melhor.

— “Nada é verdade, tudo é permitido”. — Respondi logo de uma vez, mas levando aquela “aula” um pouco mais a sério e estranhando pelo Assassino me perguntar algo tão óbvio. Desviava o olhar para outros pontos da sala, evitando fazer contato visual com ele mais uma vez.

— E como você o interpreta? — Perguntou, olhando para mim como se me analisasse outra vez, e com toda certeza estava mesmo me analisando de novo, agora mais do que nunca, pois foi só então que entendi: Altaïr queria saber o que o credo significava para mim, e assim entender se eu o compreendia em tudo o que este representa. Era uma pergunta e tanto! Uma palavra errada talvez pudesse fazê-lo ter uma visão desagradável sobre mim, talvez a visão de que eu não soubesse pelo que estava lutando ou outra ainda pior. O que antes pareceu uma pergunta tão simples, agora era um verdadeiro desafio... Um momento decisivo, onde ele veria se eu era, apesar da falta de treinamento, uma verdadeira Assassina ou não, afinal era o nosso credo que definia e até hoje define quem somos como Irmandade. Ter que explicá-lo para ninguém menos do que o maior e mais importante Mentor na história da mesma era uma tarefa difícil e delicada... Eu diria até assustadora. Tremi na base e senti minhas pernas ficarem bambas, por sorte eu estava sentada, mas precisei respirar fundo e tentar me acalmar antes que ficasse ainda mais nervosa, senti um frio na barriga. Imediatamente, olhei diretamente para o Assassino, que permanecia parado de frente para mim, ainda me analisando e aguardando pacientemente por uma resposta. Respirei fundo outra vez e procurei as palavras certas, lembrando do que eu havia aprendido, não apenas com a Irmandade do meu tempo, mas também estudando outros membros importantes na história desta e suas interpretações do credo, entre eles, obviamente, o próprio Altaïr.

— Bem... Pode ser erroneamente interpretado como uma permissão para se fazer o que bem entende, mas que na verdade tem o objetivo de orientar nossos sentidos de maneira que possamos ver o mundo da forma como ele realmente é: uma ilusão, uma realidade frágil da qual a maioria se submete a ser escravo, e compreender que devemos ser os arquitetos de nossas próprias ações, e que devemos também viver com as consequências das mesmas. — Procurei dizer da forma mais clara e objetiva que meu nervosismo e medo permitiam, o que não foi muito fácil e poderia talvez dar ao Assassino a impressão de que eu não estava completamente segura do que dizia. Dei uma breve pausa para respirar, e complementei, tentando soar mais calma: — Envolve razão, sabedoria... — O silêncio se fez, e Altaïr pareceu surpreso, por mais que tentasse esconder, o que me fez questionar se eu havia dito algo errado. Porém, eu não disse nada, por medo de piorar as coisas. Apenas aguardei... E cada breve segundo aguardando a resposta dele pareceu uma eternidade.

— Excelente! — Exclamou, em uma súbita satisfação que ele deixou transparecer, com direito até mesmo a um sorriso bem leve e um brilho nos olhos. Mas é claro, o Assassino como sempre evitava demonstrar muito, e tratou de disfarçar: — Quero dizer... É curioso, e estranho. Como se você fosse capaz de ler a minha mente e responder quase que exatamente da forma como penso. — Complementou, pensativo. Porém, sua voz era suave e gentil o bastante para ainda indicar levemente tal satisfação. E eu, é claro, não escondi como fiquei imensamente aliviada ao ouvir aquilo. “Sua mente ainda não, mas as páginas do seu codex sim”, pensei comigo mesma, rindo baixinho. — E não há necessidade de ter medo ao responder às minhas perguntas, Erika. Sou seu Mestre, não seu inimigo. Mesmo que erre, é algo natural quando se está aprendendo. — Observou gentilmente, notando meu evidente alívio. — Permita-se errar, e verá que pode aprender muito com os seus erros também.

— Certo, eu compreendo. — Dei uma pausa. — É que errar em algo tão importante como a definição do nosso credo seria uma vergonha para qualquer um que se diz parte desta Irmandade.

— Você vem de uma época e um lugar distante, eu não me surpreenderia se a maneira de interpretar nosso credo fosse totalmente diferente. As coisas mudam, as pessoas mudam e com elas sua visão do mundo, consequentemente as épocas mudam... E mil anos é muito tempo. — Constatou, outra vez perdido em pensamentos, e se eu o conhecia bem na certa estava imaginando o futuro de onde eu vinha e todas suas possibilidades, já que eu revelava tão pouco. Era muito bom ver esse lado mais compreensivo e sábio dele, ainda me surpreendia bastante. — Nesse caso, se a forma como a Irmandade do seu tempo interpreta o credo tivesse mudado, não seria necessariamente um erro, apenas diferenças temporais... Visões diferentes de mundos, suponho eu, completamente diferentes.

— Muita coisa mudou na Irmandade ao longo dos séculos, e algumas para melhor... — Como eu quis revelar que seria exatamente ele quem faria várias dessas mudanças, sendo o responsável por reestruturar a Irmandade e fazer dela o que conhecemos hoje, precisei me conter. Quando me dei conta, estava olhando para Altaïr e sorrindo sem nem perceber. Eu não podia ficar assim demonstrando o quanto eu o admirava depois daquilo que havia acontecido, precisava disfarçar... E foi o que fiz. — ...Outras, nem tanto. — Complementei, me referindo ao trabalho extremamente entediante em equipes de apoio que tanto fiz. — Mas o nosso credo continua o mesmo.

— Eu acredito que não se pode “matar” o nosso credo. Mesmo se matassem a todos nós que o seguimos... — Deu uma breve pausa. — Mesmo se a nossa Irmandade fosse completamente destruída e todos os nossos registros apagados da história, em alguma época em algum outro lugar alguém o redescobriria e o reinventaria, pois é uma ideia e não se pode matar uma ideia. — Explicou calmamente, e foi fácil lembrar que, no meu tempo, eu havia lido algo bem parecido no codex dele pela database do Animus. Me perguntei se ele já havia escrito aquilo, quando tive minha resposta quase que instantaneamente ao vê-lo sentar-se outra vez ao meu lado e pegar a pena com tinha e uma folha parcialmente escrita, justamente para anotar o que acabara de me dizer, e somente o fizera por causa de sua conversa comigo segundos atrás, sem mim, aquela parte que eu mesma já tinha lido jamais seria escrita. Isso era tão... Louco de se ver e pensar, por um instante nem sequer acreditei que era real e demorei um certo tempo para assimilar, é claro, sem bugar a mente, afinal confuso é pouco pra definir essas coisas de tempo e espaço. Eu estava realmente fazendo parte da história da Irmandade! Eu era importante ali, essencial naquele exato momento! Fiquei do lado dele, bem pertinho, observando o Assassino atentamente enquanto o mesmo escrevia, outra vez admirada feito uma boba e com um largo sorriso no rosto... Eu não conseguia esconder. Altaïr, que não era burro nem nada, logicamente percebeu a forma como eu o olhava, parou por um instante e perguntou, de forma gentil: — Por que está sorrindo dessa forma para mim? — Por um instante pensei até mesmo que ele fosse rir, mas não. Fiquei envergonhada de imediato e pelo que conheço de mim mesma devo ter ficado vermelha igual um pimentão. Me senti uma verdadeira idiota!

— Não estou sorrindo pra você. — Tentei disfarçar, usando de um tom mais sério. — Que ego inflado, hein? — Alfinetei, sem medo. — Estava pensando em coisas que me fazem bem. — “Como você, por exemplo”, pensei comigo mesma, mas eu era orgulhosa e jamais admitiria, não depois daquilo... E ele não precisava, não deveria, mesmo saber.

— Gostaria de compartilhá-las? — Sugeriu, ainda sendo gentil.

— Não, obrigada. — Fui curta e direta.

— Você revela tão pouco sobre si mesma, enquanto sabe praticamente tudo sobre mim... Até mais do que eu mesmo sei, como você diz. — Constatou, pensativo.

— E isso te intimida? — Questionei, de forma bem sagaz, devo admitir.

— Abaixaria sua guarda se eu também abaixasse a minha e fosse sincero ao admitir que sim? — Rebateu, igualmente sagaz.

— Que guarda? Do que você está falando? — Cruzei os braços, já não gostando do rumo daquela conversa doida.

— É natural criarmos uma “proteção” quando nos sentimos ameaçados, Erika. Você estranhamente mudou de um momento para o outro... Diga-me, o que a assusta? — Perguntou, outra vez de forma gentil, tentando bancar o psicólogo medieval ou seja lá o que for, era só o que faltava mesmo. Largou a pena no pequeno pote com tinta e voltou toda sua atenção para mim, mais uma vez me analisava... E eu, como sempre, desviava o olhar para outros pontos a fim de evitá-lo. — Como eu disse antes: Não sou seu inimigo. — Frisou, falando devagar, de forma bem clara e com uma postura mais séria, que até o fazia parecer sincero e convincente. Do nada, colocou a mão dele sobre a minha na mesa, fazendo com que eu me arrepiasse de imediato e olhasse pra ele... Tão perto, com aqueles olhos cor de mel cercando e encarando os meus. Era estranho como o Assassino de repente passou a buscar mais contato físico, e ainda mais estranho considerando o que houve. Se ele pensava que ia me enganar dando uma de “carinhoso” depois daquilo, ah mas não ia mesmo! — Não se feche para mim. — Complementou, usando de uma voz levemente mais sutil. É, Altaïr era um bom observador, com toda certeza sabia que eu estava confusa e com medo.

— Ha! Olha quem fala! — Soltei minha mão e me afastei um pouco, empurrando a cadeira para trás, mas ainda permanecendo sentada nela. — Altaïr, o homem misterioso da montanha que não fala sequer uma palavra sobre si mesmo. Irônico, não? — Debochei na cara dele, rindo um pouquinho pra enfatizar, porém, sem deixar de ser levemente venenosa ao jogar essas verdades bem ditas. — Se eu estou me fechando, você está, literalmente, em uma fortaleza. — Rebati, falando mais sério e o encarando, agora sem medo.

— Eu tenho tentando ser mais aberto cm você desde que eu... — Se interrompeu. — ...Desde que eu percebi que era realmente confiável. — Se recompôs, rapidamente. Tive uma leve impressão de que na verdade ele queria era dizer outra coisa, eu só não sabia o que era. De qualquer forma, parando para refletir percebi que ali ele tinha até razão e de fato com o tempo passou a ser mesmo mais aberto comigo, o que ainda era bem estranho pra mim, eu precisava me acostumar.

— Então porque não me fala mais sobre você. — Desafiei, cruzando os braços.

— Achei que, vindo do futuro, você já soubesse tudo sobre mim, não? — Rebateu, outra vez bem sagaz, enfatizando o que dissera antes.

— Não, não tudo. Somente o que conta nos registros históricos da Irmandade e o que vi de suas memórias. — Argumentei, ainda falando de forma séria.

— Percebe? Você viu minha vida através das minhas próprias memórias, o que pode ser mais pessoal e revelador do que isto? — Questionou, mantendo a calma, apesar do quão estranho aquilo deveria ser para ele, e certamente era, talvez até mesmo assustador. Eu podia ver a dúvida e a insegurança nos olhos dele, mesmo que tentasse esconder e o fizesse bem. Me lembrei então do que Dexter havia dito... Estaria o Assassino se sentindo ameaçado com isso? Poderia mesmo estar, era até compreensível se estivesse. No lugar dele eu confesso que ficaria apavorada. — Enquanto eu sequer sei o básico sobre você, e mesmo assim, mantenho minha confiança. — Complementou, comparando o que era verdade, admito. Talvez eu estivesse mesmo me fechando demais, seja por medo de comprometer a missão, das consequências para o futuro ou talvez por medo do próprio Altaïr e do que o mesmo pudesse ser capaz de fazer.

— Está bem... Você venceu. O que quer saber de mim? — Finalmente acabei cedendo, contra a minha vontade e isso ficou claro pela forma pesada como falei. Porém, passei a supor que talvez se eu me abrisse mais a situação entre nós dois melhorasse, independente se Dexter estivesse certo ou não a respeito dele e a forma como possivelmente poderia estar me enganando por se sentir ameaçado. Talvez, se Altaïr soubesse quem eu era de verdade perceberia que eu não representava nenhum perigo.

— O que você estiver disposta a me dizer. — Soou tão respeitoso e gentil, de um jeito que achei bem ridículo pra alguém que supostamente queria me arrancar informações. Só podia ser atuação, não era possível.

— Diz logo o que quer saber, Altaïr! Mas que coisa! — Insisti, encarando ele, já quase sem paciência. — Não era o que você queria? Então.

— Você nasceu na Irmandade? — Perguntou exatamente o que eu imaginei, era bem a cara dele mesmo se interessar justamente por isso, considerando que essa era sua realidade. E ele não escondia nem um pouco que queria saber sobre.

— Não. — Afirmei e imediatamente vi a estranheza nos olhos dele, mas logo prossegui, antes que fizesse mais alguma pergunta: — Eu nasci em uma família rica e tradicional de nobres britânicos. Meu pai é um Lord e como tal exerce função política no parlamento do Reino Unido, e eu fui criada desde a infância para ter a mesma carreira, se não por herança, o que não é garantido no meu tempo, que fosse por mérito próprio, sendo eleita pelo povo... — Dei uma breve pausa. — O que, de certa forma, soaria até mais “bonito” e bem apelativo em questões de campanha: Uma nobre, vinda de uma família com séculos de tradição que não herdou seu lugar no parlamento ou foi indicada pela monarquia, mas sim eleita pelo povo. Humilde e inspirador, não? — Falei de forma bem sarcástica pra enfatizar o quanto aquela ideia de “propaganda” soava ridiculamente forçada, sem conseguir segurar o riso. — É, com toda certeza meu pai deve ter pensado nisso, inteligente como ele é. — Usei de um tom mais sério. — Eu fui...

— Espere. — Altaïr me interrompeu. — Eleita pelo povo? Você quer dizer que... ?

— Sim, no meu tempo a democracia é o sistema mais comum. — Desta vez eu o interrompi. — Existem vários sistemas políticos baseados em democracia, há inclusive países onde praticamente todos os seus governantes são eleitos pelo povo. O Reino Unido é, digamos, um misto. Somos o que chamamos de uma “monarquia parlamentarista”. Nós temos um monarca, atualmente uma rainha, no comando do estado, porém, também temos um primeiro ministro, eleito pelo povo, no comando do governo. E claro, um parlamento, como o nome obviamente sugere, onde há representantes nobres hereditários, outros indicados e os eleitos pelo povo. De forma resumida: É um sistema de governo que descentraliza o poder, basicamente o oposto de uma monarquia absolutista, que você deve conhecer bem como funciona. — Tentei explicar da forma mais simples e clara para que ele entendesse, não querendo menosprezá-lo como o homem genial que era, mas sim evitar que a conversa perdesse o foco por dúvidas quanto a certas coisas que naturalmente seriam estranhas ou desconhecidas pra alguém da época dele. Me lembrei das minhas primeiras aulas sobre política e foi até legal eu mesma agora poder “dar uma aula” sobre um assunto que fez parte da minha vida por tanto tempo, mesmo que eu estivesse explicando conceitos mais básicos.

— Fascinante! — Sorriu de leve, e os olhos dele até brilharam. — Devem ser tempos incríveis para se viver, com tanta liberdade. — Imaginou, era óbvio que um Assassino como Altaïr estaria encantado com a ideia de tamanha liberdade nas mãos das pessoas, eu não poderia esperar outra coisa dele.

— Sim, sim. De certa forma é sim. — Acabei sorrindo junto, sem nem perceber, também encantada ao vê-lo tão encantado, por mais estranho que isso fosse. Mas me recompus rapidamente e complementei, de uma forma mais séria: — Mas não vá logo assim pensando que o futuro de onde eu venho é um lugar perfeito. Temos sim mais liberdade, mas ainda há muito o que conquistar. — Adverti, e dei continuidade à nossa conversa: — Onde eu estava mesmo? — Dei uma pausa, pensativa. — Ah, sim. Então... Eu fui criada para ser não só apenas mais um membro do parlamento, o que já seria um cargo de prestígio por si só, meu pai é bem ambicioso e queria mais, queria que eu me tornasse nada mais nada menos do que a primeira-ministra. — Dei outra pausa, tentando afastar da minha mente algumas memórias não tão agradáveis do meu pai. — Ele sonhava que eu conquistasse o poder e prestígio que ele mesmo não foi capaz... Pelo menos não até hoje.

— Eu não me lembro muito bem do meu pai, eu era muito jovem quando ele... — Parou de falar ao perceber que a entonação de sua voz estava mudando, tentando esconder a tristeza e comoção que eu pude perceber de imediato. Achei que Altaïr fosse finalmente se abrir de vez, mas não parecia tão fácil pra ele. Bom... Ao menos o coitado fazia um esforço e tentava, parecia mesmo querer ser mais aberto comigo como havia afirmado e, se fosse o caso, era certamente algo bem raro e que eu deveria valorizar. Ficou em silêncio por alguns segundos e logo recompôs a postura, voltando a falar com sua natural voz séria: — As poucas lembranças que tenho dele são vagas. Tudo o que sei é que ele era um homem de honra, um Assassino acima de tudo, disposto a se sacrificar pela Irmandade. — Imaginei que aquela última frase tenha sido difícil de dizer, ainda mais sem demonstrar, afinal eu sabia bem o que havia acontecido com o pai dele, e também, é claro, as reações em cadeia que vieram após isso e os impactos das mesmas na vida de Altaïr... E outros impactos que infelizmente o Assassino ainda sofreria no futuro.

— Eu sinto muito... De verdade. Eu... — Não sabia o que dizer direto, até porque, mesmo que curto e moderado, aquele desabafo dele me pegou de surpresa. — Tenho certeza que seu pai era um homem de honra e um grande Assassino, assim como você. — Acabei dizendo por conta do momento, com um belo sorriso e de uma forma bem gentil para reconfortá-lo, mas a verdade era que depois do que havia acontecido eu já não sabia ao certo se ele era mesmo esse homem honrado que sempre admirei.

— Obrigado! — Disse o Assassino com uma voz tão gentil quanto a minha, retribuindo o sorriso discretamente, mas pareceu ter mesmo gostado do que ouviu, não só pelo elogio. — Sobre o que a sua família planejava para o seu futuro... Você não queria aquilo para si, imagino. — Deduziu o óbvio.

— No começo eu até queria, achava que estava no caminho certo, e aceitava o destino escolhido pelos meus pais para mim, mas com o passar dos anos eu me perguntava se era isso mesmo que queria... E bom, com o tempo a resposta passou a ser “não”. — Dei outra pausa. — Pensei em abrir o jogo, mas no fundo eu sabia que seria em vão. Eles investiram anos e anos em mim e eu, a única filha deles, era também a única chance de passar a frente o legado da família. A pressão era enorme. Pode imaginar? — Aquelas memórias não me faziam bem e isso era visível, por mais que eu tentasse esconder.

— Se sentia sozinha? — Perguntou, e eu imaginei que ele, órfão dos dois pais e tendo sido criado na Irmandade desde muito cedo, certamente já havia se sentido muito solitário também.

— Demais! Você nem imagina. — Respirei fundo, ainda tentando esconder minha tristeza, sem muito sucesso. — Quero dizer... Eu até tive um único amigo. — Me perguntei se deveria falar sobre Dexter, mas achei mais prudente não entrar em detalhes.

— Eu também. — Pensou alto e acabou falando vagamente, pensativo. Ali eu soube que se referia à Abbas e sua amizade com o mesmo durante a infância. Fingi que não ouvi, querendo distraí-lo das tristes memórias que talvez estivesse relembrando naquele momento. 

— Mas... A maior parte do tempo eu passava presa em casa estudando ou em viagens diplomáticas com meu pai e outros membros do parlamento. E quando eu ia às festas da alta sociedade, as pessoas eram tão... Vazias. — Abaixei a cabeça. — Acredito que meus únicos verdadeiros companheiros por muito tempo foram os livros e a música, duas paixões que adquiri com os estudos. É, acho que vantagem disso tudo foi ter tido a oportunidade de estudar com alguns dos melhores professores do meu tempo.

— Então não foi de tudo ruim. — Altaïr voltou a sorrir, e desta vez sequer escondeu, falando inclusive de uma forma bem otimista. Na certa aquela informação de que eu dediquei tantos anos da minha vida ao conhecimento o agradou e muito. Será que, com a criação que teve na Irmandade, havia se identificado comigo?

— É, não foi. Foram durante as viagens mais longas que pude conhecer outras culturas e acabei aprendendo alguns idiomas... Dentre eles o seu, obviamente. Isso quando eu não era obrigada a passar horas e horas em reuniões chatas, é claro. — Ergui a cabeça de leve e tentei retribuir o sorriso da melhor maneira que aquelas memórias tão dolorosas me permitiam, até me lembrar que não deveria estar sorrindo pra ele e desfazer o sorriso de imediato, sem nem disfarçar, fitando-o com uma expressão séria. Eu precisava me conter diante dele, me controlar mais... — Então acredito que se eu não tivesse tido a educação e as oportunidades que a minha posição sócio-econômica me proporcionou certamente não teria a mesma visão de mundo que tenho hoje... E não poderia estar conversando com você nesse momento também. — Dei uma pausa. — Pelo menos não sem o tradutor do Vinny. — Falei baixinho pra mim mesma no meu próprio idioma.

— E você fala perfeitamente bem, embora algumas coisas que diz não façam o menor sentido... — Deu uma breve pausa. — Mas imagino que sejam termos do seu tempo. — Pareceu bem gentil com esse “elogio”. O que soou bem estranho, considerando que eu raramente recebia algum elogio de Altaïr. O que será que ele queria com aquilo? Eu precisava ficar atenta e não me deixar levar por essas gentilezas e atitudes compreensivas repentinas, não ia cair no joguinho dele.

— É... Obrigada. — Respondi por educação, curta e direta. E logo prossegui: — Mas ainda assim, não foram anos nada fáceis. Você não faz ideia. — Voltei a falar em um tom evidentemente mais triste e abaixar a cabeça outra vez. Naquele momento eu não conseguia evitar mais as memórias ruins e, cansada de lutar contra, acabei deixando algumas lágrimas escorrerem, torcendo para que o Assassino não as visse.

— Deseja parar? — Perguntou Altaïr, com uma voz gentil e acolhedora, porém, aparentemente preocupado. É, pelo visto ele notou meu momento de fraqueza. — Vou compreender se quiser.

— Não, está tudo bem. — Tentei disfarçar, mas a minha voz embargada me entregava. Fiquei calada por alguns segundos, ouvi o Assassino se levantar, quase que silenciosamente e caminhar até o outro lado da sala. Foi tão discreto que somente quando voltou vi que trouxera um belo cálice prateado com vinho, o qual ele deixou sobre a mesa e bem próximo a mim, com cuidado, antes de se sentar ao meu lado outra vez.

— Beba, vai lhe fazer bem. — Sugeriu, ainda falando gentilmente.

— Obrigada. Não precisava. — Respondi em voz baixa, sem jeito. Tomei um gole do vinho e tentei engolir o choro, mas demoraram alguns segundos até que eu me sentisse à vontade para continuar. — Então... Um belo dia, aos meus 17 anos... Eu simplesmente fugi. — Falei pausadamente, de um jeito bem resumido.

— Você fez a escolha certa, por mais dura que possa ter sido, optou por sua liberdade. — Mostrou apoio, embora eu imaginasse que talvez Altaïr pudesse me achar fraca por não ter suportado a pressão e/ou covarde por ter fugido.

— Estudar tanto desde cedo me fez curiosa, sedenta por respostas. E participar das missões despertou em mim o desejo de fazer a diferença no mundo. E foi então que, algum tempo antes de fugir, eu descobri a Irmandade. — Finalmente cheguei onde deveria. Primeiro vi um brilho nos olhos dele e segundo depois vi uma clara confusão.

— Você “descobriu?” — Deu ênfase na palavra, obviamente estranhando aquilo... E com toda razão. A Irmandade não deveria ser descoberta, afinal os Assassinos trabalhavam nas sombras e, como um dos dogmas do credo estipulava, não deveriam comprometê-la.

— Sim. Você não ouviu errado, eu descobri. — Falei com confiança, me divertindo com toda essa surpresa dele.

— Mas... Isso não deveria acontecer... — Estava claramente inconformado, acabei tendo que segurar o riso. — Como? — Questionou, me encarando. — Alguém deve ter nos comprometido. — Tentou deduzir e justificar.

— É... Quase isso. — Outra vez me segurei pra não rir e precisei falar sério. Fiquei alguns segundos calada, pensando em como explicaria algo tão surreal para alguém da época de Altaïr. Tentei fazer o melhor para evitar, mas mesmo de forma resumida eu ainda teria que revelar algumas coisas sobre o futuro, não tinha outro jeito. O Assassino estava impaciente e ainda me encarava, aguardando por uma explicação. — Do futuro de onde eu venho, se esconder em plena vista não é um trabalho fácil... Não apenas para a irmandade. Há “olhos” por todos os lados, de certa forma somos “vigiados”. Há registros, e nem sempre é possível se livrar deles. — Foi minha breve abordagem sobre os avanços tecnológicos e com eles a invasão de privacidade, das coletas de dados alheios por indivíduos e/ou companhias. O verdadeiro “Big Brother”, que havia deixado de ser ficção científica de distopias futuristas para se tornar uma realidade. — Por outro lado, com uma boa pesquisa não é difícil encontrar tais registros... E os boatos se espalham, se tornam teorias, que muitas vezes são confirmadas como fatos, mesmo que muitos tentem escondê-las taxando como “coisas de louco”.

— Agora não estou tão certo quanto ao seu tempo ser incrível em relação à liberdade. — Se mostrou não só desapontado como também confuso e eu diria até muito preocupado para alguém que sequer conhecia a minha época, na certa eu havia destruído parte da imagem otimista que ele tinha do futuro.

— Meio perturbador, não é? Saber que você pode estar sendo observado e que outros podem obter informações pessoais e sigilosas suas. — Dei uma breve pausa, refletindo a respeito, e outra vez me lembrei das suspeitas de Dexter. — Me faz compreender como você deve se sentir quando falo a respeito das suas memórias. Me desculpe se fui invasiva, minha intenção nunca foi lhe assustar ou intimidar com o que sei. — Talvez eu deveria ter deixado isso claro desde a primeira vez que toquei no assunto, mas esperava que, mesmo agora, Altaïr não só compreendesse como ficasse convencido disso, o que eu sabia que não seria tão fácil. Ele permaneceu calado, o que só dificultou as coisas. — Eu disse pra não se iludir... Não venho de um futuro perfeito, pelo contrário. Temos muito por que lutar.

— Talvez isso nunca mude. — Pensou alto demais e acabou falando, visivelmente desanimado. Não me senti muito bem por deixá-lo assim, confesso.

— Então... — Resolvi prosseguir com a história, antes que ficasse um climão ainda mais tenso. E agora vinha a parte mais complicada de explicar: — Eu descobri as conspirações dos Templários, como eles estavam por trás de quase tudo no meu tempo. E com estas conspirações descobri que haviam aqueles que lutavam para garantir nossa liberdade, descobri a Irmandade dos Assassinos. — Dei outra leve pausa, sem saber se deveria ou não dizer, mas acabei dizendo, imaginando que ele me questionaria sobre as fontes das minhas descobertas de qualquer jeito e, agora que eu já tinha revelado parte da história, eu não saberia escondê-las de forma convincente: — Graças à maravilha tecnológica chamada Internet. — Tive que levantar e fazer uma “cerimônia” abrindo os braços, afinal se eu ia correr o risco e falar sobre a tecnologia do futuro, que fosse em grande estilo, não? Tecnologia era outra de minhas paixões também, como “nerd” que sou. Só esperei a minha deixa...

— “Internet?” O que é isto? Não compreendo. — Veio a pergunta óbvia que eu esperava pra continuar. Olhei ao redor, pensando em uma analogia simples que me permitisse explicar, e o que eu precisava estava exatamente ali. Caminhei até as estantes próximas, toda animada, ficando de frente para o Assassino e estendendo minha mão esquerda na direção dos livros.

— Imagine uma enorme biblioteca. Milhares de livros sobre os mais diversos assuntos. — Eu não era a única animada, como eu esperava, ao ouvir aquilo, Altaïr sorriu de imediato... Quase como mágica. Nunca imaginei que poderia vê-lo sorrindo tão rápida e facilmente. Ah, ali estava o sábio Mentor que eu tanto admirava! E claro, pra ele aquela deveria ser a definição de um verdadeiro paraíso. Ao ver o Assassino tão empolgado, exatamente como eu imaginei que estaria, acabei sorrindo também e me animando ainda mais para explicar, então logo prossegui: — Agora imagine esta “biblioteca” em escala mundial, a maior possível e imaginável. Informações quase que infinitas, chegando mais e mais há cada segundo... De forma que, mesmo que você decidisse passar toda a sua vida ali, ou muitas vidas, ainda assim não seria capaz de absorver todo o conteú...

— Leve-me até lá! — Me interrompeu, levantando e vindo até mim mais rápido do que achei ser possível, até para alguém tão ágil como Altaïr. Foi uma mistura estranha de uma ordem e um pedido desesperado, confesso que fiquei um pouco assustada, ainda mais com ele assim tão perto.

— Eu não posso. — Precisei me conter pra não rir e parecer o mais séria possível, o que não foi uma tarefa muito fácil naquela situação onde o Assassino, logicamente sem ter a mínima ideia a respeito, dizia algo tão ridículo e surreal.

— Por que? — Questionou, nada contente e de uma forma bem intimidadora. Fiquei calada, sem saber como dizer aquilo que, apesar de engraçado, precisava ser dito, mesmo com um clima que agora era meio tenso. — Por ser no futuro? — Insistiu, me encarando fria e impacientemente. Cheguei a me arrepender daquela comparação por alguns segundos... O que eu fui fazer? Se tinha uma coisa que eu não deveria fazer com alguém como Altaïr era justamente “brincar” dessa forma a respeito de conhecimento.

— Porque não é um “lugar”. — Fui direta, e acabei rindo descaradamente, não consegui mesmo evitar. Mal podia acreditar que estava tendo aquela conversa que quase virou uma discussão porque ninguém menos que o grande Mentor Altaïr queria que eu o levasse até a internet. Essa com toda certeza eu precisava contar pros meninos da equipe, Vinny ia rir até não poder mais, assim como eu estava rindo naquele momento.

— Isto não é engraçado! — Me repreendeu, outra vez me encarando, furioso. Certamente se sentia envergonhado e tentava esconder pra manter a postura, mesmo que não soubesse porque eu ria. Até teria dó dele, se eu não estivesse rindo tanto de algo tão bobo.

— É sim... E quando entender você vai ver. — Tentei me conter, mas estava difícil parar de rir.

— Como “não é um lugar”? Eu não entendo. — Questionou, um pouco mais calmo e obviamente bem confuso com tudo aquilo. — Não faz o menor sentido... Você disse que... — Falou baixinho para si mesmo, pensativo.

— É que... Como eu vou te explicar... ? — Dessa vez dei uma pausa e me recompus, finalmente parando de rir e voltando a falar de forma mais séria: — Não é um lugar tangível, entende? Você não pode, fisicamente, ir até lá. — Dei outra pausa e retirei meu smartphone do bolso da túnica. — Você acessa de um dispositivo como esse, dentre vários outros que existem, quando o mesmo está conectado à rede. Se lembra quando eu fiz uma rápida pesquisa sobre o Grão Mestre Templário misterioso que encontramos em Acre e obtive as informações que precisava em questão de segundos?

— Sim. E ainda me parece... Impossível. — Respondeu, desviando o olhar pro meu smartphone, sem nem disfarçar. Pareceu estar com o pensamento longe por alguns segundos, talvez ainda admirado com tal tecnologia. — É aquilo? — Perguntou, olhando do smartphone direto para mim.

— Não, aquela era a database do Animus, a máquina com a qual é possível reviver memórias e que, combinada com a tecnologia Daqueles Que Vieram Antes, me permite estar aqui. Todos os meus dispositivos estão conectados ao Animus, que por sua vez está conectado a um artefato precursor. A database é mantida por alguns membros da nossa Irmandade e tem apenas as informações mais essenciais... E bom, nem sempre oferece informações suficientes, como eu mesma já disse. — Parei de explicar por um instante, temendo que o estivesse confundindo ainda mais. E na certa eu estava mesmo, então resumi: — Estou usando como um exemplo. Em termos de pesquisa, funciona quase que dessa forma, porém, com acesso à internet, seria bem mais rápido e melhor, haveriam diversas fontes diferentes, em uma pesquisa muito mais ampla e completa, bem variada. — Dei uma pausa, torcendo pra que Felipe não ouvisse aquilo, afinal era um dos responsáveis pela database e, se eu o conhecia bem, com toda certeza não ficaria nada contente. — Isso, é claro, se eu tivesse acesso aqui no passado, mas pra isso eu precisaria de um provedor muito bom. — Ri baixinho, fazendo uma piada pra mim mesma. 

— Você quer dizer então que não pode ir até, digo... “Acessar” essa tal “internet” estando aqui? — Perguntou, voltando a olhar pro meu smartphone outra vez, o qual fiz questão de guardar de volta no bolso assim que percebi.

— Sim, infelizmente. — Meu desapontamento era bem claro. Eu sentia sim falta da tecnologia do meu tempo, mesmo sendo capaz de trazer algumas coisas comigo para o passado, nunca seria o mesmo.

— Apenas no seu tempo? — Voltou a olhar para mim, também desapontado.

— Isso. — Confirmei, fazendo também um sinal positivo com a cabeça, grata por ele ter entendido pelo menos o conceito mais básico.

— Imagino que deve ser uma ferramenta tão incrível quanto a Maçã, quero dizer... Você pode obter respostas para qualquer pergunta. — Outra vez pensativo, e agora visivelmente maravilhado, voltou a sorrir, certamente imaginando tal possibilidade.

— Não, não para qualquer pergunta. Mas sim para perguntas que o conhecimento humano da minha época abrange... Entende agora o porque da comparação com uma biblioteca? — Tentei parecer bem mais séria, preocupada com tanta confusão por parte dele.

— Agora faz um pouco de sentido... Eu acho. — Deu uma pausa. — Talvez eu só compreenda de fato quanto puder ver todas essas “informações quase que infinitas” por conta própria. — Agora sorriu para mim, todo animadinho.

— Espertinho! — Cruzei os braços. — Sabe bem que eu nem deveria falar sobre isso pra você, só estou falando porque a situação exige explicações mais amplas. Então pode esquecer. — Cortei o barato dele mesmo, sem dó. E por ter desfeito tão rápido o sorriso, dando lugar a uma cara feia de poucos amigos e uma expressão descontente, Altaïr não apenas não gostou como estava prestes a me questionar, quando prossegui, dessa vez com um tom mais suave: — Sinto muito. Vai ter que se contentar com o que eu lhe digo.

— E que outra escolha eu tenho? — Lamentou, sem esconder seu evidente descontentamento. É claro que ele queria não só ouvir como também ver por conta própria e fazer suas “descobertas” com relação à tecnologia, eu já esperava e estranharia se o mesmo não quisesse.

— Embora estejamos no que chamamos de “era da informação”, a internet não se resume apenas a isso. Também consiste em uma série de outros serviços e recursos, como, por exemplo, permite que um indivíduo se comunique instantaneamente com outros em qualquer lugar do mundo.

— Eu diria que isto é impossível, porém, depois de ter visto a Mestre de sua equipe falar diretamente com alguém através do tempo, talvez se comunicar com outra pessoa de qualquer parte do mundo seja algo simples para vocês. — Fez referência à ocasião em que Anne falou com Vinny na frente dele, pouco antes de partir de volta para o “futuro”. — Não sei mais o que pensar... — Desabafou, visivelmente confuso. Talvez eu devesse ir com mais calma pra que o coitado pudesse assimilar as coisas direito, ou talvez fosse melhor eu nem ter dito nada em primeiro lugar, é... Com toda certeza eu não deveria compartilhar esses conhecimentos com ele, os riscos eram tão grandes, temia as consequências daquilo na linha temporal. Por outro lado, eu também temia o que poderia acontecer se continuasse escondendo tudo do Assassino, outra vez as suspeitas de Dexter voltavam a me assombrar.

— Não, o que você viu não é tecnologia do meu tempo. Nós não utilizamos hologramas, pelo menos não ainda, e muito menos nos comunicamos através do tempo e espaço. Aquilo é tecnologia vinda de um artefato Daqueles Que Vieram Antes... — Dei uma curta pausa. — ...Como a Maçã. — Complementei, ainda preocupada com ele assim tão perdido, embora eu compreendesse essa confusão toda e por isso tentasse explicar da melhor forma possível.

— Ás vezes, parece a mesma coisa. — Argumentou, pensativo.

— Mas não é. — Insisti, o encarando bem séria e até erguendo um pouco a voz. — Eu sei que o pouco que você viu deve parecer ser tão extraordinário quanto, mas isso é natural e se deve a grande diferença de época entre nós dois e o quanto a civilização humana evoluiu tecnologicamente em, de certa forma, tão pouco tempo. — Falei com uma voz mais suave. — No futuro realmente temos uma tecnologia avançada, porém está muito longe de sequer chegar perto do que Aqueles Que Vieram Antes eram capazes de fazer, muitos milhares de anos longe, e mesmo assim talvez nunca se iguale. A Maçã e outros artefatos precursores ainda são tão surreais e assustadores para alguém do meu tempo quanto são para alguém do seu. Embora os compreendamos um pouco melhor, ainda parece “bruxaria” para nós também. — Brinquei, concluindo a explicação com um curto riso.

— Curioso... Mas acho que entendo. — Respondeu, ainda pensativo.

— E é por isso que estou aqui. Para lhe ajudar a compreender a Maçã e você também me ajudar no mesmo. Como já foi dito por você, temos muito a aprender, compartilhar e descobrir um com o outro. — Segurei as mãos dele, sorrindo.

— Com toda certeza temos sim. — Retribuiu o sorriso, parecia animado e realmente feliz por ouvir aquilo, de uma forma tão espontânea que nem sequer parecia ele. Ficou olhando para mim por alguns segundos, até perceber e se afastar, se recompondo e voltando pra sua postura mais séria. Me perguntei no que Altaïr estava pensando. — Bem... Fale-me sobre seus irmãos de credo que fazem parte de sua equipe. Quem são eles? Quais as funções eles desempenham? — Perguntou, sem perder o interesse na Irmandade do futuro.

— Então, a Anne você já conhece. — Fiz uma careta, lembrando dos dois se enfrentando, e voltei a falar sério: — Tem o Vinny, que é o gênio responsável por fazer as alterações no Animus, unindo a... [...] — E a conversa continuou...

Me sentei novamente e contei o básico de cada um para ele e outra vez optei por não falar sobre Dexter, afinal o mesmo estava há pouco tempo na equipe e ainda não era um membro integral dela, e claro, eu obviamente não queria revelar o nosso caso no passado, considerando o que eu ainda estava sentindo por Altaïr, pro meu azar e por mais que não quisesse. Falei também um pouco mais sobre a Inglaterra e a sociedade britânica de modo geral, focando nas experiências que tive com o governo e a nobreza.

— Maria também é uma nobre inglesa assim como você, creio que podem se dar muito bem. Por que não tenta se aproximar dela? — Sugeriu, de um jeito tão inocente que eu nem acreditei, soou até como brincadeira... Mas vindo dele era ainda mais difícil acreditar que fosse brincadeira do que na sugestão em si. Aquilo era o cúmulo de tão ridículo, considerando as circunstâncias do "triângulo amoroso", só podia ser uma provocação, não tinha outra explicação... O Assassino estava mesmo brincando com os meus sentimentos.

— Não, obrigada. — Respondi, curta e grossa, e sem esconder minha cara feia nem um minuto.

— Algo errado? — Perguntou ao me ver descontente daquela forma. A cara de pau daquele idiota não tinha limites mesmo.

— Não, Altaïr. Imagina... Tá tudo “maravilhoso!” — Respondi, na maior ironia, com ênfase no “maravilhoso” e um sorriso tão forçado que até fez meus músculos repuxarem. Ah como eu quis, naquele exato momento, jogar na cara dele tudo o que estava errado, da forma que ele merecia. Mas não, não podia, pelo menos não ainda, precisava me conter.

— Está agindo estranho. Não compreendo. — Parecia confuso com o que era óbvio, na certa estava se fazendo de ingênuo.

— Por que não voltamos a falar sobre o credo, hein? Não foi pra isso que você me chamou aqui? Pra me instruir como Mestre, não? — Questionei, a conversa tinha se desviado tanto que quase me esqueci porque estava ali.

— Tem razão. Acho que perdemos o foco. — Concordou, tentando esconder que aquilo o deixava sem jeito. — Veja! Está quase amanhecendo. — Observou, virando o corpo na direção da janela atrás de nós, já era possível ver o céu clareando, no que eu diria ser umas 5hs da manhã, isso é claro se naquela época tivessem relógios. Só então me dei conta de que havíamos passado a noite toda ali conversando. É, de fato tínhamos nos perdido, não só na conversa como na noção do tempo. Confesso que a conversa foi sim muito boa, e não só me entreteve como até diria que me fez bem desabafar, pelo menos até ele estragar tudo mencionando a minha “rival”. — Creio que seja melhor continuarmos os nossos estudos mais tarde. — Complementou, se levantando devagar. — Foi um prazer! — Disse gentilmente, demonstrando que, apesar de tudo, era grato por ter passado aquelas horas comigo. Pela forma como falou pareceu até bem sincero, e pelos raros sorrisos que esboçou naquela noite eu não duvidei que fosse.

— É... Foi interessante. — Admiti, mesmo contra minha vontade.

— Descanse. — Sugeriu, ajeitando as coisas dele sobre a mesa. — Encontre-me no jardim à tarde para prosseguirmos com o treinamento.

— Está bem. Como quiser. — Me levantei e, sem saber se deveria me despedir com algum contato físico ou não, me retirei da sala. Era confuso, agora que Altaïr começava a demonstrar mais, porém achei mais prudente não fazê-lo, ainda mais estando tão magoada como estava, mesmo que eu tentasse esquecer. — Segurança e paz, Mentor. — Disse com uma postura formal antes de sair.

Outra vez de volta ao quarto, não consegui dormir, pra variar. Era um problema que eu tinha quando passava as noites acordada... Desacelerar, pra que pudesse relaxar e enfim descansar. Continuava agitada e minha mente cheia de coisas, embora meu corpo já demonstrasse os sinais de cansaço. Depois de rolar para os lados inquieta por mais ou menos umas duas horas, desisti de tentar dormir, irritada com aquela situação. Decidi que iria passar o dia acordada na marra e só dormir na noite seguinte, então peguei um saquinho de dentro da minha mochila e fui até a cozinha, onde as servas já preparavam pães. Equipamentos tecnológicos não tinham sido as únicas coisas que eu trouxera comigo, também tinha trazido alguns “mimos”, e dentre eles algo que eu já sabia que sentiria falta nas minhas viradas de noite: Café. E foi o que eu fiz, um café bem forte e concentrado, adocicado com mel, pois foi o que encontrei e tive que improvisar. Um bom café com certeza me manteria alerta durante aquele dia. Servi não um, mas sim dois copos grandes, imaginando que, se eu conhecia Altaïr, ele também ainda estaria acordado naquele momento, cumprindo com suas funções de Mentor em sua sala, mesmo cansado. Por que não levar um copo pra ele? Embora eu achasse que o Assassino não merecia qualquer agrado depois do que me fizera, me senti um pouco culpada por empolgá-lo tanto com assuntos do futuro e consequentemente fazê-lo passar a noite toda conversando comigo ao invés de simplesmente me instruir naquela espécie de “aula” sobre os modos da Irmandade Levantina e depois descansar, como deveria.

Acrescentei um pouco de leite em ambos e coloquei os dois copos em uma bandeja com alguns pães sírios e frutas frescas, voltei até a sala dele e lá o vi outra vez sentado, porém, agora estava revisando alguns livros que talvez fossem registros de missões ou outras coisas referentes à Masyaf. Desta vez decidi bater de leve na porta com a mão livre, mesmo que estivesse aberta, para avisar que estava ali. Altaïr, de costas pra mim, sequer virou o rosto para olhar que era, simplesmente disse, gentilmente:

— Segurança e paz, Malik. Pode entrar. Estava esperando por você para que pudéssemos discutir a respeito das novas técnicas de...

— Não, não sou Malik. — O interrompi, falando meio sem jeito. — Mas espero também poder entrar. — Acabei rindo sem querer. 

— Você deveria estar descansando, Erika. — Respondeu, virando-se de imediato e aparentemente preocupado, ao ponto de não parecer muito contente em me ver.

— Você também, Altaïr. — Respondi no mesmo tom dele. Igualmente preocupada, embora eu não admitisse. — Eu não consegui dormir. — Falamos juntos, ao mesmo tempo, de um jeito que qualquer um que ouvisse pensaria que foi até planejado. Não resisti e acabei rindo baixinho. — É, acontece... — Disse eu, ainda rindo, um pouco tímida. Me aproximei e deixei a bandeja sobre a mesa do Assassino.

— De fato, mas você deveria descansar. — Insistiu. — Temos um longo dia pela frente. — Advertiu no que mais pareceu ser uma bronca, e desviou o olhar discretamente para a bandeja, certamente curioso a respeito do delicioso cheiro daquela bebida que para ele provavelmente era estranha.

— E você também. — Insisti da mesma forma. — Imagino que, como Mentor, tenha inúmeras tarefas para cumprir e sabe que cumpri-las sem descanso só irá lhe prejudicar, não é bom se desgastar assim... Você mesmo estava lá quando eu cometi esse engano no treinamento. — Pareceu satisfeito em me ouvir citar aquele erro e ver que eu havia aprendido a lição. — Bem... Você me deu vinho pra beber mais cedo e disse que me faria bem, então aqui está algo pra você também. Se pretende mesmo passar o dia acordado assim como eu, vai precisar. — Puxei uma cadeira pra perto dele e me sentei, entregando-lhe um dos copos. — Tome! Isso vai lhe manter alerta. — Falei gentilmente, pegando o meu copo logo em seguida e provando um gole. — Devagar, ainda está meio quente. — Voltei a rir baixinho, sem jeito por quase ter me queimado.

— O que é isto? — Olhou para o copo, obviamente ainda sem conseguir reconhecer o que era.

— Café. Uma bebida estimulante que lhe dá mais atenção e também ajuda a resistir ao sono. No meu tempo é bem popular, aqui eu acredito que já deva ser consumido, só não sei se em larga escala. — Expliquei, pensativa.

— Bem... Eu ouvi falar a respeito de uma bebida com tais propriedades, parece que vem de terras não muito distantes e tem se tornado popular entre aqueles que não se permitem beber vinho por conta de suas doutrinas religiosas, eles dizem que também é útil em batalhas por manter os guerreiros mais alertas e lhes dar mais energia. Mas nunca provei. — Demonstrou um conhecimento que eu não imaginava que tivesse, mas não me surpreendeu, afinal Altaïr era um admirável homem culto e, em sua posição, logicamente muito bem informado. — É esta? — Perguntou com certo entusiasmo.

— Deve ser... Não sei muito sobre a história, pra ser sincera. — Dei uma breve pausa, ainda pensativa. — Felipe certamente saberia confirmar. — Ri baixinho outra vez. — De qualquer forma... Vá em frente! — Sorri de leve. Ele finalmente provou, e pareceu apreciar. Não demorou muito pra beber mais. — Bom, não é? — Perguntei, toda animada.

— Agradável, de fato. — Respondeu, formal como de costume. O que as vezes me irritava um pouco.

— Ah, qual é? Estamos aqui em um momento entre “irmãos”, você não precisa ser sempre tão formal, sabe disso. Não estamos em uma sessão de treinamento ou uma aula. Relaxa! Se soltar um pouco não vai estragar sua reputação, se é isso que teme. — Sugeri da forma mais gentil que consegui, porém me exaltando um pouquinho no começo, afinal já cansada de vê-lo claramente se reprimir por muitas vezes e isso lembrava a mim mesma nos modos em que fui criada.

— Eu não temo o que os outros dizem ou pensam de...

— Sim, eu sei, foi apenas uma suposição. O que eu quero dizer é que basta você falar que gostou, simples assim. Esqueça a postura, há outros momentos mais apropriados pra ela. — O interrompi quando já ia me repreender, mantendo um tom gentil. Toquei o ombro dele e olhei em seus olhos cansados por baixo do capuz, voltando a sorrir. — Nos conhecemos a tempo suficiente pra você já não precisar mais se prender nisso, não?

— É muito bom. Eu gostei. — Mudou de assunto, voltando a falar do café, claramente sem jeito, mas pelo menos até tentou agir mais naturalmente como eu havia sugerido. — Obrigado. — Agradeceu gentilmente e esboçou um leve sorriso.

— Assim é melhor. — Retribuí o sorriso, satisfeita, ainda mais ao vê-lo beber o resto. O silêncio se fez por alguns segundos, Altaïr deixou o copo de volta sobre a bandeja e, olhando para mim, pareceu esperar que eu desse continuidade a conversa. — E então...? Como se sente? — Perguntei, ansiosamente, depois de beber mais um pouco também.

— Da mesma forma que antes. — Respondeu claramente sem jeito. — Tem certeza quanto aos efeitos? — Questionou, pensativo.

— Sim, mas claro, os efeitos não surgem assim de imediato. — Dei uma breve pausa, terminei o meu café e também deixei o copo na bandeja, pegando-a e me levantando logo em seguida. — Já vi que você não vai querer comer, então vou levar isso de volta pra cozinha e já volto. Deve ser o tempo pra você se sentir revigorado e com mais energia. — Me retirei e fiz o que havia dito, aproveitando pra comer os pães eu mesma no caminho sem me sentir envergonhada ou culpada por estar comendo por dois. De volta à sala, estranhamente não encontrei o Assassino, em vez disso, uma criada me informou que ele estaria me esperando no pátio do jardim onde costumávamos treinar. Ao chegar lá, o encontrei praticando alguns movimentos e golpes de espada, com uma velocidade e maestria impressionantes, ainda mais considerando o quanto o coitado deveria estar cansado depois de virar a noite sem dormir. Me perguntei se havia feito certo em dar café pra ele, pelo sim ou pelo não, aquela cena fez tudo valer a pena, não só por testemunhar as habilidades dele sendo exibidas ao vivo pra mim a poucos metros de distância, mas também pela aleatoriedade que tornava o momento ainda melhor, e até mesmo engraçado... Pra não dizer hilário. É claro que eu não pude deixar de observar, visivelmente admirada, e desta vez, sabendo que o mesmo estava tão concentrado que demoraria um bom tempo pra me notar ali, tomei a liberdade de registrar aquilo em fotos e um curto vídeo com o meu smartphone. — E aqui temos um momento histórico e sem precedentes, onde o lendário mentor da Irmandade Levantina dos Assassinos, ninguém menos do que o próprio Altaïr Ibn-La’Ahad, tá ligadão no café depois de virar a madruga e agora demonstra suas incríveis habilidades de Mestre Assassino lutando contra o vento. Imaginem só o que aconteceria se ele estivesse bêbado. — Falei baixinho e em tom de deboche, propositalmente no meu idioma, enquanto gravava, segurando o riso o máximo que podia. Aquilo com certeza ia fazer a galera da minha equipe passar mal de tanto rir, e de quebra desconstruiria de uma vez essa imagem de Mentor todo sério dele. Não era certo gravar sem o consentimento e a autorização de Altaïr, mas eu sabia que, em condições normais, e se ele soubesse que aquilo era possível tecnologicamente, jamais me deixaria fazê-lo. E eu não ia perder um “flagra” daqueles de jeito nenhum. Talvez eu pudesse mostrar a ele em um futuro não muito distante quando já tivesse mais familiarizado com os meus equipamentos e não fosse ainda tão rígido, isso é claro se eu não apagasse antes por medo das conseqüências. — Ai ai... Como você é incrível! Até mesmo quando se exalta e faz uma bobagem dessas. — Complementei, já parando de rir e voltando a admirá-lo feito uma idiota. Foi quando decidi encerrar o vídeo e guardar o meu dispositivo em segurança, pra só então ir ao encontro do Assassino, que até o momento continuava extremamente concentrado no que fazia.

— Fascinante! Você estava certa, estou realmente me sentindo mais forte e com mais energia. Sinto que poderia facilmente derrotar um exército de cruzados sozinho. — Afirmou, todo seguro de si e animado até demais pros padrões dele, finalmente notando minha presença quando cheguei mais perto. Parou e se apoiou sobre o cabo da espada.

— Certo, certo... Vai com calma aí, Chuck Norris! — Ri baixinho, outra vez em deboche. Puxei a espada das mãos dele e consegui pegá-la sem resistência, joguei-a longe na grama, só pra garantir. Cheguei ainda mais perto, analisando-o. — Quem diria que, de todas as possibilidades, ao se sentir com mais energia você viria justamente treinar. Por que não me surpreendo? Parece que não consegue mesmo se distrair nem por um minuto do Mestre Assassino que há em você, não é mesmo? — Olhei bem nos olhos dele, ainda rindo um pouquinho, mas falando de uma forma mais gentil.

— Eu fui criado como tal e até hoje é a única vida que conheço, é natural que...

— É, eu sei. — O interrompi, dando umas batidinhas nas costas dele, bem de leve. — Fica tranquilo. Foi só uma observação, e uma brincadeira também. — Sorri, sutilmente.

— Eu estava apenas testando minha teoria. — Se explicou, tentando esconder que estava um pouco desconcertado. — Não acha que seria útil e vantajoso em uma batalha?

— Em condições normais sim, pode ajudar. Mas não cansado desse jeito como você está, ou melhor, como nós estamos. — Voltei a rir e para minha surpresa ele riu junto comigo, bem de leve. Porém, logo tomei uma postura mais séria, e prossegui: — Por isso acho que é melhor não treinarmos hoje, e muito menos com espadas, seria imprudente e perigoso no estado em que estamos. — É claro que eu brinquei sobre a parte das espadas, rindo e olhando pra dele ainda ali no gramado.

— Tem razão. Não iremos treinar técnicas de combate hoje. — Decidiu, concordando gentilmente, sem perder a seriedade. — Em vez disso, tenho outras lições importantes para lhe ensinar. — Complementou, caminhando pelo terraço de mármore. — Tire algumas horas para descansar e me encontre no meio da tarde no mercado do vilarejo. — Foi uma solicitação bem incomum, que me fez perguntar a mim mesma o que Altaïr tinha em mente dessa vez. Bom... Rotinas de treinamento diferentes eram sempre bem vindas, eu odiava a rotina de ter que repetir as coisas incansavelmente.

— Como desejar, Mentor. Desde que você também descanse. — Concordei, observando-o recolher a espada dele e guardá-la de volta na bainha presa ao cinto. Voltou para perto de mim e caminhamos juntos lado a lado pra dentro do castelo, enquanto é claro, eu debochava do coitado outra vez: — Como se sente agora? Já passou a agitação temporária ou eu vou ter que ficar de olho em você por mais alguns minutos antes de ir? — Ao perguntar, cheguei bem pertinho, me apoiando sobre o ombro dele, folgada até demais, rindo sem sequer me preocupar.

— Ora, não seja insolente. Estou perfeitamente bem. — Me repreendeu, todo sério e imponente como de costume, mas acabou se deixando levar na brincadeira, perdendo a “pose” e rindo junto outra vez, sem se reprimir, para a minha alegria. — Quero dizer, acredito que estou.

Ao passar pelo saguão principal, estávamos tão distraídos em nossa conversa que demorei para notar ninguém menos do que Maria, escondida atrás de uma das colunas, nos observando de longe, furiosa como se pudesse me fuzilar apenas com os olhos, e foi como se tudo tivesse ficado em câmera lenta naqueles breves segundos em que eu virei o rosto aleatoriamente e a vi. Cheguei a me perguntar se ela também fazia ideia de que Altaïr e eu havíamos passado a noite estudando e conversando na companhia um do outro, e se soubesse, o que faria a respeito, uma vez que o ciúme dela era bem evidente.

Nos despedimos formalmente como de costume e voltei para os meus aposentos, mas não antes de checar escondido se o Assassino ia mesmo para os dele descansar como deveria, e para o meu alívio de fato ele foi. No meu quarto, tomei um banho relaxante e me deitei, o efeito do café já estava passando e não demorou muito para que eu finalmente conseguisse adormecer, o cansaço como sempre saiu vencedor.

Mais tarde, fui até o mercado do vilarejo como Altaïr havia solicitado. Não sabia que tipo de lições que eu teria, então vesti um dos mantos característicos da Irmandade Levantina como costumava fazer nas sessões de treinamento de combate. Havia recebido vários deles depois daquele “incidente” na arena com Abbas no qual basicamente acabei com o que eu tinha, parece que Altaïr já sabia que eu era bem desastrada e precisaria de muitos. Apesar de ser humilhante vestir um manto de novice, especialmente depois de já ter usado um de Mestre Assassina, era particularmente bem confortável e permitia que eu me movimentasse livremente, algo que sempre era uma prioridade quando eu me vestia. Ao chegar, não encontrei o Assassino, e fiquei olhando ao redor procurando por ele entre a multidão por vários minutos, até que, finalmente, Altaïr apareceu, tocando meu ombro por trás e me dando um belo susto.

— Quer me matar ou o que? — O encarei feio assim que me virei e o reconheci, bem irritada. Por sorte consegui conter um grito e não passei vergonha outra vez, mas meus batimentos ainda estavam acelerados. — Onde você estava? — Cruzei os braços, ainda o encarando. — Se essa é a sua tentativa de ser mais aberto comigo, sinto dizer, mas não é engraçado. — Fui um pouco rude, admito, mas não pude evitar.

— Eu estava aqui mesmo, o tempo todo. — Respondeu da forma mais calma e natural possível.

— Como assim? Eu estou aqui já faz um bom tempo e não te vi em nenhum momento. — Coloquei as mãos na cintura.

— Pois é exatamente o que vou lhe ensinar hoje, a ser uma entre a multidão. — Explicou, todo cheio de si.

— Mas isso eu já sei fazer, você mesmo viu naquela missão em Acre. — Argumentei, ainda um pouco irritada.

— Então não terá dificuldade em demonstrar que sabe e teremos uma sessão rápida hoje. — Contra-argumentou, sagaz.

— Está bem... Como vai ser? — Coloquei a mão no queixo, impaciente.

— Sabe por que nós Assassinos somos tão temidos? — Questionou. — Porque agimos nas sombras, sem sermos vistos jamais. Somos como “anjos” da morte. — Explicou antes que eu pudesse responder. — Quando vêem é tarde demais, o alvo em questão já está ali morto, sem qualquer indício ou testemunha. Apenas acontece... Sem explicação. Alguns até mesmo acreditam fielmente ser bruxaria. — Deu uma breve pausa. — Usamos o ambiente ao nosso favor, de forma que pareçamos invisíveis. É como devemos agir, como se um Assassino fosse a morte em si, nada mais do que uma figura, um mito talvez.

— Tá, já sei disso. Toda essa parada de “trabalhar nas sombras" e tal. Prossiga. — Continuava impaciente, ás vezes ele enrolava demais.

— Quero que use a multidão ao seu favor. Convoquei alguns guardas da fortaleza, eles estarão observando o vilarejo e procurando-a o tempo todo, como se você estivesse sendo perseguida em uma missão real. A sessão de hoje terminará apenas quando nenhum deles for capaz de vê-la. — Explicou gentilmente. — Já pode começar. — Estendeu a mão na direção da parte mais cheia de gente. — E tenha paciência, você vai precisar. — Observou, outra vez sagaz.

— “Você vai precisar”. Engraçadinho. — Falei baixinho pra mim mesma no meu próprio idioma, não muito contente. Saí correndo pelo mercado, passando por várias pessoas de um modo meio rude, empurrando-as toda apressada, até encontrar uma barraca com alguns clientes, entrei no meio deles e fingi interesse nos produtos o melhor que pude, um pouco nervosa.

— Podemos ver o seu rastro daqui. — Gritou Altaïr, e então um dos guardas me agarrou pelo braço e colocou sua espada próxima do meu pescoço, me trazendo de volta para perto do Assassino como se fosse uma prisioneira. — Seja sutil, como uma civil qualquer. — Sugeriu. — Outra vez! — E assim que ordenou o guarda finalmente me soltou. Desta vez, caminhei mais devagar, bem calma e sem nenhuma pressa, como se fosse apenas mais uma camponesa ali entre tantas outras, porém antes que eu sequer pudesse me esconder outro dos guardas que caminhavam por ali a minha procura me viu, e mais uma vez fui trazida de volta, feito prisioneira, ao encontro de Altaïr.

— Mas eu nem tive tempo de...

— Em uma situação real, você deve agir rápido. — Explicou. — Outra vez! — Ordenou, e novamente fui solta.

— Só pode ser brincadeira. — Revirei os olhos pro Assassino, incrédula. Saí correndo outra vez, mas ao chegar perto dos civis desacelerei gradualmente, peguei uma cesta cheia de grãos que encontrei perto de uma barraca e entrei no meio de um grupo de servas, carregando-a sobre a cabeça como elas faziam. Alguns minutos se passaram, já estávamos um pouco longe do mercado, rumo à fortaleza morro acima, e cheguei a achar que havia mesmo conseguido... Mas não, de repente outro guarda me puxou e desta vez com tanta força que perdi o equilíbrio e caí no chão, assustando as servas, que logo se afastaram, e derrubando a cesta com os grãos. O tal guarda me imobilizou ainda no chão, me pressionando contra o mesmo enquanto colocava sua espada próxima ao meu pescoço, em uma simulação não muito agradável, e então o próprio Altaïr apareceu, junto com um comerciante, que apontou para mim, furioso.

— Seu manto limpo e branco se destaca tão facilmente entre as roupas sujas e velhas das servas que até mesmo de longe brilha como o sol em um dia de céu aberto. — Observou, olhando para mim ainda ali aquela posição humilhante no chão. Não pude deixar de lembrar daquela ocasião em Roma, onde debochei de Ezio por fazer quase o mesmo, e isso me deixou ainda mais irritada e constrangida. Como pude deixar de pensar naquilo? Talvez eu realmente precisasse de paciência... E uma estratégia bem melhor. — E além disso, você foi vista roubando. Iria sugerir para ter mais cautela ao fazê-lo, mas esta é uma lição para uma próxima sessão. — Complementou. Retirou algumas moedas de uma pequena bolsa no cinto e as entregou ao comerciante, que foi embora de volta para o mercado logo em seguida. — Está mesmo tentando? — Questionou, olhando em meus olhos, fez um sinal para o guarda me soltar e em seguida estendeu a mão pra me ajudar a levantar. — Vamos! Outra vez! — Ordenou, e eu podia ver que já estava levemente decepcionado. Permaneci calada, o ignorei e me levantei sozinha, cerrando os olhos e o encarando furiosa ao passar por ele.

Estava decidida, e desta vez eu iria conseguir! Antes de descer para o mercado novamente aproveitei a visão privilegiada de cima do morro para observar os civis por alguns segundos, analisando-os em busca de um plano para me misturar melhor entre eles. Notei que havia um grupo de eruditos, os quais usavam roupas tão brancas e limpas quanto as minhas, e que eram até um pouco similares, sorri de leve e desci confiante. Fui rápida, porém agindo de forma natural, passei discretamente por uma multidão até finalmente alcançá-los, me sentando em alguns bancos e abaixando a cabeça em alguns pontos do caminho para evitar os guardas que passavam. Caminhei em meio aos eruditos por vários e vários minutos, ao ponto que já nem sabia mais onde estava no vilarejo. Eu havia finalmente conseguido! E precisei esconder a minha felicidade pra não quebrar o disfarce.

Havia cada vez mais guardas e então tive uma ideia bem ousada, mas que se desse certo com toda certeza deixaria Altaïr surpreso, talvez até orgulhoso. Os mantos deles eram iguais aos meus, com apenas alguns meros detalhes de diferença de acordo com as posições de cada um nos ranks da Irmandade, na verdade, a diferença mais aparente era obviamente o fato de eu não estar carregando uma espada no coldre preso ao cinto. Pensei em roubar uma espada na barraca do ferreiro, mas depois do que havia ocorrido com o comerciante de grãos acabei desistindo. Também cogitei roubar uma espada de algum guarda distraído, mas não acreditei ser capaz... Pelo menos não sem acabar alertando-o e sendo atacada logo em seguida. Continuei então escondida caminhando junto aos eruditos, quando para minha surpresa e extrema sorte avistei um guarda que dormia em serviço, estava vigiando os estábulos, e o melhor, sozinho, pois até mesmo o cavalariço não estava ali, talvez tivesse ido buscar comida para aqueles belos animais ou alguma outras coisas de que os mesmos precisassem. Não o julguei, afinal guardar os estábulos deveria ser uma tarefa extremamente entediante, bem... Eu pelo menos nunca tinha visto ladrões de cavalos em um vilarejo tão tranquilo como Masyaf. Era um plano muito arriscado, mas eu não poderia deixar uma oportunidade como aquela escapar, ainda mais considerando o quanto eu queria calar a boca de Altaïr. Agora ele ia ver quem era a que "não tem o mínimo de cautela".

Esperei o momento certo, em que não havia nenhuma patrulha por perto me procurando, para me afastar do grupo de eruditos e passar pelos civis discretamente rumo aos estábulos ali tão perto. Ao me aproximar do tal guarda, tive o cuidado de me certificar se não havia mais ninguém vindo e também, é óbvio, se o sono do homem descuidado era assim tão profundo quanto eu imaginava, e de fato era. Rapidamente, me aproximei e me abaixei de forma bem sorrateira e, com todo o cuidado, desprendi o coldre que carregava a espada do cinto do guarda com a bainha e tudo, e com a mesma rapidez o prendi no meu próprio, retirando e escondendo o meu coldre bem enrolado dentro da pequena bolsa presa atrás do meu cinto.

Me retirei dos estábulos antes que o guarda pudesse dar qualquer indício de que estava acordando e também antes que alguém mais aparecesse por lá. Do lado de fora, ajeitei meu capuz de forma que escondesse todo o meu cabelo e boa parte do rosto, e saí caminhando com uma postura firme feito um verdadeiro guarda, dali em diante foi tão fácil que nem acreditei, simplesmente me infiltrei no primeiro grupo de guardas que avistei me procurando pelo mercado, sem nenhuma dificuldade, na verdade sequer notaram minha presença ali. E então caminhei com aqueles soldados por mais alguns minutos, até se encontrarem com ninguém menos do que o próprio Altaïr para se reportarem:

— Nenhum sinal da mulher, Mentor. Revistamos o vilarejo pelo menos duas vezes. — Informou um dos oficiais em tom solene, para o meu deleite, o qual, obviamente, eu precisei esconder bem. — O senhor acredita que ela ainda esteja por aqui? — Questionou, com todo respeito, é claro.

— Certamente. — Afirmou o Assassino, e pude notar um certo contentamento em sua voz. — Se a encontrarem, avisem-na que a sessão está encerrada por hoje e peçam que compareça em minha sala para receber meus cumprimentos. — Solicitou, de uma forma tão direta e detalhada que me perguntei seriamente se ele sabia que eu estava ali. Talvez soubesse, mas não quisesse estragar meu momento, em consideração ao meu empenho. — Ela não apenas cumpriu o exercício como o fez com mérito, mostrando o quanto meus homens estão despreparados para enfrentar inimigos furtivos e precisam de mais treinamento. — Complementou, e naquele momento eu tive certeza de que Altaïr realmente sabia que eu estava ali, mas não me importei, afinal estava bem claro o quanto ele se orgulhava do meu feito, algo tão raro que eu nem me lembrava se já tinha acontecido antes. Não pude esconder um sorriso.

Altaïr caminhou morro acima, de volta para a fortaleza, e os guardas voltaram a patrulhar, os segui por mais alguns minutos para dar ao Assassino a vantagem de tempo. Em um dado momento, simplesmente tomei a frente e me virei para eles, me revelando, tirando o capuz e sorrindo confiantemente, entreguei a espada ao capitão.

— Obrigada pela informação! — Ri baixinho, não me contive. — Entregue isto ao guarda dos estábulos pra mim, por favor. — Disse gentilmente e me retirei logo em seguida. Tanto o capitão quanto os demais soldados pareceram furiosos e ao mesmo tempo incrédulos com o que haviam acabado de presenciar, alguns ficaram até mesmo assustados, estáticos, parados ali feito idiotas enquanto eu seguia toda orgulhosa e cheia de mim mesma para o castelo. Eu não queria estar na pele deles, foi sem dúvidas uma tremenda humilhação. — Deseja me ver, Mentor? — Perguntei baixinho ao adentrar a sala dele minutos mais tarde, caminhando devagar.

— Uma novice... Sem qualquer experiência, simplesmente se esconde não “de” meus homens, mas sim “em meio” a eles, sem ser notada por nem sequer um deles. Diga-me: O que devo fazer? — Perguntou, ainda claramente orgulhoso, se levantando de sua poltrona e caminhando até mim.

— Como você mesmo percebe, deve garantir que sejam mais bem treinados. — Respondi em um tom solene, e ele assentiu com a cabeça. 

— Estou de fato muito surpreso. — Admitiu, sem rodeios. — Parece que a menosprezei. Um grande erro para um Mestre. — Deu uma pausa, visivelmente sem jeito, até abaixou a cabeça, humildemente. — Peço desculpas por isto. 

— Está tudo bem. Não se preocupe. Eu ás vezes sou meio "desleixada" mesmo, mas não significa que eu não vou me empenhar e dar o meu melhor. — Respondi gentilmente. Vê-lo ser tão sincero e admitir seu erro foi tão raro que me fez abandonar a ideia de querer esfregar meu feito na cara dele. — E você me viu lá entre eles, não viu? — Perguntei de uma forma mais descontraída, rindo.

— Sim. Eu a reconheceria em qualquer lugar. — Riu baixinho, falando de uma forma bem gentil e, claramente ainda mais sem jeito por algum motivo, mas logo se recompôs e complementou em um tom de voz mais formal: — Quero dizer, você é minha discípula.

— Sei... Fácil falar quando se tem um dom. — Brinquei, me referindo à visão de águia dele.

— Ouça, estou realmente satisfeito com o que você fez hoje. — Se aproximou ainda mais, agora falava com toda sua postura de Mestre, mas, outra vez, sem esconder seu contentamento. — Você pode ainda não saber o básico que se espera, mas por outro lado tem algo que faz de nós Assassinos tão vantajosos: Você sabe se adaptar, sabe usar a situação a seu favor, com os poucos recursos que tem disponíveis. E isto eu venho observando desde a nossa missão em Acre, desde o seu “combate” contra Abbas. E como Mestre, é uma habilidade que não posso ignorar. — Explicou calmamente, caminhando devagar pela sala enquanto falava. E eu me perguntei porque ele estava dizendo tudo aquilo, já era gentileza e orgulho demais, algo muito suspeito pro meu gosto. — Como sabe, eu abri uma exceção devido ao seu conhecimento tecnológico, para que pudesse carregar uma lâmina oculta, mesmo sem de fato merecê-la, segundo nossos modos. Não mais. Diante de tais acontecimentos, eu acho justo que lhe seja concedida sua segunda posição em nos ranks da Irmandade. — Pegou uma familiar caixa de madeira sobre a mesa dele e voltou a se aproximar de mim, me entregando com cuidado. — Agora você a tem por direito. — Abri a caixa e me deparei com minha antiga lâmina oculta reparada, ao ponto de parecer nova em folha. — Meus parabéns, Erika! Você não mais será conhecida como uma Novice, de hoje em diante possuí o título de “Iniciada”. — Afirmou Altaïr, solenemente. Sem saber nem ao menos o que dizer, minha única reação foi sorrir, olhando para meu Mentor ali na minha frente, todo orgulhoso e satisfeito.


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Notas finais do capítulo

Ranks são sempre bem vindos. rs

Esse capítulo foi tão grande que eu acho que não postei e sim pari ele. kkkkkkkkkk Quebrei meu recorde de novo, e não duvido que a tendência é aumentar ainda mais.


Espero que tenham gostado.
Não esqueçam de comentar. O feedback de vocês leitores é muito importante. :D



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