Ambos entraram sorrateiramente como nunca antes, qualquer mínimo movimento errado poderia alertar alguém ou disparar um alarme.
Passaram entre as pilhas de livros e chegaram na grande porta de mogno com a placa “Obras Raras”. Martin girou a velha chave negra e fria na fechadura enferrujada e um estalo ecoou por todo corredor.
Os dois se assustaram, ficaram parados, gelados.
“Será que alertou alguém?” o menino pensou em desespero, mas ninguém apareceu. Então girou a maçaneta e a porta se abriu deixando um ar frio passar entre suas pernas.
– Vamos rápido. – alertou Nicole.
A sala em si não era muito grande, mas era alta, havia grossas pilastras gregas que levavam a um lindo vitral no teto. O mesmo sedia luz da lua para lugar aparentemente sem energia.
– Tem milhões de livros aqui. Como iremos saber qual é o manuscrito de Alice? – questionou a garota, com razão.
– Eu acho que está ali. –Respondeu sarcasticamente apontando para um altar de vidro que ficava no meio da sala sustentando um livro.
– Bom palpite – brincou.
Chegaram perto, olharam com atenção para as pilastras em volta para conferir se não tinha nenhum sensor que protegesse o tal altar.
Martin abocanhou o livro com as mãos, era mesmo Alice. Seus sentimentos saltavam para fora da boca. Para um fã de Lewis Carroll aquilo era a maior honra que poderia ter.
Não deu um segundo, uma luzinha vermelha ascendeu por cima do altar, era o alarme! O som repetitivo e agudo logo ecoa por toda biblioteca. Nicole entra em desespero.
– Quem está aí? – berrou uma grossa voz em inglês de longe.
Num movimento voraz, Martin arranca a folha de rosto do livro e o coloca no lugar. Puxa sua amiga pelo braço direito e tampa sua boca com o esquerdo.
Passos se aproximam da porta, os jovens se enfiam em um dos corredores e ficam num beco sem saída de estantes. Ao esbarrar com o cotovelo, uma das estantes de livros se abre “engolindo” ambos para a escuridão, uma porta secreta é revelada.
Agora os dois se encontram numa escuridão sem ideia.
– O quê foi isso? – sussurra Nicole.
Martin faz um sinal de silêncio para ela. Vozes são ouvidas do outro lado.
– Acho que não tem ninguém – eles reconhecem a voz de Lacie. – Esse alarme está com defeito e já tocou muitas noites passadas, não se lembra?
– Mas a porta estava aberta – diz a mesma voz grossa de antes.
– Eu devo ter a deixado aberta hoje quando fui arrumar de manhã.
– Tudo bem por aqui? – diz a voz de mais alguém que acabara de chegar. Era o professor Taylor.
– Sim, o alarme disparou sozinho de novo. – explicou Lacie.
– Tinha alguém aqui, tenho certeza. – diz a voz se afastando e sumindo aos poucos. A barra estava limpa. Mas agora eles teriam que entender como sair daquela escuridão.
– Essa foi por muito, muito pouco. – soprou Martin aliviado. – Acho que descobrimos uma passagem secreta.
– Sim, mas temos que sair daqui o mais rápido possível.
Ele liga a luz do celular, mas ela é muito fraca para iluminar todo o espaço. Deparam-se com uma prateleira cheia de cobras, aranhas e outros bichos mortos dentro de latas de conserva.
– Que lugar é esse? – estranha o garoto.
– Parece ser um laboratório, sei lá. – Comenta Nicole.
Uma coisa os chama as atenções ao mesmo tempo, no alto da prateleira encontram um grande pássaro Dodô empalhado dentro de uma redoma.
– É um Dodô – confirma ele.
– Ok, isso estas a ficar muito estranho. Vamos embora logo.
Martin começa a passar sua mão diante a superfície da parede até que encontra algo.
– Acho que encontrei uma alavanca.
– Puxe!
Ele o faz e como esperado, a “porta-estante” se abre dando passagem de saída para os dois.
– Esse foi o primeiro dia de aula mais agitado que já tive. – brincou Martin mais uma vez. – Vamos para o quarto ver se achamos algo na página.
– Cientistas importantes já comprovaram que não tem tinha invisível no livro o que te faz pensar que vai conseguir? – Nicole questionou.
– Por que... – o olhar dele se torna distante e melancólico – sinto algo me dizendo para fazer.

*

Lucas abre a porta e encontra em seu dormitório Martin e Nicole, analisando o papel.
– Er... Martin, você não pode trazer garotas de programa para o dormitório – brinca estranhando a presença dela.
– Você não devia ter dito isso Lucas, ela fala português.
– Ah... Desculpa-me. – disse vermelho e sem graça.
– Desculpas aceitas. – diz Nicole deixando transparecer o quanto achou desagradável o comentário.
– O que estão analisando? Já passaram trabalho pra você? – Pergunta Lucas jogando sua jaqueta na cama
– Huhum. – murmura Martin em afirmação.
– É um documento importante? Deixe-me ver. – ele corre na direção deles já para pegar o papel.
– NÃO! – Nicole e Martin gritam ao mesmo tempo.
– É... Um documento muito antigo – Nicole começa a inventar a desculpa – E você não pode usá-lo sem luvas.
– Ah deixem de ‘frescura’ deixem-me ver o que é. – Lucas arranca a página das mãos deles e lê o título – “Alice”? Algo me diz que isso não é bom.
Ele se vira na direção deles, seu nervosismo já é visível.
– Esse é o manuscrito de Alice que eu te falei não é?
– Sim, nós... Pegamos emprestado.
– Ah meu Deus! Meu Deus! – Lucas se desespera – Vocês roubaram uma página do manuscrito! Sabe o problema que isso dará para vocês?!
– Para nós! – adverte Nicole. – Acaba de deixar suas impressões digitais ai.
– Ah meu Deus! – ele se lamentava – Vocês são fanáticos! Como fizeram isso?
– Longa história. – Rebate Martin já arrancando a página da mão dele.
Os dois voltaram a analisar a folha na mesa.
– Nós só precisamos extrair o suco da limão, passar sobre a folha e adicionar calor. – Nicole explicou – Se tiver mesmo uma tinta invisível ela aparecerá com isso.
Martin pegou um cotonete e o espremeu num gomo do limão e passou com a maior cautela do mundo por cima de alguns pontos na página. Pegou o secador e passou em cima. Os dois se juntaram por cima e esperavam ansiosos algo acontecer. Esperaram e esperaram. Nada.
– Não disse?! – retruca Lucas de longe – Não existe mapa de tesouro, não existe terceiro volume, não existe País das Maravilhas! É só uma história Martin!
– Passamos todo aquele sufoco para nada! – lamentou Nicole.
Enquanto isso os ouvidos de Martin os ignorava completamente, havia mais alguma coisa. Seus olhos viraram-se para a carta de baralho que ainda estava na cabeceira.
– Tem mais coisa. – afirmou correndo até lá. A carta marcava uma das primeiras páginas do livro, onde havia uma ilustração do “Tribunal de Copas”, um cenário da história.
Nela havia um símbolo grifado na parede do desenho e esse mesmo símbolo aparecia no vestido da Rainha da carta de baralho.

– Eu sabia que já tinha visto isso em algum lugar. – disse e os outros correram na direção dele – Estão vendo esse símbolo? É o brasão do País das Maravilhas!
– E daí? – questionou Lucas.
– Daí que tem que estar desenhado nessa carta por algum motivo! Não deve ser uma carta de baralho comum. – respondeu já empolgado novamente virando a carta contra a luz.
– Ela parece que tem outro lado – comenta Nicole para Martin.
– Sim e a imagem parece estar se descolando do papel. – confirmou.
Martin puxa uma das pontas da carta, o desenho vai descolando lentamente do papel como se fosse um adesivo. Agora a carta ficara somente uma fina e delicada camada de plástico transparente.
– Isso é realmente muito curioso. – diz Lucas um pouco surpreendido.
– “Cada vez mais curioso” – Martin fala fazendo uma citação do livro de Alice.
Eles correram de volta a mesa com a página, e colocaram a placa de plástico por cima do papel que quando entrou em contraste com a luz uma mensagem começou a aparecer.
– Meu Deus! – todos falaram em coro, surpresos.
– Não é um mapa do tesouro – Nicole observou – Tem alguma coisa escrita.

Pela toca do coelho você acaba de entrar
Mas a próxima etapa você precisa completar:
Gire a cabeça de Dodgson
Para do livro se aproximar.

Todos leram a frase em coro traduzindo-a.
– É uma pista! – afirma Martin pulando de alegria. – Lucas pega meu celular para tirar uma foto.
– Giro! – Nicole já não tinha palavras.
– O que seria “Girar a Cabeça de Dodgson”? – questiona Lucas enquanto tirava as fotos.
– Não sei, temos que descobrir – Martin comenta.
– Ai nos levará ao livro e pronto, acabou? – questiona mais uma vez.
– Ou, a outra pista. – completa Nicole.
– Isso é incrível, um livro secreto existe mesmo – reflete Martin surpreso com que acabará de ver com seus olhos – Todos nós estamos juntos nisso agora, não é?
Nicole e ele viram os olhos para Lucas esperando algo vindo dele. Lucas revira os olhos, respira fundo e por fim diz.
– Tá bom, tá bom, eu até participo dessa coisa de caça ao livro, mas só porque minhas digitais ficaram no papel – retruca tentando ao máximo não demonstrar interesse pela situação.
– Por Alice? – pergunta Martin mais uma vez a todos.
– Por Alice. – confirmam.