O inferno de Jill escrita por BlueDaze


Capítulo 3
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas do meu coração! ♥
Em primeiro lugar, eu nunca mais marco uma data para postar esses capítulos, ahueahueahue
Nunca consigo entregar no prazo ;-;
I'm sorry pela demora, amores ;-;

Mas enfim, um dos motivos da demora foi esse capítulo que saiu um pouquiiiiiinho maior do que imaginava, então eu tive que ficar revendo e revendo ele, pra ver se tudo estava em ordem e tals, até porque ele era para ser o mais curto de todos, mas as ideias vinham e vinham e acabou que ficou o contrário, né? XD
Além de que eu quase sempre que ia postar encontrava algo que me "coisava" no meio, então eu apagava e reescrevia, apagava e reescrevia, apagava e salvava e chorava depois por ter apagado aquilo, e eu fiquei nessa até eu o considerar minimamente aceitável XD
Espero que perdoem essa zoeira, amorecos ;3;

Mas enfim, foi demorado mas eu gostei de escrever esse capítulo! Eu gosto de abordar essa relação entre os medos e traumas que a personagem possui, e aqui como ela aparenta já saber lidar com algumas coisas que aconteceram com ela, sem perder o controle de suas emoções, enquanto em relação a outros fatos Jill precisa de mais tempo para absorver tudo.

Ah, e uma coisa que gosto nesse capítulo, é um momento de "contagem". Vai parecer meio longo na hora, mas eu gostaria que quando chegassem na parte em que vai ter uma "contagem progressiva" - Um, dois, três, quatro, cinco... - vocês meio que tentassem fechar os olhos e para procurar embarcar na situação.
Eu falo porque acabei fazendo isso inconscientemente, e acabei imaginando a cena de modo que tudo doeu até em mim. É só pra ver se fui a única XD

P.S.: Nesse capítulo, existem várias coisas que foram muito puxadas do RE Revelations 2 (Meu Xodó ♥). Como, por exemplo, um file meio que "citado" lá para o fim do capítulo e outros personagens também. Mas não é necessário ter jogado para entender algumas tretas.

Ah, e não liguem para as várias mudanças de ponto de vista no capítulo. Eu tenho esse mal costume de ficar alternando o olhar entre as cenas.

E bem, essa nota ficou MUITO LONGA.

Chega de papo.
Nos vemos daqui a pouco~

Música que me inspirou: https://youtu.be/iCcB-a8hWRE



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/639241/chapter/3

“Eu era uma prisioneira, não uma donzela em perigo."

Perfuração na nuca.

Eu lembro...

Quando eu me afastei de todo aquele pesadelo, quando respirei tranquilamente, pela primeira vez no que parecia ter sido uma eternidade, eu não esperava que estivesse apenas saindo de um buraco para cair em outro.

Eu sinceramente não imaginava.

Ah... Essa situação era tão... Terrivelmente incômoda.

Mas, de alguma maneira, o que eu esperava?

Eu não sei.

Acho que nas primeiras horas, nem pensei em como as coisas seriam quando eu voltasse para casa.

(No entanto, uma voz estranha no fundo de minha mente sussurrou delicadamente: Você ainda tem uma casa?)

"Olhe bem para a luz... Isso, não pisque."

Realmente, eu não tinha consciência de nada, a não ser que tudo havia acabado, finalmente, finalmente havia acabado. Ah... Minha cabeça naquele momento estava tão sonolenta e tão tão caótica... Eu apenas queria me jogar embaixo de um chuveiro vazando água morna, deitar em uma cama confortável, e esquecer de tudo ao meu redor por um bom tempo.

“Pode ajeitar o braço mais um pouco, querida? É... Assim?”

“Claro.”

Mas agora, tudo era tão... Embaraçoso. Aquela situação.

Eu realmente estava tão ruim a ponto de imaginarem que não existia diferença alguma entre tudo aquilo que passei e o que estão fazendo comigo, agora?

A única diferença entre esse lugar e o outro eram... Existia realmente alguma diferença?

Não está sentindo nenhuma dor, uma pontada, tonteira, enjoo...?

Nada.

“Perfeito.”

Ah, eu estava sendo estúpida. É claro que não era a mesma coisa... Eu entendia que aquilo era para o meu bem... Era para me livrar de tudo... Era para restaurarem meu corpo... Diziam que faziam isso por mim.

Talvez.

Mas eles tinham curiosidade também. Para olhar mais de perto tudo o que eu havia me tornado.

Um suspiro escapou dos lábios da mulher de olhos azuis, que estava sendo examinada, e a pesquisadora que se mantinha ao seu lado percebeu sua irritação.

Ela tentou sorrir para afastar essa má impressão, apesar de não estar com muita vontade de ser simpática.

Mas, ah... Ultimamente eu não estava aguentando ficar ouvindo meus próprios pensamentos... Eu apenas via o pior da situação em tudo. Essa não... Essa não sou eu.

Mas, acho que depois de tudo, ainda estou tentando redescobrir quem sou eu.

Só sei que esse alguém, o de agora, era só uma mulher ainda em seu papel de vítima, colocando a culpa em algo que já estava morto e destruído.

Quando foi que eu aceitei me tornar alguém assim?

Eu sinceramente não lembrava.

“Tudo bem, Jill, pode descer.”

“Já posso ir trocar de roupa?”

“Fique à vontade.”

Jill desceu da maca onde estava, e tentou se ajeitar para que a minúscula vestimenta hospitalar não mostrasse mais do que deveria. Ela observou, com algo que se misturava entre descaso e aversão, umas três pessoas e uma pequenina mulher ao seu lado mexerem em anotações e em análises e uma, bem no fundo, em um tudo de ensaio, fazendo coisas que ela não entendia muito bem.

Ela realmente se aborrecia facilmente com todo aquele ambiente, apesar de lutar para não demonstrar. Mas procurava suportar tudo da melhor maneira que podia.

Pelo menos naquele momento ela não estava sendo forçada a nada que a prejudicasse realmente.

Jill andou até um banheiro no final da sala, o braço e até a nuca coçando um pouco pelas inúmeras picadas que haviam recebido, não apenas naquele momento, mas em vários dias que se passaram.

Ela encontrou sua roupa dobrada, e logo se livrou do pedaço de pano que a cobria, vestindo suas calças jeans e uma camisa social branca, cheia de botões azuis.

No entanto, antes de abotoar tudo um por um, ela observou-se vagamente no espelho.

Aquela horrível cicatriz ainda permanecia em seu peito.

Ela ficou encarando aquilo por um bom tempo. Porém, não importava o quanto olhasse, ela ainda não conseguia ficar indiferente em relação a sua "marca de guerra”.

Jill passou os dedos lentamente pelos buracos escuros e meio que totalmente cicatrizados, a pele macia como que fazendo carinho em cima das falhas, mas realmente sem esse intuito. Ela apenas estava com algumas lembranças estranhas em sua cabeça.

Ela pensou um pouco naquele momento em que perdeu o controle de seus sentimentos ao lado de Chris. Não foi o fato de ter feito aquilo quando ele estava por perto que a incomodou, mas foi por ter percebido, momentos depois, o quão frágil e estranha estava se sentindo. E ela já havia notado que enquanto não resolvesse as coisas consigo mesma, não conseguiria voltar a ser ela mesma. Se é que isso faz algum sentido.

Ela acariciou mais uma vez as marcas estranhas em seu peito.

*

Existem muitas coisas ainda nebulosas em minha memória, mas que vou recordando lentamente... No entanto, ainda me sinto tão estranha ao conseguir finalmente lembrar de como tudo realmente começou...

Não, tudo começou há muito tempo.

Acho que é lembrar mesmo de como as coisas não terminaram.

Hoje eu me recordo bem do momento em que acordei pela primeira vez, depois do pânico e da queda.

Eu não conseguia me mover.

Nem um músculo sequer. Mas não era porque eu estava presa.

Era porque quase todos os ossos de meu corpo haviam se esfarelado, eram vidros espatifados no chão.

A dor... Não sei se existem palavras para aquilo. Não, não existe nada que consiga descrever aquilo. Não era humano. Não tinha como eu estar viva. Mas eu nem pensava nessas coisas, naquele momento. Nem enxergar, eu conseguia. Eu estava cega, estava muda, e por pouco não estava surda.

Esse momento em que fiquei desperta foi apenas um piscar de consciência que tive. Não durou mais do que breves segundos.

A única coisa que eu sentia, além da dor, era calor. Calor e chuva. Calor de outro corpo, próximo a mim. E uma respiração pesada e dormente bem perto de meus ouvidos.

*

Ela balançou a cabeça, passando os dedos pelas cicatrizes outra vez, e foi delineando formas e desenhos por toda aquela extensão. Já não estava tão feio quanto nos primeiros dias.

Mas, graças àquilo, ela teria que pensar duas vezes antes de colocar uma roupa mais... Aberta. Por enquanto, enquanto não se sentia muito à vontade com a situação, ela usava apenas camisas e blusas totalmente abotoadas ou que iam quase até o pescoço. Ah, e pensar que ela adorava usar roupas decotadas...

Ela suspirou e, assustando a si mesma, riu levemente, com escárnio, do pensamento idiota que havia acabado de ter.

Sim, esse era um bom motivo para querer estrangular Wesker eternamente. Ele tinha acabado com boa parte de seu sex appel.

*

*

*

Jill chegou em casa cansada.

Entendam, nos dias que sucederam sua chegada, ela havia conseguido um tempo para si mesma, em sua própria casa, longe de organizações ou olhares do governo. No entanto, por conta de todos os experimentos que foram feitos em seu corpo, ele já não respondia muito bem a várias coisas.

Como se, mesmo longe de tudo, ele ainda não tivesse voltado a ser seu, realmente seu.

O P30 havia lhe fornecido um poder estranho e sobre-humano, mas ela foi submetida por tanto tempo àquela droga, que é como se tivesse desenvolvido uma espécie de dependência a ela. Que seu organismo já não funcionasse como deveria.

Seus momentos de insônia não eram apenas por culpa de pesadelos. Existia algo dentro dela que ardia, que fazia seu coração doer e doer e doer, que deixava sua boca seca e sua cabeça terrivelmente dolorida e suas costas expelindo suor frio. Não demorou para fazerem exames e concluírem que, além de existirem certas substâncias que ainda residiam em seu corpo, seu metabolismo estava apresentando dificuldades para se adaptar a uma vida longe dos fármacos a que foi exposta. Como se ela fosse uma viciada em estado de abstinência.

Ela bebeu sozinha em um canto escuro da cozinha, a noite toda, depois de tomar conhecimento disso.

Esse era um dos motivos que a fazia não poder voltar a trabalhar. Seu corpo ainda estava muito frágil para ir ao campo de batalha. Logo que chegou existiam momentos em que ela se sentia, e agia, como se fosse a pessoa mais poderosa do mundo. Ela conseguia correr, lutar, com uma força tão terrível que chegava a ser assustador. Mas isso foram em raros momentos. Foi apenas no início, quando o injetor tinha acabado de ser retirado de si.

Na maioria das vezes, ela se sentia tonta e enjoada com o mínimo movimento. Era o efeito da ausência daquelas drogas em seu corpo.

E com tudo isso, ela se sentia frustrada em viver naqueles centros de pesquisas. Porque sabia que precisava daquilo, mas não era fácil. Vez ou outra era puramente tédio, mas a realidade é que ela estava saturada daquilo. Três anos como uma cobaia de experimentos maquiavélicos não a transformaram na maior amante de laboratórios.

Ela estava frustrada com a situação.

Frustrada consigo mesma.

E eles ainda não queriam permitir que ela voltasse para casa, mas era um direito dela, que não abriu mão de maneira alguma.

No entanto, ao olhar para o ambiente ao redor, ao observar as cortinas fechadas, o cheiro de lugar abafado, o silêncio mórbido e quase sufocante, decidiu que não queria ficar ali por aquele momento. Tudo parecia uma cova.

Um pouco longe, em outra cidade, existia um parque ambiental que ela gostava de visitar de vez em quando. Era um dos lugares mais bonitos que conhecia. Ela estava com uma extrema vontade de andar e correr o máximo que conseguisse, até sentir seus músculos queimarem, até sentir que seu corpo estava bem, para enfim se jogar em algum canto e aproveitar o máximo de sol que aquela tarde ainda poderia oferecer.

Então ela só tomou um banho antes, para tirar aquele cheiro de laboratório do corpo, e com o cabelo ainda pingando, bateu a porta atrás de si e foi para onde queria.

***

“Ela não se controla! O medicamento não está mais fazendo efeito!”

“Aumente a dose!”

“Isso pode matar a cobaia!”

“Aumente a dose, AGORA!”

*

*

*

O corpo loiro se debatia na maca, entrava em convulsão, e se batia e batia e batia e batia sem parar contra aquele frágil equipamento, até que chegou em um ponto em que os cientistas daquela sala realmente imaginaram que ela conseguiria romper as amarras e mataria todos ali dentro.

Eles não esperavam aquela reação. Pensavam que a cobaia estava totalmente sedada. Mas ela apenas fingiu dormência, para depois explodir sem controle.

É que ela estava desesperada. Desesperada e presa.

Os pulsos estavam amarrados e apertados e roxos e vermelhos, o sangue não circulando direito para as mãos, os dedos dormentes e fechados, fortes, em punho. Mas ela nem se concentrava naquilo, nenhuma dor em seu corpo era importante naquele momento, pois ela só queria sair

queria sair

queria sair

ela não aguentava mais ficar ali, ELA PRECISAVA SAIR DALI!

Foram necessários sete cientistas para a segurarem, para que o injetor por fim tivesse uma possibilidade de ser inserido.

Outro pulo e outro urro mudo e dois cientistas recuaram de medo, enquanto os restantes apertavam cada milímetro possível do corpo dela, procurando contê-la.

Seu corpo já havia recebido tanta coisa, já estava tão modificado, que ele havia desenvolvido uma espécie de resistência, nenhum sedativo mais servia, nada fazia efeito, e quanto mais eles tentavam e quanto mais eles inseriam, menos resultado parecia surtir. Na verdade, era justamente o contrário que acontecia, aquilo só conseguia a deixar mais irritada e enfurecida, mais fogo colocavam em suas veias, e aqueles olhos azuis banhados de umidade e com as escleras repletas de vermelho apenas fitavam todos aqueles homens e mulheres, loucos, em busca de sair dali, ela tinha que sair dali, ela precisava, não poderia mais ficar ali, tinha que sair

tinha que sair

tinha que sair

eles queriam a encher com aquilo de novo, eles queriam a fazer perder a consciência, eles queriam adulterar e adulterar e adulterar a sua mente, não, eles haviam feito isso muitas vezes, eles queriam fazer aquilo de uma maneira permanente agora, ela não poderia deixar, ela não iria deixar, não tinha como ela deixar ou permitir aquilo, sem jeito sem jeito sem jeito sem jeito!

Ela nem percebeu quando um homem completamente vestido de negro entrou, com o rosto bloqueado por um capacete totalmente escuro. Ele se aproximou de maneira rápida, em passos fortes, e sem qualquer hesitação ele a esmurrou no rosto,

Uma.

Duas.

Três.

Quatro.

Cinco.

Seis.

Sete.

Oito.

Nove.

Dez.

Onze.

Doze.

Treze vezes, apenas no rosto, murros fortes desferidos sem piedade contra o rosto de uma mulher amarrada. Ao sentir cada golpe, o corpo amarrado se convulsionava, e chegou em um momento que ela parou totalmente de se mover, as mãos descansando molemente ao lado do corpo. No entanto, nem trinta segundos haviam passado, e ela recobrou a consciência, voltando a se debater com uma nova violência, o rosto esmurrado dando uma nova e aterrorizante atmosfera para a situação. Foi então que ele se afastou e se aproximou novamente com uma enorme escopeta, e em um rápido movimento, desferiu duas fortes coronhadas em sua cabeça. E com sangue vazando de sua testa, e nariz e boca e ouvidos, o rosto pegando fogo pela dor, os lábios, agora cortados e inchados, ainda bloqueados de emitir qualquer palavra ou arquejo, o peito subindo e descendo de nervosismo e medo e terror, ela foi lentamente perdendo a consciência, enquanto sentia os pulsos ficarem sem ação, enquanto sentia lágrimas estranhas escorrerem por seu rosto, e ouvia aqueles homens e mulheres de branco gritando coisas quase ilegíveis, de que ela já estava contida, ou que Wesker iria se enfurecer ao ver o que fizeram com o rosto dela, ou que o soldado não tinha permissão para fazer aquilo, ou que já era para trazer o injetor e todos os preparativos finais para a cirurgia, antes que ela acordasse e ficasse incontrolável de novo.

***

Um, dois, três, quatro.

Um, dois, três, quatro.

Um, dois, três, quatro.

Um, dois, três, quatro.

Jill contava o ritmo de seus passos sem parar, mentalmente, distraída, ela nem percebia que estava calculando isso, na verdade. Com o abdômen definido exposto, as calças de moletom propositalmente folgadas escorregando um pouco de sua cintura, e a curta jaqueta zipada até o pescoço, ela corria sem parar, os fones de ouvido bem altos, muito altos, tocando algum tipo de música caótica que ela nem sabia qual era. Ela só baixou algumas coisas no caminho e começou a ouvir tudo no celular, quando chegou.

Os tênis colidiam firmes contra o chão, mas as pernas estavam pesadas, e mesmo não forçando muito seu corpo, ela já estava banhada de suor.

Ela se sentiu incomodada com aquilo. Ela pensava que poderia pelo menos alcançar o ritmo que tinha no passado, mas ela já estava exausta, sendo que não correu nem metade do que costumava correr a três anos atrás, quando seu corpo ainda era normal.

Seu coração estava bombeando sangue rapidamente para suas bochechas, seus pulmões estavam já se desestabilizando pelo esforço, mas ela se recusou a parar. Na verdade, ela acelerou o ritmo de seus passos.

Ela não quis se deixar dominar pelo cansaço, e fechou os olhos, se permitindo levar pela música e por todos os seus sentidos. Aquilo era o que mais a incomodava. Sua resistência estava abalada por conta da ausência de medicamentos, no entanto, seus órgãos do sentido estavam mais aguçados do que nunca. Aquilo havia sido modificado como o seu cabelo. As mudanças se entranharam em seu DNA.

Mesmo correndo de olhos fechados, ela não se sentia perdida, pois estava conectada com todo o ambiente ao redor. Seu olfato, sua sensibilidade... Tudo, tudo, extremamente superior.

Do jeito que Wesker queria.

E viver em laboratórios era sua única oportunidade de se livrar daquilo. Ela nem cogitava ser para sempre daquele jeito, apesar de saber, no fundo de sua consciência, que parte daquela situação já não tinha mais solução.

Mas, sabe, ainda que algumas partes de seu corpo estivessem evoluídas, ela queria que seu corpo voltasse ao normal. Ela não queria aquele “poder”. Não da maneira que conseguiu. Ela não queria se olhar em um espelho e ver apenas um experimento bem-sucedido refletido.

Ela apenas desejava se livrar dos excessos, e recuperar o que faltava. Apenas isso.

Seus pés nem sentiam mais o chão direito, seus pensamentos estavam distantes, embalados pela música desordenada, que a levava para outro lugar e a fazia imaginar que, novamente e sinceramente, aquele já não era mais seu corpo.

Que Albert realmente a havia consumido por completo.

“Jill?” Ela ouviu chamarem seu nome, bem no momento que a música havia terminado. Ela separou as pálpebras, desacelerou, e olhou para trás, respirando um pouco rápido pelo ritmo acelerado de sua corrida e pelas ideias que rondavam sua cabeça.

*

Jill

“Claire!” Eu sorri, enquanto a observava vindo em minha direção. Eu senti seus braços se apertarem de maneira aconchegante contra meu pescoço, sem se importar se eu estava completamente molhada de suor, enquanto ela me encarava com uma feição surpresa e sorridente, os olhos azuis brilhando em destaque em meio ao seu rosto repleto de sardas.

“Nossa, eu quase não te reconheci. Você estava correndo como uma bala, e passou por mim umas duas vezes, mas só agora que fui perceber que era você." Ela examinou, de maneira teatralmente concentrada, meu rosto, até que sorriu novamente. "É esse capuz aqui.” Ela falou, abaixando o capuz de minha cabeça, revelando meu recém aceito cabelo loiro. Ela afagou delicadamente algumas mechas que fugiram de meu rabo-de-cavalo, colocando-os atrás de minha orelha. Foi então que lembrei que, da última vez que nos vimos, ela já sabia que minha aparência estava... diferente, mas eu havia pintado os fios de castanho, na época. Era a primeira vez que ela me via com a aquele aspecto, branca como um fantasma. Me senti bem ao perceber que não existiu um estranhamento em relação a isso, ou pelo menos ela não demonstrou nada em nenhum segundo. Essa atitude fez eu me sentir um pouco melhor comigo mesma.

“Tratamento capilar Wesker.” Eu falei, apontando para as mechas. “Sem recomendações.” Ela sorriu, parecendo contente por eu aparentemente não estar neurada com aquilo. Se ela soubesse metade da história...

“Mas eu estou surpresa. Juro que não esperava te encontrar aqui. Alguma coisa aconteceu?”

“Nada, eu apenas queria sair um pouco de casa, da cidade pelo menos. Aqueles cientistas são tão chatos... Parece até que ganhei meia dúzia de pais, e nem tinha percebido.” Eu falei, quando ela se afastou um pouco para o lado, observando o homem logo atrás dela. Ele tinha um rosto bonito, e parecia completamente simpático, mas havia algo em seu olhar que me incomodava.

Me arrepiava.

Me senti instantaneamente mal, meu estômago revirando um pouco.

Claire estava distraída, e por sorte não prestou atenção. Mas assim que ela olhou em meus olhos, viu que algo não estava bem.

“Ei, você tá legal? Parece cansada.”

“Foi... Foi que eu corri muito. Acho que me forcei demais.”

Não deixava de ser uma verdade.

“De qualquer modo, eu não quero atrapalhar seu passeio.” Continuei, apontando com o queixo para o homem. Claire notou que eu o havia percebido, quando ele se aproximava.

“Ah, não... Eu e Neil já estávamos prestes a nos separar. Ele tem coisas importantes para fazer agora. Por falar nisso, eu nem os apresentei. Jill, esse é meu chefe e um grande amigo, Neil Fisher. Neil, essa é praticamente a irmã mais velha que meus pais não quiseram me dar, Jill Valentine.”

Neil se aproximou mais e estendeu a mão para mim, e eu a apertei com força, para disfarçar a estranha impressão que tive dele. Ah, por Deus, eu devia estar completamente paranoica.

“É um prazer, Jill. É incrível finalmente lhe conhecer. Claire e Chris falaram muito de você.”

“Ah, eu imagino que sim.” Pensei em voz alta, meio azeda sobre o fato de como meu nome deveria surgir nas rodas de conversa. A menina que sobreviveu. Puta que pariu, me senti o Harry Potter agora.

Mas me senti culpada logo depois, por ter certeza que nem Chris nem Claire falariam desse nosso assunto de maneira tão banal. Por sorte, Claire nem deu atenção ao meu comentário sarcástico.

“Já que estava prestes a ser abandonada, eu estava indo procurar uma lanchonete por agora." Ela falou, olhando para mim. "Você quer me acompanhar, Jill?”

“Ah, eu vou querer sim. Nem precisa perguntar duas vezes.”

“Ótimo. E você, senhor apressado, tem certeza de que já quer ir?” Disse Claire, de maneira brincalhona e afetuosa para Neil. Eu senti suas vozes se afastarem lentamente de minha mente, à medida que várias coisas surgiam em minha cabeça.

Os deixei conversando sozinhos um pouco, enquanto me aproximava para fitar o sol de alguma coisa da tarde. Aquele sol era tão estranho e familiar... Não, aquele momento. Aquele momento que era familiar.

Já perdi a conta de quantas vezes fitava o nascer e o pôr do sol da África. Era estranho, era incômodo, mas de algum modo, maravilhoso. Eu sempre amei esses momentos. O sinal de que mais um dia havia acabado e outro estava por vir, ou que mais um giro estava se completando, mas sem nunca esquecer que ainda existiam outros pela frente.

Eu fiquei olhando a tarde brilhante, como que em chamas, a claridade me cegando, e minha visão se turvando e se perdendo de todo aquele lugar.

***

A máscara dificultava sua visão.

No entanto, não é como se realmente precisasse enxergar para saber o que fazer. Ela ainda tinha seus ouvidos, seus outros sentidos, bem úteis no momento que precisasse atacar. Mas a sua audição era a mais importante. Ela precisava escutar para saber o que fazer. Para conseguir acatar ordens. Sempre ordens.

Porém, ela estava sozinha, naquele momento.

Ela só estava parada, naquele ancoradouro, bem longe, perto do mar, fitando o horizonte. Naquele momento, ninguém precisava dela.

Por aquele momento, ela era apenas dela.

Ela não entendia que era apenas uma máquina. Seus momentos de lógica eram puramente influenciados por aquilo que jazia em seu peito. Porque no início ela ainda tinha alguns momentos de resistência, mas agora, depois de tanto tempo, praticamente nada havia sobrado... Quando começava a pensar realmente, algo acontecia, e ela nunca conseguia completar um raciocínio.

Um filósofo estranho falou uma vez que “Eu duvido, logo penso, logo existo.” Se duvidar fosse o início da existência, e ela não conseguia nem formar um simples questionamento em seu cotidiano, então ela não existia. Era um nada, um menos que uma assombração, por ali.

Mas não se distanciava muito disso, seu estado atual.

Jill Valentine, para todos os efeitos, estava morta. Ela não existia mais, de qualquer modo.

Aquela mulher, encapuzada e mascarada e muda fitando o horizonte, realmente era apenas uma poeira.

Mas, sabe, ela não se importava. Como disse, ela nem se questionava sobre sua existência. Ela nem percebia que todos os seus pensamentos eram manipulados, até sua personalidade naquele instante era uma farsa.

Então, se era humana ou não, tanto faz. Deixe essas loucuras para os filósofos.

No entanto, ela ainda sentia certas coisas... E se existia algo que a fazia se sentir bem, era aquela esfera vermelha queimando bem longe.

O sol.

Ela sentiu como se o amanhecer fosse algo importante para a sua vida. Que as noites poderiam ser até frias e demoníacas, mas uma hora a luz sempre voltava. O amanhecer parecia realmente ter sido importante para ela.

Ela já estava começando a... A pensar nisso, sua visão se turvou, ela saiu de sua habitual postura militar, suas pálpebras iniciaram um estranho piscar, quando ouviu um aparelho em sua orelha chiar, com uma voz feminina e presunçosa lhe chamando.

E então ela voltou ao normal, o estranho se apagando de sua mente.

Jill virou as costas para tudo, e foi obedientemente ao lugar em que deveria estar.

***

“E então, vamos caçar um lanche? Estou morrendo de fome.” Olhei para o lado, como que acordando de um sonho. Claire estava sorrindo, tocando gentilmente meu ombro, enquanto me esperava responder.

“Acho que me sinto como você nesse momento.” Ela deu um leve sorriso, passando o braço por meus ombros, o calor dela se dilatando por meu corpo, e um refrescante perfume proveniente de seu cabelo penetrando minhas narinas. Delicioso.

“E então, como vai a vida? Chris me contou que passou os últimos dias com você. Esse bobo. Você não se incomoda com o fato de ele achar que você tem doze anos de idade?”

“De alguma forma, eu sinto que isso é uma espécie de inveja branca por ele não ter feito o mesmo com você ultimamente.” Eu falei, sorrindo, fugindo da pergunta.

Ela fez uma careta.

“Acho que você tem razão. Esse cara adora me deixar com ciúmes.”

Nós não precisamos andar muito para encontrar um lugar para comer. Dentro do parque havia um pequeno quiosque, e nós nos sentamos na mesa mais afastada, quase embaixo de um gigantesco sicômoro. Nós pedimos dois hambúrgueres, e eu fiquei calada enquanto Claire atendia uma chamada e respondia de maneira divertida e carinhosa para a pessoa do outro lado da linha.

Eu e Claire tínhamos uma relação amigável, muito por conta de Chris. Há alguns anos, quando nossas agendas batiam, era comum nós três aproveitarmos nosso raro tempo livre para sairmos juntos, ficar de bobeira em algum canto, irmos a um bar, ou treinar tiro ou luta, o que se tornou mais comum. Chris havia feito um ótimo trabalho a guiando com armas, mas se ela tinha uma boa habilidade corpo a corpo, eu também tinha um pouco de crédito nisso. O estranho é que, assim como aconteceu com Chris, eu ainda me sentia um pouco tensa em relação a falar com Claire. Mas ela tinha uma natureza muito mais aberta que o irmão, e não demorou para eu me sentir um pouco mais tranquila perto dela.

A observei quando encerrou a chamada, ela tinha uma sobrancelha arqueada e um sorriso divertido no rosto. Ela olhou para mim, percebendo que eu a encarava, e alargou o sorriso.

“Era a Moira. Essa garota... Ela só fica um pouquinho mais louca a cada dia que passa.”

Eu abri um pouco mais os olhos, como que despertando de um devaneio.

“Moira? Moira Burton? A filha do Barry?” Falei, surpresa.

“Sim, isso aí.”

Eu não sabia como reagir. Na verdade, fiquei alegre e estranha ao mesmo tempo. Barry, Barry! Há quanto tempo não o via, ou melhor, a quanto tempo não falava com ele!

Uma eternidade, pura e totalmente. E eu me senti nostálgica ao relembrar de seu rosto barbudo e dos momentos que passava com sua família, como quando ia dormir na casa deles, no Canadá. Fazia tantos anos que não os encontrava. Eu ainda não tinha percebido o quanto sentia falta de todos eles.

Senti meus olhos arderem um pouco, com uma repentina saudade e angústia piscando e queimando como brasa vermelha em meu peito.

Acho que Claire percebeu meu estado emocional de bebê chorão, e aproximou sua cadeira da minha, até seus ombros se encostarem nos meus.

“Eu não lembrava de você ser tão emocional assim, Valentine.” Ela falou, os olhos doces, as sardas claras enfeitando as maçãs delicadas do rosto dela, enquanto apoiava a cabeça na mão, o cotovelo sustentando aquela armação perigosa em cima da mesa, enquanto seus dedos livres brincavam de vai e vem em meu pulso.

“Sabe? Nem eu.” Eu sorri, afastando as sensações ruins que tinha em seu peito. “Mas então, como andam as coisas? O Barry e a Moira já fizeram as pazes?”

Claire suspirou, pessimista.

“Ah, nem me fale disso. Se você não quiser ver a cobra fumando, é melhor nem citar o nome dele perto dela. Essa garota é tão teimosa... E o Barry, ah... A gente vê como ele tenta interagir com ela, mas esse homem é outro brigão, e hoje os dois simplesmente parecem não saber mais o que fazer da vida, só discutir. E o pior que os dois são tão sem jeitos que em alguns momentos as cenas seriam até cômicas, se não fossem trágicas. Não sei como a Kathy aguenta. É uma loucura, tudo isso.”

“Que droga. Ah, mas o pior que eu não era muito diferente quando era mais nova. Deve ser o mal da adolescência.”

“Com certeza é o mal da adolescência. E mais alguma coisa.” Ela se esticou. “Mas ela me surpreendeu agora. Nós acabamos muito próximas, nos últimos anos, e faz um tempo que ela anda me acompanhando em meus projetos, e se militou para fazer parte da TerraSave.”

“Não! E o Barry, como reagiu?”

“Quase teve um surto. Você sabe, depois de tudo o que ele e as garotas passaram, ele não queria ver a Moira metida no meio desse escarcéu. Era tudo o que ele não queria. Barry entende como ninguém a maneira que as coisas realmente funcionam no nosso trabalho. Mas ela não ficou nem aí. E o que eu podia fazer, prometi cuidar bem dela. Eu gosto dessa garota. Pra caramba. Mesmo ela sendo a encarnação do capeta perto do pai dela.”

Eu sorri, tristemente, lembrando daqueles primeiros anos de convivência com Barry, quando estávamos nos S.TA.R.S.. Eu imaginava como ele se sentia em relação à Moira naquele momento, toda a preocupação e angústia que ele estava passando. Eu bem sabia tudo o que ele teve que arriscar por conta da família.

Eu estava quase perdida, voltando ao passado novamente, quando nosso lanche chegou.

O céu já estava bem escuro quando dei minha primeira mordida, e nem me importei muito com o fato do lugar já estar prestes a fechar. Eu apenas queria curtir aquele momento de descontração com Claire. Fiz bem em sair de casa. Sinto que se não fizesse essa mudança de ambiente, enlouqueceria.

“Ei, mas eu estive pensando agora..." Claire falou após ingerir um gole de suco "Por que você não fala com o Barry? Quer dizer, nesse momento acho que ele está ocupado, mas por que você não manda um e-mail? Acho que ele gostaria disso. Ele mandou um para o Chris um pouco depois de vocês chegarem da África.”

“Sério? Chris... Acho que ele com certeza esqueceu de me falar isso.”

“Uhum, olha só, eu tenho a senha da conta dele, vou te mostrar.”

Eu ri, aproveitando para chegar mais perto dela.

“Isso não é invasão de privacidade?”

“Nem um pouco, ele sabe a minha também.” Ela falou, distraída, enquanto eu achava graça discretamente por dentro.

Claire pegou o celular e mexeu um pouco nele, até encontrar o que queria.

“Aqui, olha.”

Eu o peguei, para ver a mensagem.

E não deu para controlar. Não parei de sorrir, o tempo todo enquanto lia. Apesar de ser para Chris - Teria que falar que foi Claire que me obrigou a invadir a conta dele - eu fiquei profundamente emocionada com tudo. Barry, seu bobo.

Claire me observava com um sorriso no rosto, também.

“Eu sabia que você iria ficar assim.”

“Ah, pare. Eu senti saudades desse cara. Quase tinha me esquecido disso. Mas nossa, agora eu realmente fiquei com vontade de ir encher a cara com ele.” Falei, devolvendo o celular para ela, enquanto mordiscava meu hambúrguer novamente.

“Eu sei. Você fez bem em voltar, garota. Sabia que que aquele palhaço platinado não ia sair ganhando por aí. Foi uma jogada maravilhosa, essa de chutar a bunda dele.”

Não deu, estava com a boca cheia, mas ri do mesmo jeito.

*

Eu e Claire nos demoramos apenas mais um pouco lá, até que vieram nos avisar que os portões do parque fechariam em cinco minutos, e fomos embora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

✼ Em relação a mensagem de Barry para Chris, isso faz parte de um file secreto de RE Revelations 2.
Vocês podem conferi-lo copiando e colando esse link bem aqui:
http://www.residentevildatabase.com/files-traduzidos/resident-evil-revelations-2/secreto-2-e-mail-de-barry-para-chris-ep1
✼ A frase "duvido, logo penso, logo existo", ou no original, "dubito, ergo cogito, ergo sum" é do filósofo... francês, se não me engano, René Descartes.
✼ Sinto que o próximo capítulo vai ser o último, com um epílogo depois. Só avisando, mesmo :3
✼ Existem algumas cenas da fanfic que foram cortadas enquanto eu escrevia. São pouquinhas, algumas não chegam a cem palavras, são coisas que mudariam um pouco o olhar sobre a história, mas que considerei desnecessárias para o enredo, como um discreto flerte entre Claire e Jill (Desculpem, eu não resisto em shippar elas duas -q), ou alguns momentos que insinuam uma relação de amor e ódio e tensão sexual entre Wesker e Jill, e também o capítulo que seria o prólogo, mas que eu "deletei", e que, no entanto, que foi a primeira coisa em toda a fanfic que eu escrevi.
Penso em postar essas loucurinhas rápidas e curtas no meu jornal (No caso, na minha conta no Social Spirit, já que também posto essa fic lá).
Acham válido esses "extras", ou deixo quieto? =3
Cês que sabem ♥

Mas enfim, galera, é isso.
Eu sinceramente não sei o que pensar desse capítulo. Foi muito gostoso ficar escrevendo e reescrevendo ele, mas não sei se esse meu vai e vem de ideias o deixou confuso ou muito abarrotado de coisas. Isso vai ficar a critério de vocês. Não esqueçam que podem ser sinceros, queridos, afinal essa é uma diversão mútua, tudo fica mais legal se tanto o autor quanto os leitores curtirem o que tá rolando ♥

De qualquer modo, muito obrigada por lerem, amores!
Não sei quando o próximo capítulo vai chegar, mas esse negócio vai até o fim, podem ter certeza, ashueahsuaehua

Até :3



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O inferno de Jill" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.