O Copiador escrita por JG Lourenço


Capítulo 2
Parte 2 - Outra vida




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“O lobo sempre será mau se você ouvir apenas a

versão da chapeuzinho vermelho.”

— Desconhecido.

Cliff olhou em volta assustado e foi como se olhar em um espelho. Tinha um cara igualzinho a ele dentro daquele elevador, diferentes roupas, mas mesmo cabelo, rosto, barba, olhos. Cliff arregalou os olhos e teria caído para trás se não estivesse no elevador.

— Quem é você? — Perguntou o outro Cliff que não era ele. — O que porra está fazendo com meu rosto?

O outro cara bêbado estava encolhido no chão, no canto do elevador, próximo de uma pilha nojenta de um material estranho que Cliff nunca havia visto, era gosmento e tinha uma cor cinza. O bêbado estava com os olhos fechados, as mãos sujas daquela gosma estranha, tremendo de medo.

— O que porra é você? — Perguntou o verdadeiro Cliff ao outro falso que estava do outro lado. — Como conseguiu copiar o meu rosto? O meu corpo?

— Eu não fiz isso! Você fez! Que tipo de aberração é você?

— A única aberração aqui é você, seu bosta. Você é que está perto da pilha de esperma ali!

A porta do elevador se abriu e Cliff correu disparado pela porta, sem sequer olhar para trás, mas tinha certeza que estava sendo seguido. Não sabia para onde ir, não podia de jeito nenhum levar aquela coisa para o seu apartamento. E se estivesse sendo investigado? Se tudo aquilo fosse um truque? Ele escancarou a porta das escadas e subiu correndo, dois degraus de cada vez. Ele podia escutar o outro Cliff seguindo-o, correndo a toda velocidade para alcançá-lo.

— Eu vou arrancar as suas tripas com as minhas mãos, sua coisa! — Ouviu sua própria voz gritar lá embaixo.

Cliff olhou para baixo e riu.

— Você pode tentar, aberração. Eu vou lamber meus dedos enquanto como a porra dos seus olhos.

E então voltou a correr. Ele sabia que a vantagem inicial era primordial para aquilo. Ele estava indo em direção ao teto, um plano já formado na cabeça: matar aquela coisa. Não seria tão difícil, matar era o trabalho mais fácil do mundo. As pessoas achavam difícil tirar a vida de alguém, entretanto, na realidade, era até divertido.

Cliff empurrou a porta do telhado e a fechou rapidamente. Ele andou até alguns metros e arrancou rapidamente parte de uma encanação velha de metal, que ele sabia que cederia fácil aos seus braços. Girou o cano em sua mão e esperou na parede ao lado da porta, estava pronto. Ele devia chegar em alguns segundos.

E então a porta se escancarou, o outro Cliff entrou no telhado e ele o golpeou forte em cima da têmpora, fazendo com que caísse forte no chão.

O verdadeiro Cliffard Craft pegou aquele homem e o arrastou pelo pé esquerdo até a borda do prédio.

— Quem é você? — Perguntou o verdadeiro. — Como tem o meu rosto? É algum tipo de operação do governo para me capturar, é isso?

Cliff arrancou os óculos do impostor e os colocou no bolso.

— Seja quem for, nunca mais vai voltar de onde veio.

O outro Cliff lhe deu um chute no estômago que o desequilibrou, mas ele segurou forte o cano e bateu novamente na cabeça do impostor.

— Por favor. — Murmurou o outro entre os dentes, chorando. Essa era a parte que Cliff mais gostava, a parte em que eles começavam a chorar, imploravam pelas suas vidas, dizendo que tinha família e blá-blá. — Você não precisa fazer isso, por favor.

Cliffard abriu a boca e sorriu largamente, o desdém na ponta da sua língua.

— Ah, eu tenho. É como um vício, entende? — O sorriso se alarga ainda mais. — Matar é como fazer sexo, meu caro. Não dá para parar depois da primeira vez.

E então Cliff enfiou o cano fortemente através do olho do homem até trespassar pelo crânio.

— Bem, não é todo dia que podemos matar a nós mesmos. — Falou para si mesmo arrancando o cano e tirando o olho do impostor ali de dentro. — Azul igual ao meu. —Ele enfiou o cano no outro olho e sorrio. — Esses, com toda a certeza, vão para a minha coleção.

***

Cliff tirou a camisa ali e limpou seu rosto e mãos, retirando o sangue do outro Cliff. Ele desceu até o seu apartamento e guardou os dois olhos dentro de um jarro de vidro, depois os colocou no congelador e jogou a camisa no lixo. Foi até o seu quarto e removeu a parte detrás falsa do seu armário, pegou sua maleta e a abriu, colocou suas luvas plásticas e colocou sua máscara. Não se preocupou de alguém vê-lo, o prédio era deserto àquela hora. Levou a maleta consigo para o teto, caso precisasse de algo ali. Subiu as escadas correndo e não sentiu nenhuma dor muscular, seu corpo era perfeito. Empurrou a porta e foi correndo até o corpo.

Cliff se ajoelhou e foi nesse momento que percebeu que não estava sozinho. Cliffard respirou fundo e foi abrindo a mala devagar, fingindo que estava sozinho, uma noite, duas vítimas, quatro olhos para observarem ele.

Cliffard sorriu largamente e se levantou. Ele se virou e viu uma mulher de no máximo vinte e três anos o encarando, seus olhos brilhavam de medo, escuros, sombrios.

— Por favor, não se assuste! — Cliff falou, tentando parecer um pouco nervoso, mas reconfortante. — Eu o encontrei assim. Eu sou médico, já chamei a polícia, eu o deixei aqui por um instante para pegar minhas coisas e tentar ajudá-lo ao máximo. — Cliffard imitou um rosto triste e decepcionado. — Ele não resistiu.

A mulher pareceu se acalmar um pouco e deu um passo para frente, os braços cruzados pelo corpo.

— Você viu quem fez?

Cliff negou com a cabeça.

— Eu venho aqui toda noite para olhar a cidade e o encontrei desse jeito...

Então a mulher arregalou os olhos.

— Por que tem sangue na sua testa?

Cliff sorriu e avançou em cima da mulher, ela tentou correr, mas ele a agarrou pela cintura e a jogou no chão com força. Ele segurou o pescoço dela com força e a prendeu no chão.

— Você quer mesmo saber por que estou com sangue na minha testa? — Cliff perguntou quase gargalhando. — Eu vou te mostrar, querida.

Ele pegou o bisturi e apertou com mais força ainda o pescoço da jovem, usou sua mão direita para direcionar o instrumento. Seria melhor se tivesse as duas mãos, o olho não iria sair perfeito, mas era o que ele podia fazer no momento. Usava aquilo que tinha em mãos.

***

Agora ele tinha dois corpos para se livrar, entretanto, o do outro Cliff tinha prioridade máxima, ele não sabia que tipo de coisa era aquela, mas tinha que se livrar rapidamente. Ele se resolvia com a garota depois. Cliff pegou um par de óculos escuros em seu apartamento e colocou no corpo do outro cara, também pegou uma nova camisa e o vestiu. Cliff iria carregá-lo por aí, o apoiando, todos pensariam que ele estava apenas carregando um amigo muito bêbado, ele entraria no seu carro e jogaria o corpo em algum lugar que nunca o encontrassem.

Colocou o plano em ação e conseguiu facilmente cumpri-lo. Ele levou o outro Cliff até um canteiro de construções, ele ficaria enterrado e logo depois seria encoberto por concreto. Cliffard cavou um buraco fundo e jogou o corpo lá.

— Prazer te conhecer! Obrigado pelos olhos, aliás.

Cliff riu e começou a enterrá-lo de novo. Ele tinha que ser rápido, faltava poucas horas para o amanhecer. Pisou fundo no acelerador e subiu correndo até o telhado. Não tinha tempo a perder, tinha que fazer o outro corpo sumir antes da luz do dia chegar, mas foi só ele olhar para aquela garota e tudo foi por água abaixo.

Ela estava linda para uma morta. Linda demais para ser enterrada em algum canto e esquecida por anos ou, quem sabe, para sempre. Não, ele não podia fazer isso com aquela pobre mulher, ele quase podia ouvi-la gritando para ser mostrada, adorada, exibida. Ela precisava ser vista, ele tinha certeza disso. E Cliff iria montar o melhor espetáculo para ela.

Ele sabia que era arriscado fazer aquilo no teto do seu prédio, mas ela precisava. Ela praticamente gritava para ser exibida e Cliffard sabia que ela merecia. Não seria a primeira vez que ele faria isso, claro, e muito menos a última. Não eram todos que deviam ser exibidos, apenas os especiais, o que nasceram para isso e era o trabalho de Cliff jogá-los para o estrelato. Sempre achou que havia uma beleza mórbida na morte.

***

“Eu gostaria de dizer que deu tudo certo, que eu estou tendo uma bela vida agora e um futuro promissor pela frente, que eu faria as coisas certas a partir de agora e tomaria jeito. Mas não é isso que vou falar, pois não foi isso que aconteceu, aliás, está bem longe da minha verdadeira situação. Não posso dizer que fiquei surpreso por algo ter dado errado, sou eu, algo sempre vai dar errado, nada, nunca, vai estar certo ou minimamente correto. Tudo deu errado desde que nasci, eu sou uma aberração, uma criatura que nem deveria existir, eu sou irreal, impossível, mas mesmo assim aqui estou. Um metamorfo, uma criatura sobrenatural com a capacidade de copiar qualquer pessoa. Eu sou um ser torto, estranho e deformado, posso ter feito várias coisas erradas em minha vida, mas eu nunca matei friamente, por puro prazer. Nunca matei assim antes de ter copiado, acidentalmente, Cliffard Craft, também conhecido, agora, como O Oftalmologista.”

Joseph Doss acordou entre lençóis macios, tão macios que ele sentiu que estava dentro de uma grande nuvem lá em cima. Sua mente estava calma, seu coração batia em ritmo lento dentro de seu peito e ele se sentia, estranhamente, um pouco feliz. Ele tinha um teto agora, um lugar para chamar de lar e lençóis macios para dormir, não era uma vida ruim. Ele abriu seus olhos e olhou para o seu novo teto branco e límpido, sorrio lentamente e espreguiçou-se. Queria encontrar um espelho, ver o seu novo rosto — rosto de Anthony — e saber os detalhes de sua nova vida. Ele sentou-se na cama e depois se levantou, precisava achar o banheiro e olhar para o seu rosto, mas antes disso ele olhou para baixo e toda sua alegria foi por água abaixo. Aquilo estava errado, muito errado, não podia ser verdade.

Joseph saiu correndo pelo quarto e foi procurando loucamente o banheiro do apartamento. Não era possível, ele devia estar enganado. Anthony era mais branco e ele estava moreno, como costumava ser em seu antigo corpo, mas aquilo era impossível, Joseph tinha certeza que tinha copiado alguém.

Ele achou o banheiro, olhou-se no espelho e gritou a se ver no espelho. Gritou com raiva de si mesmo, do mundo, de todos. Ele esmurrou o espelho com força e o viu se partir em dezenas de pedaços grandes e pequenos e cair sobre a pequena pia. Ele pegou um dos pedaços grandes e olhou para os seus olhos refletidos, apertou tão forte aquele pedaço de vidro que sua mão sangrou ainda mais. Aquele não era o rosto de Anthony, era o do Joseph. Joey gritou novamente e quebrou o pedaço de vidro em sua mão, logo depois pegou os outros e quebrou-os também, ele estava tremendo de raiva, de ódio.

Correu o apartamento e olhou pela janela, respirou fundo e tentou se lembrar do que tinha acontecido depois do elevador, mas ele não conseguia se lembrar de nada. Nem de uma mínima lembrança. Ele estava fodido, totalmente fodido. Algo tinha dado errado, muito errado e ele não tinha copiado ninguém. Ele se virou para o apartamento e respirou fundo, correu os olhos pelo apartamento e então parou. Ele correu até a estante e pegou a foto em sua mão, era aquele cara, o rapaz do elevador.

Aquele não era o apartamento de Anthony, era o apartamento daquele loiro do elevador. O que porra Joseph estava fazendo ali? O que tinha acontecido na noite anterior? Que merda estava acontecendo AGORA?

Joseph foi até a mesinha perto da porta e pegou as contas do apartamento. Aquele lugar pertencia a Cliffard Craft, assinante de algumas revistas de notícias. Ele voltou para o quarto e começou a reparar no lugar. A cama em que ele acordara era de casal e o quarto era enorme, havia prateleiras na parede cheias de livros de variados assuntos, um notebook, uma mesa de computador, uma máquina de escrever antiga, um guarda-roupa embutido na parede, uma caixa de óculos perto da cabeceira. Tinha papeis espalhados pelo quarto, cadernos de anotação, uma bolsa estilo carteiro. Joseph pegou algumas roupas dali e ligou o computador, entrou na conta — sem senha — e começou a conhecer aquele cara.

Ele era um jornalista, trabalhando em um jornal que Joseph não ligava e tinha a vida repleta de gente. Joey estava lendo os e-mails dele, algumas coisas de trabalho, assuntos variados e um e-mail sobre o aluguel de um armazém afastado na cidade. Ele anotou o endereço, pegou um casaco que tinha capuz e levou o molho de chaves que estava na mesinha perto da porta. Estava na hora de descobrir alguns segredos.

O cabelo dele estava grudado na sua testa, empapado de suor, mas ele havia chegado. Tirou o molho de chaves do seu bolso e foi tentando de uma por uma naquele cadeado até que uma o abriu. Ele subiu a porta e seu calor passou na hora, o lugar estava extremamente frio e escuro, nunca havia sentido tanto frio. Joey deu um passo e olhou para os lados, procurando um interruptor e o acendeu. Ele olhou para aquelas estantes e deixou as chaves cair de sua mão, ele tremeu, mas não por causa do frio. Um grito subiu pela sua garganta, mas ele não o soltou, chamaria tremenda atenção e atenção demais não era nada bom quando você estava com as chaves de um armazém com prateleiras cheias de olhos.

***

Cliffard escutou as batidas em sua porta e franziu o rosto, pois não estava esperando ninguém naquela hora, nem mesmo naquele dia, mesmo assim ele largou o garfo dentro do prato e levantou-se relutante para abrir. Deu uma olhada pelo olho mágico e não se surpreendeu ao ver dois policiais — um homem e uma mulher — parados em sua porta.

A notícia da garota estava sendo noticiada em todos os lugares da mídia local, rádios e televisões, amanhã os jornais. Ele sabia que era arriscado demais fazer aquilo no seu prédio, sabia que eles iriam falar com todos dali, inclusive ele, mas Cliff tinha que fazer. A garota estava implorando por aquilo, então ele fez. Ele a pendurou como um espantalho, abriu a sua barriga e usou as tripas dela para escrever uma mensagem. “Vejam”. Não fez de um tamanho muito grande, apenas o suficiente para chamar atenção e tivera que usar uma das pernas dela para completar a letra M. Entretanto ficou um lindo trabalho, ele havia amarrado os cabelos dela para trás e destacado os buracos onde antes estavam os olhos — que ele guardou em seu armazém — e pronto. A mídia estava enlouquecendo por mais um assassinato do serial killer apelidado de “O Oftalmologista”, aquele que adorava olhos, pois amava ser visto, destacado.

Segundo os psiquiatras, claro.

O casal de policiais bateu novamente na porta e ele balançou a cabeça para desanuviar a mente. Abriu a porta e deu um sorriso cansado e triste para eles.

— Boa tarde. Como posso ajudá-los? — Ele falou com a porta aberta.

— Nós gostaríamos de conversar sobre o... ocorrido que teve aqui. Ver se o senhor pode ter visto alguma coisa. — Falou a mulher que tinha cabelos presos em um coque e belos olhos verdes com uma pitada marrom.

— Procedimento padrão. — Completou o homem moreno.

Cliff assentiu com a cabeça.

— Com certeza, oficiais. Podem entrar. — Ele disse simpático. — Meu nome é Cliffard, aliás, mas podem me chamar de Cliff. — Ele apertou as mãos dos dois e olhou mais demoradamente para a mulher.

Então se desvencilhou e andou um pouco pela sala.

— Por favor, podem se sentar. Querem tomar algo? Água, café, chá? Tenho tudo a oferecer.

— Eu aceitaria um copo de água, somente. — O homem falou.

— Um café está ótimo para mim.

— Seus desejos são uma ordem. — Cliff falou e foi para a cozinha. Trouxe os pedidos e sentou-se. — Então, vamos começar?

A partir daí foi burocracia atrás de burocracia. É claro que não tinha ninguém para confirmar o seu álibi, ele estava sozinho aquela noite. Estava dormindo na hora que aquilo ocorreu e blá-blá. Cliff respondeu tudo mecanicamente e com o tom mais educado que podia ter, mas ele não conseguia parar de encarar a oficial McQuaig, aqueles maravilhosos olhos.

— Então acho que isso é tudo, se precisarmos de mais informações nós voltaremos para cá. — Ela falou.

Cliff levantou-se com um sorriso no rosto.

— Pode voltar à hora em que quiser. — Ele apertou as mãos dos dois novamente e os acompanhou até a porta. — Aliás, oficial McQuaig, que lindos olhos você tem.

— É... Obrigada. Tenha uma boa tarde.

Cliff fechou a porta e respirou fundo, ele, definitivamente, poderia se apaixonar por um par de olhos como aqueles. Riu de si mesmo, pois sabia que nunca sentiria nada de verdade. Ele pegou a xícara que ela havia tomado e notou a marca de batom vermelho marcando onde ela havia colocado a boca, ele sorriu e passou o dedo pelo lugar. Como adoraria ter aqueles lindos olhos em sua coleção, mas isso traria problemas demais para ele, mas, talvez, se fizesse com cuidado...

Não, não podia. Seria demais. Ele receberia mais atenção do que nunca, eles levavam a sério a morte de um membro oficial da polícia. Entretanto aqueles olhos eram tão lindos... Ele os queria para si, queria admirá-los de perto, olhar a íris perfeita. Ele tinha que pegá-los.

Foi então que decidiu pegar seu capacete e seguir a policial de moto pela cidade, até ela chegar em sua residência.

***

Joey despertou e tremeu. Tremeu tanto de frio quanto de medo, medo do que tinha feito agora. Não do que ele tinha feito, mas sim o outro, aquele que matava enquanto ele dormia, aquele conhecido por Cliffard Craft. O homem que tinha um armazém cheio de olhos e que era um serial killer. Joseph estava completamente fodido, ele havia copiado um assassino e nem sabia o que havia acontecido com o verdadeiro Cliffard, mas tinha uma boa ideia.

Ele levantou e viu que já era o outro dia, uma manhã fria e nublada que combinava perfeitamente com o seu humor. Estava no mesmo apartamento do dia anterior, sua pele antiga estava no chão ao lado da cama e ele respirou fundo, tentando acalmar o coração que pulsava sem parar em seu peito. Joey não tinha outra escolha, tinha que ligar para o número emergencial que Mark lhe dera há muito tempo atrás. Era um tiro no escuro, aquele número podia ter mudado, a pessoa podia estar morta, mas era a melhor chance que ele tinha de resolver a merda que estava acontecendo. Ele não conseguia mais controlar suas transformações, não se lembrava das coisas que tinha feito enquanto estava desacordado, algo estava pra lá de errado com sua transformação. Ele só tinha aquele número para recorrer, sua única e última esperança, quando ele discasse não teria mais volta.

Algo tinha dado errado e ele não entendia o que fora, não se conhecia o suficiente para saber o que foi e consertar aquilo. Ele não possuía mais controle e quando voltava a ser Cliffard Craft os corpos apareciam ao redor de si, Joey estava mais do que assustado, ele estava apavorado. Deixara toda a sua vida para trás para fugir e agora se metera em confusão novamente copiando um serial killer que estava sendo procurado por todo o país. Eles ainda não sabiam a identidade do Oftalmologista, então ainda tinha tempo para consertar tudo aquilo. E o pior: o verdadeiro Cliffard estava desaparecido, provavelmente morto.

Segurava o celular descartável na sua mão, estava suado e usando uma calça de moletom cinza. Ele sabia que tinha que fazer aquilo, era a única opção, não podia ficar matando as pessoas por aí. O Conselho era mil vezes melhor do que ser pego e morto pela Instituição, pelo menos ele teria uma chance de consertar aquilo.

Ele tinha que fazer aquilo, antes que Cliffard retomasse o controle, antes que ele matasse novamente.

Joey notou algo pelo canto do seu olho, alguma coisa ligada. Era a televisão, passando um jornal local e com letras garrafais na tela “O Oftalmologista ataca novamente”. Joseph respirou fundo e aumentou o volume da televisão.

—... A oficial Elena McQuaig foi achada morta há meia hora, pela sua vizinha. Segundo informações a porta do apartamento estava encostada, a sala cheia de sangue e a vítima apresentava a marca do serial killer: ela estava sem olhos. Está é a décima quarta vítima confirmada do assassino apelidado de O Oftalmologista...

Joey desligou a televisão e discou o número rapidamente. Ele estava fodido, Cliffard havia matado uma oficial e as buscas por ele iriam se intensificar mais ainda. Joseph apertou o botão e levou o celular diretamente até o seu ouvido, enfiou a mão no bolso da sua calça e andou nervosamente pela sala.

— Alô? — Atendeu uma voz masculina.

— Alô! Eu sou... Eu era amigo do Mark, ele me deu esse número.

O homem pareceu considerar aquilo por um instante e então Joey sentiu que havia algo no seu bolso.

— Tudo bem. Como posso ajudá-lo?

Ele segurou aquilo e foi tirando lentamente do seu bolso.

— Alô?

Joseph Doss abriu a mão.

— Você está aí? Como posso te ajudar?

E encarou diretamente a íris verde com uma pitada de marrom daquele olho.

— Eu estou aqui. — Joseph respondeu. — E preciso que me mate.

***

Cliff estava sentado no chão do seu armazém, segurava a sua mais nova aquisição e estava prestes a arranjar um lugar onde para colocá-la, mas esperou um pouco. Ele gostava de estar ali, sentia-se bem consigo mesmo, mais verdadeiro e o melhor de tudo: ele estava sendo observado. Foi uma das razões para ele decidir trabalhar com a mídia e tudo mais, foi a principal razão, na verdade, ele adorava ser o centro das atenções e aquele emprego era perfeito pra isso. Ele fizera várias matérias sobre o chamado Oftalmologista e ganhara um grande destaque, sendo o maio perito no assunto. Ele sorriu ao lembrar daquilo e finalmente riu ao pensar em como as pessoas são tolas.

Ele sabia que tudo aquilo estava para terminar, que ele seria revelado e exposto a todo o mundo e se sentia perfeitamente alegre com isso. Gostaria de ver a cara de todos que o conheciam, eles ficariam surpresos, horrorizados, e mais um monte de adjetivos. Logo depois seriam os parentes das vitimas, eles iriam xingá-lo, ameaçar matá-lo e perguntar repetidamente o porquê dele ter feito tudo isso. E Cliffard Craft os olharia profundamente nos olhos, com um sorriso largo no rosto, e responderia: Porque eu queria ser visto.

Ah, ele estava era muito satisfeito com isso. Agora ele entraria para a história, ele seria lembrado. E não ia deixar que ninguém lhe tomasse seu momento de glória, nem mesmo Joseph Doss.

Por isso ele levantou-se e guardou os seus novos admiradores em seu lugar, ele girou em volta e sentiu-se desejado. Mas não podia demorar muito tempo ali, por mais de que apreciasse aquele lugar, não era um bom momento para demoras. Ele tinha um grande dia amanhã. E um corpo para desenterrar hoje à noite.


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