Guerra de Gemas e Rosas escrita por Autor Misterioso


Capítulo 5
Sombras do Passado




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Um silêncio misterioso caiu sobre as ruas cinzentas de Homeworld. O som do lago enfrentando a brisa das campinas desertas invadiu as vielas da cidade, detendo-se, nos muros imperiosos do Palácio. O anúncio da captura de Diamante Azul pelo Exército Rebelde distorcera as bases do poder exercido pelo Trio sobre o planeta. Sussurros sobre as derrotas durante a anexação colonial e o prenúncio de um novo conflito espalharam-se rapidamente. As Tropas Imperiais iniciaram um sistema de patrulhas e uma segurança vigilante assumiu o domínio da Capital.

Na escuridão soturna do Grande Salão, Diamante Amarelo refletia sobre os últimos acontecimentos. O ódio difundia-se às lembranças do início, quando Homeworld era um paraíso solitário, coberto de florestas suaves e estepes insólitas. As palavras da Voz Original ecoaram em seus ouvidos e as imagens tornaram-se reais como uma névoa sombria.

Ao longe, uma enorme cordilheira desfilava acima do horizonte. A luz deitava-se suave sobre a campina, onde inúmeras cores saltavam das flores sorridentes. No céu, pequenas sombras cobriam a paisagem, um fraco reflexo das luas que oscilavam sobre o planeta. Era o Início.

***

Uma voz serene e límpida atravessou o ar da campina. Seu som era majestoso e ao mesmo tempo simples, jovem e antiga. Profunda e altiva, como um eco que sobe de um poço às alturas das nuvens. Acompanhando o som, uma mulher imponente caminhava pela relva macia. Seus cabelos dançavam na brisa como uma capa de couro. Acima de sua face e em seus longos braços, pequenas gemas cobriam a pele suave. A mesma pedra brilhava em sua testa e ao longo de seu dorso, até o abdômen.

Nos limites da campina, três cápsulas emergiram na superfície. A estranha mulher interrompeu seu canto e as flores aguardaram sua próxima decisão. Sentando-se sobre uma rocha, ordenou:

— Despertem crianças.

As cápsulas abriram e, em seu interior, três mulheres adormeciam profundamente. Ao som de sua voz, abriram lentamente os olhos. Os diamantes sobre seus seios emanaram uma luz jovem e firme. As irmãs entreolharam-se por um momento, confusas e curiosas. A mulher apenas sorriu e, ao observá-la, admiraram-se com sua beleza.

— Quem é você? – perguntou Diamante Branco.

— A pergunta, criança, é quem vocês serão. – respondeu ela.

— Mas... O que somos nós? – perguntou Diamante Azul.

— Vocês são as primeiras de uma nova raça. Observem...

A mulher indicou as pedras brilhantes que adornavam os seios das irmãs

— O que é isso? – perguntou Diamante Amarelo.

— Vida, força, luz... – respondeu a mulher. – Se vocês agora não apenas existem, mas vivem como criações do Elo Original, é porque essas pedras lhes dão energia para respirar e experimentar o mundo. Essas pedras são o que vocês são. E vocês só existirão enquanto elas existirem.

— Há outras de nós? – perguntaram.

— Ainda não. – respondeu ela.

— E quando haverá? – perguntou Diamante Branco.

— Assim que decidirem o que serão. Pois o que virá, será fruto de vocês. O que existir será porque vocês existem. E o futuro depende agora dos caminhos que assumirem.

— No momento, não vejo diferenças entre nós. Como seremos o que virá se ainda somos o mesmo que agora? – perguntou Diamante Amarelo.

— A essa pergunta, responderei com uma benção. – disse ela.

Em seguida, pousou a mão sobre a cabeça da Gem. Uma aura luminosa escorreu de seus dedos, caindo sobre a cabeça dourada da jovem.

— A você, chama da manhã, concedo a força e a ascendência dos guerreiros que lutam por seus ideais. Seus filhos serão as Crianças do Poder.

A mulher levantou-se e depositou a mão sobre Diamante Branco.

— Mente afiada, escute com atenção, a você darei os sábios e aqueles que sorriem no âmago do inverno. Seus filhos serão as Crianças do Discernimento.

Por último, abençoou Diamante Azul:

— Espírito livre, a você são dados agora os aventureiros e os amantes da paz. Seus filhos serão as Crianças do Futuro.

Os Diamantes ergueram as faces e observaram a mulher caminhar em direção ao limiar do bosque. Antes, porém, que as folhas esverdeadas tocassem seu rosto, desapareceu em uma névoa pálida. Seu nome continuou para sempre um mistério, porém, em honra ao som de seus lábios, ficou conhecida como a Voz Original, a Senhora Ancestral das Gems, que teria concedido vida ao mineral, para torná-lo parte do mundo.

Nos anos que se seguiram, os Diamantes trabalharam em inúmeros métodos de reprodução das cápsulas que haviam gerado seus corpos, desenvolvendo seus poderes e habilidades sempre em harmonia com o mundo. Porém, com o transcorrer dos séculos, a solidão arrefeceu o calor em seus corações. Suas habilidades encheram suas almas de orgulho, esmaecendo, porém, sua piedade. Tratavam-se como deusas, esquecendo-se, porém, que nem sempre existiram e que suas pedras eram seu instrumento de vida, mas também, seu elo de morte.

Quando finalmente obtiveram sucesso, perceberam que seus poderes não poderiam gerar vida que deveria ser, por isso, extraída do mundo. Com isso, projetaram um dispositivo que realizaria a aplicação de energia vital, retirada do ambiente, para criar novas formas de existência a partir das características de suas pedras. Assim nasceram os injetores, máquinas que tornavam morte em vida e que levaram as luas de Homeworld à completa esterilidade.

Dos genes de Diamante Amarelo, nasceram Gems fortes, de corpos musculosos e poderes extraordinários. Suas armas eram ferramentas destrutivas de combate. A elas também pertencia, em certas ocasiões, poderes curativos e a habilidade de dominar as plantas ao seu redor. Diamante Azul, por sua vez, gerou Gems menores, mas dotadas de eficientes habilidades de manipulação de elementos naturais, como água e chamas e mesmo fatores como temperatura e clima. Algumas também possuíam clarividência e destacavam-se pela calma previdente. Enquanto isso, Diamante Branco gerou Gems de forte capacidade intelectual, planejamento e armazenamento de informações. Delas, vieram a arquitetura e a tecnologia utilizada em Homeworld.

As primeiras Gems geradas foram utilizadas na divisão de categorias com base em suas habilidades, porém, quando tornaram-se pouco úteis, foram submetidas às mais cruéis experiências coordenadas pelos Diamantes. Suas pedras foram rachadas e com o tempo, geraram as mais terríveis criaturas, aprisionadas pelos Diamantes em cápsulas abaixo de seu Palácio. Naquela época, constatou-se, com imenso receio, a fragilidade das pedras. Caso fossem destruídas, a regeneração era interrompida de forma permanente, resultando na única forma de morte conhecida pelas Gems.

Além dessas descobertas, percebeu-se que a energia luminosa massiva que compunha o corpo dos Gems poderia ser transferida entre pedras. Caso a sincronização fosse bem sucedida, a combinação geraria, a partir de várias pedras, uma forma anatômica única que representaria um perfeito amálgama físico, mental e emocional de seus progenitores. A prática das fusões como ficou conhecida foi proibida pelos Diamantes, que receavam que tal habilidade pudesse ser utilizada para fortalecer Gems inferiores, ameaçando seu controle sobre as demais. Seu desejo pelo poder individual, com o tempo, gerou uma profunda repulsa quanto ao ato e, com o tempo, a fusão tornou-se uma verdadeira maldição nas perspectivas tradicionais da sociedade Gem. Poucos aventuravam-se em fazê-la, desafiando a repressão.

Temendo os perigos que viriam a ameaçar sua existência, os Diamantes organizaram, então, um processo de anexação colonial do Sistema que, mais tarde, tornaria-se o primeiro projeto do conjunto de ações para a posse definitiva da galáxia. Usando seus injetores, os Diamantes extraíam a energia vital de outros mundos para gerar o que consideravam como subespécies, Gems que não tendo nascido no Sistema de Homeworld, eram consideradas meros soldados coloniais.

Com o crescimento populacional, o receio de rebelião ampliou-se através do planeta, forçando Diamante Amarelo a abandonar as missões de conquista. A ordem deveria ser mantida e a Senhora do Poder detinha grande influência entre os Gems. Era o início da Era das Conquistas que terminaria somente quando a arrogância dos Diamantes conduzisse à sua queda e aquilo que mais temiam, os separasse para sempre.

***

Sistema Homeworld – Planeta VII, 9 500 anos atrás.

O luar cinzento iluminava o interior da fenda, quando os últimos injetores foram desativados. O processo de implantação estava concluído e, em alguns minutos, as cápsulas gerariam os últimos Gems do planeta. Uma enorme vastidão desértica estendia-se pelo horizonte, contrapondo-se à bela imagem da floresta que existia ali, dias atrás.

Uma Gem pálida caminhava através do Jardim, inspecionando as cavidades recém-abertas. Em suas mãos, uma pequena prancheta indicava a localização das cápsulas restantes. Tratavam-se de vinte Gems do tipo quartzo, que emergiriam em menos de meia hora das paredes escuras. Ao posicionar-se diante do local indicado, a Gem acomodou-se em uma rocha. Um som de passos informou a aproximação de alguém.

Atrás da rocha seguinte, uma enorme Gem de cor alaranjada surgiu com um enorme injetor nas mãos. As máquinas deveriam ser removidas do local para manutenção em Homeworld. Em breve, o planeta seria abandonado até que refizesse sua biosfera para uma nova extração. Indiferente, a funcionária atravessou o Jardim, fixando seus olhos na enorme encosta. Uma pedra de aspecto pontiagudo figurava em seu nariz.

A pálida Gem a observou até que desaparecesse em um dos sulcos da fenda. Em seguida, continuou a vigiar as cápsulas. Uma luz rosa emergiu de uma das cavidades. Em seguida, uma enorme mulher caminhou para a saída. Seus cabelos volumosos e encaracolados preenchiam toda a extensão da cápsula. Uma pedra rósea estava presa em seu abdômen. A pele era pálida, mas não branca. Um tom humano.

A Gem saltou para fora e analisou o local. Em seguida, perguntou à Gem pálida:

— Quem é você?

— Pérola. A supervisora desse setor do Jardim de Infância. – respondeu ela.

— Jardim de Infância? – perguntou ela.

— É o nome dado às centrais de produção Gem. – respondeu. – Bom, você é um quartzo rosa. Muito bem. Bem-vinda, Rose Quartz.

— Rose... Quartz?

— Sim. Esse é o seu nome.

Por um estranho momento, a Gem permaneceu pensativa. Porém, sua face abriu-se em um largo sorriso para Pérola. Tímida, a Gem retribuiu, encantando-se com os olhos negros da recém-criada.

Uma voz aguda anunciou:

— Pérola. Você está sendo solicitada na Central de Comando da Nave Imperial. É melhor que leve esse item para facilitar o transporte.

As Gems depararam-se com uma pequena Gem de cor esverdeada. Em sua testa, uma pedra triangular faiscava na escuridão. Pérola assentiu e conduziu Rose em direção à encosta, entregando a prancheta para a Gem. Intimidada com o tamanho de Rose, ela caminhou, séria, em direção às cavidades.

Minutos depois, um brilho vermelho surgiu em outra abertura. Uma Gem idêntica à Rose emergiu do local. Sua pedra, a exemplo de seus cabelos, porém, era negra como uma noite profunda. Os olhos injetados de sangue miraram Peridot com uma visão assassina.

***

Homeworld, 6 250 anos atrás.

A escuridão noturna pousava lentamente acima das montanhas, quando as últimas naves perfuraram a atmosfera do planeta, pousando nas proximidades do hangar principal. Conduzidas por uma por uma pequena Gem de pele esverdeada, um grupo de recém-criadas aportou na Capital. Suas faces enchiam-se de uma mistura profunda de ansiedade, confusão e medo. Diante da pista cinzenta que erguia-se às margens da campina iluminada pelo luar, três imponentes mulheres observavam os visitantes. Os diamantes em seus seios emanavam auras desafiadores, indicando a liderança local.

— Nós somos os Diamantes. – anunciou Diamante Azul. – Senhoras de Homeworld e Líderes da Espécie Gem.

— Nossa existência antecede a primeira aurora e manifestou-se através do poder da Voz Original, que gerou tudo aquilo que está diante de seus olhos. – continuou Diamante Branco.

— Por essa razão, vocês nos devem obediência. Um elo que durará por toda a eternidade, pois nós definimos a diferença entre vida e morte. – encerrou Diamante Amarelo. – Mas são vocês que definem a diferença entre ordem e anarquia.

Assustadas com o poder exercido pelo trio, as recém-criadas reverenciaram sua presença. Em seguida, caminharam silenciosamente em direção às ruas. A partir daquele momento, estariam vinculadas ao treinamento de combate realizado durante um período de dois séculos com diferentes legiões que eram produzidas nos mundos do Sistema ou em outros aglomerados planetários.

Entre as recém-criadas, destacava-se uma Gem de baixa estatura com uma pele vermelha como brasa. Sua pedra oscilava em sua palma esquerda. Um rubi flamejante com uma faceta quadrada proeminente. Uma faixa vermelha prendia seus cabelos e seus olhos negros fitavam os edifícios com extrema curiosidade.

Perdida em pensamentos, ela percebeu uma estranha Gem sentada nos limites de um dos reservados, observando-a curiosamente. Sua pele azulada difundia-se no ciano pálido de seus longos e volumosos cabelos. Seus lábios suaves eram o único detalhe visível em seu rosto. O restante estava oculto por uma mecha suave que descia em direção ao centro da face.

— Está atrasada. – disse ela.

— Hã? – respondeu a outra. – Eu deveria...

— Não sei dizer. – respondeu ela. – Eu apenas a vi... Como...

— Um sonho. – completou a outra.

Ambas permaneceram ali, em silêncio. As chamas misturando-se ao gelo, sem derretê-lo. A Gem azulada sorriu, contente. Em sua visão, uma mulher surgiu. Um visor prateado cobria seus olhos misteriosos. Lembranças de um futuro, nascido no passado.

***

Homeworld, 6 000 anos atrás.

O Grande Salão concentrava-se em uma pequena mesa de pedra, na qual três imponentes Gems discutiam o planejamento de posse de um novo anexo colonial. Segundo dados obtidos a partir de sondas no Quadrante λ, havia um planeta na região com uma densa camada biosférica. Dados orbitais indicavam que 70% de sua superfície era coberto com oceanos e que possuía uma atmosfera oxigenada, capaz de sustentar grandes formas de vida, tornando-o ideal para a coleta de produção.

— Deverá ser concluída em poucos meses. Não vejo razão de utilizarmos toda a frota.

— Podem ocorrer avarias durante a viagem ou no próprio planeta. – informou Diamante Amarelo. – Precisamos dessas tropas. Uma rebelião é iminente desde a última anexação.

— Então que seja. – encerrou Diamante Branco. – Pela manhã, realizaremos as últimas convocações e partiremos.

Os Diamantes caminharam em direção à entrada e, acima da escadaria, anunciaram aos Gems ali reunidos, as últimas informações necessárias para a próxima missão. Entre eles, estava uma pequena Gem de aspecto pálido e nariz pontiagudo. Uma pedra branca oscilava em sua testa. Demonstrando um profundo interesse, ela anotava mentalmente as informações.

— Os dados do próximo planeta serão disponibilizados em uma hora no sistema de informações. – anunciou Diamante Amarelo. – As últimas convocações serão realizadas antes do embarque, assim como a escolha dos líderes de cada nave e dos supervisores gerais.

Pérola afastou-se lentamente do grupo, caminhando em direção às ruas. Caminhou até um pequeno reservado em um distrito periférico da cidade. O local, porém, estava vazio. Pensativa, ela retornou à estreita viela e caminhou ao longo de uma das vias principais. Ao erguer o rosto, notou que as luas do planeta incidiam sua luz prateada sobre as campinas que margeavam a cidade e o lago.

Caminhando em sua direção, saindo da cidade, ela notou uma figura alta observando a escuridão soprada pela brisa fria. Ela se aproximou, reparando nos volumosos cabelos da mulher que distava na relva.

— Rose? – chamou ela.

A Gem virou-se para ela, abrindo um sorriso inocente. Um dos últimos que daria antes do que estava por vir.


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