Esta não é uma história de amor escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 30
Capítulo 29 - Anjo da guarda




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SIDNEY

Eu estou muito, muito puta da vida. Essa é uma expressão que eu ouvia constantemente da minha mãe adotiva. E acho que significa estar furiosa com algo. E nesse momento eu estou furiosa com Eve. E chateada ao mesmo tempo. É como uma traição sua melhor amiga ter um caso com o amor da vida dela, e não te contar. Mas nesse lance de amizade a gente tem que saber como lidar com certas situações. E com Willian, parado á nossa frente, aparentemente controlando-se o máximo para não explodir, acho que não é uma boa hora para dar chiliques. Portanto eu decido não berrar com Eve e dar uns bons tapas nela. Ao contrário, extraio uma calma interior, que na verdade eu nem tenho, e tento tomar conta da situação.

– Acho que não é o momento certo para fazer esclarecimentos. Eve vai para minha casa, e amanhã quando todos estiverem mais calmos, vocês podem conversar – eu digo, enquanto observo o maxilar de Willian tremendo. Por favor, não chore. Homens chorando é uma coisa comovente além da conta. Mas logo percebo meu engano ao achar que justo Willian pudesse abrir o berreiro. Ele começa a ficar vermelho, e eu sei que é por causa da sua raiva. Começo a puxar Eve pelo braço, visto que ela parece totalmente fora de si. Seus olhos estão desfocados, enquanto grossas lágrimas não param de rolar por seu rosto. Quando vou passar por Willian, ele segura firme demais na minha opinião, o braço de Eve. Isso parece desfazer seu choque, o que não é bom, visto que ela parece ainda mais atormentada.

– Você não vai a lugar algum antes de me explicar o que está havendo – Willian diz entredentes.

Eu me coloco entre ele e Eve, e tiro bruscamente sua mão do braço de Eve.

– Ela vai para minha casa, e vai conversar com você amanhã – eu digo firmemente. Espero que eu não tenha que sair na porrada com ele.

– Porque você se acha no direito de responder por ela? – Willian grita.

– Eu não me acho nesse direito – eu rebato. – Sendo a melhor amiga dela, eu tenho totalmente esse direito. Amanhã, Willian. Conversar de cabeça quente não trará benefícios pra ninguém.

Aproveito a brecha, e puxo Eve rapidamente, conseguindo passar por Willian. Sinto ele vindo atrás de nós, então praticamente corro para fora do apartamento luxuoso deles. Ao passar pela cozinha, quase decido deixar eles conversarem, para eu poder comer meu prato de arroz de forno. Ignorando os protestos barulhentos da minha barriga, eu alcanço o ar fresco da noite.

– Porque, Eve? – Willian grita, e fica parado, desistindo de nos seguir. Como Eve parece incapaz de dizer qualquer coisa, eu resolvo responder. E ao dizer as palavras, percebo que estou sendo sincera.

– Eu sinto muito – digo, e enfio Eve dentro do meu carro, e saio cantando pneu. Na verdade a intenção não era cantar pneu, mas eu sempre acabo fazendo isso quando quero sair rápido com o carro.

No caminho até minha casa, decido não falar com Eve. Falar e dirigir ao mesmo tempo pode ser muito perigoso. Não sei como as pessoas conseguem falar no celular enquanto dirigem. Jesus, estou com muita fome. Eve permanece imóvel no banco do passageiro. Ao menos ela parou de chorar. Não gosto de vê-la triste nem nada do tipo, mas dessa vez não vou consolá-la. Ao menos não por enquanto. Vou ver até onde meu coração de manteiga com sal derretida aguenta. Quando finalmente chegamos até a minha casa, Eve apenas se joga no sofá, e volta a chorar com o rosto afundado numa almofada super fofa de coruja que comprei numa liquidação. Rich aparece do banheiro, com o cabelo ainda molhado e o seu usual cheirinho de quem acabou de sair do banho, e olha preocupado para nós duas. Eu dou um rápido beijo nele, e ele, como um menino esperto que é, já entende que não vai poder dormir aqui essa noite.

– Me ligue se precisar de alguma coisa – ele diz, após pegar seu casaco e me dar um beijo.

– Obrigado – eu digo, e não sei ao certo a que estou me referindo. Por ir embora sem dar chilique? Por entender quando eu preciso passar um tempo com minha melhor amiga problemática? Por me amar? Talvez, por todas essas coisas. Finalmente me vejo a sós com Eve. Não sei ao certo como começar a questioná-la, mas para meu alívio as palavras começam a jorrar da boca dela. Eu me limito a sentar ao seu lado, e ignorar minha barriga roncando e minha vontade de abraça-la e dizer que tudo vai ficar bem, pois dessa vez, até eu tenho minhas dúvidas se tudo vai ficar bem algum dia. Eu escuto, detalhe por detalhe do reencontro bizarro dela e James, de como eles ficaram juntos depois da cagada dela de esquecer de abastecer, e se trancar para fora do próprio carro. Não consigo deixar de sorrir, e enquanto ela conta, com lágrimas nos olhos, percebo que estou com os olhos marejados também. Mas é por causa de um tipo de felicidade que sempre me preenche ao imaginar esses dois juntos. É tão inacreditável quando duas pessoas se amam tão incondicionalmente como Eve e James, e mesmo assim não conseguem ficar juntas. Não da maneira convencional, pelo menos. Me assusto um pouco ao saber que esse caso já dura quase um ano. E ela conseguiu esconder todo esse tempo... Após todo o seu desabafo, ela suspira e se encolhe no sofá. Mesmo sem dizer nada, sei que ela está esperando minha opinião. A verdade é que se eu estivesse no lugar dela, também estaria abrindo o berreiro e completamente perdida. Mas eu não posso falar isso, tenho que tentar aparentar alguma... sabedoria.

– Eu acho que você tem que contar para James. Mesmo que exista a possibilidade de ele não ser o pai, ele tem que saber que você está gravida – eu digo, e acredito estar certa. A verdade sempre é o melhor caminho. Talvez o mais difícil, mas mesmo assim, o melhor.

– Ele não vai largar dela... – Eve murmura.

– Acho que não mesmo, afinal a pobre garota está fazendo a droga de um tratamento contra o câncer. Mas ele precisa saber que existe a possibilidade de ele ser pai de novo.

Eve morde o lábio, se controlando para não começar a chorar mais uma vez, mas assente.

– E quanto ao Willian? Eu realmente o magoei, e estou me sentindo péssima por isso. Eu não vou conseguir encará-lo. Não amanhã... Talvez eu nunca consiga.

– Bom, querida, uma coisa é fato: se considere solteira. Ele não vai continuar com você. Mas, se esse filho for dele... Ah, eu não sei. Queria poder te dar uma luz, uma direção certa a seguir, mas dessa vez, a merda foi grande.

– Eu sei – Eve diz, e se joga em meus braços. Meu coração termina de derreter, e eu rompo a faixa de durona, esquecendo completamente a fúria que senti por ela ter me escondido as coisas. Eu a abraço, querendo passar nesse abraço, algum tipo de amparo, algum tipo de carinho materno que eu nunca tive. Me sinto responsável por essa menina, apesar de ela já ter passado dos vinte.

– Na pior das hipóteses, essa criança vai crescer sem um pai, mas com duas mães – eu sussurro, e sorrio para Eve. – Ou você acha que eu vou deixar você, que mal sabe cuidar de si mesma, cuidando de um bebê?

Eve consegue dar risada, o que faz eu dar um suspiro de alívio.

– Eu amo você Si – ela diz, e enxuga algumas lágrimas teimosas.

– Isso está muito gay, mas fazer o que. Eu também amo você. Mas por favor, não tente me beijar.

Eve cai na gargalhada, enquanto finge tentar me agarrar. Por um momento, tudo parece normal, e nós somos apenas duas amigas idiotas nos divertindo com coisas idiotas. Mas então, Eve leva a mão a barriga, e fica séria de repente.

– Nem acredito que eu vou ser mãe – ela sussurra, e parece só agora entender a grandiosidade da coisa.

– Eu também não. Mas apesar de você ser desmiolada, sei que será a melhor mãe do mundo. Depois de todas as outras.

Eve começa a rir novamente, e eu penso que terei que comprar algum livro de piadas, pra manter ela rindo o tempo todo afim de impedir que ela chore. Mas primeiro, preciso comer alguma coisa, antes que meu estomago se revolte com a falta de comida a que foi submetido, e tente me matar.

Eu pensei que Eve iria passar a noite acordada, chorando ou qualquer outra coisa do tipo. Mas para minha surpresa, depois de devorar o macarrão instantâneo que preparei (é, ninguém é perfeito, por isso eu não sei cozinhar muito bem) Eve adormeceu rapidamente. Eu me deito ao seu lado, e tenho que abafar uma risadinha. Isso está muito gay, mesmo. E se eu não fosse cem por cento afim de homens, de Rich mais especificamente, eu tentaria dar uma bulinada em Eve. A danada é bonita demais. Se há mais de 10 anos atrás, eu tentasse imaginar minha vida, jamais me imaginaria dividindo a cama com Eve, a mais nova mãe solteira do pedaço. Amanhã eu tenho que fazer alguma coisa para ajudar ela. Só não sei exatamente o que. Adormeço num sono conturbado, onde sonho com crianças remelentas invadindo minha casa, e cachorros pobres fazendo compras no shopping. Bizarro.

Assim que acordo, dou falta de um corpo magro, mas esbelto que deveria estar ao meu lado. Pulo da cama e dou uma vasculhada na casa, mas nada de Eve. Mas para minha felicidade encontro Rich na cozinha, preparando café.

– Hey, gato, bom dia – eu digo enquanto o agarro por trás, o que ele odeia. Diz que isso fere sua masculinidade. Ele se vira, já com sua cara de bravo, mas me dá um beijo leve. Penso em beijá-lo mais adequadamente, o tipo de beijo que envolve língua e tudo o mais que tiver na boca, mas logo mudo de ideia porque me lembro de não ter escovado os dentes ainda.

– Você viu Eve por aqui, quando chegou? – eu pergunto, percebendo a ausência do meu carro lá fora.

– Não vi amor, mas eu acabei de chegar – Rich diz, aparentemente sonolento.

– É... me desculpe mas acho que hoje o almoço vai ter que ser por sua conta. Tenho que resolver umas coisas – eu digo, tentando decidir se vou atrás de Eve, James ou Willian. Mas algo me diz que ela já foi atrás de um dos dois.

– Sem problemas, eu faço. Mas... Sid, você não pode resolver todos os problemas dela – Rich diz, se referindo a Eve.

– Infelizmente não, mas isso não impede que eu ao menos tente – eu digo já indo para o banheiro, tomar um banho e escovar os dentes.

– O que ela aprontou dessa vez?

Bom, por mais que isso seja um assunto pessoal, Rich uma hora vai ter que saber.

– Lembra quando eu falei que Eve era nossa filha?

– Uhum... – ele responde num tom desconfiado.

– Então... Seremos avós.

Rich permanece calado. Ele não entendeu.

– Eve está gravida, caramba! – eu digo, exasperada, mas logo me arrependo por estar descontando minha frustração de não poder ajudar minha melhor amiga, nele.

– Ah, entendi. Isso é muito legal – ele diz, e sorri, formando covinhas em suas bochechas.

– Sim, seria ainda mais legal se ela soubesse quem é o pai – eu digo, e começo a me despir. Rich me segue até o banheiro, e sua expressão não esconde seu choque.

– Como assim? E quanto ao Willian?

– E quanto ao James? – eu retruco.

– Aquele cara? De novo? – ele pergunta, descrente.

– Aquele cara, sempre. Esse é o poder do amor. E agora, o poder do esperma também. Porque ninguém consegue usar camisinha hoje em dia?

– A gente não usa.

– Não, mas eu tomo remédio. E mesmo que eu fique grávida, não tem problema, visto que nós não temos outros relacionamentos por aí!

– Quem disse que não? Você esqueceu daquela minha outra namorada?

Bufo, fingindo estar brava, e jogo um bocado de agua do chuveiro, em Rich. Só ele mesmo, pra aliviar toda essa tensão.

Assim que termino minha higiene da manhã, e visto uma roupa qualquer, desço para cozinha e tomo rapidamente o café horroroso de Rich.

– Tenho que ir, te vejo mais tarde – eu digo para ele, que está de costas para mim, olhando algo pela janela.

– Acho que você não vai precisar ir a lugar algum – ele diz, num tom sombrio.

Sem nem ter tempo de perguntar do que ele está falando, ouço uma batida de porta de carro, e tenho certeza de quem é. Também tenho um mal pressentimento. Abro a porta, e encontro Eve no quintal, com os ombros caídos, e os olhos até inchados de tanto chorar. Só James poderia fazer Eve chorar desse jeito. Eu corro até ela, e a abraço.

– O que ele te disse? – pergunto.

– Disse que está indo embora. Andy está muito mal. Aqui não há mais tratamento para ela. Eles vão se mudar, para o estado em que os pais dela moram, que é bem longe daqui – Eve diz, parecendo vazia. Suas palavras são desprovidas de emoção. Qualquer um poderia pensar que é uma máquina que está falando. O único vestígio do seu real sofrimento, são seus olhos vermelhos e inchados, e o tremor do seu corpo.

– Você contou pra ele? – pergunto, logo.

E então ela me lança um sorriso débil, antes de começar a chorar pra valer.

– É claro que não. Ele está indo embora. De novo. Talvez para sempre. Um possível filho não vai segurar ele aqui. Não, quando ele já tem um filho que ama mais que tudo, e uma esposa que está à beira da morte – Eve grita.

Eu devia dizer alguma coisa sábia, falar para ela não desistir dele, ou desistir...Mas o que sai da minha boca, é algo bem tosco, longe de ser algum conselho bom.

– Você quer café?

Eve para seu choro imediatamente, e começa a me olhar como se eu fosse louca. No fundo, apesar de eu também me achar louca, sinto que fiz a coisa certa. Essa tristeza, esse drama, não deve fazer bem pra ninguém, muito menos para essa criança inocente dentro de Eve.

– Café? – ela pergunta, confusa.

– Sim, uma boa xícara de café ruim.

Rich aparece ao meu lado, e dá um abraço em Eve.

– Um simples café pode resolver muita coisa – ele diz, num tom de quem realmente sabe das coisas.

– Está certo. Café – Eve diz, enquanto enxuga o rosto com a manga do seu lindo casaco de tweed.

E assim, ficamos os três tomando café, enquanto tentávamos disfarçar nossas caretas pelo gosto horrível. Depois desse dia, Eve nunca mais falou em James. Nunca foi atrás de Willian. E ele também nunca veio atrás dela, a não ser quando mandou um caminhão de mudanças entregar as coisas dela aqui em casa. E quando um motorista da sua empresa, deixou o carro dela aqui também.
Apesar de ela ter dinheiro, eu insisti para que ela ficasse aqui comigo. Aos poucos Richard, Eve e eu, nos tornamos realmente uma família, e as coisas quase voltaram ao normal. A única coisa destoante da nossa normalidade, é a barriga de Eve, que parece crescer 1 centímetro por minuto. Mas ela está absurdamente linda. E sejamos sinceros, ninguém fica realmente bonita quando está gravida. A não ser a Beyonce. A Kim Kardashian. E agora a Eve. E apesar de a gravidez de Eve ter transcorrido sem problema nenhum até agora, onde já beira os seis meses, quando meu celular toca e ao atender a mulher do outro lado da linha informa ser do hospital, não deixo de sentir um calafrio subindo pela minha espinha.

– A senhora tem algum parentesco com Eve Stence? – a mulher pergunta. Ai meu Deus.

– Sim...Quer dizer... Não. Mas ela é minha amiga, e mora comigo – eu gaguejo, enquanto atraio o olhar de todos no escritório. – O que houve? Ela está bem?

– Ela sofreu o que achamos ser o início de um aborto espontâneo – a mulher fala metodicamente.

– Mas ela está bem? E o bebê? – eu grito, já sentindo lágrimas nos olhos.

– Estamos fazendo o possível. O resgate foi rápido, mas tivemos que sedá-la.

– Resgate? Sedá-la? O que aconteceu, exatamente?

– Nossa suposição é de que quando se iniciou o aborto, ela estava dirigindo. Ela capotou com o carro, e foi trazida para cá em estado de choque.

– Mas que merda, só me diz se ela e o bebê estão bem – eu digo, já saindo da minha mesa e correndo até meu carro.

– Ainda não sabemos se o bebê está fora de perigo, mas a paciente está em estado estável – a mulher diz por fim.

– Estou indo pra aí, agora mesmo – eu digo, e já estou prestes a desligar o telefone, quando a voz da mulher me alcança.

– É, Sidney, correto? – ela pergunta.

– Sim – eu digo, enquanto dou partida no carro.

– Quem é James?

– Porque você está perguntando isso? – eu pergunto, enquanto entro numa rua contra mão, por engano.

– É... que... bem, a partir dos achados no local do acidente, como carteira, celular, conseguimos acesso ao seu número de telefone. Mas não achamos nada a respeito desse nome, James. E a paciente teve que ser sedada, pois ela não parava de gritar por esse nome.

– Tá... É... Obrigada. Vou ver o que posso fazer – eu digo quando consigo recuperar minha fala. Encosto o meu carro no acostamento, e respiro fundo. E agora, Deus? Me ajude... Como eu vou encontrar James? Há tempos que perdi totalmente o contato com ele. O que eu devo fazer? Olho para os lados, como que procurando por um sinal, e me deparo com uma pintura estilo Grafite no muro de uma casa, bem ao meu lado. O desenho é lindo, cheio de cores, mas um pouco incompreensível. E embaixo, em letras bem pequenas, encontra-se o nome e o número de telefone, do responsável por esta arte das ruas. E não é ninguém menos que Thomas Cornelly.

– Obrigado pela rápida resposta, Deus – eu murmuro, enquanto digito, trêmula, os números que estão pintados na parede. Números estes, que me colocarão em contato com Thomas, e consequentemente com o seu irmão, James Cornelly.


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