Chasing a Starlight escrita por ladywriterx


Capítulo 1
Piece of your history


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!! Pra quem acompanha aqui e no FF, não, não é plágio, haha. Sou eu mesmo - qualquer dúvida podem ir lá no perfil do FF deixar uma mensagem que eu respondo. Só decidi variar um pouco os sites porque sei que aqui tem um fluxo mais de gente que lê em português.Bem, espero que gostem.



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O despertador tocou e ela precisou de mais uns dois minutos até finalmente abrir o olhos. Estava sonhando com neve, muita neve, e rolou para o lado da cabeceira onde ficava o despertador. Olhou o relógio e percebeu que já era o terceiro despertador do dia. Se ela quisesse tomar banho antes de ir para a faculdade, precisaria levantar naquela hora. E precisaria tomar um banho rápido também. Horários. Era muito boa com horários, na verdade, só tinha um pequeno problema para acordar às seis da manhã. Chutou as cobertas para longe, enquanto deixava os pés encontrarem o chão gelado do apartamento. Enquanto ia em direção ao banheiro, nas pontas do pé para evitar o máximo do chão gelado, enrolou o cabelo num coque frouxe – não daria tempo para lavar o cabelo de qualquer jeito – e suspirou conforme puxava a camiseta por cima da cabeça e deixava-a em qualquer lugar entre o banheiro e o quarto. Soltou um gemido, cansada. Queria continuar na cama e não precisar encarar outro dia, mas ela estava pagando tão caro pela faculdade. E faltava poucos meses. Respirou fundo, levando as mãos até as costas para desabotoar o sutiã.

Na verdade, seu pai estava pagando, mas dava na mesma, já que, ao contrário de muitos na sua sala, ela valorizava o dinheiro que vinha da sua família.

Passou a mão no rosto tentando tirar todo o resto de sono acumulado. Tinha ficado no trabalho até tarde. Estudava das oito da manhã às cinco da tarde numa das melhores faculdades de Medicina de Londres e trabalhava das seis à meia noite num restaurante ali perto, mas sempre que podia ficava até mais tarde ajudando a lavar os pratos e limpar o restaurante para sobrar um pouquinho mais de dinheiro no fim do mês. Sua mãe a ajudava a pagar o aluguel de um apartamento só para ela, mas, ainda assim, precisava trabalhar – e muito – para terminar a faculdade. Girou o registro do chuveiro, deixando a água correr por um tempo enquanto terminava de tirar a calça do pijama e as roupas íntimas. Ainda estava no piloto automático, fazendo as coisas sem pensar muito nas consequências, então enfiou o corpo embaixo da água corrente e soltou um palavrão. O aquecedor tinha quebrado de novo.

E é claro que ela conseguiu passar tempo demais embaixo do chuveiro – mesmo a água estando gelada e quase deixando-a sem circulação nos dedos e nos pés –, o que a fez correr pela casa juntando todos os seus materiais. Jogou o jaleco de qualquer jeito no ombro, junto com a sua bolsa. A bota, ela colocou enquanto pulava pela casa, comendo algumas torradas sem nada para dar um gosto amais, e procurava as chaves perdidas em algum lugar.

—Antes do professor chegar, você me deve 5 libras. — Rodou os olhos, se jogou na cadeira ao lado de sua melhor amiga, que ria com o namorado dela. Tirou o gorro da cabeça e as luvas, guardando-as na bolsa, enquanto tirava o notebook e colocava em cima da mesa junto com seu livro pesado.

—Nossa, Hannah, que engraçado. — Enrolou seu cachecol numa bola e jogou nela. Passou a desabotoar o casaco, já estava começando a cozinhar dentro daquela sala fechada.

—Eu apostei que você ia chegar quando o professor já estivesse nos dez minutos de aula e ela falou que hoje você conseguiria chegar antes dele. — Encarou feio para o rapaz ao lado de sua amiga, puxando o casaco pelas mangas e deixando-o ali no encosto da cadeira.

—Uau, como é bom ter alguém que acredita em mim, John. — Sussurrou, com as sobrancelhas erguidas em tom de desafio. Ele fez uma leve reverência, rindo.

—Ao seu dispor, milady. — Rodou os olhos. Precisou coçar os olhos mais algumas vezes para se sentir definitivamente acordada, mesmo que seu corpo estivesse sendo atraído para mesa. Podia deitar ali e dormir. Podia. Soltou um bocejo longo, que tampou com a mão.

—Trabalhando até tarde de novo, Lena? — Assentiu, se espreguiçando mais uma vez antes de voltar a ficar ereta e prestar atenção nos dois amigos que a encaravam com curiosidade.

—E a merda do aquecedor de água quebrou de novo. Lá se vão mais 100 libras.

—Você sabia que existe algo chamado empréstimo estudantil, não sabe? — Hannah levantou as sobrancelhas. Helena sabia. Mas talvez ela fosse orgulhosa demais para pedir empréstimo, talvez ela achasse que conseguisse fazer tudo por conta própria, então apenas deu de ombros como se aquilo fosse irrelevante.

—Sei. Mas não quero estar atolada em dívidas quando acabar a faculdade. Falta menos de um ano, e tudo vai se resolver. — Ela falou aquilo mais para ela mesmo do que para os dois. Tentava se convencer que a faculdade acabaria e tudo se resolveria. Mas logo depois viria a residência. E a pós-graduação. O corpo deslizou na carteira quando ouviu o “bom dia” do professor que entrava na sala.

—Você é louca. — John sussurrou, virando-se para frente para encontrar o professor de semiologia entrar na sala carregando dois livros enormes de baixo do braço e olhando para a turma como se ele fosse um cientista maluco de frente para seu mais novo experimento.

Quatro anos de semiologia já era uma tortura. Talvez no inferno, fosse uma aula de semiologia atrás da outra sem intervalo nem para tomar um fôlego.

Levantou os olhos do livro, soltando um suspiro entediado, deixou que as sobrancelhas fizessem o mesmo movimento dos olhos antes de negar com a cabeça pacientemente. Quase pacientemente.

—Irmão...

—Thor. Estou-ocupado. — Falou entre dentes, voltando a encarar o livro.

—Loki, é a nossa chance. Só você sabe como passar pela Bifrost sem Heimdall ver.

—Mas isso não quer dizer que eu vou te mostrar como, Thor. — Apontou, sem desviar os olhos ou se distrair. — É uma passagem secreta por um motivo: você não conhece ela.

—A mentira das mentiras sendo contada pelo deus das mentiras. — Outro suspiro escapou.  Você não tem curiosidade de saber como é Midgard? — Balançou a cabeça outra vez, para a decepção de Thor. — Você costumava a ser muito mais aventureiro antes, irmão.

—Porque você me arrastava, Thor. Não porque eu queria. — Respondeu num tom baixo, virou a página do livro e continuou a ler como se o deus dos trovões não estivesse na sala enchendo o saco de Loki. — Já passamos da idade de ter que esperar papai e mamãe sairem de Asgard pra fazer alguma besteira, você não acha?

Thor saiu da sala com passos pesados e ruidosos. Loki fechou o livro e observou-o sair. Levou alguns dedos até os lábios e batucou um pouco antes de um sorriso malicioso aparecer em seu rosto. Sim, ele sempre fora muito curioso para saber como era Midgard e, depois que descobriu a passagem secreta entre as estátuas do seu avô e bisavô, estava esperando o momento certo para aproveitá-la. Então, quando seu irmão mais velho entrou na biblioteca anunciando que Odin e Frigga estavam em algum outro reino e ficariam por lá mais uma semana, viu ali a chance perfeita de fazer uma pequena viagem. Só não levaria Thor com ele por motivos de logística e por gostar de ficar sozinho de vez em sempre.

Sexta-feira era o único dia que ela tinha a tarde livre, mas Helena ainda não tinha se acostumado com aquilo. Tentava se ocupar com o máximo de estudo que podia, mas naquela sexta em particular ela estava distraída demais. Os livros estavam todos abertos na mesa a sua frente, os cadernos esparramados e suas várias anotações jogados de qualquer jeito. Estava com os dois cotovelos na mesa, a cabeça encostada em uma mão, enquanto a outra segurava uma caneta que ela brincava batucando em seus lábios levemente abertos. Encarava a janela que dava para o parque do bairro. Estava sempre vazio.

Não era o melhor bairro para se morar, ela admitia, mas era o único que sua mãe podia bancar para ela. E não reclamaria. Ela só se trancava bem no quarto durante a noite, chegava do trabalho o mais cautelosa que podia, mas ela sabia que nada aconteceria com ela. Era a única “médica” daquele lugar e ela não cobrava nada para algumas consultas nos fins de semana para as crianças doentes. E muitas delas eram filhas e filhos dos criminosos daquele bairro, ela estava segura. Só ela. As crianças não brincavam mais no parque que agora parecia cair aos pedaços, apesar de a grama estar sempre bem tratada, do lago estar cheio de peixes e as flores crescerem. E, numa sexta-feira a tarde, quando todas as crianças já tinham voltado do colégio, aquele parque estava vazio.

Suspirou, tentando tirar os olhos de lá e voltar a concentrar na matéria atrasada que ela tinha que estudar antes de ir trabalhar. Olhou no relógio e lembrou-se que hoje era folga. Gemeu em satisfação, deixando o corpo todo relaxar na cadeira. Folga. Ela podia ir deitar às oito e acordar às dez do outro dia porque ela não tinha nada para fazer. Absolutamente nada. Aquele sentimento subiu por todo o seu corpo e a fez gargalhar. E, para completar, o dia estava ensolarado, apesar de frio. Mas logo o sol estaria se pondo. Mordeu o lábio inferior e deixou a caneta em sua mão cair no meio de um livro. Estava cansada de ficar presa naquela casa. Enfiou suas botas de qualquer jeito, levantou-se, indo até o cabideiro, pegou seu casaco e colocou, abotoando-o cuidadosamente. Depois colocou o seu gorro, pegou seu celular e as chaves. A próxima coisa que viu era a porta atrás de si trancada.

Sentou-se no banco na frente do lago, esticando-se inteira, com a cabeça jogada para trás enquanto encarava o céu estranhamente azul. Estava tão acostumada com dias cinzentos que era meio difícil acreditar quando o sol aparecia. Fechou os olhos, soltando um suspiro de satisfação. Ela se perdeu no tempo. Abriu os olhos quando percebeu que o vento começava a piorar. Encarou o céu. O azul tinha sumido e agora várias nuvens escuras começavam a surgir, junto com raios. Não. Uma chuva de repente para estragar o dia perfeito.

—Merda.

Levantou, abraçando-se para se proteger do vento que estava cada vez mais forte. Antes que pudesse dar mais um passo pra frente, algo que ela não conseguiu identificar caiu em sua frente. Um raio? Um tornado? Deu um pulo para trás, segurando o grito, e amaldiçoou a decisão de ter vindo para o parque. Agora ela tinha quase sido morta por alguma coisa vindo do além. Quando a poeira baixou – e depois de muita tosse – estreitou os olhos e não acreditou no que viu.

O homem tinha surgido de lugar nenhum, e batia a poeira da roupa como se ele fizesse aquilo todos os dias. Aliás, a roupa dele era tão estranha. Recuou um passo antes que ele pudesse levantar o rosto e perceber que ela estava ali. Começou a pensar em todas as rotas de fugas possíveis, afinal, quem aparece de repente numa nuvem e cai no chão num tornado, não deveria ser boa pessoa. Ele olhou em volta, percebendo uma pequena gruta que ninguém ia e pode ouvi-lo rir. Levantou as duas sobrancelhas, pronta para dar mais um passo e correr quando ele se virou, encontrando-a parada, ainda espantada com o que tinha visto. Piscou uma, duas, três vezes até começar a acreditar que o homem que estava parado na frente dela talvez fosse o homem mais bonito que ela já tinha visto em sua vida. Foi a vez dela olhar em volta, tentando ter a certeza de onde ele tinha surgido.

Normalmente, ela já teria falado alguma coisa, mas ainda estava em choque. O homem terminou de tirar a poeira da roupa e, casualmente – porém muito sexy – começou a andar em sua direção. Era isso, morreria naquela hora, tinha certeza. Recuou mais um passo antes de ouvir a risada dele ecoar.

—Não precisa ter medo. — Helena abriu e fechou a boca algumas vezes antes de finalmente achar sua voz.

—Ah sim, você aparece no meio de um... tornado? E não quer que eu sinta medo?

—A Bifrost consegue ser um pouco demais. — Ele deu de ombros.

—Tem certeza que você está bem? Não parece estar falando coisa com coisa.

—Onde estou?

—Londres, Inglaterra. — Falou, pausadamente. — Olha, tem certeza que você está bem? — Voltou a repetir, ainda pausada.

—Claro. — Ele parou há alguns passos dela, o céu já começava a clarear. Definitivamente o tempo mais louco que tinha visto em Londres até aquele dia. E ela morava ali já fazia seis anos. — Que rude não ter me apresentado, sou Loki.

—Hm, eu não costumo a sair falando meu nome para pessoas estranhas que surgem em tornados.

—Justo o suficiente. Então, senhorita bonita sem nome... — Ela rodou os olhos castanhos e cruzou os braços. — Se importaria de me mostrar as redondezas?

—Na verdade, sim, me importaria, pelo mesmo motivo anterior. De onde você veio? Como você surgiu aqui? — Olhou em volta mais uma vez, tentando racionalizar e tentar entender de onde ele tinha surgido.

—Coisas que explicaria só se você me mostrasse a cidade. — Ele se inclinou para ela, sorrindo. Helena olhou de canto de olho e levantou as duas sobrancelhas. Tinha que admitir que estava quase caindo pelo sorriso dele. E a voz também não ajudava muito. Sem contar os olhos azuis quase verdes que a encaravam desafiando-a. Mordeu o lábio inferior.

—Como eu vou saber que você não é um assassino? Você surgiu de um tornado. Não estamos em Oz para as pessoas surgiram em um tornado assim. — A expressão dele se converteu para uma interrogação e ela só deu de ombros. — Ok, que tal assim? A gente anda pelo bairro, você me conta de onde você veio que precisa usar essas roupas. — Apontou para ele, rindo. — E quem sabe te digo o meu nome?

Eles caminhavam em silêncio. De algumas vezes, ela se pegava encarando o perfil do homem – Loki -, encarando o jeito como ele andava, com o queixo sempre erguido, parecendo prepotente demais, metido demais. Alguma coisa nele a atraia. Talvez fossem aqueles olhos ou talvez a beleza nada típica dele – que incluía uma altura anormal. O nome também não ficava atrás, Loki. Já tinha ouvido aquilo, só não conseguia se lembrar onde. Ela não tinha moral nenhuma de falar de nomes estranhos.

Helena Sigyn Iwaldatter. Sabia que seus pais tinham orgulho das origens nórdicas, mas por tudo que era mais sagrado, não poderiam ter escolhido “Helena Rose”, “Helena Marie” ou qualquer outro nome do meio comum na Inglaterra?

—Então... — Começou, tentando quebrar o gelo. — Quem é você? — Ele virou-se para encará-la com os olhos semicerrados.

—Bem, você ainda não me disse seu nome. — Ele sorriu, colocando as mãos atrás das costas.

—E não vou dizer enquanto não ter certeza que você não é um maníaco do parque. — Apontou. Eles dobraram outra esquina. Helena não fazia ideia onde estava levando Loki, provavelmente na parte mais bonita do bairro. Se seguisse a leste, chegariam em algumas mansões que datavam do século XIX. Ela gostava daquela parte da cidade.

—E a senhorita não acreditaria. — Ela levantou as sobrancelhas.

—Tudo bem. Meu nome é Helena, todos me chamam de Lena.

—Nome completo? — Ele tentou convencê-la.

—Não, você não me disse seu nome completo. Você ainda pode ser um maníaco do parque. — Loki riu, voltando a olhar para frente.

—Loki Odinson. — Helena soltou uma risada pelo nariz. O mundo. Ah, como amava quando o mundo conspirava contra ela. Fugiu da faculdade na Islândia, seus avós já a aguardavam para passar o resto da vida lá, fugia da casa dos seus pais, cheios de livros sobre mitologia nórdica, estava presa com um nome que ela não gostava, e ali estava ela, com um cara com o mesmo nome de um dos deuses da tal mitologia.

Que havia surgido num tornado.

—Não. — Soltou outra risada. — É alguma piada, não é?

—Estou me sentindo ligeiramente ofendido. — E, para fechar com chave de ouro, ela tinha sido nomeada depois da deusa da fidelidade, Sigyn, já que seu pai era nomeado depois do pai da deusa.

—Ok, quais são as chances de você ser realmente Loki? Digo, você surgiu no meio de uma tempestade, num tornado. — Mencionou por acaso que a deusa da fidelidade, na mitologia, era casada com Loki? Não? Porque isso tornava as coisas piores do que já estavam.

—Bem, isso me poupa muito história então. — Ele virou-se para encontrá-la de queixo caído, sobrancelhas erguidas. Os olhos brilhavam em dúvida. — Você mesmo disse. — Inclinou-se um pouco para ela e sussurrou. — Eu vim pela Bifrost. — E piscou um olho, voltando a ficar ereto.

—Isso não faz o menor sentido.

—Eu disse meu nome completo. Agora a senhorita...? — Negou mais algumas vezes com a cabeça. Já era embaraçoso demais ter que falar o nome completo na frente da turma no colégio, e depois no ensino médio. Já era embaraçoso demais ter que soletrar toda vez que precisavam preencher um formulário para ela.

—Não, me explica isso direito. É só mitologia! Você tem certeza que você não bateu com a cabeça em algum lugar? — Loki não respondeu. Enfiou as mãos nos bolsos da calça, até o andar casual dele não era nada casual. As costas eretas até demais, aquela postura perfeita e a aura de poder e aristocracia que emanava dele.

—Eu cheguei a comentar que você não acreditaria se eu te contasse quem eu era, não cheguei? — Deu de ombros, como se alguém falasse que tinha perdido uma libra. — Quanta recusa.

Ela ficou quieta. Estava se arrependendo até o último fio de cabelo de ter saído de casa. Devia ter ficado lá, onde era quentinho, onde tinha uma xícara de chá a hora que quisesse, quando não tinha um louco proclamando ser Loki, o deus das mentiras e das travessuras, enquanto andava casualmente pelas ruas do bairro dela na roupa mais estranha – e incrivelmente maravilhosa – que ela já tinha visto na vida. Os detalhes em verde destacavam junto com os metais dourados na roupa inteira preta. A bota parecia ser tão confortável e se moldava em seu pé conforme andava. Ainda achava o sobretudo um pouco demais. Se o que ele falava era verdade, já que ele parecia mais louco do que são, a roupa seria o de menos nele.

—O que eu posso te falar para te dar um pouco mais de paz e tranquilidade é que nem todas as histórias da mitologia são verdades, querida Helena. — Querida. Rodou os olhos com aquele vocativo.

—Ok, e como eu vou saber se o que você está falando é realmente verdade se for realmente verdade? — Loki suspirou. Estava começando a perder a paciência com aquela mortal. Talvez se só fizesse um feitiço para calá-la, a sua vida melhoraria. Continuaria com uma companhia atraente a seu lado.

Muito atraente para uma mortal, aliás.

Os cabelos loiros caiam em cachos até quase a cintura dela. Um loiro que ele não conseguia descrever muito bem a não ser “Thor choraria só de pensar na possibilidade de ter cabelos daquela cor”. Os olhos castanhos eram expressivos, não tão grandes, mais juntos do que o necessário, mas que dava ao rosto dela um ar angelical. O queixo era delicado e deixava o rosto oval dela proporcional, junto com o nariz delicado que fazia uma leve curva no final, deixando-o levemente arrebitado. Na medida certa. Não tinha visto um sorriso naquele rosto ainda, mas provavelmente a deixava mais bonita ainda. Tinha dado uma boa olhada para o corpo dela também e, apesar de todos aqueles casacos, conseguira ver uma silhueta que o agradou. Talvez fosse por isso que estava a carregando consigo.

—Tudo isso por que você não quer me falar seu nome completo. — Deixou um sorriso malicioso escapar quando ouviu Helena bufar ao seu lado.

—À esquerda. — Ela sussurrou. Os dois viraram a rua de novo. Arrumou o gorro na cabeça e os cabelos. — Não é isso, ok? Só estou tendo um pouco de dificuldade de acreditar que os mitos que cresci ouvindo são verdades.

—Cresceu ouvindo? — Loki não conhecia muito bem a cultura de toda Midgard, mas sabia que era apenas uma pequena parte isolada de lá que ouviam falar dele, de seu pai, seu irmão e todos os outros deuses. E, definitivamente, não era na Inglaterra. Isso ele tinha certeza. Ela limpou a garganta e esfregou uma mão na outra, tentando se aquecer.

—Meus pais são da Islândia. Eu nasci e cresci na Inglaterra, mas toda a minha família não é daqui. De qualquer forma... — Olhou-o e percebeu que o sorriso ainda estava no rosto dele. Já estava começando a se irritar com aquilo. — Ainda deve ser algum tipo de piada.

—Onde estamos indo? — Perguntou, depois de mais alguns minutos de caminhada em silêncio. Ela encarava o chão, chutando algumas pedrinhas no meio do caminho. Levantou o rosto, jogando a franja para fora dos olhos.

—Depois daquelas casas. Estamos quase fora de Londres, ali tem um campo aberto com uma vista muito bonita da cidade. — Se o que você está me falando é a verdade...

—E é. — Soltou num suspiro.

—Então o que você está fazendo na Terra? Assim, não me leve a mal, mas Asgard não é a morada dos deuses toda feita em ouro, flutuando no meio da Yggdrasil com vista para todos os universos e constelações?

—Você fez a sua pesquisa. — Deu de ombros, sentindo as bochechas esquentarem. Agora não sabia se era o vento frio que batia em seu rosto ou o jeito que ele falava com ela. Mordeu o lábio inferior. — A vida começa a ficar entediante lá. Com Thor sempre gritando e sendo nem um pouco discreto ou minimamente quieto. Apesar que com você, não é muito diferente.

—Ah, para. Eu sou bem delicada, ok?

—Agora a parte de ficar quieta... — A moça rodou os olhos e Loki riu baixo.

—Voltando ao meu raciocínio: além da Terra e Asgard, ainda tem sete reinos que estão por ai e você poderia visitar todos eles pela Bifrost. E cada um com uma criatura diferente, e você decide vir para a Terra?

—De algumas vezes é bom variar. Nunca tinha vindo para cá. — Helena molhou os lábios e deixou outra risada incrédula escapar.

—Mais uma pergunta.

—Outra? Acho que sua cota já deu...

—Espera, só mais uma. Como eu te entendo? E como você me entende? — Deu de ombros, provavelmente alguma magia da Bifrost, mas não fazia ideia. — A pergunta que eu estava mais curiosa e você não tem resposta?

—A pergunta que eu estou mais curioso é: qual é o seu nome completo?

—Por que quer saber? — Deu de ombros mais uma vez antes de se virar para ela, com o seu melhor sorriso. Os dentes brancos e alinhados contrastando com o cabelo negro.

—Curiosidade.

Deixou o corpo cair na grama gelada, observando atentamente como Loki sentava ao seu lado e estendia as pernas compridas, enquanto ela cruzava as suas em posição de lotus. Tirou o gorro preto da cabeça, deixando-o em seu colo enquanto passava as mãos pela raiz do cabelo, tentando abaixar os fios rebeldes. Já era quase hora do sol começar a se por e o céu começa a ficar pintado de várias cores – azul, rosa, laranja, vermelho. Adorava ir naquele lugar ver o por do sol, o centro de Londres ao longe. Fechou os olhos, inspirou profundamente. Ainda não acreditava que o passado tinha vindo prestar uma visita. Podia ouvir seus avós contando sobre a mitologia. Lembrava de não dar a mínima. E agora estava sentada com Loki ao seu lado. Que era bem mais atraente do que se lembrava ter sido contada.

—Helena Iwaldatter. — Soltou. Ele a olhou, com as sobrancelhas erguidas. — Meu sobrenome. Só não pergunta o nome do meio, isso só com tortura. É verdade?

—Helena. — Ele estendeu a mão. Ela abaixou os olho para perceber algo se materializando na palma. Franziu a testa, voltando a encará-lo com o queixo levemente aberto. — Bem, aqui demora um pouco mais do que em Asgard, mas acredito que você entendeu o recado. — Estendeu a mão para pegar a flor que aparecia na mão dele com um sorriso no rosto. — Acredita em mim agora?

—Acho que sim. — Riu e, com a mão livre, jogou toda a franja para trás, encarando aquela flor. O vermelho chegava a ser a mesma cor de sangue de tão forte. Levou a flor até o nariz e sentiu um cheiro doce que a fez sorrir de novo. — Ainda é surreal, mas é.

Ele não sabia o porquê de ter feito aquilo, o porquê de ter insistido em saber o nome dela, o porquê de ainda estar sentado ao lado dela, vendo o pôr do sol. Não. Só ela estava encarando a cidade a sua frente, com os olhos vidrados e um sorriso leve no rosto. Loki estava observando o rosto dela, os detalhes. As sardas na região do nariz que ela costumava a franzir. O jeito como ela piscava devagar como se estivesse tentando absorver tudo aquilo. O jeito como ela ainda segurava a flor, de algumas vezes passava os dedos nas pétalas macias. E sorria quando fazia isso. Estava ficando todo idiota por causa de uma humana.

Quando já estava escuro e a única coisa que se via no céu eram algumas nuvens, Helena suspirou, ainda segurando a flor como se a vida dela dependesse disso. Olhou para Loki, que rapidamente desviou os olhos para o céu acima dele. Ocasionalmente um nuvem se movia e era possível ver uma estrela brilhar solitária. O vento começou a ficar ainda mais gelado e mais cortante, então voltou a por o gorro, arrumando a franja para um lado da testa. Loki precisava voltar, mas estava realmente gostando da companhia dela, do jeito como, depois que ela parecia ter aceitado as coisas, ficou quieta, respondendo apenas o que ele perguntava, também entretida com outras coisas além do que ter que preencher o silêncio com palavras vazias como todos os outros faziam. Inclinou-se, apoiado nos cotovelos, ficando de um jeito que podia encarar as costas dela, o cabelo. Talvez sem ser intencional, jogou todo o cabelo para um lado, atingindo Loki com um cheiro floral.

Ele realmente precisava ir. Estava realmente começando a pensar em Helena. Não era bom para ele.

Ela virou-se, sorrindo triste.

—Está tarde. Acho melhor eu voltar para casa. — Sussurrou para ele, já se preparando para levantar. — Está ficando frio e escuro, e as ruas não são as mais seguras do mundo depois que escurece.

—Também preciso ir, não posso ficar muito tempo. — Assentiu, seguindo-o com o olhar enquanto Loki levantava. Como um príncipe, Helena riu ao pensar naquilo porque era verdade, estendeu a mão para ajudá-la a levantar. O toque dele a fez arrepiar, e esperava que ele estivesse sentindo a mesma coisa, porque seria patético se ela estivesse começando a gostar de alguém de, literalmente, outro mundo. Mordeu a bochecha quando ele se virou, batendo a grama da roupa. Ela fez a mesma coisa, ainda segurando a rosa.

—Como é Asgard? — Helena quebrou o silêncio depois de já estarem de volta às ruas, fazendo o caminho de volta que duraria uns quinze minutos.

—Você descreveu muito bem.

—Ok, mas quero mais detalhes. — Olhou-o com animação e antecipação. Era fascinada por Asgard quando era criança, a única parte que prestava atenção de todas aquelas histórias. Loki olhou para o céu, antes de suspirar.

—É cheio de vida, o castelo é o centro, dourado, subindo aos céus, as cidades em voltas cheias de gente e vida. É bem mais agradável que Londres, não tem cheiro de fumaça. — Helena riu. Ela também estranhara o cheiro nas primeiras semanas. — Cheia de árvores e jardins. As montanhas são altas e com neve o ano inteiro, o mundo acaba num mar de águas claras, numa cascata que alimenta a Ygddrasil. A Bifrost é a ponte que liga Asgard e os outros mundos. E faz jus ao nome “Ponte do Arco-Íris” porque é uma explosão de cores conforme você está nela. — Voltou a olhá-la, para perceber como ela estava focada nele, os olhos brilhando, mordendo levemente o lábio inferior que a deixava ainda mais provocativa. Suspirou de novo. — E o céu. Bem, é cheio de estrelas, cada dia em posições diferentes.

—Deve ser lindo. — Assentiu enquanto o sorriso dela aumentava. — Bem, creio que você só conheça Londres, não?

—Primeira vez.

—Bem, onde meus pais cresceram, meu avós e todos os anteriores, é maravilhoso também. No verão, acontece o chamado Sol da Meia Noite. Por algumas semanas, o sol fica no céu, sem se por. Ele fica ali. E no inverno, por outras semanas, temos a noite polar. Não amanhece. Fica noite. É a melhor época do ano pra deitar na neve e ficar contando as estrelas porque elas nunca desaparecem. Minha vó costumava a falar que era a época que Asgard ficava visível no céu, e eu passava o inverno todo tentando encontrar. — Loki riu e Helena olhou para o chão. — Obrigada. Pela flor, digo. — Ele não respondeu, só acenou com a cabeça. Lena voltou a mordeu o lábio inferior. Não sabia mais o que falar. Ainda não conseguia acreditar muito naquilo, apesar dele estar ao seu lado, a flor em mãos. Passou os dedos mais uma vez por suas pétalas antes de suspirar e encarar o caminho a sua frente. Terminaram o trajeto em silêncio. Ela parou na frente de seu prédio, olhando a praça a sua frente. — Bem, eu moro aqui, e acredito que em algum lugar da praça esteja a sua passagem de volta.

—Sim. — Ela assentiu com a cabeça. Tirou a chave do bolso do casaco, virou no portão e o empurrou, abrindo com um rangido irritante. Virou-se para ele, que já começava a atravessar a rua.

—Loki?

—Hm? — Ele também virou-se para ela. Helena sorriu.

—Vou te ver de novo? — Loki olhou bem nos olhos dela, apesar da distância, e sorriu. Ainda a olhando, girou o corpo em direção ao outro lado da rua, enquanto Helena ficava ali.

Aquele sorriso.

Mordeu o lábio inferior com força e o coração deu um pulo no peito.

Ela o veria de novo, com certeza.


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Notas finais do capítulo

Música do titulo: The Silence - Bastille