Contos da Cidade Central [EM PAUSA] escrita por Kirimi


Capítulo 3
Capítulo 3 - Batalha na Madrugada


Notas iniciais do capítulo

A viagem segue, cheia de diversão, surpresas e... Batalhas!



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A viagem agora era mais fácil. A companhia dos meninos era uma bênção. Cada um com seu jeito e com suas preferências. As ideias, de alguma forma, sempre se combinavam: até quando discordávamos de alguma coisa. Até mesmo os gêmeos tinham lá suas divergências. Um dos meios-dias em que paramos para almoçar, Phillip estava lendo um livro de capa grossa marrom, costurado com fios dourados. Como a Mãe não gostava de leitura durante a refeição, Beau tomou o livro das mãos dele de forma brusca:

– Num é prá lê na mesa... – Mas parou quando olhou para a capa, lendo alto e meio gaguejando, como só quem não tem o costume da leitura faz – O... Is... Is... pur... go... Dos... Serres... Ma... gi... gí... cos... É isso mêmo?

– Quase. – Respondeu Phillip – Na verdade, o livro se chama “O Expurgo dos Seres Mágicos”. E conta como eles foram expulsos e boa parte, massacrados da Cidade Central.

– Seres Mágico? – Eu perguntei. – Qué isso? E por que eles foram caçados?

– Bom, seres mágicos são elfos, goblins, gnomos, trollóides, anões, etc. Algumas pessoas dizem que na verdade, isso aqui – Phillip disse olhando para o livro – Não passam de histórias criadas para assustar as crianças e mantê-las longe das 6 horas. Mas... Outros dizem que esse assassinato em massa foi real.

– Ocê tem certeza? – Eu ainda insisti – O Tio contava história desses bicho aí prá eu num í muito longe na mata.

– Bão, num importa o que ixistiu ou não... Vamo logo que a caravana tá partindo e inda tem um longo caminho pela frente. – Disse Luiz, encerrando o assunto, sob protesto de todos nós.

– O Luiz tem razão. – Concordou Phillip para cessar as reclamações. – Depois conversamos mais. Além do mais, hoje é o dia de vocês lavarem a louça. – Ele finalizou apontando para mim e os gêmeos.

Hugo e eu tiramos a mesa, enquanto Zéca ia começando a lavar as grandes panelas em que a Mãe cozinhava. Quando terminamos, a caravana comerciante já estava toda pronta para seguir viagem. No início da tarde, enquanto seguimos a pé, ouvi um barulho estranho: era como um apito, porém alto demais. Quando me dei conta, estava parada como um gato assustado, procurando a origem do barulho. Phillip parou ao meu lado, pegou minha mão e me disse:

– Vem comigo. Vou te mostrar uma coisa. – Meu instinto automático me fez puxar minha mão do gesto galante do rapaz da cidade.

– Mostrá o que? – Perguntei desconfiada, ainda segurando minha mão, como se tivesse sofrido uma queimadura.

– De onde vem esse som. Tenho certeza que você vai gostar. Os meninos já conhecem. Depois nós os alcançaremos. Pegue seu cavalo.

– Égua. – A correção veio instantaneamente. – Já venho.

Fui buscar a Véia, meio apreensiva. A lembrança do Tio veio como um raio em minha mente: “Bicho do mato! Por isso que ninguém fala c’ocê!” ele dizia. Respirei fundo, montei na égua e fui em direção ao Phillip já montado em seu elegante garanhão castanho. Seguimos por aproximadamente cinco minutos antes de avistarmos um imenso penhasco. Eu fiquei para trás, mas Phillip chegou mais perto, Aquele som ruidoso agora parecia estar muito próximo:

– Chegue mais perto. – Ele disse sorrindo.

Quando avancei apenas alguns passos, pude ver o responsável por todo aquele barulho: uma serpente de ferro que corria em grande velocidade e soltava fumaça pela cabeça:

– Qué isso?! Tá se mexendo sozinho?!

– É uma locomotiva à vapor. Um Trem. Ele leva cargas e pessoas de certas cidades para outras.

– Tem gente dentro daquilo? Se daqui já é um baruião, imagina lá dentro!

– É menos barulhento que parece. – Disse Phillip, sorrindo para o meu espanto. – Aquilo é apenas uma parte das coisas que você vai encontrar na Cidade Central.

– E ocê? O que faiz lá? Ocê nunca fala muito. – Eu perguntei, enquanto perdíamos o trem de vista numa curva.

– Bom, meu pai é muito rico. E de muita influência política. O que eu faço é viajar o mundo e estudar pessoas e culturas.

– Seu pai por um acaso é um aristocrata? Falei certo? – Phillip se surpreendeu com a minha pergunta.

– Sim, ele é. Como sabe?

– Eu li umas coisa lá em Sete Fazenda que o Tio arrumo prá mim que falava dessa tal de aristocracia. Compricado demais: uns tem muito, otros num tem nada.

– Infelizmente é essa a realidade da Cidade Central.

Quando percebi, já estávamos quase alcançando a caravana.

– Levo ela prá vê o trem? – Perguntou Zéca.

– Levei sim – Phillip respondeu.

Seguimos conversando e fomos Cavalgando até a hora do crepúsculo. Enquanto eu ralava o nabo para o ensopado, o Pai se aproximou de mim:

– Noite, fia. – Ele disse, com aquele olhar sereno.

– Noite, Pai. Ocê tá bão? – Eu respondi, enquanto pegava outro pedaço para ralar.

– Tô bem sim. Só vim avisá ocê que farta só dois dia de viage. Já tamo chegando.

– Qui bão, Pai! Tô ansiosa! – Eu disse, animada.

– Ocê sabe que a cidade é perigosa, né fia? – Perguntou ele, preocupado – E que, assim que nossas coisa for vendida, nóis vorta pros Moinho, né?

– Eu sei, Pai. Fica tranquilo. – Eu disse sorrindo.

Sem me dar uma resposta verbal, ele pousou a mão sobre minha cabeça num gesto de carinho e levou a tigela de nabos ralados para a tenda.

– Eles sempre quisero uma fia muié. – Beau disse enquanto sentava ao meu lado. – Mais no fim das conta, só veio home. – Ele completou sorrindo.

Acabei sendo vencida pela curiosidade e perguntei.

– Ocêis são tudo irmão?

– Não de sangue: Eu sô fio mêmo da Mãe e do Pai. O Luiz e os minino são meus primo. Mais como foram tudo criado em casa, acabamo crescendo assim. E tem o Pedrinho que a Mãe pego pá criá, mais que ainda é muito criança prá viajá com a caravana, intão fica na fazenda com a Martha, a moça que ajuda a Mãe e o Pai a tocá a fazenda.

– Óia só! A Mãe tem muito bão coração! – Eu disse honestamente admirada.

– E tem mêmo! Falando nisso, a janta tá vindo! Vô chama os minino!

Enquanto Beau saiu para chamar os outros, eu fui ajudando o Pai a pôr a mesa. Naquela noite, jantamos carne de lebre (caçada pelos gêmeos) assada com salada de nabo ralado. Estávamos todos cansados e animados, comemos e fomos dormir, sem poker dessa vez.

A fogueira já estava baixa quando o estrondo veio até nós: Silhuetas enormes estavam destruindo e saqueando a caravana. Levantamos de um pulo e fomos ver o que acontecia. As criaturas eram enormes. Tinham braços longos e pequenas cabeças de queixos grandes e quadrados demais. Eles estavam furiosos. Grunhiam uns para os outros e gritavam para nós, enquanto partiam para cima com violência.

Quando levantamos, o caos reinava: parte das carroças de suprimentos estavam destruídas e várias delas, principalmente as que carregavam carne salgada, saqueadas. Assim que aquelas criaturas estranhas começaram a vir em nossa direção, vi toda a família pronta para combate: A Mãe trazia um imenso pau-de-macarrão, os gêmeos carregavam pistolas de pólvora, o Pai uma moderna carabina de cano duplo com balas já com pólvora dentro e eu a bucaneira que ganhei do Tio como presente de despedida. Mas quem me surpreendeu mesmo foi o Luiz: Ele carregava uma ferramenta enorme, quase do meu tamanho e entregava outra similar a Beau. Sem medo, ambos partiram para cima daqueles ladrões anormalmente fortes. Como sempre fui boa de pontaria, meus tiros eram efetivos, mas eu tinha a desvantagem de ser muito lenta para carregar. Ao ver minha dificuldade, o Pai pegou de mim a bucaneira e me deu a carabina dizendo:

– Sabe usá?

– Sei sim. – Disse eu, lembrando que o Tio tinha uma parecida, porém de cano único.

Mirei e atirei. A bala acertou em cheio a cabeça de um dos três saqueadores que cercavam Beau. Os outros dois estavam muito perto: temi acertá-lo. Eu havia perdido os gêmeos de vista: apenas o Pai e a Mãe estavam comigo. Enquanto a Mãe cuidava de um lado da carroça de grãos, o Pai e eu cuidávamos do outro. Assim que terminei de recarregar a carabina, vi que um deles avançava furioso em nossa direção com os olhos vermelhos e algo que parecia um cutelo na mão. O Pai acertou um tiro na altura das costelas do bicho, mas ele não parou. Eu tinha apenas uma bala e tremia muito, não conseguia mirar então atirei. O projétil acertou o peito largo e, paralisada de medo, vi aquela jamanta caindo em cima de mim. Todo o ar dos meus pulmões foi expelido de uma única vez. Quando estava quase desmaiando, senti o peso saindo do meu corpo e vi a Mãe, arrastando sozinha o monstro de cima de mim. Levantei, ainda meio sem fôlego enquanto Luiz corria em nossa direção:

– Mãe, vem logo. É o Beau... – A cor da Mãe desapareceu e foi seguindo Luiz.

Fui logo atrás, o mais rápido que podia. Beau estava caído com o braço esquerdo esmagado. Phillip prestava os primeiros socorros, mas o ferimento era muito grave:

– Preciso de Aloe Vera! – Ele disse com urgência, assim que terminou de limpar o ferimento com água.

– Onde tem isso? – Hugo perguntou, exasperado.

– No meu estoque de ervas medicinais, dentro da minha maleta de couro escuro. Pegue para mim. E minha agenda. Rápido! Luiz, ajuda a segurar ele. Preciso terminar de tirar as lascas de madeira do braço. Jessy consegue me ajudar aqui? – Afirmei que sim – Então vá lavar as mãos. Zéca, leve o Pai e a Mãe e desocupe uma carroça para eu levar o Beau na frente para o meu tio. Ele pode dar um jeito nisso – Disse ele, olhando desesperado para o braço do amigo.

Quando voltei com os materiais, Phillip foi me bombardeando com ordens e nomes de ervas que eu só conseguia saber o que era depois de olhar a agenda. Fizemos no braço de Beau uma espécie de emplastro com um pouco de argila e mistura de ervas. Luiz ajudou a coloca-lo na carroça coberta, já pronta e forrada:

– Jessy e Luiz, venham comigo! – Ele disse apressado – Assim os outros podem cuidar para que a caravana seja restabelecida de maneira apropriada. – Ele tomou a frente da carroça junto com Luiz – Jessy, vá com ele atrás e nos avise sobre qualquer reação ou sintoma que ele apresentar.

Partimos em cavalgada. O Pai e a Mãe ficaram arrasados, mas não havia maneira de levarmos mais pessoas, ou os cavalos não aguentariam. Cavalgamos a toda velocidade que a carroça permitia, sem parar. Dado momento de nossa apressada viagem, Beau começou a suar frio e se debater: quando pousei a mão em sua testa, ele ardia em febre:

– Phillip! O Beau tá com febre! – Ele passou as rédeas para Luiz e foi para trás da carroça e já foi verificando a temperatura.

– Está mesmo. – Ele colocou a cabeça prá fora – Mais rápido, Luiz! Ou vamos perde-lo. – Havia amargura em seu tom de voz.

– Se forçá mais, os cavalo vão morrê! – a voz de Luiz vinha trêmula de fora.

– Se não forçar, o Beau vai morrer! – Phillip rebateu, enquanto amassava ervas em um pilão e dava a Beau beber.

A cavalgada durou mais um tempo, quando sentimos os cavalos pararem e uma voz grave dizendo:

– Alto! Quem vem lá?!

– Nóis pricisa entrá, seu guarda! Meu primo pricisa de socorro!

– Se não tem permissão, não entram! – Retrucou o guarda, resoluto.

Phillip colocou a cabeça prá fora da cobertura da carroça:

– Abra logo esses portões, ou terão que se reportar ao meu pai! – Havia uma arrogância desconhecida por mim no tom de voz de Phillip.

– Milorde, não vi o senhor. Perdoe-me... – Disse o guarda, abrindo o portão.

Os portões se abriram e finalmente adentramos à Cidade Central.


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Notas finais do capítulo

Finalmente chegamos à Cidade Central. Será que Jessy conseguirá o que veio procurar?

Espero que estejam gostando!

Até o próximo capítulo!

Kirimi ^v^



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