Eyes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 9
A porta e a luz


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo terá uma montagem diferente para tornar a leitura mais interessante. Será Presente/Flashback/Presente. Finalmente o triste destino de Aime e a resposta que o Jake tanto procurava na Mia. É um capítulo muito triste e muito bonito ao mesmo tempo. Depois daqui, assistir o filme está liberado, não tem mais surpresas! rs Uma dica de música é Motion Pictures Soundtrack do Radiohead. É a música dessa cena final do filme. Aconselho a ouvir durante para quem gosta e depois para quem quiser ter uma imagem mais bonita da parte Mia/Jake. Boa leitura!



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Era hora de deixá-la partir.

Depois de dormir por cerca de uma hora sem interrupções, levantei-me e tomei um banho gelado. Pensei sobre a viagem que me esperava. Pensei sobre minha esposa e meu filho. Pensei sobre o dia em que cheguei em Melbourne e de como estava ansioso e nervoso por isso. Tomei um longo tempo pensando sobre como nada havia mudado e, no entanto, eu parecia ter algo novo em algum lugar dentro de mim. Queria poder negar mas não havia meios. Essa experiência mexeu comigo. Olhar naqueles olhos de novo. Os olhos que fizeram com que eu me apaixonasse. Os olhos que foram o meu mundo durante um tempo que pareceu infinito, e que fizeram tudo desabar quando se fecharam para sempre em um segundo.

Pego o telefone e chamo o serviço de quarto para o café da manhã. O objeto da minha pesquisa ainda está deitada sob os lençóis. Minha fagulha de esperança extinguida, meu desejo de redenção. A menina fica imóvel durante muito tempo até começar a despertar sob meu olhar. Mia estica suas pernas compridas, gira-as para fora da cama. Seus braços esguios se erguem e suas costas se retraem enquanto está se espreguiçando. Seus cabelos escuros são muito lisos - lisos demais para ficarem bagunçados mesmo pela manhã. Ela sorri casualmente para mim quando me percebe. Diz “Bom dia”. Não há sinal de constrangimento ou nada que indique que o ocorrido da madrugada anterior não tenha passado de alguma peça pregada pela minha imaginação.

Mia Wust. Australiana. Nenhuma ligação familiar ou de qualquer outro tipo com Aime Marvel. Dezesseis anos. Nascida em Novembro. Concebida um mês depois da morte de Aime. Padrão de íris idêntico.

Nós comemos. Erin telefona dizendo que está a caminho. Decido que é melhor esperá-la no saguão. Mia concorda e saímos do quarto. Minha mente está longe enquanto estamos parados diante das portas maciças de metal. Frias e pesadas, elas finalmente deslizam. Quando o elevador está completamente aberto, um som de rangido metálico ecoa até nós e, de repente, sinto o impulso forte do corpo de Mia enquanto seus braços estão agarrados à lateral do meu corpo.

Ela está chorando enquanto repete com uma voz embargada, assustada e angustiada:

—- Não! Não! Eu não quero ir! Não! Não! Eu não quero ir! Não! Não! Eu não quero ir!

Não há mais nada ao meu redor. Não existe mundo ou realidade. Estou imerso no mais absoluto choque e também no maior estado de fascínio de toda minha vida.

***

Só existia escuridão para mim. Podia dizer que Aime estava com seu rosto bem diante do meu rosto, porque era dali que vinha o som de sua risada. Ela tirou meus óculos e me beijou, então os colocou de volta por cima da faixa.

—- É engraçado.

—- É estranho.

—- Me encontra —- Senti o arrepio de sua voz próxima à minha orelha. Ela já estava do outro lado quando me virei.

Seguido de um solavanco barulhento, o elevador parou. Aime grunhiu assustada.

—- O que foi?

—- Estamos presos entre dois andares —- Informou ela. —- O elevador emperrou.

—- Então é melhor chamar o cara.

—- Que cara?

—- O cara, da administração. O homem que concerta tudo no prédio. Pode ligar pra ele?

—- Eu não conheço esse cara. Não tenho o número dele.

Se eu pudesse, teria rolado os olhos. Não podia acreditar naquela noite e em como Aime estava tornando as coisas difíceis. Eu deveria estar feliz por finalmente encontrar o começo do caminho para o trabalho da minha vida. Mas ali eu estava, preso num elevador velho em um prédio velho que não deveria ser a minha casa. Ao lado de uma menininha tola e cheia de porcaria misticista para dizer.

Suspirei enquanto tirava meu celular do bolso.

—- É claro que não... —- Entreguei para ela. —- Aqui. Ta salvo como “O cara”.

Aime começou a rir de repente, e não era da minha piada. O som de sua risada parecia tão estranho, junto com os sons fantasmagóricos produzidos pelo rangido do elevador acima de nós...

—- Seu telefone morreu —- disse.

—- Morreu?!

—- É...

Inclinei a cabeça, recostando-a junto com o resto do corpo na parede atrás. Aime estava com suas mãos sobre mim novamente. Mas a verdade é que eu estava furioso com ela. Estava furioso com o que ela me fez fazer. Tudo o que eu deixei e estava deixando para trás, por aquela ilusão de vida. Nós dois jamais poderíamos ficar juntos. Aquela ideia começava a tomar cada vez mais força. Eu realmente queria me casar com aquela garotinha? Não. Enquanto ela me pedia para relaxar, tudo o que eu conseguia pensar era como gostaria de sair daquele elevador e em como diria à ela que aquela história de casamento era uma loucura impensada. Eu não podia me ligar à ela. Não podia continuar naquele mundo encantado do qual eu não pertencia. Aquilo estava claro para mim.

—- Você é muito irresponsável, sabia?

Suas mãos fugiram rapidamente.

—- Ta bom —- A voz era amarga e chateada. Ouvi seus passos enquanto se afastava de mim. —- Quer que eu ligue pra Lucy?

—- Não seja infantil —- Rebati num tom duro e impaciente. —- Você vive nessa terra mágica de contos de fadas. É tudo uma grande mentira. Você sabe disso! Você quer acreditar em tudo isso como uma criancinha. É... Como uma criança.

Sei que não teria dito aquilo olhando-a nos olhos e me sinto um covarde por isso. Mesmo assim, naquela hora, não me arrependo. Há um silencio curto e não acredito que ela vá responder. Então outro solavanco violento faz um grito escapar de Aime, e ouço-a quase cair no chão. Arranco o óculos e o esparadrapo depressa.

—- Calma... —- Meus olhos sobem para a fenda do andar onde ficamos presos, e percebo que é possível escalá-lo. Abro a porta. —- Vem.

Volto para Aime, que está encolhida num canto morrendo de medo.

—- Ta tudo bem, vem!

—- O que vai acontecer...?

—- Vem Aime...

—- Ah, não, não, não! Você vai primeiro e depois me puxa...

Insisto, tentando içá-la pelos braços. Ela os arranca dos meus dedos e afasta com rispidez.

—- Ah, não! Você vai primeiro!

—- O que? Não fica com medo, vem!

Até mesmo eu estava começando a ficar assustado enquanto o barulho das vigas parecendo prestes a arrebentar ficava pior, então decido ir na frente. Ouço Aime pedir cuidado. Viro-me em sua direção ajoelhado do outro lado da fenda. Os braços preparados para içá-la de vez.

—- Viu como é fácil? Vem. Vem.

Ela não sai do lugar.

—- Aime, vamos! Vem logo!

A garota caminha em paços lentos até a passagem. Peço para que me de as mãos. O barulho vai ficando pior e pior. Eu a seguro firme.

—- Isso!

Seu corpo está entre o elevador e entre a porta do andar. Seu longo vestido branco de um lado e a jaqueta de spikes do outro por onde estou segurando-a. Um novo som metálico avisa que uma das cordas de ferro arrebentou. E outra. E mais outra.

Puxo Aime no exato momento. Consigo ver pela brecha onde antes seu corpo pendia o elevador despencando fosso abaixo.

O impacto me joga para trás, nós dois. Ela cai sobre mim. Estou ofegando e dou uma risada aliviada. Posso ouvir Aime imitar o som, só que sua risada parece mais fraca. Sua cabeça está pousada no meu peito, e não demora até que eu perceba que não está mais respirando. Todo seu corpo se tornou flácido em um segundo.

—- Aime? Aime? —- Minha mão desce até sua cintura e imediatamente sei que algo está muito errado. —- Aime?! Aime! —- Meus pés chutam o ar, grito de horror ao perceber que o líquido quente que umedeceu meus dedos é sangue. —- Aime!

Tremulo, ergo os olhos acima da cabeça imóvel. Vejo um rastro, uma poça vermelha que termina na fenda do elevador. Carne e sangue. O vestido branco ensopado e escurecido no chão, sem nada para cobrir. Solto outro grito de terror puro ao constatar o que havia acontecido. No lugar onde deveriam estar as pernas de Aime, não havia mais nada.

Continuei gritando e gritando a plenos pulmões. Sentia o som falhar. Sentia tudo a medida que minha voz começava a ficar rouca. No entanto, era incapaz de ouvir qualquer som incluindo minha própria voz. Meu próprio desespero. Eu estava preso no mais doloroso e devastador estado de loucura, enquanto metade do corpo sem vida da mulher que eu amava continuava junto ao meu.

A certa altura, decidi ficar quieto. Pensei que Aime estava dormindo e não queria acordá-la. Não me lembro de quanto tempo continuei ali. Não me lembro de nenhum evento seguido daquele naquela noite.

***

Mia afrouxa o abraço, permitindo que eu me vire para ela. As lágrimas correm de seus olhos como uma tempestade torrencial. Seguro seu rosto, afasto alguns fios de cabelo. Nunca havia visto aqueles olhos brilharem tanto. Era a visão mais bonita de toda minha vida. Era o mais perto que eu poderia chegar da perfeição.

Naquele momento eu tive certeza absoluta de que era ela. Elas estavam conectadas.

Caio de joelhos e Mia rapidamente enrosca os braços em meu pescoço. Suas lágrimas estão sob a minha pele agora. Sua respiração ofegante demais, tão cheia de medo... Eu a abraço de volta tentando consolá-la no meu silêncio. Seguro-a firme com os braços e com todos os sentimentos bons que consigo encontrar e sentir renascerem dentro de mim. Gostaria que ela sentisse que eu estava ali, que eu entendia e que eu podia salvá-la daquela vez. E pela primeira vez na vida, está tudo bem se eu não entendo. Está tudo bem se ela não entende. Eu estou livre.

Quando me levanto, seguro Mia pelas costas. Suas pernas se fecham cruzadas em meu dorso e seu rosto continua sob meu ombro. Porém não há mais o som do choro. Posso sentir que ela está calma. Sei que confia em mim.

Faço o caminho pelas escadas com Mia no colo. Não sei se há pessoas no caminho. Não consigo enxergá-las. Tudo o que consigo enxergar é a luz. É a porta do outro lado do saguão e é para lá que estou rumando. Convicto, tranquilo, renascido. Estou pronto para enfrentar o medo. Estou pronto para fazer ideia. Estou pronto para descobrir o que há atrás da porta.


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Notas finais do capítulo

Ainda não acabou! Planejo mais um capítulo tomando espaço no futuro, e um epílogo restante. Me deixe saber se gostou s2



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