Eyes escrita por Brooklyn Baby


Capítulo 5
As almas espalhadas pelo mundo


Notas iniciais do capítulo

Depois de algum (muito!) tempo, finalmente um capítulo novo.
Boa leitura!



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A garota loira gostava de doces, balas de morango eram suas favoritas. Adorava vegetais. Ela era vegetariana. Era importante que eu soubesse. Sua flor favorita era o dente-de-leão. Motivo? Eles eram selvagens, livres, e não podiam ser comprados. Seu campo de estudo favorito eram as estrelas. Seu animal favorito era o pavão selvagem. Havia um no Central Park. Ela decidiu que me levaria para vê-lo. Um grande pavão branco.

—- Sabe, na mitologia indu, o pavão branco simboliza as almas sendo espalhadas por todo mundo.

—- Já imaginou se significa apenas a falta de melanina ou pigmentos nas células?

Ela rolava os olhos para os meus comentários no começo, mas depois de algumas semanas parecia ter se acostumado. E eu estava acostumado com Aime também. Com sua misticidade sem sentido. Eu não me importava, desde que estivesse ao lado dela. Era como levar uma vida dupla, sendo tão cientista e cético no trabalho, e tão envolto naquela atmosfera espiritual pra onde a garota que eu amava insistia em me empurrar. Como eu disse, pouco me importava com aquela loucura. Só existia ela, por mais louca e boba que fosse.

No laboratório, as pesquisas avançavam. Lucy teve uma ideia genial, de construir um olho em alguma espécime que não o possuísse. Assim poderíamos estudar cada fase de seu desenvolvimento. No entanto, para isso, teríamos de encontrar um animal propenso a desenvolver tal anomalia. Estávamos trabalhando com minhocas.

Depois de um fim de tarde bebendo com Lucy e Gael, encontrei com Aime na estação de trem, e fomos para o meu apartamento. Contei à ela sobre a série de onzes que me levaram até seus olhos, e ela disse que sabia. Ela tinha mandado os sinais.

—- Besteira — Eu disse.

Aime sacudiu os cabelos dourados, e se ergueu na cama, pulando para o chão.

—- Você sabe. Você sabe que tem, mas ignora. —- Havia algo como um tom irritadiço em sua voz, e isso a fazia parecer ainda mais adorável. —- Você vive nesse quarto, não é? Realidade. Você tem uma cama, isso é real. Você tem livros. E uma mesa, cadeira, abajur. Lógica. Mas nesse quarto, tem uma porta. Ta vendo? Para o outro lado. Vê? —- Quase teatralmente, seu braço se ergueu. O indicador apontado para a saída.

Seu rosto se voltou para mim. A expressão grave. Normalmente, eu teria gargalhado daquela cena. Mas algo parecia girar na minha mente. Talvez fosse a bebida. Talvez fosse o mal estar repentino que me veio por um segundo enquanto nossos olhos se encontraram debaixo da luz fraca. Olhei para a direção onde ela apontava. Uma luz forte e dourada atravessando todas as fendas possíveis entre a madeira.

—- … A luz atravessa. Ela está aberta. Só um pedacinho. Mas está aberta. Você vive tentando fechar essa porta, porque você tem medo. Mas você não vai ter medo sempre.

—- O que tem atrás da porta? —- Eu me rendo por um segundo. —- Além do corredor.

—- Você tem que entrar pra descobrir. Você sabe do que eu estou falando.

Seus dedos contornam meu rosto tenso. Por sorte, eu já estou recomposto no instante seguinte. Sorrio.

—- Não faço ideia do que está falando, Aime.

—- Mas vai fazer —- Promete. —- Quer se mudar para a minha casa? —- Não consegui acreditar na casualidade daquele pedido.

—- Você tem casa? —- Brinquei.

Todas as minhas coisas estavam empacotadas no dia seguinte, e nós subimos o velho elevador de um velho prédio do Queens nos beijando o tempo inteiro a cada subida e descida. Eu estava fora da minha mente, completamente, porque aquele era sem dúvidas um dos piores lugares possíveis para se viver em Nova Iorque. Só que toda vez que Aime sorria, e me olhava animada, eu sabia que tinha de estar ao lado dela. Mesmo sabendo que aquela não era minha vida, e que teria um fim… Eu precisava viver aquilo. Porque era a melhor coisa que eu teria na vida, disso eu tinha certeza.

***

Consigo sentir certo nervosismo em Mia, enquanto desvia o olhar da figura de Lucy na tela brilhante diante de nós. Retiro os papéis da bolsa. Volto a olhar Lucy com sua prancheta e caneta pronta para rabiscar o papel. Sei que ela também está nervosa. Por mais incrível que possa parecer, estou mais calmo do que jamais estivera desde que coloquei os pés nesse país. Nada além da leve ansiedade que o desejo pelas respostas trás. Talvez seja a nostalgia. A voz de alguém, uma risada familiar ressoando no fundo da minha mente. A voz e o riso de Aime. A nostalgia a qual aquelas imagens me remetiam.

—- Iniciando experimento um. Conexão de memória entre sujeitos que tem padrão de íris idênticos. Está pronta?

—- Sim —- Ela sorri para mim, parecendo um pouco mais segura. Ergo a primeira folha. Mia encara, curiosa.

—- Muito bem. Escolha a sua favorita.

Na imagem, três tipos de doces diferentes. Sem hesitar, o dedo de Mia pousa sobre a figura da embalagem de Mentos sabor morango.

—- Alfa, correto —- Eu informo Lucy.

Entre um elefante, uma tartaruga e o pavão branco, o dedo de Mia sobe rapidamente mais uma vez para a figura certa. O pavão.

—- Beta, correto.

O dente de leão estava lá. Mia passou o dedo sobre ele, mas apontou uma rosa ao seu lado.

—- Delta… Incorreto. Mas houve um pouco de hesitação.

Engulo em seco com o próximo passo. Lembro da foto num porta retratos, Aime abraçada a uma senhora sorridente com um lenço na cabeça. Era sua avó. Apenas a imagem da senhora fora recortada e colada naquela folha de testes, e eu assisto atentamente enquanto Mia analisa as três imagens, e escolhe uma outra senhora de vestes mais formais numa foto em preto e branco.

—- Eco, incorreto.

Outra foto retirada dos porta retratos de Aime. Apenas o recorte da mulher que, na foto inteira, estava acompanhada ao marido. Os dois seguravam um pequeno bebê nos braços. Esse bebê era Aime. E aquela mulher era sua mãe. Sem hesitar, Mia aponta a foto de outra mulher.

—- Gama, incorreto.

A sequencia continuou, com imagens de objetos pessoais de Aime, desde o colar do olho de Hórus até decorações de seu apartamento, e lugares como o café que ela gostava de frequentar. Correto, incorreto. Mais incorretos do que corretos na fase final do experimento. Mia parecia se encolher na cadeira toda vez que ouvia a negativa. O cientista havia se estabelecido em mim completamente, e eu pouco me importava para sua insegurança, na verdade. Pelo menos, até puxar o último papel.

Três mulheres. A da esquerda, cabelos acobreados e jaqueta jeans sorrindo para o flash de alguma câmera num cenário noturno. A do meio, cabelos negros presos num coque, roupas em tom pastel, um olhar sério em um cenário que parecia ser um estúdio fotográfico amador. E a da esquerda, cabelos loiros, suéter laranja e cachecol cor de rosa, sem muita expressão além do olhar. O cenário era uma cafeteria.

Não consegui evitar o desejo de colocar toda minha atenção voltada ao rosto de Mia. O cenho franzido, as sobrancelhas grossas acima dos olhos estreitos que lentamente pareciam relaxar diante da escolha. Seu dedo apontou a mulher de cabelos dourados. Ela havia escolhido a imagem de Aime.

Resultado: 44%. Margem padrão. Baixei meus olhos para a mesa, certo de que tudo em minha expressão gritava frustração.

—- Como se sente? —- A voz eletrônica de Lucy questionou.

—- Eu acho que os números não mentem.

—- Não perguntei o que você acha, perguntei como se sente.

—- Me sinto… Um pouco idiota. Te vejo em breve.

Desconectei-me e girei na cadeira, na direção de uma Mia aparentemente tristonha e confusa. Não sei porque, senti que algo no fundo do meu ser estava irritado com aquela jovem garota. E aquele sentimento me era tão familiar…

—- Eu fui mal no teste?

Voltei a focá-la, balancei a cabeça para os lados. Ri um pouco.

—- Não, você foi ótima. Perfeita. Isso é só… Um teste bobo.

Ela mordeu o lábio inferior. Assentiu sem certeza.

—- Você vai passar essa noite aqui no hotel, e voltar para o centro comunitário amanhã, tudo bem? Obrigado. Obrigado por tudo, Mia. Você foi ótima.

A garota permaneceu em silencio, com os olhos baixos focando os próprios pés. Eu não sabia realmente o que estava sentindo. Pensei que seria mais doloroso. Porém, aquela era a minha vida, e minha vida era baseada em fatos concretos. Sim, essa garota é linda. E sim, ela tem os olhos de Aime. Mas ela não é Aime. Nunca foi e jamais será. Tudo o que consigo reconhecer além da breve frustração, é o sentimento de que as coisas vão voltar ao lugar a partir de agora. Talvez essa seja a prova de que não há redenção para mim, e talvez esteja tudo bem. É assim que deve ser.

—- Você quer comer alguma coisa?

—- Sim —- Sua cabeça se ergueu rapidamente.

—- O que?

Mia pisca por alguns segundos, me encarando agora.

—- Morangos.

—- Só morangos? É o que você gosta?

—- Sim.

Há um sorriso no meu rosto enquanto busco o telefone para chamar o serviço de quarto.


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Notas finais do capítulo

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