– Ele fez o que quis comigo, usou até onde deu vontade. Estava acabada, sem forças e... - Ela silencia por alguns segundos. - Foi horrível. Antes de me largar no meio daquele lugar, me disse que eu deveria ir para a festa e fingir que nada havia acontecido ou ele voltaria e faria algo pior. Fiquei com medo e assenti com facilidade, eu estava de prova que ele poderia ser capaz de qualquer coisa, então sai correndo dali o mais rápido que pude até chegar à casa de praia... Todos estavam lá e eu não poderia entrar, não daquele jeito: suja, com os olhos inchados e os hematomas pelo corpo... Não podia.

Como eu pude não perceber? Como ela foi estuprada e eu não percebi sequer um hematoma no seu corpo... Hematomas! Eu não os percebi porque não os vi.

– Isabella, o que aconteceu com as marcas que ele deixou em você? Pelo que me lembro, não vi nenhuma em seu corpo. - Ela sorri timidamente, era claro que aquele assunto a incomodava mesmo ela tentando esconder através daqueles sorrisos.

– Quando vi a casa cheia pelos nossos amigos, tive que ir para outro lugar, mas não havia outro lugar... - Outro sorriso.

– O que você fez?

– Eu... Estava desesperada, desnorteada até que vi a piscina. Era um bom lugar, afastado da casa, eu poderia... Poderia me arrumar lá. Foi então que as coisas começaram a clarear.

– Como assim?

– Antes de o Lucas me levar com ele, eu deixei algumas coisas numa mochila... Roupas, maquiagem, escova. Pretendia levar, para me arrumar no lugar onde ele me levaria, caso atrasássemos. Óbvio que ele não me deixou levar, lembro como ele arremessou aquela mochila para longe, para perto da piscina.

– Entendo... - Minhas palavras iam sumindo, à medida que ela iria me contando.

– Entrei na piscina silenciosamente, e Karen, aquele momento... - Uma lágrima desce pelo seu rosto. - Eu estava com nojo de mim mesma, de tudo que tive que passar, aquele quase banho me renovou, eu... - Sua voz estava trêmula, não sei até que ponto ela aguentaria chegar, até onde queria me contar. - Usei a maquiagem para cobrir os lugares marcados, por isso não percebeu. Eu não queria que vissem, por medo e vergonha. Quando terminei, vi que os meninos estavam saindo, era minha chance de entrar na casa e poder me arrumar melhor, aparentar estar melhor do que realmente estava, mas...

– Eu estava lá.

Enquanto eu estava deitada, me amaldiçoando por gostar dela, Isabella passava pelo pior dia de sua vida. E pensar que fui grossa com ela, num momento em que estava frágil e indefesa, num momento em que ela realmente precisou de mim! Fui orgulhosa, não pude enxergar além do seu exterior; e pensar que eu cobrava isso... Realmente sou uma má pessoa.

– É, você estava. - A muito tempo não a via daquele jeito: sua mão sobre o peito, numa tentativa de defesa. Acho que nós duas não evoluímos como gostaríamos.

– Isabella, sinto muito por isso... Eu nem consigo imaginar a dor e o desespero que sentiu aquele dia. Fui egoísta em ter de deixada sozinha, se eu... Se eu tivesse revelado meus sentimentos antes de ter ido com o Lucas, talvez eu pudesse ter evitado, talvez nós estivéssemos juntas, talvez esse futuro não existiria... - Uma dor forte comprime meu peito e mais uma vez eu estava chorando, na frente dela.

– Não se culpe. - O perfume de rosas fica forte, aquele calor inesquecível me rodeia e Isabella me abraçava. - Você não teve culpa, eu não tive... O destino quis assim, talvez para aprendermos e crescermos com outros olhos para o mundo... Para o amor. - O hálito quente me deixa arrepiada, minhas pernas perdem a força, sinto que vou desmoronar a qualquer momento.

– O que quer dizer?

– Não quero cometer o mesmo erro do passado, não vou ter medo em fazer minhas escolhas. - Ela me solta e seu olhar vai de encontro ao meu. - Gosto de você, da mesma forma de dez anos atrás. Karen eu gosto e quero você comigo.

Nunca a ouvi daquela forma, o tom de voz era seguro, confiante no que dizia, estava surpresa e me vejo novamente com dezessete anos, com aquele sentimento pulsando forte dentro de mim, louco para ser livre, para ser correspondido. Porém... Eu não iria aguentar outra desilusão, outro arrependimento, mais anos me torturando por ter e não ter feito o que gostaria, estou confusa e preciso respondê-la:

– Não sei se devemos...

– Eu entendo sua insegurança, também tenho medo, muito mesmo. Mas Karen, pelo menos uma vez na vida devemos seguir o que sentimos, não quero mais arrependimentos. Não quero me torturar, pensando nas possibilidades, quero vivê-las. - Fico quieta e ela percebe meu desconcerto. - Ah, pelo amor de Deus!

Ela se aproximou de mim, destruindo qualquer barreira que existia entre nós, seus olhos se fecharam e sua boca se comprimiu... Ela me beijou. Isabella, a garota dos meus sonhos, a menina na qual perdi inúmeras noites de sono imaginando um mundo perfeito, com nós duas como protagonistas, a garota que sofri, chorei... Estava me beijando. O gosto de sua boca era gostoso, misturado com o gloss de morango, deixando tudo mais saboroso.

Não adiantava, por mais que eu tentasse impedir, aquele sentimento já criou raízes em meu ser, eu era dela, de corpo e alma, eu a amava e agora... Agora tenho a chance de sentir seu amor por mim. Fecho meus olhos e me deixo sentir.

Isabella, eu amo você.