Ichigo se endireitou, mas a cabeça ainda latejava.

Ainda podia ouvir o grito de desespero das vozes que haviam se unido em apenas uma antes que ele desfalecesse.

“Socorro!”

O gritou ressoava em sua mente.

Quem será que está pedindo socorro? Por quê?

—Querido?

O shinobi balançou a cabeça e percebeu que a esposa o vigiava com um olhar preocupado.

—Tá tudo bem. Vamos selar aquela coisa de uma vez.

Ela apertou os lábios numa careta de desconforto.

—Vamos.

Eles precisavam se localizar e descobrir que estrago a bijuu já havia causado. Estavam escondidos dentro do bosque, num recanto mais afastado do centro da confusão. Porém, assim que os dois colocaram os pés dentro da área afetada pelo monstro, Ichigo começou a sentir pontadas na cabeça. O grito agora voltava mais poderoso, se transformando novamente.

Minako ergueu os olhos. Depois olhou em volta. O bosque pegava fogo, o chão havia se partido e estava todo desnivelado. Algumas torrentes d’água jorravam aqui e ali, e por todo lado havia corpos de shinobis.

Ventava muito.

—Segurem-no agora! –berrou alguém não muito distante.

O barulho incomodava muito a cabeça do marido de Minako.

"Pelos deuses! O que está acontecendo comigo?"

Vraaasshh!

A pata direita da besta varreu o bosque, arrancando dezenas de árvores e arremessando vários vultos humanoides.

—Precisamos selá-lo o mais rápido possível. – a jovem Uzumaki tremia – Vou preparar o selo.

A shinobi mordeu o polegar, fazendo escorrer um fio de sangue.

—Kuchiyose no Jutsu!

Puf!

Um enorme pergaminho cinza e preto apareceu no chão diante deles, mas Ichigo mal tinha noção do que estava acontecendo.

“Socorro!”, a voz insistia.

“Quem é você? Qual o problema?", ele lutava mentalmente para continuar consciente.

Minako percebeu a situação do esposo e se abaixou.

—Querido, você está bem? O que houve?

Quer...ido...es...bem...

A voz de sua mulher se misturava com os gritos e se perdia. Mas algo estava acontecendo. O som se tornara mais agudo, mais uniforme. O grito ficava cada vez mais parecido com...

—Ichigo!

Ele arregalou os olhos. Levantou-se num pulo e olhou para os lados.

—O que foi?

—A nossa filha...

Minako congelou.

—O que tem ela?

—Eu tenho a impressão... Que posso ouvi-la chorando.

Sim, agora a mente do shinobi era preenchida pelo som de um choro de um bebê. Isso lhe lembrava o dia que a menina havia nascido.

—Ichigo...

—Cuidado!

A cauda de fogo da bijuu varreu a floresta. Gritos encheram a noite.

—Usuários de Suiton!!

Minako segurou a mão do marido.

—Vamos!

Os dois saltaram para as árvores e depois se dirigiram para o local onde os seus companheiros se reuniam. Chegando lá, juntaram-se a uma reunião estratégica.

—Vamos usar o Umihachi Fuin. – Susumo decidiu.

—Mas quando selarmos a bijuu, o que faremos com ela?

—Eu vou usar o Okami no Mo Fuin. – sentenciou Minako. – Usarei-o duas vezes. Metade do chakra selarei em mim, e a outra metade, em Ichigo.

—Minako-sama! – exclamaram os outros. – Isso é muito arriscado!

—Já que criei essa coisa – disse ela. – carregarei o fardo de aprender a controlá-la.

Roshi permaneceu em silêncio. Ele sabia que agora não havia mais volta.

—Vamos, pessoal. – a shinobi levantou-se. Ofereceu a mão para seu esposo.

Ele sorriu e a segurou.

*

—Posicionem-se! – exclamou Sango.

Os oito shinobis formaram um heptágono, sete marcando as pontas e um ao centro. O que estava no meio era Takeo. Ichigo assumiu a posição da sétima ponta, à direita de Susumo.

—Pessoal – chamou Susumo. – Vamos selar os tenketsus principais.

—Oito portões?

—Ha!

Susumo ergueu as mãos. A bijuu descontrolada ainda se debatia contra a paisagem, destruindo tudo que alcançava.

— Saikikku Kane...Ichimon: fuin! Caranguejo Psíquico... Primeiro portão: selar!

As correntes de Susumo apareceram, formando novamente a forma de um caranguejo que se agarrou a cabeça da bijuu. O lobo uivou e balançou freneticamente o crânio, mas seus movimentos estavam visivelmente alterados.

—Kuraken... Nimon: fuin! Kraken... Segundo portão: selar!

Natsuko conjurou um enorme Kraken dourado feito de correntes, que enlaçou a lateral direita da cabeçorra da bijuu.

O próximo era Etsuko.

—Sennin Kujira… Sanmon: fuin! Baleia Eremita: Terceiro Portão: selar!

Uma enorme baleia surgiu nadando no ar e ao se aproximar do lobo-bijuu apoiou a cauda no chão e encostou a ponta do focinho no pescoço do monstro. Ele estremeceu e começou a se debater ainda mais avidamente. As correntes conjuradas que o envolviam rangeram e ninjas voaram pelos ares.

—Segurem com força! Não desistam!

—É o portão da vida. Ele sentiu que estamos tentando desacordá-lo. – murmurou Roshi.

—Kira same… Yonmon: fuin! Tubarão assassino... Quarto portão: selar!

Uma enorme dentadura com fileiras de dentes triplas abocanhou o tórax da criatura de chakra. Agora ela começava a se debater mais lentamente.

—Ao tobiuo... Gomon: fuin! Peixe voador azul... Quinto portão: selar!

Correntes voadoras chiaram na forma de um peixe, que nadou formando um anel em volta do tronco do enorme vulto prata.

—Seiko shi Robusuta... Rokumon: fuin! Lagosta próspera… Sexto portão: selar!

Uma lagosta emergiu do chão, prendendo as patas traseiras do quadrúpede.

Já era notável que a maioria dos shinobis já estava em suas últimas forças, e os que realizavam o selo começavam a mostrar sinais de cansaço. Susumo estava coberto de suor e Aimi arfava ruidosamente.

—Ichigo, concentre-se! – pediu Sango.

Ele ergueu as mãos e engoliu um seco.

—Querido, quando a bijuu estiver totalmente imóvel, vou selar metade em mim. Ele provavelmente vai ficar menor, então libere o seu selo e corra para cima desse pergaminho. – Minako apontou para o rolo prata que ela havia conjurado.

Ela se aproximou do marido e beijou-o levemente nos lábios.

—Boa sorte.

O ninja tomou fôlego e bradou:

—Ika no Hashira... Nanamon: fuin! Pilares da Lula... Sétimo portão: selar!

Dez pilares surgiram ao redor da bijuu e correntes que lembravam tentáculos de lula prenderam-se nos seus membros e tronco.

Agora só faltava o último.

—Takeo, está pronto?

—Hah!

—Ichigo, fique atento!

Minako correu para o pergaminho e iniciou a sequência de selos.

—Tako-Osuushi... Hachimon: fuin! Touro-polvo… Oitavo portão: selar!

Um enorme monstro dourado feito de correntes surgiu a partir do corpo de Takeo. Tinha a cabeça muito parecida com a de um touro, mas o corpo terminava em oito tentáculos enormes.

—Agora Minako!

Ela parou com o selo “cão” nas mãos e gritou:

—Okami no Mo...!

O chakra da shinobi transbordou, queimando como uma enorme chama furiosa. De azul foi assumindo a cor branca perolada, a tal ponto que era impossível olhar diretamente para a jovem. O chakra se expandiu e aos poucos...

Tomou a forma de um lobo.

Ichigo estava com as mãos unidas, concentrado nos pilares, mas foi impossível não olhar para o enorme lobo branco que pulou sobre a bijuu. E então ele cresceu, ficando três vezes maior, o suficiente para segurar o deus lobo entre as patas.

E assim o fez.

A bijuu sequer se mexeu. Estava selada.

O lobo branco ergueu-a até a altura de seu queixo, colocando-a sob a enorme mandíbula, no rumo dos olhos.

Neste momento, todos pareceram prender a respiração.

No meio do silêncio, ouviu-se um soluço.

Minako chorava.

Não.

O lobo chorava.

Uma cascata de lágrimas de energia derramou-se sobre a cara do canídeo invocado, e todas convergiram para baixo de seu queixo, formando uma torrente que afogou a bijuu. O chakra aquoso caiu na terra e depois se ergueu novamente como se fosse uma serpente.

Enquanto isso, o deus lobo diminuía de tamanho gradualmente.

A Uzumaki se ergueu sobre o pergaminho. A fita de lágrimas de chakra apontou em sua direção.

—...FUIN!

E então avançou, rápido como um cometa. Minako a encarou até o último segundo e então, virou de costas.

O chakra a acertou em cheio, inundando seu corpo, afogando-a.

Mas ela se manteve de pé.

E quando a luz azul das lágrimas do selo diminuiu, percebeu-se que a bijuu diminuíra de tamanho e caíra por terra. Todos os selos estavam desfeitos.

—Minako, reconfigure o selo! – gritou Susumo.

Ainda zonza pela quantidade de chakra que recebera, a ninja virou-se e iniciou os selos de mão novamente.

Cavalo, tigre, javali...

A bijuu se levantara, enlouquecida. E assim que se recompôs, apontou a enorme cabeça na direção de Minako.

E correu.

Louca, insana, pra matar.

—ROAAAAAAAAAAAR!

Ichigo percebeu as intenções da bijuu e avançou na direção de sua esposa.

A bijuu estava rápida demais. Chegaria a tempo?

O choro de criança ainda bagunçava sua mente. Mas ele precisava salvar sua esposa.

Sua filha gritava pela vida da mãe.

Ele se esquecera do selo, de tudo. Só queria salvá-la.

Parou arrastando os pés e abriu os braços diante de sua mulher.

—Ichigo!– berrou alguém.

Ele já estava perto demais. Minako estava há algumas centenas de metros atrás.

Ele preparou as mãos.

—Ichigo... Eu disse...

Sua mulher se balançou sobre os joelhos, mas ele nada via. Só encarava a besta correndo para onde estava.

—Eu disse...que era pra ficar...

Mais três passadas...

—Sobre o selo!

Tudo aconteceu num piscar de olhos.

Ele ouviu a voz de Minako invocar o selo. Ao mesmo tempo, a bijuu preparou o bote. Depois, sentiu uma forte pancada na barriga, e foi arremessado para trás.

BUÁÁÁÁÁ!

Sua cabeça ribombava com o choro da filha.

"O que foi... isso?"

O ninja ergueu a cabeça...

...

—Nããooo!! - um grito longo e desesperador rasgou o ar da noite. 

Aonde Ichigo estivera, agora, Minako estava de pé, de frente para ele. Seus pés estavam fortemente fincados no chão, a cabeça pendia pra frente mostrando apenas a boca ensanguentada. Os braços estavam firmes, segurando o selo “cão” diante de seu peito e sobre a enorme unha que a transpassava na barriga.

—Minakoooo!!

Ela tossiu sangue.

—Ichigo... – sua voz estava baixa, mas firme. – Não precisa se desesperar. Deu certo.

O rosto do shinobi se contorcia de agonia. Lágrimas grossas saltaram de seus olhos.

—Por quê?...

Ela tossiu de novo, como se estivesse tentando rir.

—Você... Me prometeu... Que não ia morrer... Baka. – e então ergueu o rosto e sorriu.

Ele tentou se levantar, mas sua esposa o repreendeu.

—Fique aí. Não se esqueça que o selo está ativo. Agora...

Novamente o lobo branco apareceu.

—Eu não vou aguentar muito tempo então... Preciso te dizer umas coisas.

Ele estava chocado com a naturalidade dela, como se estivessem tendo uma conversa numa tarde de domingo em casa.

—De certa forma, todos foram satisfeitos aqui. A bijuu foi criada e despertada, mas agora que metade dela está selada em mim e eu irei morrer, apenas metade do chakra original ficará aqui.

"Como? Como ela conseguia?"

— Ichigo, eu preciso que prometa algumas coisas. Primeiro: seja feliz. Não fique para sempre de luto por minha causa. Continue sendo esse pai alegre e esse shinobi incrível que você é. Cuide bem da nossa queridinha. Tenho certeza que você a criará muito melhor do que eu conseguiria sozinha. – ela sorriu ao lembrar do rosto de sua pequena – E sobre a vila... Por favor, continue sendo dedicado como sempre foi. Como jinchuuriki, agora você será nosso protetor. Nossa arma. Proteja Uzushiogakure, senão por você, por mim. Foi para isso que meu pai, e agora eu, demos nossa vida.

Ichigo tremia todo, e ninguém em volta ousava se mexer.

—A última coisa que eu tenho para te pedir é a mais complicada. Talvez você não entenda agora. – Minako abaixou os braços ensanguentados e tocou levemente a unha da bijuu – Essa criatura que eu criei é a minha herança. Então, por favor, ame-a. Eu sei que vai ser difícil, mas isso é necessário.

—Como... como você quer que eu ame a criatura que te matou?

Minako abaixou os olhos, mas logo, ergueu-se e, com um sorriso, disse:

—Ela tem um pedaço de mim com ela, Ichigo. E agora, ela estará dentro de você.

O Uzumaki arregalou os olhos.

—Não foi culpa dela... A culpa é minha. Afinal, ela não pediu para vir ao mundo, pediu?

Seu marido se encolheu como se tivesse tomado um soco. Ichigo havia sido rejeitado pelos pais quando pequeno por que havia sido uma gravidez indesejada. Estivera sozinho desde então, perdido no mundo.

Minako ergueu os olhos para o céu e, ainda sorrindo, sussurrou:

—Ela ainda vai trazer muita coisa boa pra esse mundo...

Uma golfada de sangue subiu-lhe a garganta, e a shinobi tossiu ruidosamente.

—Minako!

—Acho que já não posso aguentar mais do que isso. Então... Ichigo, por favor, eu quero que você se lembre deste nome. E quando encontrar com a bijuu dentro de você, chame-a por ele.

Ele não disse nada. Apenas fitou a jovem, petrificado.

—Ela vai se chamar...

Ichigo mais leu do que ouviu. Leu o nome do monstro nos lábios da esposa.

Por um instante, sua mente pareceu tão petrificada quanto ele. Depois, lentamente, ele processou o nome que ouvira.

A ninja se mexeu e olhou para o céu, depois para ele novamente. Seu corpo tremia violentamente.

—Lembre a nossa filha que a amarei sempre. Lembre a ela também – e acariciou com os antebraços a unha da bijuu, selada pelo lobo branco e amparada pelas correntes dos outros shinobis que tentaram impedi-la.

—Ichigo... Eu. Te. Amo...

Duas lágrimas escorreram pelo rosto de Uzumaki Minako.

—Okami no Mo: Fuin...

*

Era um deserto.

Sim, um deserto com areia prateada.

Era noite e estava muito frio.

Ichigo ergueu os olhos para o horizonte. Recortada contra a silhueta da lua, ele via a bijuu.

Não. A estátua da bijuu.

Caminhou na direção dela.

Horas pareceram se passar.

Finalmente alcançou a base do monumento de pedra. A sombra se projetava na areia, provocando uma intensa escuridão, pior que a do deserto.

Foi aí que ele viu a entrada.

Um portão vermelho num estilo antigo tradicional. Onde ele vira aqueles portões antes?

Ele estava entre as patas da estátua, e aparentemente parecia apenas uma armação de madeira. Porém ao olhar diretamente entre suas colunas, Ichigo viu um brilho azul.

Respirou fundo e entrou.

*

Uma escada negra levava para o fundo da escuridão. A única luz que havia era um borrão azul no fundo.

À medida que ele se aproximava o borrão tomava forma. Primeiro a luz se tornou oval, e depois, assumiu claramente a forma de um pequeno lago. Sobre ele, havia alguma coisa que ele ainda não conseguia distinguir.

Desceu ainda mais.

Então, aproximando-se mais, ele viu.

Um enorme lobo branco estava sentado atrás do lago, com as patas quase unidas, segurando algo debaixo do queixo canino.

A bijuu.

Escorria água dos olhos do lobo branco, que formava uma cachoeira que caía sobre a bijuu. A água caía no lago, mas suas bordas não se agitavam e o volume não aumentava.

O pranto do lobo.

E então, subitamente, Ichigo escutou de novo.

O choro.

Não, agora não era mais um choro.

Ganidos.

Na beirada do pequeno lago azul havia um vulto que tremia. Ichigo caminhou em sua direção.

Caiiiinnn! Caiiinnn!!

Claramente os ganidos vinham do pequeno vulto.

Passo ante passo, o shinobi se aproximou. Prostrou-se diante da criatura e a fitou.

—Você...!

Um filhote de lobo de pelagem prateada e branca, com olhos absurdamente negros, gemia e gania.

Estava chorando.

As lágrimas brilhavam ainda mais que o pelo.

Ichigo contou as caudas do lobo.

Sete.

Não soube dizer quanto tempo permaneceu ali, olhando o filhote chorar.

Seu punho estava cerrado, e o braço direito tremia, ansiando por socar aquela criatura até a morte.

“Ame-o”

—Minako?

Ele olhou para os lados.

Ninguém.

Ele voltou seus olhos para a bijuu. O lobinho, então, pareceu perceber a presença do humano. Ergueu a cabecinha e fitou-o melancolicamente.

—Arf! – ganiu ele, choroso.

Ichigo permaneceu em silêncio.

—Caiiiinnnnn....

“Me ajude!”

Ichigo congelou.

Seus olhos analisaram novamente o lobo de sete caudas. Por fim suspirou. Seu braço continuava tenso de ódio, mas as palavras de entendimento brotaram de seu interior:

—Minako... Você sabia...