O Negrume escrita por Aryalie


Capítulo 5
O Canto


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi baseado em fatos reais que aconteceram comigo. Ao contrário de Wendy, eu estava sozinha, e foi bem assustador. Enfim, espero que gostem!



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Abro o livro vermelho, e todos ao meu redor estão incrivelmente quietos.

             A primeira página é simples. Não contém o título do livro, como é comum, mas apenas uma estrela de cinco pontas espiraladas. Na segunda página há o índice, com dezenas de tópicos. Um dos tópicos foi marcado com caneta vermelha. É o Introdução á Impermeabilização e Limpeza de Lares, por Lílian Angrease. 

             –Abra nesse! – diz Edgar animado, recebendo um olhar irritado de Catarina.

             Há um parágrafo destacado.

             As malignidades têm uma tendência maior de se ater a crianças com três anos ou menos, por não terem nenhum conhecimento sobre o mal. Há lugares já previamente suscetíveis a esse tipo de encontro, portanto deve-se tomar conhecimento do histórico da localidade antes de visitá-la.

             Uma vez que a malignidade já foi atraída para a residência, qualquer criança dentro da idade destacada é uma isca em potencial. Para retirar a malignidade da residência deve-se oferecer-lhe a criança para que se satisfaça e parta em busca de outra. Veja abaixo como realizar o sacrifício.

             Então havia novamente a estranha estrela de cinco pontas em espiral, com inscrições em cada uma das pontas e mais instruções.

            –Que coisa horrível! Está ensinando a matar bebês! – diz Annika horrorizada —Vamos jogar isso fora! Isso deve ser rasgado e queimado!

            –Esqueça isso, prima. Se acalme, deixe que eu mesma dou um fim nisso. – diz Catarina, fechando o livro e o levando para os fundos da casa.

            Aquela cidade era cheia de coisas macabras.

                                 ➵ ➵ ➵

         O pequeno Harry chorava direto há horas, quando Jaxson se levanta do sofá com um suspiro cansado. Suas rugas estavam mais evidentes e suas olheiras mais profundas. Há algum tempo seus sorrisos se tornaram raros, e os suspiros, constantes.

             –O menino deve estar doente. É melhor que nós o levemos ao médico, antes que eu fique dente também. –ele olha fixamente para Annika, que não se move –Levante-se, Annika!

             Com isso a garota se levanta apressada. Sobe as escadas e volta em segundos, calçada com botas e com casacos, um para ela, um para o pai e um para Harry. Enrolou o filho no casaco e em um cobertor fino, e os dois saíram de casa, sem mais nenhuma palavra.

              Eu e Catarina nos entreolhamos, nervosas. Estávamos completamente sozinhas ali. 

              –Wendy, eu estou com medo. – Catarina diz, abraçando seus joelhos

              –Ah, para com isso. – eu digo, irritada por ter de consolar minha prima mais velha. –Não há nada a temer. Além disso, o Edgar está vindo para passar a tarde aqui.

              –É bom ter um homem por perto. Assim me sinto mais segura.

             Ri, com o conceito de Catarina de homem. Edgar era um garoto magrelo. Até Catarina sabia se defender melhor do que ele.

             –Não ria de mim, Wendy. Não tem a menor graça.

             Passamos a manhã lendo. Bem, ao menos eu li. Catarina ficou andando de um lado a outro da sala, impaciente. Ela tentava puxar assunto comigo várias vezes, mas eu nem mesmo ergui meus olhos, apenas continuei concentrada em minha leitura de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. Eu não deixaria que os dramas de Catarina estragassem meu passatempo.

            Como nenhuma de nós duas temos grandes habilidades culinárias, almoçamos sanduíches de presunto com queijo, dois cada uma. Quando dei a última mordida, ouvimos batidas na porta, e soubemos que Edgar já havia chegado.

      Ao abrir a porta, uma rajada de vento gelado entra com Edgar, que vestia uma jaqueta de couro pesada, que não combinava muito com o estilo dele.

      –Jaqueta legal. – comento

      –Er... Eu peguei do Johnny, meu irmão mais velho. –Edgar diz, enrubescendo.

     –Ficou legal em você. – digo, e então me viro, andando em direção à sala, onde Catarina estava nos esperando.

     A sala era bem grande, com um grande sofá de couro de frente para a lareira, com uma poltrona combinando de cada lado. Havia também uma mesa redonda de vidro, onde Catarina estava sentada, embaralhando cartas de um baralho.

     –Pensei em jogarmos cartas, já que não há nada realmente interessante para fazer por aqui. –ela explica, e tanto eu como Edgar damos de ombros e nos sentamos á mesa também.

     Eu nunca tive paciência para cartas, então nunca aprendi a jogar nenhum jogo. Catarina e Edgar tentaram me ensinar alguns jogos, mas eu não conseguia me concentrar o suficiente para conseguir lembrar das regras. Estávamos quase desistindo de jogar baralho quando Catarina ficou muda no meio de uma frase, e empalideceu.

     –O que houve? – Edgar pergunta, com a voz levemente trêmula

     –Eu acho... que ouvi algo, lá em cima.

     Sinto um arrepio subindo por minha espinha, e estremeço. Todos nós ficamos calados, e tudo o que podemos ouvir a principio é nossa própria respiração. Até que...

     –Posso ouvir! – anuncia Edgar, em uma voz que mal passa de um sussurro.

     Apuro meus ouvidos para ouvir também. É uma voz quase inaudível, que seria facilmente confundida com um sopro do vento. Sussurra algo, com voz arrastada e rouca, e parece impossível distinguir as palavras. Me esforço, e a voz parece mais alta e mais próxima, mas suas palavras... Parece a melodia de uma música antiga.

     –Tem alguém aqui dentro! – diz Catarina, em choque – Vamos nos esconder!

     Catarina corre para o banheiro do térreo, e eu e Edgar obviamente a seguimos. Assim que entramos no espaço apertado ela tranca a porta e se senta no canto oposto do banheiro. Ela encara fixamente a porta.

     –O que fazemos agora? – pergunta Edgar, nervoso.

     –Acho que esperamos.

     Eu me sento no chão e Edgar me imita. O canto parece estar mais alto agora. É semelhante a uma ópera. A melodia é clara, mas as palavras são difíceis de distinguir. Não faço ideia do que é, mas parece ser uma voz feminina.

     Ficamos em completo silêncio, admirando a música. Levamos um susto quando o canto para de repente, interrompido pelo som de algo muito pesado sendo arrastado sobre o piso. Parece que estão movendo as camas de lugar.

     Nós três nos entreolhamos assustados. Catarina abraçando seus joelhos com os olhos cheios de lágrimas. O barulho era muito mais alto que a música que ouvimos anteriormente. Logo percebi que os móveis do térreo também eram arrastados. As cadeiras da mesa de jantar, o sofá, as poltronas. Eu queria sair dali para ver tudo, mas o medo era maior, e eu nunca teria coragem.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?

Eu tenho muitos planos para os próximos capítulos xD
*risada maligna*



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