Nascida á meia Noite escrita por Anfiguri


Capítulo 3
O Soldado Dude




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Nesse momento o pai, de mala em punho, atravessou a sala. Dulce correu atrás dele até a porta que se abria para a tarde sufocante de Houston.


— Me leve com você — pediu, sem esconder as lágrimas. As lágrimas talvez ajudassem. Antes, quando chorava, conseguia o que queria dele. — Eu não como muito — fungou, tentando fazer graça.


Ele balançou a cabeça, mas ao contrário da mãe, pelo menos tinha alguma emoção nos olhos:


— Você não compreende.


Você não compreende.


— Por que vocês estão sempre dizendo isso? Já tenho 16 anos. Se não compreendo, então me expliquem, ou me contem o grande segredo e pronto.


Ele olhou para os pés como se aquilo fosse um teste e as respostas estivessem na ponta dos sapatos. Depois, suspirando, ergueu os olhos:


— Sua mãe... Precisa de você.


— Precisa de mim? Está brincando? Ela nem me quer aqui!


Nem você me quer.


Essa constatação fez com que o ar se imobilizasse em seus pulmões. Ele na verdade não a amava. Enxugou uma lágrima na bochecha e olhou de novo para ele. Só que agora, em vez do pai, Dulce via o soldado Dude, que vivia atrás dela. Ali na rua, trajava o mesmo uniforme militar de antes. Parecia ter acabado de sair de um daqueles filmes sobre a Guerra do Golfo de que sua mãe tanto gostava. Só que, em vez de disparar para todos os lados ou voar pelos ares, ele permanecia imóvel, olhando para ela com um ar triste, mas muito assustado.


Ela o surpreendeu espreitando-a a algumas semanas. Nunca falaram um com o outro. Mas, no dia em que ela o apontou para a mãe e a mãe não o viu... Bem, o mundo de Dulce saiu dos eixos. A mãe chegou à conclusão de que ela tentava chamar a atenção ou coisa pior. E quando dizia “coisa pior” ela se referia ao risco de Dulce estar perdendo contato com a realidade. Sem dúvida, os terrores noturnos que a atormentavam quando era criança tinham voltado mais assustadores ainda. A mãe disse que um analista poderia ajudá-la a superá-los — mas como, se Dulce nem sequer se lembrava deles? Só sabia que eram ruins. Ruins o bastante para fazê-la acordar gritando.


Dulce queria gritar agora. Para que o pai se voltasse e visse o soldado Dude(gíria, termo genérico usado informalmente com referência a uma pessoa qualquer; cara, sujeito.) provando assim que ela não estava maluca. Talvez, se ele realmente visse o homem que a perseguia, ela não precisasse mais ir à analista. Aquilo não era justo.


A vida, porém, não é justa, conforme sempre lembrava sua mãe. Mas, quando Dulce olhou de novo, ele já tinha ido embora. Não o soldado Dude, mas seu pai. Ela caminhou até a porta da garagem e o viu colocando a mala no banco de trás do Mustang vermelho conversível. Ao contrário do pai, a mãe nunca gostou daquele carro.


Dul correu até ele.


— Vou pedir pra vovó falar com a mamãe. Ela vai conseguir...


Mal essas palavras escaparam dos lábios de Dulce ela se lembrou do outro grande acontecimento trágico de sua vida. Não podia mais pedir que a avó resolvesse seus problemas. A avó estava morta. A imagem dela deitada, fria, no caixão dominou a mente de Dulce e outro soluço brotou em sua garganta. O olhar do pai demonstrava agora preocupação. O mesmo olhar que levara Dulce para o consultório da terapeuta três semanas antes.

— Estou bem. Só esqueci — porque a lembrança machucava muito. Sentiu uma lágrima solitária escorrendo pelo rosto.


O pai se aproximou e a abraçou. Esse abraço durou mais do que qualquer outro, mas terminou cedo demais. Como ela podia deixá-lo ir? E ele, como poderia abandoná-la?


Os braços do pai se soltaram e ele a afastou.


— E só me telefonar, meu bem.


Contendo as lágrimas, odiando a própria fraqueza,Dulce acompanhou o conversível vermelho do pai ficando cada vez menor à medida que descia a rua. Precisando muito ficar sozinha em seu quarto, correu para dentro de casa. Mas então, lembrando-se, olhou para o outro lado da rua. Será que o soldado Dude já tinha desaparecido num passe de mágica, como costumava fazer?

Não. Continuava lá, observando, espionando. Deixando-a morta de medo e, ao mesmo tempo, muito irritada. Era por causa dele que Dulce tinha que ir à analista. Então a Sra. Baker, sua vizinha idosa, saiu para apanhar a correspondência. Sorriu para Dulce, mas nem sequer uma vez a velha bibliotecária reparou no soldado Dude bem ali, de pé em seu jardim, a menos de um metro de distância. Muito estranho. Tão estranho que um calafrio desceu por sua espinha, o mesmo calafrio que sentiu durante o funeral da avó.
O que estaria acontecendo?


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