Burn Bright escrita por fire wasnt made to be held


Capítulo 1
Jason Todd tem um problema.




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Três semanas, e Jason ainda tem aquele olhar horrorizado de quem não digeriu muito bem a ideia. Ele está quieto — talvez pela primeira vez nos últimos seis anos —, quase catatônico, e a mesa é um caos. Tim ri alto sobre qualquer coisa que conversa com Dick, e Damian está ocupado demais mantendo uma carranca para tentar se juntar aos dois. Alfred é a única pessoa aparentemente feliz — feliz de verdade, e não tentando melhorar as coisas —, e Bruce não está presente. Todd não sabe ao certo o que há de tão maravilhoso em ter três novos pirralhos na Mansão Wayne, um cachorro que mais parece um monstro, e um gato que adora destruir as coisas. Ou talvez sejam só as coisas de Jason — e por isso todo mundo está ok com a situação. Porque é Jason o perseguido pelo gato demoníaco, é Jason quem está dormindo no sótão!

... Ok. Talvez não seja exatamente o sótão — é um quarto longe de todos os outros, só isso —, e o gato não fez muito além de afiar as unhas em suas jaquetas. Mas, ainda assim, soa como o inferno. Três semanas de suas férias escolares gastas tentando entender como sua vida virou de pernas pro ar, e a única coisa que ele sabe é que as mudanças mal começaram; na verdade, ele também não se esforçou muito para ficar na mansão e saber ao certo o que os outros três estão fazendo ali. Sabe que ficarão até o final do último semestre, em especial Damian, mas não quer ouvir nada que vá muito além disso. Não importa no final. Não é como se pudesse colocá-los para fora (ainda que considere a ideia).

Suspira, sentindo que murcha na cadeira, os olhos claros voltados para as panquecas em seu prato.

Jason odeia panquecas.

I

A desgraça começa quando Alfred vai levá-los ao Arkham. Jason está acostumado a sempre se sentar na frente, ao lado do motorista, e é o que vai fazer, mas Dick Grayson também parece ter isso em mente e os dois acabam se esbarrando. Dick está confuso e Jason tem um olhar assassino. Damian se aproxima e Tim o segue, lutando para tentar iniciar uma conversa. Os dois param quando percebem o pequeno debate que paira sobre os mais velhos. Todd tensiona os ombros, pronto para uma briga.

“O lugar da frente é meu.” Sempre foi.

A surpresa nos olhos azuis de Dick quase o faz bufar. Quase.

“Mas eu sou mais velho.”

É quando Damian atenta os ouvidos para a conversa, intrometendo-se e abandonando Tim a meio caminho do carro.

“Eu vou na frente.”

Jason não tem certeza de qual é a do autocontrole que o impede de rir da afirmação tão convicta do garoto. Ele cruza os braços, e Damian — de olhos azuis frios como o inverno, e traços angulosos em feições marcadas pela carranca constante — o encara de um jeito que faz parecer que sua altura não é nada. Ou sua idade. Ou qualquer coisa.

“Você não tem tamanho, pirralho.”

“O carro é do meu pai.”

“Eu passei mais tempo com ele que você.”

Silêncio. Jason não estava falando de Bruce — ninguém passa muito tempo com Bruce —, ele estava falando do carro, mas é claro que não vai explicar isso. Damian passa por ele sem dizer mais nada, Dick o está olhando ainda estupefato — um pouquinho reprovador, também — e Todd rosna qualquer coisa incoerente antes de seguir o menino para dentro do automóvel. Grayson e Tim se entreolham e, num acordo mútuo, Dick vai para trás com os outros dois e Drake se senta no banco passageiro da frente.

E então Jason está preso entre Damian e Dick, e ele não acredita no que diabos sua vida ainda vai se tornar.

II

É algo como a terceira ou quarta aula, e Jason não aguenta mais ouvir o falatório de sempre. Ele dá um jeito de escapulir para fora da classe, imediatamente se esgueirando pelos corredores para o fundo do Arkham; para a parte vazia do lugar. Muitos boatos sobre o colégio ter sido feito nos moldes de um manicômio sempre são espalhados por Arkham, e Todd não tem certeza ainda se isso é só uma brincadeira para assustar os calouros ou parte de uma história verdadeira e mal contada. A confusão de corredores e salas que mais parecem celas de uma prisão ― sem falar na construção abandonada logo depois da principal, que é para onde está indo ― parecem confirmar tudo. Jason gosta de como isso confere certa credibilidade ao lugar, mas ele próprio não se incomoda com a história. Manicômio ou não, Jason conhece Arkham como a palma da mão.

Ele não se surpreende quando vai para o último andar da construção e encontra Roy se pendurando numa das janelas. Roy Harper ― ruivo como o próprio Jason, com os lábios constantemente curvados em silenciosa malícia ― é algo como a única pessoa da face da Terra capaz de fazer com que Todd pare por um momento ou dois para se divertir, no lugar de se estressar com o mundo ao seu redor. É Roy quem costuma sempre encontrar algo para que os dois passem o tempo quando tudo está confuso ou irritante demais para que Jason o faça. Agora mesmo o ruivo pode vê-lo tossir uma ou duas vezes antes que Harper se vire para encará-lo, um sorriso travesso na boca, cigarro numa das mãos.

“Hey, Jaybird!”

Talvez em alguma outra ocasião ― três ou quatro anos atrás ― Todd arranjaria um jeito de repreendê-lo por isso; Roy ainda é novo para poder comprar um maço de cigarros de maneira legal, o que significa que forjou uma identidade falsa ou roubou. E Jason não se importa tanto com isso quanto se importa com o apelido esquisito. Quando se aproxima, o cheiro forte de nicotina o faz crispar os lábios numa careta de desagrado. Roy ri e o oferece o cigarro, os olhos brilhando no desafio mudo de questioná-lo sobre a origem da droga. Todd escolhe ignorá-lo, aceitando o cigarro.

“Há quanto tempo está aqui?” é a pergunta que escapa ― talvez pelo incômodo que o cheiro lhe provoca, os olhos focados no tubinho branco.

“Sei lá. Acho que desde que entrei.” E Roy se pendura em seu ombro, sua risada fazendo com que o corpo do ruivo vacile por um instante. “Vai nessa, Jaybird. Não é tão ruim quanto parece.”

“Tsc. Eu não sou seu apoio.” Ele o afasta, e leva o cigarro à boca. “E é Jason.”

A inexperiência ― e um pouquinho da maldade de Roy em não avisá-lo também ― faz com que Todd o afaste segundos depois, os pulmões e a garganta queimando como o inferno, os olhos lacrimejantes e um gosto horrendo na boca enquanto curva o corpo, tossindo para expelir todo rastro da fumaça maldita em seu organismo. Harper está rindo alto mais uma vez, na promessa silenciosa de que o atormentará pelo resto da vida por isso. Jason quer socá-lo ― seu olhar furioso denuncia o fato ―, mas o sorriso de Roy só aumenta quando ele se aproxima.

“Não seja tão apressado.” Apesar da reprimenda ― e do sorriso ― há algo suave na maneira como conduz Jason para um dos colchonetes que os dois surrupiaram da educação física há alguns meses. Eles se acomodam, mas Todd ainda não consegue controlar a tosse. Roy dá tapinhas encorajadores em suas costas. “Respire fundo, isso. Olha, você tem que colocar na boca, puxar devagar, prender um pouco e aí soltar. Não tenta puxar e respirar ao mesmo tempo, nem engolir, okay? Tenta de novo, Jaybird.”

Jason não quer tentar outra vez ― seus pulmões é que o digam ―, mas o orgulho ferido o impede de recuar. Ele puxa o ar com força, tentando livrar-se do incômodo do engasgo. Então, quando expira, leva o cigarro à boca novamente. Agora, faz exatamente como Roy recomendou; e, ao fim do gesto, a fumaça lhe escapa pelos lábios sem que ele precise quase colocar para fora os pulmões por isso. É uma sensação curiosa, uma queimação em seu corpo, os músculos relaxados, um gosto amargo na língua. Todd o faz novamente, apenas para concluir que o desconforto não vale o efeito calmante da nicotina sobre seu corpo. Ele devolve o cigarro a Roy, massageando a garganta na tentativa de livrar-se da irritação. Harper dá um suspiro dramático, joga o tubinho no chão e pisa nele sem hesitar.

“Tua cara de playboy não esconde nada, Jason. Sabia que não ia gostar do cigarro!” E a malícia retorna aos olhos dele. “Mas tudo bem! A gente sempre pode afogar as mágoas numa tequila.”

A frase acaba fazendo com que Todd sorria minimamente e balance a cabeça. Roy tem essa fixação por experimentar tudo o que não é recomendado para pessoas com a sua idade; e não pode realmente culpar o outro por sempre arrastá-lo para essas loucuras, porque sabe que a emoção da coisa toda é ter uma companhia.

“Será que se você pedir o teu irmão arranja pra gente?”

“Eu não...” Jason se interrompe, para, e então olha para Roy com um ponto de interrogação estampado na cara. “Irmão?”

“É.” O outro também tem uma expressão um tanto perdida. “O cara alto e boa pinta que veio contigo e os mini-Jason de cabelo escuro. Me disseram que é seu irmão mais velho.”

Todd tem meio segundo para lidar com a surpresa antes que o horror domine seu cérebro. Dick? Dick Grayson, seu irmão?! A ideia seria engraçada se não fosse tão insana ― e, curiosamente ou não, algo nela lhe provoca raiva. Jason aperta os lábios numa linha fina antes de murmurar por entre os dentes:

“Dick não é meu irmão.”

Roy tem as sobrancelhas arqueadas.

“Sério? Mas ele é a sua...”

“É o primeiro filho adotivo de Bruce.”

Jason tem um tom de voz ameno na última frase, para mascarar a amargura e fingir que Harper não o compararia a Dick ― embora as semelhanças sejam, de fato, visíveis. Todos de olhos claros e cabelos escuros (com Jason sendo a ruivíssima exceção), os mesmos traços em rostos de formatos curiosamente parecidos, destacados pelas feições sóbrias, quase tendo a mesma altura apesar das diferenças de idade; eles realmente podem se passar por irmãos de sangue.

Roy tem a decência de não fazer nenhuma brincadeira a respeito, porque sabe que ‘família’ é um tópico particularmente complicado para Todd, e que provocá-lo sobre isso não é exatamente uma boa ideia. Então se cala, resignado, sem saber ao certo se pode acabar com o clima pesado que se formou de repente.

E Jason sabe que a culpa é sua ― pelo desconforto, pelo silêncio, pela ausência de piadas.

Merda, ele quer outro cigarro.

III

Dick está cansado. Apoia a cabeça entre as mãos, sem realmente prestar atenção nas complicadas equações trigonométricas que o professor coloca no quadro negro, embora seus olhos estejam cravados ali. Não sabe ao certo se o incômodo que se manifesta sob sua pele é pelo tédio de saber que terá de rever algumas matérias que já concluiu no colégio militar, ou pelo fato de a Mansão Wayne ter novos inquilinos.

Quer dizer, é claro que ele sabe dessa mania insana de Bruce, de sair adotando garotos de maneira aleatória; ele mesmo é uma prova viva disso. Só é um tanto estranho pensar que agora ele tem algo como irmãos ou... Não. Pensando bem, Dick não gosta tanto assim da ideia de ter companheiros. Talvez um tanto por ciúme, talvez por ter se acostumado a estar sempre sozinho, ele não sabe ao certo. A verdade é que, no fundo, Grayson está inquieto com essas mudanças.

Já conhece Tim de visitas anteriores ― embora da última vez em que o viu, Drake não tivesse mais que seis anos ―, e já sabia de Jason graças a Alfred e suas correspondências, mas Damian permanece uma incógnita. Das poucas vezes em que conversou com Bruce, Dick nunca sequer o ouviu tocar no assunto. Ele sempre achou que Bruce era ocupado demais para construir uma família do começo ― esposa, bebês, essas coisas ― e por isso saía “apadrinhando” todos os garotos saídos de fraldas que encontrasse. E aí vem Damian ― e acaba com a única ideia concreta que Grayson tinha sobre a “humanidade esquecida” de Bruce Wayne.

É claro que Dick não o culpa por isso, o garoto é como Jason e Tim para ele; e talvez seja justamente esse o problema. Não se incomoda com estranhos, porque são sempre temporários; os três não deveriam ser estranhos porque não são temporários, mas Grayson deseja tanto se aproximar quanto Jason deseja ceder seu lugar no carro, e isso é ridículo. Dick nunca teve problemas em se relacionar com outras pessoas, principalmente as de idades próximas à dele.

Qual é a grande dificuldade em fazer amizade com os garotos?

Dick sabe, é claro que sabe.

E é por isso que tem raiva.

IV

Damian já está com os materiais arrumados organizadamente dentro da bolsa quando o último sinal soa, então, enquanto seus colegas de sala se apressam para guardar tudo ― incluindo Drake ― ele está caminhando tranquilamente para fora da sala. Ele não gosta de como as vozes o acompanham, sobre Wayne, Bruce Wayne, Grayson e suas cópias. Porque Dick é conhecido pela maioria, e ninguém se importa, ninguém realmente se importa com o que está acontecendo, contanto que haja alguém sobre quem falar.

A verdade é que Damian não dá a mínima para quem passou ou deixou de passar algum tempo com Bruce ― ainda que parte dele se ressinta pela presença dos outros porque, qual é, eles estão num lugar que é seu por direito. Ele não queria ter vindo, quinze anos é tempo demais para passar longe de uma pessoa e ainda considerá-la da mesma forma, mas a mãe foi resoluta e ele sabe que agora já não adianta mais tentar voltar atrás.

Tem vontade de suspirar ― ou correr, quem sabe fugir ― quando Drake se junta a ele e os dois encontram Dick nos portões de Arkham. Damian não gosta da ideia de passar o resto do ano com nenhum deles, mas sabe que, ao menos quando forem obrigados a compartilhar o mesmo ambiente, a convivência deve ser o menos conflituosa possível; o que significa que provocações e alfinetadas estão totalmente fora de cogitação.

Ou, pelo menos, é o que Damian repete para si mesmo enquanto Alfred se junta a eles e os quatro esperam a boa vontade de Todd em aparecer.

E o tempo passa.

V

Tim acha graça de como Todd e Wayne estão emburrados no banco de trás, ambos com a mesma exata expressão de desagrado no rosto ― lábios comprimidos, sobrancelhas arqueadas; o rosto pálido de Jason o faz parecer um tanto mais sério, agora, enquanto as bochechas ligeiramente vermelhas de Damian o dão um ar furioso ―, e Dick parece neutro, mas seus ombros tensos evidenciam a irritação. Drake se pergunta se é por estar entre os dois brigões ou se Grayson também está irritado por estarem voltando para a mansão quase 20 minutos depois do horário de saída. O próprio Tim não ligou muito por esperar ― não é como se tivesse algo importante para fazer, no fim das contas ―, mas o garoto Wayne fez parecer que sim, o que ocasionou outra breve discussão e, novamente, Drake foi mandado para o banco passageiro.

“Você fede a cigarro.” é a voz de Wayne que quebra o silêncio no carro, braços cruzados, com o tom de alguém que comenta o tempo.

Todd revira os olhos e se volta para a janela.

“Não enche, pirralho.”

E lá está Tim, se inclinando um pouco mais para ter uma visão dinâmica dos três, o que é uma pena, porque Dick nota o movimento.

“Senta direito, Tim.”

Ele solta um muxoxo de desagrado ― Todd e Wayne o encarando com curiosidade ― e se ajeita corretamente no banco. Conta um, dois, três segundos.

“Eu disse que não era uma boa ideia deixá-lo ir na frente.”

Tim espia novamente ― a tempo de ver Damian resmungar qualquer coisa e abrir a janela, enquanto Dick murmura um ‘Não enche, Jason’ que com certeza iniciará uma nova discussão ― e quase sorri.

Quase.


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