– Você quer me contar? - Eu perguntei meio nervosa.

– Quero.

– Mas, por que?

– Porque não aguento mais esse peso e eu vou ficar ainda mais louco se não falar nada.

– Tá bom.

– Senta aí.

Ele se sentou e eu me sentei do lado dele. Ele respirou fundo e disse:

– Tudo começou quando eu tinha nove anos. Eu estava na quarta série e os meus pais estavam em crise sabe. Meu pai bebia demais e minha mãe também, eles brigavam bêbados na minha frente. Eles se esqueciam de pagar as contas, pagar a escola e estavam sem dinheiro, gastavam tudo em bebida. Até que um dia eu fugi de casa e fui pra rua, foi aí que me envolvi com as drogas. Ficava tão louco e tão fora de mim que cheguei a agredir pessoas seriamente, nunca as matei, mas elas ficavam inconscientes ali no meio da rua. Um pessoal me achou e me colocou numa clínica de reabilitação.

Fiquei lá por seis meses e parei. Me colocaram num orfanato, mas eu odiava aquele lugar, mesmo sendo bem tratado eu queria sair dali o mais rápido possível e fugi. Me envolvi com as drogas de novo e fui morar na rua. Fiquei sem dinheiro pra nada e um cara me ofereceu trabalho em um lava-rápido da cidade e consegui comprar um apartamento bem pequeno. Também voltei a estudar, mas não larguei as drogas. Fiz catorze anos mas eu fui me drogando cada vez mais e acabei machucando feio um cliente do lava-rápido, quase o matei e fui demitido.

Voltei pra rua e fiquei lã por oito meses. Uma mulher me levou pra casa dela, ela tem bastante dinheiro pra falar a verdade, paga o colégio, minha roupa, minha comida mas vive trabalhando e eu quase nem a vejo e tenho muita raiva dela por causa disso. Tentei largar a droga mais foi impossível, principalmente sem o apoio de ninguém. E eu tô aqui agora, só infernizando a vida dos professores, que é pra isso que eu sirvo: infernizar as pessoas.. - Ele olhava para baixo, parecendo perdido no passado. Seus olhos enchiam d'água e sua voz falhava de vez em quando.

Um silencio estranho permaneceu entre nós e então ele olhou pra mim. Eu não estava chorando porque não sou uma pessoa de chorar muito, só estava com a expressão triste. Eu confesso que fiquei com um pouco de medo dele, mas era nítido que estava arrependido.

– Desculpa, juro que não sei o que falar. - Eu disse. Ele deu um sorriso triste e falou.

– Não quero que sinta pena de mim.

– Por que?

– Porque é horrível saber que as pessoas sentem pena de você.

– Então eu não sinto.

– Valeu.

– Você deve achar que sou uma mimada não é mesmo?

– Sim.

Contei minha história pra ele resumidamente. Ele ouvia tudo atento me olhando nos olhos.

– Parabéns. - Disse ele no final.

– Por que?

– Porque nem por isso você fugiu de casa e se drogou como eu. Você é inteligente. - Disse ele com o olhar extremamente triste.

– Por que se rebaixa tanto?

– Porque não me rebaixaria?

– Você pode ser mais do que imagina.

Ele fez que não com a cabeça e voltou a olhar pra baixo.

– Você é legal Federico.

Ele olhou para mim novamente e sorriu um pouco.

– Eu queria tanto apagar tudo isso e começar de novo. - Disse ele.

– Então faça isso.

– Não é tão fácil.

– Nada é fácil, mas vai ficar menos difícil se você acreditar que consegue. Você não tá sozinho.

Ele parecia querer chorar mas estava se segurando, mas logo algumas lágrimas começaram a escorrer pelo rosto dele.

– Posso te abraçar? - Ele perguntou meio tímido.

– Claro! - Eu respondi sorrindo.

Ele me abraçou forte, como se nunca tivesse abraçado alguém na vida, mas talvez isso nunca tivesse acontecido realmente.

Ficamos daquela maneira por muito tempo, nem eu nem ele queríamos que aquilo acabasse, sentia que ele precisava de mim.

– Obrigado Ludmila, sério. Eu não aguentava mais.

– Pra isso servem os amigos.

– Você é uma ótima amiga.

– Valeu.

– Nos vemos amanhã então?

– Claro.

Nos levantamos, ele me deu um beijo na bochecha e eu fui embora, me sentindo imensamente feliz. Queria que durasse um pouco mais.