Perdida escrita por Beatrice


Capítulo 1
A garota que queria salvar o mundo


Notas iniciais do capítulo

Então, gente, queria deixar claro que essa one-shot não é baseada em nada (completamente) real. Foi apenas uma cena que me veio à mente enquanto eu estava nos meus momentos de ócio produtivo (vulgo brisa) e a ideia me pareceu interessante, portanto eu quis colocá-la no papel - ou no computador né haha. A base e algumas características dessa fic estavam destinadas a outras longs, mas, como eu estou sem tempo para começar novos projetos, resolvi fazer apenas uma one mesmo e tentar contar alguma coisa :3
Espero que gostem e tenham uma boa leitura!



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“Era alguém que sorria muito, que fazia piada de tudo o que podia; que sempre tentava ser uma espécie de cola, de mediadora; sempre tentava dar o melhor de si, fosse com a família ou com os amigos. Não importava a situação, não importava a hora, sempre carregava um sorriso nos lábios – podia ser de pura felicidade, bem como podia ser de ironia, sarcasmo ou compaixão; e, quem sabe, alguém que a conhecesse melhor, poderia dizer que era apenas um reflexo distorcido da tristeza que ela não queria que os outros reconhecessem.

E era essa a face que mostrava a todos: a da garota que estava indubitavelmente de bem com a vida, que não ligava para o que as pessoas diziam sobre si, que, apesar de tudo – tudo que, na verdade, para os outros, era nada – estava sempre feliz.

Podia estar se acabando por dentro, mas, ao invés de falar sobre si mesma, deixava seus sentimentos de lado para ajudar os amigos. Sempre fora e sempre seria assim. Largava todo o peso que sustentava há tempo demais, tempo demais para alguém tão novo, em algum canto e ia tentar fazer com que os outros rissem.

Em casa, o mesmo. Uma família complicada, conturbada, cheia de defeitos, cheia de falhas, enganos e desentendimentos. Gritos de ódio todos os dias vindos de seu pai, e sua mãe apenas ouvia junto a ela. Ou será que ultimamente também vinha se juntando a eles? Era difícil distinguir. Logo sua mãe, que sempre disse apoiá-la, que sempre esteve a seu lado, no fim, parecia julgá-la mais do que qualquer outro, não aceitava o que ela era.

Mas, talvez, ela pensava consigo mesma, não era o fato do julgamento e da cobrança que a incomodava. Talvez fosse o fato de que vinha justamente da única pessoa com quem se importava verdadeiramente na vida. Porque essa era a verdade agora, pura e incontestável. Era difícil, se não impossível, se importar com alguém a essa altura.

Por quê?, sua consciência vivia perguntando. E nem ela mesma sabia responder. No fundo, sentia que toda essa barreira que havia erguido ao redor de si não era necessária, nem lógica, não fazia sentido. Contudo, estava lá, e ela tentava todos os dias derrubá-la.

Tentava. Tentava tanto. Tentava de um modo que ninguém jamais conseguiria descrever. Era uma batalha que travava todos os dias, todos os momentos, tentando. Continuava lá, de pé, acreditando que havia mais no mundo do que toda aquela merda. E lutava contra o quê? Contra si mesma. Lutava contra o ódio que parecia consumi-la cada vez mais e que dava a impressão de já ter se tornado uma parte inseparável de sua alma. Lutava contra o ódio que começara a nutrir contra a própria família. Lutava contra o ódio que tinha de si mesma. Lutava contra a vontade de desistir, de largar tudo de uma vez. Fora o ódio que escolhera para ocupar o lugar da decepção. Era melhor sentir ódio do que derrota quando você via que alguém havia sido melhor do que você em uma das únicas coisas em que era realmente boa; uma das coisas das quais realmente sentia orgulho ao dizer ‘eu fiz isso’.

Será que aquelas tentativas não valiam de nada? Será que ninguém via? Ela tentava tanto... Para ser boa, para ser melhor, para não sucumbir, para continuar. Para ser o suficiente.

Mas nunca parecia ser o bastante. Esperavam demais dela, então por que também não esperavam demais de todos? Por que só ela tinha que tentar? Parecia tão fácil para sua amiga. Notas boas, vida agradável, relações sociais estáveis, e ela simplesmente tinha e era tudo o que sempre sonhara. Achava que era boa em algo, e então alguém surgia para lhe mostrar que ainda não era o suficiente. Estava começando a achar que nunca seria.

E o pior era que sabia todos os seus defeitos. Nunca fora de se enganar. Era egoísta, orgulhosa, arrogante, e até algo invejosa. Era mais fácil assim rir junto quando os outros riam de si quando ela mesma já se rebaixara sozinha em casa. Estranhamente ou não, quem a olhasse de longe a acharia gentil, carinhosa, humilde, tímida. E realmente o era. Conseguia ser essa montanha de características de uma só vez, e ninguém fazia ideia. Preferiam ignorar. Bastava uma pequena demonstração de tristeza ou um pedido camuflado de ajuda que já mudavam de assunto, minimizando seus problemas enquanto ela fazia o contrário quando a situação era inversa.

Suas amigas tinham problemas, era a ela que recorriam. Choravam, e era no seu ombro. Pediam conselhos, e era ela quem ajudava. Em troca, as percebia dando crédito a outra pessoa, esquecendo-se dela completamente. Não perguntavam se estava bem; não queriam saber seu passado; não queriam conhecê-la melhor; anos, e nenhuma delas conhecia perto da metade do que era.

Não sabia mais se estava louca ou não. Talvez estivesse. Talvez só estivesse esgotada. O que sabia era que se importava demais com pessoas que não eram reais. Pior ainda, era saber o motivo disso, um motivo que guardava a sete chaves: quando tudo o que sentia era ódio e abandono, precisava de algo para amar, e então dirigira todos os seus afetos a algo que não poderia feri-la diretamente. Precisava de algo para amar, e escolhera o que não era real. Escolhera algo para amar apenas para não se perder.

No entanto, era o que estava fazendo: estava se perdendo cada vez mais. Sua eu de quatro anos atrás se assustaria com sua eu de agora. Não reconheceria a si mesma no que é hoje. Veria apenas a sombra da garota que tinha sonhos de salvar o mundo.

Ainda queria isso. Queria salvar o mundo. Queria mudar as pessoas. Queria tornar esse lugar de merda um lugar melhor, um lugar em que todos sentiriam prazer em viver, não um lugar em que ainda havia preconceito, racismo, mortes e atrocidades. Queria ajudar e salvar desde um cachorro abandonado até uma criança morrendo de fome. Queria levar água e comida a quem precisava. Queria dar apoio a todos aqueles que precisavam. Queria acabar com as guerras por território e religião.

Porque, ainda mais no fundo, ainda era uma garota gentil e perdida que sonhava em tornar o mundo um lugar melhor.

E lá estava: o sorriso fácil que aparecia tantas vezes ao dia era substituído com tanta naturalidade por um esgar de escárnio, como se tirasse sarro do que ela própria estava fazendo – e isto era sentir pena de si mesma. Era chegar à pior conclusão que uma pessoa poderia chegar.

A conclusão de que estava se perdendo.

De que já não sabia mais quem era.

Não sabia mais o que queria.

Sequer sabia se queria mudar.

Só sabia que podia estar louca a uma hora dessas.”

Foi o que escreveu quando o psicólogo pediu “Escreva você mesma como se fosse uma personagem”. E ela respondera com diversão “Me escrever como uma personagem ou escrever uma personagem como eu?”

Como ficara sem resposta, ela logo iniciara sua breve narrativa.

Largou a caneta abruptamente, jogando-a em cima da mesa e escondendo o rosto entre as mãos tão de repente que surpreendeu o homem sentado a sua frente. Sua visão estava borrada, e havia aquele bolo incômodo em sua garganta, que não ia embora de jeito nenhum. Antes que percebesse, estava chorando.

Não silenciosamente, como costumava fazer para que ninguém ouvisse. Era um choro desesperado, que fazia seu corpo tremer e sacudir conforme os soluços escapavam por entre seus lábios. Onde estava a garota controlada que não deixava aparentar emoções? Era tão fácil assim quebrá-la?

Era, o psicólogo concluiu, em silêncio. Fizera o pedido para que se escrevesse como uma personagem após ouvir que era aquilo que ela fazia: via a todos como personagens de um livro, e tentava imaginar-se como a autora, assim tornando mais fácil analisá-los e enxergar o problema para tentar ajudar. E era boa nisso. Como era, refletiu, vendo-a chorar bem a sua frente.

Naquele momento, enquanto lia as palavras escritas apressadamente na folha sulfite, percebeu que, diante de si, não era somente mais uma adolescente confusa com problemas. Ela era interessante. Era o motivo pelo qual achava os humanos interessantes, e por isso escolhera a Psicologia como faculdade.

— Eu não sou louca — ela murmurou de súbito, a voz embargada, erguendo levemente a cabeça enquanto enxugava o rosto com as costas das mãos. — Só estou... perdida.

— Eu sei — ele disse.

— Não sabe, não — ela rebateu, com um acesso de raiva que já era seu velho companheiro. — Só está dizendo isso porque é seu trabalho.

A bem da verdade, também não sabia por que tinha ido até ele. Resolvia seus problemas sozinha, sabia exatamente quais eram todos eles e suas causas. Então, a única explicação era a de que precisava de alguém que a escutasse, nem que fosse só para ficar calado ouvindo, e mesmo que fosse um estranho.

— Eu estou tentando — ela falou em voz alta o que escrevera, e ainda havia resquícios de tremores em sua voz devido ao choro, embora ela fizesse força para se manter firme. Sentia a necessidade de falar aquilo, como se o mundo precisasse tomar conhecimento. — Eu juro que estou tentando.

Estava, não estava? Vivia esforçando-se para ver além do que as coisas imediatas representavam. Esforçava-se para diminuir o ódio, a raiva, para reatar os laços com a família. Não seria ela também quem diria para qualquer um o que eles podiam sentir ou não.

Cada um sabe até onde pode aguentar.

— E se eu já tiver aguentado o que posso? — ela perguntou.

— Você acredita nisso?

Ela negou, balançando a cabeça. Não queria desistir; queria provar que podia ser melhor. Tinha sonhos pelos quais queria lutar para realizar, e lutaria por eles até o fim.

Olhando para o psicólogo, ela queria uma resposta que resolvesse tudo de uma vez. Queria uma luz para seus problemas. Mas não era assim que as coisas funcionavam. Então, ela voltou a pegar a caneta e o papel, e adicionou uma frase separada do restante, no pé da folha, como se deixasse um recado para si mesma.

Para salvar o mundo, primeiro você tem que salvar a si mesma. Este pode ser um capítulo triste, mas você não é uma história triste.”


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Espero mesmo que tenham gostado, apesar de ter sido bem curto ^^
Apesar de não ser nenhum relato, eu acabei colocando muito do que penso nessa one-shot, então seria bem legal saber o que vocês acharam *-* Comentem comigo e assim poderemos conversar!
Vou adorar respondê-los! Muito obrigada a quem leu até aqui! Beijos o/