A Resposta vem dos Céus escrita por JustMe


Capítulo 3
Dois




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– Por que Prince não estuda na mesma escola que eu? – perguntara Caleb, quando tinha seus seis anos.

O menininho pálido estava em pé, o ar determinado diante de seu pai em seu escritório. Aquele fora seu segundo dia de aula em um Jardim de Infância particular. Para ele, estava sendo tudo muito chato, já que Prince fora matriculado em uma escola pública do bairro – os pais dele preferiram assim.

Prince estava atrás de Caleb, fitando os próprios pés. Embora as duas crianças tivessem crescido como melhores amigas, na cabeça de Prince, os Ryan também eram seus patrões. Seus pais deixaram isso bem claro, desde sempre. E estava se dando ao luxo de deixar Caleb pedir para seu pai colocá-lo na mesma escola que ele... Deixar?! Como se pudesse conter os desejos de Caleb. Prince implorara para que Caleb não fizesse aquilo. Mas ele apenas disse, segurando seu braço:

– Eu não quero ficar lá sozinho.

– Você não vai ficar lá sozinho... – protestou Prince. Se bem que ele queria muito ir para a escola de Caleb. Mas tinha vergonha de pedir ao senhor Ryan.

– Prince, por favor... Você é o único amigo que eu tenho.

E com aquelas palavras, Caleb conseguira convencer o menino – o bom coração de Prince sempre estivera ao seu favor. Naquele fim de tarde os dois subiram até o escritório do pai de Caleb para pedir permissão. Os Robston não estavam sabendo de nada. Talvez isso fosse um problema mais tarde – não importava. Hugh não ia negar ao pedido do filho, e tudo ficaria bem.

Agora o homem estava atrás de sua escrivaninha, fitando os olhos azuis de Caleb. Quase fora imediatamente derretido pela súplica que havia neles. Mas manteve o tom firme, quando olhou para Prince – que estava corado e de cabeça meio baixa – e falou:

– Ora, Prince, se seus pais deixarem, tudo bem.

Caleb suspirou.

– Convença eles, papai. Por favor! Queremos muito estudar juntos...

Hugh fechou seu notebook, cruzando as mãos sobre o mesmo. Ele estivera provavelmente escrevendo seu novo livro. Ele era um escritor consagrado nos Estados Unidos. Seus livros sempre alcançavam o primeiro lugar na lista dos mais vendidos do The New York Times. Suas principais obras eram de ficção e romances policiais. Seu maior sucesso: O gosto amargo do perdão. Vários produtores de filmes queriam transformar os livros de Hugh Ryan em filmes. Mas ele se recusava a permitir. Tinha uma opinião muito pessoal sobre livros que viraram filmes. E não era lá uma das melhores.

Caleb pouco sabia sobre do que se tratavam os livros do pai. Mas o admirava muito, e sabia que ele era importante no que fazia.

– Vou ver o que posso fazer – disse Hugh, por fim. – Não posso obrigá-los a fazer o que não querem. Vou conversar com seu pai hoje, Prince.

Caleb assentiu, esperançoso. Virou-se para Prince, com um sorriso encorajador, triunfante.

– Eles vão deixar. Você vai ver...

Um sorriso tímido repuxou o canto do lábio do menino. Ele olhou para Hugh, sem jeito.

– Obrigado.

– Por nada, Prince.

Os dois meninos saíram do escritório, deixando Hugh Ryan novamente só. Enquanto saiam, o homem sorriu. Tinha orgulho do filho que criara. Caleb era um bom menino.

Uma das atividades favoritas de Caleb e Prince era brincar em torno da mansão, entre as diversas árvores do pomar, e sobre o gramado verde-jade dos jardins maravilhosos. Corriam, gritavam e pulavam. Brincavam de esconde-esconde, pique-pega e de guerreiros valentes, que enfrentavam monstros, vilões e bruxas imaginárias para recuperarem as princesas, também imaginárias. Tudo acontecia sob os olhos cautelosos de Clarissa. A mulher ficava sentada em uma cadeira de armar, costurando ou bordando os casacos de Elena, ou fazendo qualquer outra coisa – mas sempre vigilante.

Todavia, naquela tarde, depois de terem pedido a Hugh para que Prince fosse matriculado na mesma escola que Caleb, os dois meninos foram para o pomar, ansiosos demais para brincarem. E Clarissa não estava por perto. Saíra para fazer as compras. Já que Elena era uma advogada muito atarefada, era ela quem cuidava daquelas coisas.

Caleb sentou-se sob o pé de limão, aninhando-se entre as suas raízes e a grama bem aparada. Prince desabou ao seu lado.

– Acho que vai gostar da minha escola – comentou Caleb, um tanto animado. – Tem um parque com gangorra e escorregador, piscina e tem uma mulher gorda que faz bichinhos de chocolate.

– Bichinhos de chocolate? – os olhos de Prince brilharam.

– É! Deliciosos.

Prince sorriu, arrancando distraidamente pedacinhos de grama sob seus pés. Ele parecia hesitante. Caleb viu quando seu sorriso desaparecera num processo lento.

– Caleb – a voz dele estava tensa.

– O quê?

– Você tem muitos amigos lá na sua escola?

Caleb deu de ombros.

– Alguns.

– Se eu for pra lá, você vai continuar brincando comigo?

Caleb sorriu, dando-lhe um leve tapa no ombro.

– Claro que vou.

Prince pensou um pouco.

– Caleb...

– O quê?

– E se seus novos amigos não gostarem de mim?

– Eles vão gostar sim. Você é legal...

Desta vez, Prince pareceu mais despreocupado. Mas continuou:

– Caleb, existem outros filhos de empregados que estudam na sua escola?

Caleb espantou-se com aquela pergunta. Então era isso que Prince queria saber desde o início! Estava com medo de ficar excluso dentre os colegas de Caleb por ser pobre...

O menino olhou bem nos olhos de Prince. Aqueles olhos negros, meio indecifráveis, mas ternamente meigos, estavam brilhando. Forçou um sorriso reconfortante.

– Eu não sei. Mas deve existir...

Prince assentiu. Então, inclinou a cabeça, fitando Caleb com tanta intensidade, que o menino teve de desviar os olhos para não corar.

– Eu gosto dos meus pais, e do que eles fazem. Não quero que ninguém zombe deles.

Caleb sorriu, sacudindo a cabeça. Puxou Prince para um breve abraço, e sussurrando:

– Ninguém vai zombar, Prince. Nós não vamos deixar. Agora vá se esconder! Vou contar até quinze!

Prince afastou-se depressa, rindo, desaparecendo por entre as árvores. Enquanto se virava para contar, Caleb ouvira a voz do amigo:

– Obrigado, Caleb...

Mais tarde, quando Caleb e Prince estavam na sala de estar, sob muitas cobertas e comendo pipoca feita por Clarissa, aconteceu o que ansiaram a tarde inteira. Hugh chamara Roger para uma conversa em seu escritório. Enquanto viam o caseiro moreno e baixo passar por eles, parecendo meio temeroso, os dois meninos abafaram risadinhas.

– Ele parece preocupado... – comentou Caleb, maliciosamente. – Acha que vai levar uma bronca.

O menino esperou pelo barulho da porta do escritório de seu pai se fechando. Ao ouvi-lo, puxou o braço de Prince.

– Venha comigo!

Os dois meninos saíram correndo escada a cima, tentando não serem vistos por Clarissa ou Elena. Prince estava assustado, mas não disse nada. Caleb sabia que o amigo queria saber o que Hugh diria a Roger tanto quanto ele. Então, simplesmente continuou atravessando o corredor de piso de madeira envernizada, seguindo para o escritório de seu pai. Como previra e ouvira, a porta estava trancada.

– Vem – sussurrou Caleb, sentando-se ao lado da porta, e apurando os ouvidos.

Prince fez careta.

– Isso não é feio...?

– Não – murmurou o menino. – Você quer ouvir ou não?

Prince hesitou por uma fração de segundos, antes de sorrir, assentindo. Sentou-se ao lado de Caleb, abraçando as pernas contra o próprio peito. Apesar de ser dois meses mais velho que o outro, Prince era sempre submisso à Caleb. Apesar de ser mais forte fisicamente e mais corajoso, ele apenas fazia o que Caleb queria. Talvez porque via seu pai obedecendo às ordens de Hugh. Mas era sempre assim.

Do outro lado da porta, o pai de Caleb dizia:

–... Não vou me demorar. Aliás, só pra saber, você fez o que eu pedi, lá na horta?

– Sim, senhor – disse Roger, parecendo muito empolgado. – Tudo ficou como o senhor queria. Mas eu tive que jogar alguns tomates fora. O agrotóxico acabou com eles...

Caleb revirou os olhos. Quanta bobagem! Quando iam falar logo sobre a escola?

– Ótimo – Hugh voltara a falar. – Amanhã eu quero que vá comprar novos fertilizantes pra mim, por favor... Eu não entendo muito sobre isso, mas sei que você vai trazer o melhor para a nossa horta.

– Claro, senhor – a voz de Roger estava muito entusiasmada. Caleb não entendia o porquê.

– Obrigado, Roger. Mas, na verdade, eu não lhe chamei até aqui para falar somente sobre a horta. Sei que está cuidando muito bem dela.

Houve uma ligeira pausa.

Caleb e Prince se entreolharam. Seria naquele momento.

– Bom – recomeçara Hugh. – os nossos filhos vieram me procurar hoje – pausa. – Eles estão infelizes por estarem estudando em escolas diferentes.

Houve um breve momento de silencio absoluto. Ao lado de Caleb, Prince havia fechado os olhos com força. No entanto, Caleb achatara ainda mais o ouvido contra a porta.

– Ah – fizera Roger, por fim. – Isso.

– Caleb me pediu que Prince fosse matriculado na mesma escola que ele – prosseguiu Hugh. – E eu tive de concordar. Eu sei que você e Clarissa preferem a educação na escola pública, mas eu não entendo o motivo.

– Não quero que ele cresça achando que pode viver às custas dos outros, senhor – disse Roger, quase rudemente.

Prince fechou os olhos com ainda mais força, e inspirou fundo.

– Ora, Roger, isso é um pensamento egoísta. Prince poderá ter um estudo de qualidade em uma escola particular, e ainda por cima ficar ao lado de Caleb. Eu vi nos olhos deles o quanto querem isso.

– Mas...

– Roger, veja bem, eles estão muito infelizes. Cresceram juntos. São praticamente irmãos. É bem melhor que estudem juntos. Em uma escola particular, de preferência, que tenha segurança, e profissionais capacitados e experientes em lidar com crianças da idade deles.

– Eu não quero causar incômodo, senhor...

– Não será incomodo algum. Eu pagarei a escola dele. Você sabe que Prince também é como um filho pra mim.

Caleb deu um leve empurrão com o ombro em Prince, e sorriu. O menino abriu os olhos, mas ainda continuava aflito.

– A gente vê todos os dias na televisão, crianças que morrem em jardins de infância públicos, devido á incapacidade dos professores e monitores. Veja aquela menina cheia de mordidas pelo corpo! E aquele menino de seis anos, que morreu afogado na piscina de um jardim de infância público...

– O senhor está generalizando.

– Estou lhe mostrando as possibilidades.

Silêncio.

– Roger, por favor – recomeçara Hugh. – Pelas crianças.

– O senhor sabe que eu não gosto da ideia de alguém estar pagando para meu filho estudar em uma escola particular...

– Faça um esforço. É para o bem dele...

– Caleb! Prince! – a voz de Clarissa interrompeu a voz de Hugh. Ela estava subindo a escada, os cabelos negros e ondulados chacoalhando ao redor do rosto oval e américo latino.

Rapidamente, Caleb saltou e afastou-se da porta. Prince fizera o mesmo, mas tinha a expressão de culpa estampado no rosto moreno.

– Aí estão vocês! – disse a governanta, pondo as mãos nos quadris. – Pensei que estivessem na sala!

– Eu estava indo buscar um brinquedo no meu quarto – mentiu Caleb, dando de ombros.

Clarissa foi até eles, e abraçou-lhes os ombros, conduzindo-os para fora do corredor.

– Bom, deixem o brinquedo para depois. Vão jantar...

Caleb assentiu de má vontade. Lançou um olhar por cima do ombro. Para a porta do escritório de seu pai. Fechou a carranca. Teria de esperar pela resposta de Roger quando saíssem de lá. Caleb odiava esperar.

A mesa de jantar estava silenciosa. De um lado, Caleb e Prince beliscavam suas comidas. Na ponta, Elena comia sua salada fresca, sem se dar o trabalho de fazer sequer uma oração antes. Caleb havia aprendido com Prince a agradecer pela comida sempre antes de comê-la. Pelo visto, sua mãe não.

Há quase quatro anos, os pais de Prince frequentavam uma igreja evangélica no bairro. Prince ia com eles, e se divertia muito. Enquanto o culto era ministrado, ele e outras crianças cristãs ficavam em uma salinha, aprendendo as histórias da bíblia, colorindo e assistindo os desenhos de personagens marcantes daquele livro, acompanhados pela velha Sra. Dugs. Sempre que ia à igreja, voltava contando tudo o que havia aprendido à Caleb. Este, o invejava.

Seus pais não iam à igrejas. Eram ocupados demais. E sempre sentia vontade de acompanhar o amigo naqueles lugares, embora mal soubesse o que realmente era Deus, e o que fazia nos céus. E o pouco que sabia, devia à Prince.

Por várias vezes o menino pedira para seus pais levá-lo até lá. Ou simplesmente deixassem que ele fosse. Mas eles não iam, e nem o deixavam ir.

De qualquer modo, Elena comia apressadamente, mas com elegância. Já Clarissa, estava na cozinha, comendo em seu tamborete de couro, afastada de todos. Ela não se sentia à vontade em comer à mesa, em meio aos patrões.

Hugh e Roger ainda não haviam saído do escritório.

Caleb estava ansioso. Por que tanta demora? Parecia que tudo estava indo tão bem. Que Roger estava se convencendo...

Enquanto cutucava sua coxa de frango com o garfo, Caleb olhou de esguelha para Prince. Ele parecia tão ansioso quanto ele, só que ainda mordiscava sua comida.

Naquele momento, o menino ouviu o ranger da porta do escritório se abrindo. Ambos se entreolharam, os corações palpitando no peito. Seria agora!

Caleb largou o garfo e segurou a coxa de frango com a mão, abocanhando-a vorazmente. Precisava parecer normal, quando seu pai e Roger passassem por ali. Mas, na verdade, fizera aquilo mais por nervosismo do que para parecer normal.

Enquanto mastigava, ouviu os passos se aproximando, vindo de lá das escadas. Não arriscou outro olhar à Prince. Estaria na cara demais que estiveram ansiando por isso o dia inteiro.

Caleb não ergueu os olhos quando seu pai sentou-se à mesa, ou quando Roger cumprimentou Elena. Mas, não pôde deixar de ver a expressão do caseiro quando ele dirigiu a palavra ao filho.

– Acabe de comer, para podermos ir embora.

Caleb olhou-o com medo do que pudesse ver. Tentou achar qualquer sinal positivo ou negativo em sua expressão. Mas Roger estava indiferente.

– Sim, senhor – disse Prince, apressando-se em comer.

Roger afastou-se da mesa de jantar, pedindo licença, e foi para a cozinha. Caleb não conseguiu engolir o pedaço de frango entalado em sua garganta. Olhou para o pai, em busca de uma prévia da resposta. Mas Hugh Ryan estava mais preocupado em servir-se.

– Pronto – disse Prince, levantando-se com seu prato vazio nas mãos. – Boa-noite, Sr. e Sra. Ryan. Boa-noite, Caleb.

Caleb acenou distraidamente. Prince se afastou, fitando os próprios pés, com o prato sujo nas mãos. Lá na cozinha, Clarissa estava mexendo na pia. Roger apareceu mais uma vez na sala de jantar, e desejou uma boa-noite a todos, com Prince agarrado em sua calça. Logo depois, foi a vez de Clarissa.

E então, os Ryan estavam sozinhos na casa.

Caleb empurrou lentamente o parto para longe.

– Conseguiu, papai? – quis saber o menino, sentindo um friozinho no estômago.

O homem ergueu os olhos para o filho, com um sorriso travesso nos lábios.

– O que?

Caleb revirou os olhos, rindo.

Pai!

– O que foi, meu filho? – perguntou o homem, parecendo se divertir. – O que você quer saber?

Caleb ficou em silêncio, estudando o pai. Não gostava quando ele ficava assim, se fingindo de bobo. Aquilo aumentava muito mais sua ansiedade.

– Tudo bem – disse Hugh, derrotado. Ele cruzou os braços sobre a mesa, sorrindo ternamente. – Olha, Caleb... Roger ainda prefere que Prince estude em uma escola pública. Mas... depois de conversar muito à respeito, eu consegui convencê-lo!

Caleb não se lembrava muito do que fizera em seguida. Sabia que saltara da cadeira, gritando muito de alegria. Foi até o pai e abraçou-o, dando-lhe um beijo no rosto. Sua mãe, Elena, observava o filho com um sorriso alegre, embora não soubesse muito bem do que se tratava. Caleb foi até ela e beijou-a, desejando-lhe boa-noite.

Naquela noite, o menino foi dormir cedo, ansioso pela manhã seguinte. A manhã em que estudaria com Prince.


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