Herdeiros escrita por ColorwoodGirl


Capítulo 10
Capítulo 9




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“Dar aula na Fábrica? Você tá fora da casinha, Karina? Eu, dar aula de arte?” Gael perguntou para a filha caçula, enquanto encarava seus alunos. “Se querem moleza, sentem no pudim.”

“Pai, você acha mesmo que eu ia vir te chamar para dar aula de artes? Se liga, é para ensinar Muay Thai mesmo!” A jovem atraiu a atenção dele, que arqueou a sobrancelha.

“Discorra mais sobre o assunto, pequeno gafanhoto.”

“A gente trocou uma ideia com o Silveira lá, e aquilo é uma Fábrica de Sonhos, não de cantores e bailarinos. Parece que a tal Emília dava até aula de pedagogia por lá.”

“Hey, respeite minha falecida avó.” João gritou ali de perto, atraindo a atenção de pai e filha.

“E quem são esses?” Gael apontou o rapaz e Pedro, que babavam nas alunas.

“Pedro Ramos e João Spinelli. Netos da Susana e da Emília.”

“Aí, mestre, você tem umas bundinhas bonitas aqui, hein? Caraca.” Pedro se aproximou com um sorriso idiota, daqueles que faz os olhos fecharem. Porém, não viu alguns pesos no chão e enroscou os pés, caindo na direção de Karina e levando para o chão. “Opa, foi mal aí esquentadinha.”

“Sai de cima de mim, seu idiota.” Rosnou a lutadora, irritada. Gael apanhou o garoto pelo cangote, o colocando de pé e fuzilando com o olhar.

“Esse moleque é o menestrel do capiroto, soube assim que olhei para ele.” Rosnou o mestre, o largando e indo ajudar a filha a levantar. “Em todo o caso, o que você dizia sobre a Fábrica?”

“Ah é, ela e aqueles dois marombados loucões querem colocar luta na Fábrica.” Pedro interrompeu a menina, que bufou. “Mais calma nesse coração, esquentadinha.”

“Pelo amor dos meus bonsais, capiroto, volta lá com o esquisito e fica babando na bunda alheia. Mas sem molhar meu chão.”

“Tá anotado, mestre.” O rapaz sorriu, dando a volta e indo se juntar ao primo, deixando que pai e filha conversassem em paz.

“Em todo o caso, é isso mesmo que o idiota disse. Dois dos meninos, o Duca e o Cobra, já tem grau o suficiente para auxiliar um mestre nas aulas, só precisamos de um. E então, pensamos em você!”

“Mas filha, eu já tenho uma academia aqui.” Lembrou Gael, indicando o local.

“Pai, de coração: esse lugar está no osso, né? Ele está pequeno, com poucos alunos, e dando mais gastos do que rendimentos. Lá na Fábrica você não pagaria aluguel, e ainda ganharia um salário. Ela não é tão fora de mão, então seus alunos poderiam ir para lá, e você poderia ver eu e a Bianca sempre que quisesse.”

Normalmente, Bianca era a persuasiva das duas irmãs. Sabia muito bem como dobrar o pai, e conseguir o que queria rapidinho. Porém, ela e Bruno precisaram se reunir com Silveira, e sobrou para Karina ir em busca do pai para convencê-lo a ajudá-las.

 “Colocando as coisas dessa forma, é realmente um ótimo negócio. Mas francamente, Karina, aguentar esses moleques.” Ele indicou a dupla de amigos, com um olhar desgostoso. “Todos são assim?”

“Na verdade é bem variado. Tem umas patricinhas nojentas lá, que eu honestamente gostaria de enfiar a cabeça na privada. Ou pelo menos dar uma boa voadora.”

“Essa é minha filha.” O mestre riu, a abraçando pelo pescoço e beijando sua cabeça. “Tudo bem, eu vou. Vou ser mestre na escola de vocês, e ficar de olho nas minhas meninas.”

“Qual é, pai, já somos crescidas.”

“Mas não são vocês que me preocupam, e sim os tarados ali.”

~*~

As meninas não haviam dito nada após voltar da reunião com Carlos Silveira. Elas apenas entraram em casa, foram para seu quarto, passaram a tarde lá em silêncio. Só foram sair no final da tarde, quando foram fazer o jantar, ainda em silêncio sepulcral.

Do sofá, Gael as observava andar pela cozinha de forma mecânica, ele mesmo não conseguindo se focar em seu jornal. Após um tempo, bufou alto, jogando os papéis de lado e atraindo a atenção das duas.

“Precisa de algo, pai?”

“Sim, que vocês duas venham aqui para conversarmos.”

“Mas o macarrão está cozinhando.”

“Que vire um grunho, Bianca. Eu quero vocês duas sentadas aqui, agora. Decorou?” Ele ergueu a voz, apoiando os cotovelos nas pernas e cruzando as mãos em frente ao corpo. As duas pararam o que faziam, desligaram o fogo e caminharam até sala, sentando ao lado dele. “Melhor assim.”

“Sobre o que você quer falar?” Perguntou Karina.

“Sobre o que quer que esteja incomodando vocês duas.” Ele avisou, virando a cabeça de uma para a outra.

“Não tem nada incomodando a gente, pai.”

“Aham, e eu sou um ótimo cantor.” Elas riram baixo. “Qual é, Bianca, eu conheço vocês duas. Tem algo incomodando muito vocês duas. O que o Silveira falou hoje?”

“Que a herança é... Bom, é quase 5 milhões para cada um.”

“5 milhões de reais cada uma de vocês?”

“E os outros 10.” Confirmou Bianca, vendo o pai assoviar.

“Caraca, é muita grana. E vocês não ficaram felizes? Acho que eu estaria pulando.”

“É que tem uma condição, pai.” Suspirou Karina.

“E qual seria?”

“Reviver a Fábrica de Sonhos.”

E pela próxima hora, as duas explicaram tudo o que Silveira havia lhes dito. Bianca mostrou inclusive os papéis, lendo as diversas cláusulas e observações ali contidas. Gael ouviu tudo com atenção e interesse, tirou algumas dúvidas, e por fim calou-se.

O silêncio entre os três permaneceu por longos minutos. Ele observava a foto do pai e seus amigos diante da Fábrica, que estava entre os papéis entregues as meninas, enquanto matutava.

“Eu acho que vocês devem ir.”

“Oi?”

“Você está falando sério?”

“Sim, Bianca, eu estou.” Gael segurou a foto, os olhos cheios de água. “Meu pai viveu amargurado pela perda desse sonho durante toda a sua vida, sabe? Eu e minha mãe nunca fomos o suficiente para suprir essa perda. E o fato de eu ter mantido vocês longe das artes por tanto tempo, só piorava isso. O que eu menos quero é ver minhas filhas sendo atrizes ou cantoras, mas o safado me pegou nessa. Eu tenho uma dívida com ele, e para pagar, preciso abrir mão das minhas vontades.”

“E onde entram as nossas vontades nessa história?” Karina arqueou a sobrancelha, irritada. “Porque eu não quero ter nada a ver com dança ou teatro.”

“Mas você quer lutar, quer treinar, ter uma carreira. E para isso, precisa de dinheiro.” A garota teve que concordar com o pai, que suspirou. “Vocês sabem que a academia provém o suficiente para nós vivermos, meninas, mas não para eu bancar escolas de artes, ou patrocinar suas lutas no futuro. Há muito tempo eu não tenho um aluno que se destaca, que possa competir. Esse dinheiro vai ser importante para vocês realizarem os sonhos de vocês, meninas.”

“Mesmo que esse sonho seja atuar?”

“Bianca, eu nunca quis que vocês tivessem o mesmo destino que a sua mãe, mas é como se eu empurrasse vocês para isso.” Gael ergueu os olhos marejados, encarando a filha mais velha. “Quando sua mãe ficou grávida de você, nós dois tivemos que abrir mão dos nossos sonhos. Ela da atuação, e eu de lutar profissionalmente. Precisávamos de dinheiro, nos sustentar, sustentar você. Eu odeio te dizer isso, mas acho que vocês já têm idade para ouvir a verdade. E então, quando nós estávamos conseguindo nos equilibrar na corda bamba, veio a Karina e tudo foi para o espaço de vez. Quando sua mãe entrou em coma após o parto, eu sabia que ela não voltaria. Ela amava vocês, mas ela não tinha mais razão para viver, um sonho para sonhar. A Ana nunca quis ser mãe, ela queria ser atriz. Acho que ir embora foi mais fácil do que ficar.”

As meninas secavam os olhos de forma insistente, sem conseguir encarar o pai. Sabiam que a história de Gael e Ana não era bonita e romântica como Henriqueta gostava de pintar para elas quando eram pequenas. Apesar de sempre terem sido loucos um pelo outro, desde pequenos, os pais eram muito cabeças duras e focados em suas carreiras. Pelo visto, a mãe mais do que o pai.

“Eu vou aceitar.” Disse Bianca, sem encarar Gael.

“Eu também.” Karina imitou a irmã. “Acho que eu preciso arrumar a mala.”

E saiu sem dizer mais nada, seguida de perto pela irmã. Gael ficou na sala, mergulhado em pensamentos e lágrimas, enquanto as duas se abraçavam e choravam juntas no quarto.

Às vezes a verdade doía tanto que elas preferiam a mentira.

~*~

“Dar aula naquele lixo? Jade, você só pode estar brincando, minha filha. Uma professora do meu nível, que já treinei grandes nomes da dança, me rebaixar a esse ponto.” Jade deixou os ombros caírem ao ouvir isso da mãe, enquanto Edgard fuzilava a namorada.

“Lucrécia, menos, por favor, porque você não está, nem de longe, com essa bola toda.” Ele a repreendeu, segurando a mão da filha. “Queria, você tem certeza disso? Você sabe que não é apenas a questão do renome, mas também financeira. Eu e sua mãe dependemos do nosso salário para mantermos nossos apartamentos, além de você.”

“Eu sei, pai, mas se serve de consolo, pelo menos quanto a mim vocês não precisam se preocupar. Eu vou passar a viver na Fábrica, e me sustentar lá.” Ao ouvir isso, Lucrécia perdeu a paciência de vez.

“E sua rotina, Jade? Seus treinos, sua alimentação? Filha, e tudo pelo que lutamos?”

“Achei que já tínhamos passado dessa fase, mãe.” Jade suspirou, afundando o rosto nas mãos.

“E já passamos. Isso já foi decidido.” Edgard encerrou o assunto, irritado. “Jade, meu amor, você sabe que o papai confia em você profundamente, certo? Se você me falar que eu não vou estar entrando em uma furada, eu peço demissão amanhã mesmo.”

“Eu tenho certeza, pai. Eu nunca arrastaria vocês para um buraco, sabe disso.”

“Então eu vou. Vai ser um prazer dar aulas na famosa Fábrica de Sonhos.”

“A antiga famosa, você quer dizer.” Lucrécia bufou, afastada deles.

“E pode voltar a ser. Com a nossa ajuda, sua bruxa desalmada.” Jade riu do pai, enquanto Lucrécia o encarava ofendida. “Vamos, meu amor, você sabe que quer isso tanto quanto eu. Assim poderemos ficar pertinho da nossa menina.”

“Só se ela concordar que eu continue a treinando, antes ou depois do horário das aulas.” A mulher decretou, empinando o nariz. Jade gemeu de desgosto, mas Ed acenou com a cabeça.

“Tudo bem, mãe. Nós continuarem com nossos treinos.” A jovem bailarina abriu um sorriso amarelo, enquanto os olhos de Lucrécia brilhavam.

“Que maravilha! E me diga, além de atuação e dança, que outras artes teremos na Fábrica?” Edgard se animou, segurando as mãos da filha.

“Canto, música e, bom... Muay Thai.”

“Como?” Os dois exclamaram juntos, certos de terem ouvido errado.

“É, muay thai. Sabem, aquela luta? Que tem o Aranha e tal?” Ela se encolheu diante dos gritos deles. “Nós temos três lutadores entre os herdeiros, dois deles já professores.”

“Mas isso não fazia parte do currículo da Fábrica!” Lucrécia se indignou.

“Eu sei que não. Mas segundo o Silveira, até aula de pedagogia tinha na Fábrica, da tal Emília. Ele disse que é uma Fábrica de Sonhos, não de arte. E que tudo pode ser ensinado lá, se assim quisermos.” Ela explicou, brincando com os dedos. “Eles estavam dividindo o espaço quando eu sai de lá para falar com vocês. Parece que vai ficar legal.”

“Se não fosse por ensaiar você, filha, eu daria para trás. Agora mesmo.” Avisou Lucrécia, saindo em direção aos quartos.

A jovem suspirou, e Edgard agarrou sua mão, já antevendo o que ela faria. Em silêncio, Jade deitou em seu ombro, fechando os olhos, querendo não tê-los que abrir nunca mais.


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Notas finais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece, já ouvi dizer. E aí, ainda tem alguém aqui? Se tem, OLÁÁÁÁÁÁ.
Voltei, quem sabe para sempre. Queira Deus, né?
Enfim, mais um capítulo, mais um pouco sobre os herdeiros. Eita que esse povo tem história paralela e de fundo, aja cérebro para lembrar de tudo!
Espero que tenham gostado!
Nos vemos em breve!
See you ;*