Solidão escrita por Bacon


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

OOOOOI! ♥ Tudo bem com você?
Algumas pessoas me pediram uma continuação para Os Gritos do Tigre e... Eu meio que acabei escrevendo uma? (tá mais para um bônus da história por não ser exatamente uma continuação, mas ainda tá valendo) Hehe, foi para um desafio de 30 dias e eu acabei me esquecendo dela :'D Mas welp, aqui está! Espero que gostem! ♥

Como eu disse nas notas da história, por essa ter sido escrita quase dois anos depois da primeira, vocês vão encontrar algumas diferenças (principalmente na aparência do Millo e seu comportamento/pensamento), mas nada muito extremo~

Boa leitura! ♥



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No começo, ela o mandara embora, aos berros, amedrontada por sua aparência hedionda. O que era aquele garoto, com chifres enormes na cabeça, um deles quebrado? Por que queria a ajuda dela, encarando-a com as escleras negras, aquelas horrosas íris verdes e pupilas esticadas?

Depois, quando ele esticara uma das mãos em sua direção, ela viu: viu as unhas enormes, afiadas, maiores que os próprios dedos do garoto. E viu também o sangue que as cobria, que empapava suas mãos e seus braços. O garoto chorava, pedindo por ajuda; a mulher gritava, mandando-o ir embora.

Mas ele era mais rápido do que ela poderia imaginar. Antes que percebesse, o garoto estava bem à frente, olhando-a com aqueles olhos horríveis. Ela podia sentir o cheiro pútrido de seu hálito, ver os dentes afiados, amarelados e trincados. Os sangue que escorria pelos cabelos louros do menino fazia seu caminho pela pele acizentada, enrugada, que exibia inúmeras cicatrizes de cortes e queimaduras. Quando sentiu as pequeninas mãos tocarem-lhe o rosto, a ponta afiada das unhas ameaçando-lhe cortar o couro cabeludo, a voz da mulher desapareceu por um momento.

— Por favor — implorou o garotinho, sua voz falha, tão doce e suave e ao mesmo tempo tão carregada de dor que era uma aflição aos ouvidos. Não aparentava ter mais de nove anos de idade. — Me ajude. Estão atrás de mim. Vão me prender de novo!

Mas a mulher não quis escutá-lo. Empurrou o garoto para longe, chutando-o entre as costelas assim que o viu caído no chão. Ela não cairia naquele truque. Não, não era tola. Aquela criança só poderia ser uma coisa. Os chifres, os olhos sem um único pingo de luz, as garras enormes, o sangue, tudo apontava para a mesma coisa: aquela criança, aquela criatura, só podia ser o Mal; as trevas, toda a podridão e os horrores do mundo transformados na imagem de uma criança. O garoto não iria enganá-la. Não, não, não iria.

Ela precisava fugir. Precisava fugir, precisava fugir.

O menininho, ao levar o chute, soltou um ganido doloroso; mas a mulher não prestara atenção à sua dor, é claro. Não. Não, aquela mulher era como todos os outros — como aqueles que o haviam rejeitado durante toda a sua vida e como aqueles que o tiraram de casa, que o aprisionaram e que o torturaram sem motivo algum. Aquela mulher era igual a todas as outras pessoas que ele conhecera em vida: suja, egoísta, cruel. Ela não se importava com o garotinho, não queria saber se ele realmente precisava de ajuda ou não. Ela só tinha olhos para sua aparência horrível, aquela maldição que ele nunca fizera nada para receber. A mulher só queria encontrar um jeito de fugir, de se livrar daquela visão hedionda que era o garoto. Claro, com todos fora assim.

E Millo riu.

Uma risada baixa no início, um fio de voz seco que saía de sua garganta enquanto ele lutava para se levantar. Aos poucos, a risada foi crescendo, aumentando de intensidade. Foi quando ele finalmente se pôs em pé, quando pôde mais uma vez mirar a mulher com aqueles seus horríveis olhos de gato que ele falou, os lábios hediondamente contorcidos num sorriso largo:

— Vocês são todos iguais. — Sua cabeça pendia para o lado, num ângulo estranho para um pescoço comum. Os dentes pontiagudos reluziam com a luz do luar. — Me diga... — A cada palavra que pronunciava, Millo dava um passo para a frente; a mulher, um para trás. — Se você pudesse, me entregaria para aqueles homens horríveis? Aqueles que me prenderam durante a vida toda?

As costas da mulher encontraram uma parede. Ela não tinha mais para onde ir. O sorriso de Millo aumentou ainda mais, apesar de aquilo ser humanamente impossível.

Quando ele se aproximou mais, a mulher viu que, na verdade, dois cortes contorcidos para cima abriram-se nas bochechas do menino, um de cada lado. Sangue pingava de seus dentes e sua língua quando o menino completou:

— Aqueles que fizeram comigo a mesma coisa que eu vou fazer com você.

E, no momento seguinte, a mulher já não poderia mais ser chamada de um ser humano.

Usando suas enomes unhas, Millo começou seu trabalho. Ele a arranhava, cortava sua pele, desfigurava seu rosto. Desenhava na pele macia do rosto da mulher como se fosse seu próprio mural para artes. O garoto brincou e brincou com o rosto dela até que fosse apenas um monte de arronhões sangrentos irreconhecível.

A mulher se debatia, gritava, esperneava. Fazia de tudo para tentar livrar-se daquela criatura demoníaca, mas era tudo em vão — enquanto Millo podia tocá-la, o contrário não era mais possível. Era um truque especial aquele que ele tinha; só o usava em momento como aquele.

Depois de ter terminado com o rosto, Millo voltou sua atenção para o corpo realmente. A mulher grunhia, ainda viva, e ele orbservava seu peito subir e descer com dificuldade.

Subir e descer. Subir e descer. Respirar. Até que o peito da mulher foi perfurado por unhas enormes.

Era tão maravilhosa aquela sensação, aquela de sentir suas garras perfurando camadas e camadas de roupas, pele, músculos, orgãos enquanto Millo abria, fechava e afundava ainda mais seus dedos na carne. E era também uma visão tão bela, a do escarlate pintando todo o ambiente. Fazia Millo se lembrar dele mesmo, se lembrar da época que era ele o que pintava as paredes e o chão de vermelho.

Ao sentir aquelas enormes, porém finas, facas a estraçalharem-lhe o peito, arrancarem-lhe a vida de dentro do próprio corpo, a mulher encontrou forças para iniciar uma nova onda de gritos. E, oh!, como Millo adorava aqueles gritos! Eram tão deliciosos, tão cheios daquela força ardente que era a última tentativa de permanecer vivo.

Também faziam Millo se lembrar de si próprio. Lembrar de como aqueles homens tão terríveis e tão cruéis o haviam aprisionado àquela sala escura. Como fizeram-no gritar daquela mesma forma que a mulher gritava agora, torturando-o das mais diferentes e criativas maneiras. Torturar a mulher agora, ouvi-la gritar assim, tão desesperadamente, fazia com que as antigas feridas de Millo se despertassem, fazia com que todos os seus cortes e suas queimaduras adquirissem vida uma vez mais, recuperando a dor de todos aqueles anos que passara em cativeiro.

E aquilo era tão, tão bom!

Agora a mulher poderia entendê-lo, certo? Agora que ela entendia tudo pelo que ele havia passado ela não mais rejeitaria Millo por sua aparência grotesca. Afinal, assim como ela estava sofrendo agora por motivo nenhum, Millo também sofrera! A mulher poderia ser sua amiga. Talvez, até pudesse tratá-lo como um filho, e Millo teria o carinho mãe que tanto desejara durante toda a sua vida — e durante toda a sua morte.

— Você entende agora, né? — perguntou, radiante, enquanto tirava suas unhas do peito da mulher e tomava sua cabeça nas mãos. — Ei, olha pra mim! — ordenou enquanto encarava as órbitas vazias que eram os olhos dela. — Vamos, responde!

Mas ela não respondeu; pelo contrário, continuou a gritar ainda mais.

Millo não queria mais ouví-la gritar. Aquilo tudo já estava muito chato. Quando viu que a mulher não o atenderia e continuaria a ignorá-lo, gritando e rejeitando-o, ele perdeu a paciência.

— Por que ninguém nunca entende? — gritou, sacudindo a cabeça da mulher, que cuspiu sangue em seu rosto. Aquilo o enraiveceu ainda mais. — Você deveria morrer, então! Não eu! Por que eu morri? Eu não fiz nada, eu não queria! Quem deve morrer é você! VOCÊ!

Músculos vocais foram jogados para longe. A mulher não mais gritava, o corpo inerte nos braços do pequeno garoto. Garoto este que chorava alto, lamentando-se por ter novamente falhado em fazer com que outra pessoa entendesse seu sofrimento.

Assim com fizeram os gritos da mulher, o choro de Millo ecoava pelas paredes daquele beco escuro, chegando aos ouvidos das pessoas que estavam ali por perto. Ao ouvir a aproximação das sirenes, o garoto se levantou e limpou o rosto das lágrimas, apenas para dessa vez sujá-lo de poeira e sangue. Com a visão clareada, Millo observou o cadáver. Era lindo. A mulher, antes feia, agora estava tão linda... Até seu cheiro era bom. Com os anos, Millo havia descoberto que cada pessoa tinha um cheiro diferente ao morrer. O dela, a morte dela, era tão bom...

Mais uma vez, o garoto teve os lábios contorcidos por um sorriso. Os cortes em suas bochechas voltaram a sangrar, tão contraídos ficaram seus músculos. Ele levou as unhas aos lábios e lambeu-as, deliciando-se com o gosto de sangue que, assim como cheiro que a mulher exalava, era próprio da morte. Uma gargalhada longa e perturbadora deixou sua garganta, e perdurou até que a tão esperada polícia chegasse ao local.

E quando chegou, o beco estava vazio, preenchido apenas pelo corpo destruído de uma mulher. Nem uma única alma habitava o local.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Espero que sim!

Eu lembro que gostei bastante de ter escrito essa one-shot e, agora que fui reler para revisar, continuo gostando dela (esse final deu arrepios em mim mesma), apesar de perceber que meu estilo de escrita já mudou um pouco XD Bom, espero que tenham gostado tanto quanto eu e que esse conto tenha feito jus ao primeiro (ou até mesmo superado!) :'3

É isso. Por favor, deixem comentários com a sua opinião, é muito importante para mim! ♥

Sem querer ser sacana, mas, pra quem gostou... Essa história, de uma maneira geral, é bem maior que apenas OGdT e Solidão. Ela não só gira em torno principalmente do Millo e do Will, como também de mais alguns personagens. (Sabe a "mamãe" de OGdT? Então :B) Eu já a pensei inteirinha, repensei, mudei, troquei... Meu relacionamento com essa história é uma coisinha complicada, mas eu realmente estou querendo levá-la para frente e escrevê-la todinha. Então, ideias e sugestões são MUITO úteis. Eu realmente apreciaria ;; ♥

Mas vou ficar quieta agora e me mandar q Até a próxima ♥