Um Estudo em Fanfictions escrita por Mrs Neko


Capítulo 11
11. Guarda-chuva


Notas iniciais do capítulo

Excepcionalmente desta vez, vamos sair um pouquinho dos ships para ter um momento de amor fraternal entre os irmãos Holmes. Porque sou uma fangirl do Mycroft, porque a relação deles é super mal-explorada na série, e porque eles merecem um pouco de felicidade. ♥ E porque vou morrer acreditando que o menininho sob a mira das luzes e das armas dos helicópteros, no final da 3a. temporada, é fruto do Palácio Mental do Mycroft.

Para complementar esse climão de chuva como elemento dramático (tipo cenas tensas e de luto em animes), um auxílio auditivo, direto dos 1960s, California Dreamin', na versão original de Johnny Rivers https://youtu.be/E6nar-pONGA

ou no cover dos The Mamas and The Papas: https://youtu.be/qhZULM69DIw



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Frio. Tão frio.


O círculo congelado do inferno de Dante [1] certamente passaria uma sensação parecida. Frio e dor, físicos e mentais, cortes, hematomas, sangue e barro, misturados numa massa semelhante a uma armadura de porcelana macabra, impregnada no corpo e nas roupas.


A raiva também era fria. Uma consciência clínica, exata, da própria frustração e impotência.


E naquele momento Mycroft podia jurar que até mesmo sua alma sentia frio.


Ou talvez fosse apenas uma resposta excessivamente dramática de seu Palácio Mental, incapaz, no momento, de bloquear a dor, enquanto o estudante fazia os próprios curativos na enfermaria abandonada.


Já não havia quase ninguém na escola àquela hora tão tardia.


Um aquário gelado, escuro e vazio.


E certamente os poucos alunos que tivessem ficado até mais tarde, apreensivos com as provas finais, ou simplesmente esquecidos em busca de materiais perdidos, jamais desejariam servir de testemunhas ao estranho, arrogante e isolado gênio ruivo da sétima série, que havia se recusado a passar respostas para os valentões da classe, que responderam à negativa com um espancamento exemplar.


O cheiro de sangue se espalhou na água. Despertou o apetite dos tubarões e o pavor dos demais peixes. Todos os peixes-dourados fugiram.


O pátio, o portão, as calçadas, as ruas, também estavam vazias.


O aquário bombeava a água do rio, que desaguava no mar. Uma infinidade de água fria e vazia.


Mais água vinha de cima. Era uma questão de poucas semanas até que o inverno chegasse, e aquela água gelada e suja se transformasse em neve.


Em sua mochila, agora perdida e despedaçada na lama, Mycroft guardava, entre seus cadernos, um livro de ficção, um dos poucos que ele gostava, com uma cena que o jovem leitor adorava recriar em seu Palácio Mental. Um lugar místico, que servia de repouso ao protagonista, uma personificação do autor; um jardim magnífico, com uma figueira que nunca florescia, enquanto esperava o tempo exato, o tempo do amor, para abrir suas flores. E enquanto este tempo não chegava, ela gentilmente protegia, com sua sombra, os outros habitantes do jardim: ao invés de plantas, peixes sobrenaturais, que nadavam livremente pelo ar. [2]


Os peixes da paz celestial do livro eram incomparáveis com os seres escorregadios, indiferentes e tediosos ou os pretensos predadores aquáticos da vida real.


E no livro havia apenas o ar morno e agradável do começo da primavera, misturado ao cheiro de livros antigos, o cheiro da biblioteca do seu pai eternamente ausente. O cheiro do espaço seguro de criação e sabedoria que ele guardava na memória com carinho.


Não que o Palácio Mental fosse um artifício bobo da imaginação, ou uma fuga do mundo real; muito pelo contrário: era um misto de mapa, máquina, estratégia e reflexo, para aperfeiçoar a maneira como o usuário percebia, interpretava e relembrava a realidade.


E tudo que a realidade tinha para lhe oferecer naquele momento eram as gotas como agulhas certeiras, geladas e teimosas, e o som ensurdecedor da chuva, que não o deixavam ouvir os próprios passos, nem a voz fina, infantil e teimosa que o chamava:


— Mike...! Mike! Ei, Mike! Espere um pouco!!


Até que o objeto vivo que emitia a voz esbarrasse nele. Uma criança de seis anos, encharcada e coberta de lama dos pés à cabeça envolvida em cachos bagunçados, embora carregasse um guarda-chuva que quase parecia uma barraca para seu tamanho e porte dignos de um gato escaldado.


Ou um inesperado filhote do gato de Cheshire, com um sorriso meigo e quente, tão grande quanto os enormes olhos verde-acinzentados, acesos de contentamento, como se reencontrar o irmão fosse a melhor coisa que lhe houvesse acontecido no dia.


— Me desculpe por ter esquecido de te buscar, Sherlock - o mais velho pediu, e a culpa doeu mais que as feridas do espancamento, e a curiosidade e a ternura foram mais fortes que o cansaço. - Como você me achou, e de onde é esse guarda-chuva?


O pequeno havia ficado num silêncio momentâneo e sombrio, ao ver a sujeira e os machucados no maior, e o estado de lástima do uniforme que ele adorava manter em estado imaculado. Que pena que a dedução não era uma brincadeira da qual o cérebro podia se concentrar ou se desligar à vontade, a qualquer hora, talvez se o garoto fosse incapaz de engajar a mente naquele jogo, poderia reverter a visão do sofrimento do ruivo.


Mas bastou a lembrança do caminho até o outro jovem, para que o caçula reabrisse o enorme sorriso travesso, que lhe tomava todo o rosto sardento, como se ele realmente se transformasse no gato proverbial.


— Eu vi que estava tarde, e fugi da creche, pra brincar de dedução...


Mycroft o interrompeu com uma exclamação exasperada. Pelo menos, a raiva superprotetora do irmão teve a vantagem de fazer o adolescente pegá-lo no colo e abrigar ambos debaixo do guarda-chuva, antes de continuar o caminho e repreendê-lo por andar sozinho à noite. Antes que ele abrisse a boca para o sermão, o menino simplesmente continuou.


— Primeiro achei aqueles feiosos, e me escondi atrás da cerca viva, e fiquei um bom tempo atirando pedras neles!


— Sherlock, como você pôde??? O que você ia fazer se eles te achassem???


— Era o mínimo que eu podia fazer, irmãozão! Eles te bateram, e roubaram sua mochila e sua carteira! E depois, piratas não tem medo de valentões!


— De novo com essa história? Piratas não existem na vida real, Sherlock. São só os personagens de um livro que eu li para você dormir.


— E com o outro livro, aquele da vovó, sobre teatro, você me ensinou aquele truque dos ecos, e eles acharam que era um fantasma! Você tinha que ver a cara deles, Mike, eles acreditaram mesmo!! Nem mesmo os peixinhos dourados seriam tão burros!!


E ali o garotinho parou sua história para rir com deleite. Sim, era exatamente por isso que Sherlock precisava de supervisão constante; exatamente porque ele era uma pequena, inteligente e alegre bomba de energia hiperativa. Ele aprontaria travessuras inimagináveis, dizendo que eram "experiências", como se fosse um cientista em miniatura, com toda a riqueza de detalhes aprendida com as leituras do irmão maior, que lhe inspirava o gosto por histórias bem contadas, na esperança vã de que os livros voltassem a atenção da criança para diversões mais saudáveis.


Mycroft nem queria pensar na possibilidade de o irmão também acabar como vítima da gangue estúpida de bullies de sua classe. O arguto olho da sua mente, num momento de agonia, já havia visto o pequeno desfigurado, coberto de cortes e hematomas, sangue misturado às lágrimas do choro silencioso que ele soltaria.


O pequeno sabia ler todos os sinais de emoção sob a fachada indiferente do primogênito, e o abraçou ao sentir que os pensamentos do maior vagavam por algum lugar de medo e dor. Sabia que o jovem que o carregava não tinha atenção nenhuma para o próprio bem-estar ou segurança, apenas para a da criança que tinha nos braços.


O rapaz ruivo sentiu os bracinhos magros, e as mãozinhas pequeninas que apertavam e cutucavam seus hematomas, e sorriu para os cachos escuros que se enroscavam em seu pescoço. Sherlock era sempre uma leve massa morna de pura energia, uma pequena e teimosa força da natureza, chamando a atenção do mundo para si, sempre que podia.


E naquele momento, os irmãos Holmes eram o mundo um do outro.


Quente e hiperativo, ele desceu dos braços do adolescente, embora lhe segurasse as mãos sardentas com toda a força, e retomou o fio condutor de sua história, e a caminhada na chuva não foi tão miserável quanto o mais velho previa.


— Mike - o garotinho parou seu conto de "teatrinho" por um minuto, sua expressão desfeita, como se lembrasse de dizer algo importante - Me desculpe por só ter conseguido recuperar o seu guarda-chuva. Está tão esfarrapado que até você mesmo não o reconheceu.


Como faltava pouco para que eles chegassem em casa, o irmão maior agradeceu com um sorriso pequeno, e o gesto repetido de levar o mais novo ao colo.


E como eram apenas os dois irmãos contra o mundo gelado, tedioso e hostil do aquário; daquele dia em diante, nunca mais Mycroft Holmes saiu de casa sem seu guarda-chuva.



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Notas finais do capítulo

1. Sinto muito pelo excesso de notas do capítulo passado (e pela escrita horrível, mas eu precisava tirar isso de dentro de mim, para exorcizar um bloqueio)! Sério, Santo Deus, se você ainda está acompanhando esta fic, você pode se candidatar com louvor ao prêmio Nobel da Paciência! Mas se você não joga "Dante's Inferno", nem leu a "Divina Comédia", (meu amigo me emprestou o livro há muitos anos *-* ) saiba que o game, assim como vários filmes e livros modernos, é uma adaptação do poema épico do século XIV, escrito pelo italiano Dante Alighieri. Consiste na história de sua viagem espiritual, na companhia do poeta Virgílio e de sua amada Beatrice, pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, cada qual formado por de 7 a 10 níveis circulares. O o último círculo do inferno seria o lago Cocite, onde todos os rios de sangue fervente, lágrimas dos condenados, e impurezas do inferno deságuam num imenso mar congelado no centro da Terra, onde as almas dos traidores são eternamente submersas e torturadas.


2. Copiei, na cara dura, uma cena do mangá Gohou Drug, uma série muito interessante de mistério, sobrenatural e shounen-ai da CLAMP (infelizmente em hiatus no momento :( ). Bateu aquela curiosidade? Leia e divirta-se: https://clamp.zlx.com.br/gohoudrug/media/manga


3. Me perdoe por este dramalhão mexicano só pra explicar o motivo do Mycroft lindão viver carregando o seu leal guarda-chuva. (Sorry not so sorry). Lembro que uma vez escrevi uma fic de mais de dez capítulos, só pra dar uma desculpa pro Sherlock viver enfurnado naquele casaco enorme (~risos). Sempre tive essa cena na minha cabeça, mas nunca tive coragem de elaborá-la, mas agora saiu! =D (~palmas!!, ok kkkk já vou parar)


4. Palmas para você, que leu tudo isso! Que tal comentar seus sentimentos na caixinha logo abaixo? ;3



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