A primeira sensação que senti era como se uma nuvem estivesse dentro de minha cabeça, não pensava direito, nem sentia o meu próprio corpo, somente ouvi uns barulhos ao longe, estes que ainda me pareciam muito baixos. Respirei fundo com um certo esforço, sentia todo meu corpo pesando como se uma enorme rocha estivesse sobre mim, depois de muito esforço finalmente consegui abrir meus olhos, mexendo a cabeça devagar identifiquei somente as paredes verdes claras com minha visão embaçada, porém pontadas ao redor dos olhos me fizeram fechar as pálpebras.

Conforme o tempo foi passando senti a dor aumentar, além de um estranho formigamento no braço esquerdo, até que me lembrei finalmente o porquê de estar alí, voltei a abrir os olhos com o objetivo de ver a prótese, porém a luz que entrava pela janela imediatamente os irritou, me forçando a fecha-los mais uma vez. Entretanto o efeito dos medicamentos estavam passando e compreendi o que Sakura quis dizer com a grande dor que poderia sentir, fora aquela tortura que tinha sido a cirurgia. Além de um zumbido estranho acompanhado de agulhadas no ouvido, uma grande queimação atingindo minhas íris, quando tentei desesperadamente levar a mão direita para os olhos, com o intuito de verificar se tinha algo pegando fogo alí, mesmo com o toque não pude sentir quase nada nos meus dedos.

Em algum momento alguém entrou no quarto, ouvi o barulho de coisas sendo movidas, apertei com força minha boca para conter o protesto que vinha da minha garganta causada por uma onda de dor, mas ainda assim um gemido escapou. Senti a presença de alguém se aproximar e uma exclamação baixa de uma voz feminina, que saiu apressada do lugar me dando a impressão de ouvi-lá gritar no corredor. Logo em seguida, a porta foi escancarada, ouvi passos apressados atravessando o cômodo, para logo sentir dedos tocando o meu rosto, mas por algum motivo a ação tinha sido tão dolorosa, que me contorci na cama tentando afastar os dedos que me machucavam.

– Vá chamar a Sakura-chan. - ouvi uma voz grossa levemente familiar - Vou tentar estabilizá-lo.

– Pelo o que consta no cronograma hospitalar de hoje, Sakura-sama tem uma cirurgia em alguns minutos. - a voz feminina, que antes ouvi no grito, voltou a se pronunciar.

– Não se preocupe com isso, ela deve conseguir alguém para fazer o procedimento em seu lugar para vim atendê-lo. - mesmo em meio a dor, percebi o tom de voz reprovador.

Mais uma vez a porta foi aberta bruscamente, pela força e passos fortes imaginei que seria Sakura, entretanto ao fazer um esforço para focar meus olhos na direção de quem entrava me deparei com uma cabeleira longa e loira, que balançava junto com um casaco verde.

– Tsunade-sama! - a voz do homem voltou a soar, dessa vez surpresa - O que faz por aqui?

– Não temos tempo para isso Akio, - a voz imperativa de Tsunade soou firme pelo quarto - explique a sua condição.

– Pelo o que conheço do procedimento, os nervos dele estão reagindo ao ligamento da prótese, meu relaxamento por meio de chakra não está funcionando.

– Se afaste, - logo em seguida comecei a sentir um chakra fluindo pela minha pele, apesar de não ter nenhum efeito imediato - os olhos dele são evoluídos demais para um jutsu como o que você estava usando, mesmo sendo o mais eficaz que você conhece. Vá atender os meus pacientes, eu cuido do Uchiha.

– Hai, Tsunade-sama.

Talvez se não fosse pela dor que eu sentia, teria prestado atenção em suas reações, porém não era necessário olhá-lo para saber que o tal Akio deveria olhar com desgosto para mim.

– Sei que está sentindo dor moleque, não precisa conter seus gemidos com tanta força, nem cortar a boca pressionando os dentes desse jeito. - não percebi o que fazia até sua observação, mas não parei o gesto, já que de algum modo meu tato estava menos sensível que o normal.

– O-onde… onde está Sakura? Agrh. - perguntei, me arrependendo de abrir a boca no momento que um lamúrio passou por meus lábios.

– Ela não está por aqui. - a resposta era simples, porém de um significado estranho para mim - Seus nervos estão muito tensos, o que fez seu Sharingan e Rinnegan se ativarem sozinhos, deve voltar acontecer com grande frequência pelos próximos dois ou três dias, - sua voz era estritamente profissional, me lembrando do tom usado por Sakura - no momento acho melhor cedá-lo, seu chakra está com um fluxo intenso demais para ser controlado.

Talvez fosse efeito da dor, tirando minha atenção de tudo que ocorria ao redor, porém não fui capaz de perceber quando as mãos de Godaime se afastaram dos meus olhos, para logo em seguida sentir meu cérebro me fazer adormecer.

[...]

Já era o meu segundo dia de internação, e eu não sabia se as dores tinham diminuído ou somente havia me acostumado a elas, já que toda vez que acordava não sabia se era um sono induzido por Tsunade, remédios que algum dos médicos me obrigavam a tomar ou se usavam algum jutsu para me fazer dormir novamente. Quando uma enfermeira entrou no quarto pela manhã, trazendo o que ela chamava de café da manhã e mais um cedativo, recusei firmemente a oferta alegando que as dores tinham passado, ela também não ofereceu resistência no assunto. Logo depois Tsunade entrou na sala, me fulminando com os olhos ao dizer que a enfermeira lhe contara que eu me recusei a tomar o remédio, bufei, abrindo os olhos que ardiam como brasa para ver a quem pertencia os outros passos, o que não me satisfez ao notar quem a acompanhava.

– Akio está aqui para me ajudar substituindo Sakura, - explicou Tsunade ao notar que eu observava o homem loiro parada ao seu lado - já que ele foi o outro único médico que acompanhou a operação.

– Hm. Que seja.

– Parece realmente que as dores passaram. - Tsunade comentou sarcástica, uma das caracteristicas da mulher que eu esperava não ter sido passada para sua discípula.

Sem avisar, ambos começaram a fazer exames e testes comigo, e no meio disso Tsunade percebeu que a dor não havia passado, porém não falou nada, simplesmente espalhou o seu chakra nas regiões necessárias trazendo um leve conforto, admirei sua atitude, apesar de sua personalidade temperamental, esta também sabia ser discreta quando necessário. Ignorei a segunda presença o tempo todo, era óbvio que ele era mais um dos ninja que alimentava repulsa por mim, postura essa que eu compreendia, porém em nenhum momento sou obrigado a aceitar, ninguém me punia mais por tudo que havia ocorrido do que a minha própria consciência.

Quando ambos saíram fiquei quieto, sentindo que as dores ao menos tinham diminuído, mesmo que continuassem tão insuportáveis quanto antes, tentei abrir os olhos, mas a luz continuava ferindo-os como ferro em brasa. Mais que a dor, o estranho afastamento de Sakura me era ainda mais irritante. Por que ela não esta aqui? Se bem me lembro ela cuidaria de meu tratamento, algo deve estar errado, mas o que seria?

Alguns minutos se passaram e eu ainda não conseguia abrir meus olhos, sendo assim não me opus quando minha mente foi lentamente vagando pelo meu passado e eu fui mergulhando nas poucas memórias boas que tenho, talvez pelo efeito da dor um minha cabeça ou pelos remédios que haviam me dado, as quais são quase todas com o time 7, mas também algumas de quando eu era pequeno e passava algum tempo com Itachi.

A principio tudo estava escuro, até que ao meu lado vi o que para mim é uma de minhas melhores memórias, o dia em que tentamos descobrir o rosto do kakashi. Parecia um filme o qual agora eu assistia como um mero expectador, aquela lembrança me encheu de sensações boas, exatamente iguais as que senti naquele dia, me lembrei que no inicio aquela idéia me parecia ridicula, mas bastou algumas palavras de Naruto e logo me vi envolvido com a situação. Pude sentir a nostalgia nessa lembrança, a diversão daquele momento junto a Sakura e Naruto, onde uma coisa aparentemente boba como descobrir o rosto do kakashi se transformou em algo divertido, pois pude focar e viver apenas aquele dia, sem aquela responsabilidade de vingança sobre meu passado.

Muitos outros relances foram se passando em minha cabeça, todos com o time 7, e foi nisso que percebi o quão bom era aquele tempo, minha irmandade e companheirismo com Naruto chegava a me intrigar, ele era realmente um baka e eu me perguntava o que nos tornou como irmãos, talvez as situações que vivemos no time 7 permitiu que eu o conhecesse mais e o julgasse menos, sua vontade de vencer e nunca desistir sempre me surpreendeu e a partir disso começou nossa rivalidade, a qual também nos permitiu viver e aprender juntos. Ou talvez pelo nosso passado comum na solidão, a diferença é o caminho que tomamos por causa disso, hoje não me orgulho da diretriz que tomei e até isso tenho que agradecer àquele baka, por me trazer de volta e quem sabe agora eu possa retomar sensações como daqueles dias. Mas claro que eu jamais diria isso em voz alta.

Continuando em minhas lembranças, acompanhei muitos outros momentos com o time 7 e algo me chamou a atenção, os cuidados de Sakura para comigo nas diversas situações vividas. Observei o dia que enfrentamos Zabuza e minha parceria com Naruto se fazia presente, porém minha atenção estava mesmo no momento em que recobrei os sentidos e senti não somente o peso de Sakura em cima de mim, mas também as lágrimas dela que tocavam minha pele assim que me abraçou ao perceber que eu estava vivo, no inicio foi repreensível mas depois reconfortante.

Logo em seguida algumas memórias marcantes me invadiram e o inicio de meu declínio ao abismo se iniciava, eu me encontrava revivendo toda aquela intragável dor ao receber o selo amaldiçoado, e para mim não era surpresa Sakura estar lá me amparando e tentando parar a semente de escuridão que começava a germinar em mim, o que ela veio a conseguir logo depois. Pude revivenciar a lembrança de quando acordei e a vi toda machucada na floresta da morte, a sensação de incapacidade de proteger alguém se apoderou de mim e isso foi o bastante para o poder do selo me dominar, o que por ironia regrediu graças ao ato da mesma pessoa que o fez se intensificar.

Continuei vagando a mercê de meu inconsciente, como num sonho eu observava com muita atenção minha luta com Naruto no Vale do Fim, quando Sakura se coloco na minha frente na luta contra Gaara e depois eu evitei sua queda, quando ela me salvou de cair daquela ponte na missão ao País do Chá, dentre outros momentos. Porém as más lembranças também vieram e foi um tormento ver o modo como me permiti chegar a tais atos. Todas as vezes que tentei matar Naruto ou até mesmo quando atentei contra tantas vidas me importando apenas em atingir objetivos ilegítimos.

Por alguns minutos minha mente viajou de volta a noite em que Sakura declarou seu amor por mim pela primeira vez, eu não pude levá-la comigo, não queria condená-la a vida que eu havia escolhido, porém naquela noite suas palavras me atingiram de alguma forma. Em seguida vi o dia em que ela novamente confessou seu amor por mim em meio a guerra e eu o rejeitei novamente, não somente por razões egoístas, mas também por não haver o menor sentido em amar alguém como eu. De repente me vi na saída da vila partindo para minha redenção, momento o qual marcou mais uma despedida nossa, porém aquele momento era diferente, então toquei a testa de Sakura num gesto herdado de meu irmão… Meu irmão…

A morte de Itachi surgiu de repente, o que era escuro em minha mente agora tornou-se um gradiente vermelho, o qual me arremetia ao sangue que banhava nosso clã, nossa vida, nossa história. Revivi nossa luta e consequentemente sua morte, logo após a verdade surgiu e então a única vez que me permitir chorar, essa lembrança me atormentaria para sempre, não importa para onde eu vá. Minha pior memória.

Senti meus olhos arderem mas me obriguei a abrí-los, meus pensamentos foram longe demais e a memória de meu irmão me atormentava a ponto de me fazer despertar. Ao abrir os olhos a dor não era ausente, mas eu estava atormentado o bastante para mantê-los abertos. Fiquei encarando o teto do meu quarto e comecei a pensar no que vi em meu inconsciente, automaticamente a lembrança da morte de meu irmão encaminhou meu pensamento para quando Sakura tentou me matar, isso teria resultado em sua própria morte caso Naruto não tivesse chegado, e o pior, teria sido por minhas mãos. Será que isso explicaria a ausência dela em minha recuperação? Ela não teria realmente me perdoado? Não posso dizer que mereço seu perdão, um cara tão quebrado e indigno como eu. Na verdade eu deveria me surpreender por Naruto ter me perdoado e por ela ter me aceitado aqui, mas mesmo assim, me estranha saber que justamente Sakura não tenha me perdoado, quando penso nisso a sensação é de que algo esta fora do lugar. Irritante.

Até onde me lembro convivi com uma Sakura sensível e dependente, mas que também era doce e adorável, enquanto que agora eu não sei mais nada a seu repeito, sei apenas o que todos sabem: é a melhor e mais bela ninja médica, força sob humana, discípula de Senju Tsunade, uma dos lendários Sannin.

A velha e irritante Sakura jamais me deixaria numa situação como essa, não que eu me importe com isso, talvez só não esteja acostumado com ela tão distante e esperava seus cuidados sob mim assim como antigamente, no enquanto, quem sou eu a essa altura para querer algo? Depois do mal que causei a ela e a Naruto eu não merecia nem essa maldita prótese. Porém essa sua ausência me deixa irritado. Ela deveria estar aqui, já que até o Hokage baka vem para cá me encher.

Isso tudo me aborreceu, é ridículo pensar nesse tipo de coisa. Talvez eu queira apenas ser aceito novamente. Sei que fui perdoado por aquele que denomino meu irmão e por aquele que já foi meu sensei, agora preciso pelo menos do perdão daquela que sempre me aceitou e amparou, a única a quem sou grato por tudo. Na verdade ela estaria fazendo o certo em me deixar viver com minha culpa, mas eu sou egoísta e não me conformo com sua indiferença, simplesmente me irrita.

Meus olhos continuavam a arder de forma insuportável, já começava a me arrepender dessa maldita cirurgia, não tive escolha senão fechá-los novamente e mais uma vez me permiti ser arrastado pelo meu inconsciente.

[...]

– Acorda dorminhoco.

Senti um puxão no lençol que me cobria, entretanto preferi ignorar, como todas as outras tentativas de Naruto de me acordar, somente esperando que ele desistisse e fosse embora. Porém com o cutucão que recebi na bochecha acabou que senti uma pontada aguda de dor.

– Droga Naruto! Agr! - reclamei levando a minha mão a região.

– Sabia que você já tinha acordado. Kakashi-sensei veio ontem te ver e te encontrou desmaiado, quando ele perguntou para a Tsunade-bachan o porquê disso ela falou que você está bem sensível, e que ao menos assim não reclamaria na hora das enfermeiras te darem banho. - olhei feio para Naruto, desviando o rosto para a janela, sua risada parecia ainda mais aguda para os meus ouvidos - Sabe, agradeça que estava dormindo e não sentiu dor nenhuma com os outros lhe cutucando, se a Sakura-chan fosse dar banho em você seria pior. - ele parou de rir, e seu corpo foi tomado por um tremor, como se uma lembrança ruim invadisse sua mente - É como se eu ainda pudesse sentir ela esfregando as minhas costas com a esponja gritando recomendações de como se tomar banho corretamente.

– Cala a boca. - não era como se eu fosse obrigado a ouvir Naruto e suas histórias inúteis.

– Mas sério Sasuke, fiquei com muita vergonha da Sakura-chan, quero dizer, foi só uma vez, mas ainda sim ela me deu banho. - ele mexia os braços nervosos - Bom, ela viu tudo sabe? E agiu como se fosse nada! Até hoje não sei se isso foi profissionalismo ou bem...

– Tsc, você é nojento dobe. - retruquei inconformado com a linha de raciocínio de Naruto - Ela é médica e uma ninja, você não deve ter sido o primeiro nem o último homem que ela tenha visto nu.

– Eu sei, é só que é estranho pensar algo assim da Sakura-chan. - ele respirou fundo soltando uma risadinha sem graça, para logo olhar desconfiado para mim. - Você não se incomoda com isso teme?

Espremi os olhos para Naruto, mostrando toda minha irritação com a sua insinuação no ato, ele riu escandalosamente, podendo até acordar os outros pacientes do hospital, mesmo que o sol ainda estivesse surgindo no horizonte. Entretanto entendi a pergunta de Naruto, Sakura era uma ninja médica, tanto em missões como cuidando de seus pacientes ela teria de estar preparada e perder o pudor sobre um corpo nu, mas ainda era da Sakura que estávamos falando, aquela que eu só sabia ver o amor e pureza que transmitia.

– Já disse Naruto, ela é uma médica e uma ninja. - suspirei cansado olhando para a janela - O que veio fazer aqui tão cedo? - mudei de assunto.

– Nada de mais, só avisar que já acertei os detalhes para você reaver seu apartamento, e a papelada para a ANBU já foi dada entrada, assim que você for liberado poderá tomar sua posição.

Duas batidas de leve chamaram nossa atenção para a porta, uma enfermeira entrou pedindo licença ao “Hokage”, vi uma bandeja em sua mão com um novo soro e duas seringas com líquidos estranhos. Naruto saiu do quarto no mesmo momento, dizendo não querer atrapalhar o serviço da garota, que corou com o sorriso que Naruto carregava no rosto.

Naquele dia mesmo com toda a dor, não fui cedado tantas vezes, conseguindo passar a maior parte do tempo acordado, quando o médico loiro veio me examinar o ignorei na mesma intensidade que esse parecia me desprezar. A noite, mais uma vez Tsunade foi verificar meu estado, me dando uma alta dose de analgésicos e passando um sermão sobre ficar deitado na cama, minutos depois de sua saída a porta voltou a se abrir, não me importei em verificar quem seria aquele a me examinar.

– Oi Sasuke-kun, vim ver como você está. - disse uma voz baixa, mas não vi motivos para responder.

– Você está bem Sasuke-kun? Aconteceu algo? - mais uma vez a voz delicada se pronunciou.

Dessa vez encarei Sakura, não dediquei minha atenção a mais nada que não fosse seu rosto, seus olhos brilhantes em contraste com testa franzida, a boca ligeiramente aberta pela pergunta recém feita, visivelmente preocupada, mas por quê estava aqui somente agora? Isso estava me confundindo e também me irritando por não poder controlar algo tão ridículo.

– Hn - foi tudo o que respondi.