No sábado:

> Que fique tudo bem

> Que esteja tudo bem

> Tudo bem!

Eu me sinto pesada. As últimas semanas foram completamente estranhas. O que aconteceu? Passei o tempo todo dizendo pra mim mesma "esquece e continua" e foi o que eu fiz. Mas não sei se é o certo, me sinto indo pra um caminho sem volta. Penso de novo "esqueça Alice, só esqueça".

Hoje vou ao shopping. Amanda disse que levaria um garoto da escola, ela o chama de "Lipe", eu não conheço.

Não vi Bryan novamente depois da conversa estranha que tivemos, espero que esteja tudo bem. Lembro de quando eramos menores e andávamos de bicicleta pelo bairro, ele que me ensinou a pedalar. Nós passávamos a tarde brincando e bagunçando a casa, depois Sara chegava e perguntava quem quebrou o vaso de flores ou o controle da TV, e culpávamos um ao outro.

Sinto falta dessa época, hoje quase não conversamos. Penso que deve ser assim com todo mundo. As pessoas crescem, mudam, amadurecem, param de ser tão dependentes, ganham responsabilidades e começam a viver diferente. Não gosto muito de mudanças, mas acontece com todo mundo o tempo todo.

Passei a tarde dormindo, não tinha nada pra fazer. Quando eram 19h terminei de me arrumar e saí de casa com meus pais. Me deram carona por que iam jantar em um restaurante, apesar de o shopping ser mais longe. Combinei de encontrar com todos na praça de alimentação do shopping.

A primeira que vi foi Amanda.

— Oi! — gritou de longe.

Estava na fila do Subway, com um garoto maior que ela de cabelo preto e olhos azuis. Sorri e fui até eles.

— Esse é o Lipe. E Lipe, essa é a Alice.

— Oi. Tudo bem? — o garoto parecia animado.

— Tô legal. E você?

— Também...

— Que demora! Chegamos aqui à uma hora atrás — comentou dando pessoa à frente na fila.

— Não demorei, eu marquei pras 7 horas.

— Ah é mesmo? São 7:30 agora — dizia com uma das sobrancelhas arqueada. — Mas tudo bem, onde tá seu "amigo" — ela fez as aspas com os dedos e eu tentei não rir.

Olhei em volta e procurei. Haviam muitas pessoas em toda parte, pensei em fazer uma ligação ou mandar mensagem, mas logo vi ele. Estava sentado sozinho, com as mão em cima da mesa observando algo à sua frente. Não nos viu.

— Já achei, vou até lá. Depois que pegarem os lanches sentem com a gente.

Caminhei até a mesa. Não sei porque, mas estava nervosa, com as mãos suando. Não disse nada, simplesmente cheguei e me sentei na cadeira que ficava à frente dele. Estávamos nos encarando. Era estranho, parecia que não o via há semanas, talvez meses. Silêncio por quase 1 minuto.

— Oi — finalmente falou.

— Oi — respondi.

Estava sério. Queria ver ele sorrir outra vez, mas não sabia como fazer isso. Me lembro de como o sorriso dele me deixava tranquila, mas também como me apavorou na última vez que nos vimos. Não sabia o que sentir e isso começou a me incomodar, precisava fazer ou dizer alguma coisa, talvez nem devia estar ali.

— Sentiu saudade de mim? — perguntou.

Ele sorriu e automaticamente eu sorri também. Me senti erradamente bem. Como quando vemos alguém cair e não conseguimos segurar a risada, apesar de saber que não é o certo a se fazer.

Amanda e Lipe chegaram. Apresentei Lúcifer a eles, e é claro que a surpresa foi a mesma que a minha quando souberam o nome do meu amigo. Depois começamos a conversar sobre varias coisas, Amanda era quem mais falava. Por sorte ninguém perguntou como eu e Lúcifer nos conhecemos e coisas do tipo.

Depois Lipe deu a ideia de assistirmos um filme, deixamos ele escolher. Eu já sabia que apenas Lúcifer e eu veríamos o filme, Amanda e seu "amigo" passaram o tempo todo conversando e se beijando. Foi um pouco constrangedor, mas tentei fingir que estava sozinha ali. Pelas cenas que vi, o filme era de ação. Mal estava prestando atenção, queria fazer alguma coisa, quebrar o silêncio, mas não tinha assunto.

Olhando para a tela do cinema, consegui perceber que Lúcifer começou a me fitar. Depois de um tempo olhei para ele e o mesmo sorriu. E é claro que outra vez eu sorri de volta. Não consegui ficar encarando ele, rapidamente voltei observar o filme sem prestar atenção.

— Alice — sussurrou. Olhei para ele de novo — tá tudo bem entre a gente. Não tá?

— Tá sim.

"Não sei", pensei. Eu não podia apagar tudo, mas realmente não conseguia mais sentir raiva dele. Talvez esteja tudo bem, talvez as coisas comecem a voltar ao normal.

Depois que o filme acabou e saímos do cinema, Amanda e Lipe disseram que iam para uma festa e chamaram Lúcifer e eu. Não queria ir, então contei que não podia chegar tarde hoje em casa. Lúcifer disse que me levaria e vi Amanda formar um sorriso malicioso no rosto.

Amanda e Lipe foram embora para a tal festa de taxi. Lúcifer e eu fomos até o estacionamento. Andamos pouco e, quando chegamos ao lado de um carro preto, ele parou.

— É seu?

— Sim. Era do meu pai.

Havia uma coisa legal em tudo que aconteceu, acho que agora conheço Lúcifer. Claro que ainda tinha algumas duvidas sobre ele, e queria a resposta de pelo menos uma delas. Antes de entrarmos no carro, perguntei:

— Você conhece meu irmão?

— Que irmão?

— O Bryan.

— Não — respondeu rápido.

—Não mesmo? Ele me andou dizendo algumas coisas estranhas e...

— Alice, você pergunta demais — disse me encarando.

Olhei para baixo e fiquei em silêncio. Não queria ficar irritada mas me incomodei com aquilo. Ainda não estamos no carro, Lúcifer olha pra mim. Já tinha percebido desde o dia que nos conhecemos que ele não gostava de perguntas. Mas então, ele simplesmente me abraçou, e eu me senti ótima como na primeira vez que isso aconteceu.

— Você é insistente e curiosa... Mas eu gosto de você — sussurrou ainda me abraçando.

Quando me soltou, ele sorriu. E eu ri. Ainda estávamos bem próximos um do outro. Eu ia dizer "você é estranho e maluco, mas eu gosto de você" mas não deu tempo, porque de repente, Lúcifer me beijou.

E por um momento eu me esqueci completamente de tudo que já aconteceu de ruim.