Filhas do condado – diário de um espartilho escrita por LivOliver


Capítulo 1
Berkshire




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Inglaterra, 1866.

“Shakespeare certa vez escreveu que a vida não passa de um sonho e é assim que eu gostaria de viver a minha, de um sonho para outro e eu odeio cada toque de realidade com o qual ela me atinge, pois não posso fazer nada a respeito”

“Estou sentindo os olhos de minha mãe sobre mim enquanto escrevo, e sei que ela não aprova, mais não acho que ela teria coragem de falar alguma coisa com meu pai por perto, eu sou a sortuda, a sorte não é minha amiga mais infiel, mas nem por isso menos traiçoeira”.

“A viagem da America até Inglaterra é longa e entediante, a carruagem balança de forma que minha letra sai torta e borrada e às vezes me causa dores de cabeça...”

–Rosemarie- minha mãe Janine disse suavemente, inclinado um pouco a cabeça - talvez devesse parar um pouco. - minha mãe não aprovava mais o habito da escrita nem da leitura desde que se tinha provado de que não era somente um passatempo feminino, mas uma ambição coisa que as mulheres não deveriam ter, pelo menos não nesse quesito, minha mãe certa vez me disse que escritoras eram mal vistas pela sociedade.

Eu deveria ter perguntado o porquê, ou simplesmente encerrado o assunto ao invés disso eu disse “não me importo”, talvez tenha sido ali que minha mãe tenha começado a mudar comigo.

–Converse um pouco com seus irmãos- eu arqueei as sobrancelhas, meu irmão Mason, o mais velho, tinha os cabelos ruivos de minha mãe ele não falava muito desde que havia voltado da guerra, ele não era mais o mesmo, Eduard, ou Eddie como eu o chamava quando criança dormia igual a uma, e havia Sidney que se casou antes de nos mudarmos, me abandonando, eu não a culpo, qualquer forma de se sair de onde estávamos era melhor do que ficar lá.

–Deixe-a em paz – meu pai disse simplesmente.

Talvez eu nunca compreendesse o que ele vira em mim a ponto de comprar brigas com minha mãe só para ela parar de me atormentar, ou o motivo pelo qual ele sempre me defendera, talvez fosse por eu ser parecida com ele, e lembre o mesmo em sua forma jovem, mais isto não justifica e na verdade só piora, ele é homem, em sua juventude ele podia beber, fugir de casa, andar sozinho quando quisesse e desvirtuar meninas ingênuas e tolas nas quais todos acreditavam que eu era.

Minha mãe se calou e virou-se para janela, observei meu pai e éramos mesmo parecidos, a pele de oliva, olhos amendoados escuros, cilhos longos como de uma boneca e cabelos também escuros quase negros se vistos sobre a luz certa, porém os seus eram lisos enquanto os meus bem longos com cachos grossos e pesados, acho que a única coisa da qual herdei de minha mãe.

–Já estamos chegando?- perguntei talvez um pouco impaciente, ou talvez mais do que um pouco, teoricamente eu não deveria falar com meus pais sem o consentimento, porém meu pai não ligava para aquilo e sinceramente eu também não.

–Estamos quase lá-

Há alguns meses meu pai havia recebido uma carta dizendo que havia herdado uma antiga propriedade na Inglaterra, no condado de Berkshire minha mãe sugeriu que vendesse mais meu pai optou por mudar e disse que seria bom para os negócios e para a família e minha mãe disse que já estava na hora de me arrumar um marido, meu pai disse que eu era muito nova, ela discordou, eles discutiram, ela apanhou, não apanhou muito nem gravemente, foi a primeira vez que vi meu pai levantar a mão pra ela, e a maior parte foi pelo susto ele já havia batido em Eddie, Mason e até mesmo Sidney quando era pequena e eu havia a convencido a roubar um doce, mas nunca a mim, já gritou comigo algumas vezes em que cheguei ao extremo mas nunca além disso.

–Dizem que os britânicos são esnobes e arrogantes- eu disse quando o silencio se tornou irritantemente agonizante.

–Agora já entendi por que viemos- disse Eddie ao meu lado, não havia reparado de que ele tinha acordado - papai queria um lugar onde você se identificasse- eu revirei os olhos, sorrindo de lado junto com ele.

– Então por que não voltamos para casa para você voltar a se identificar com os sulistas irritantes, sem vida própria condenados a ficar eternamente ocupados com a vida dos outros assim não precisa se preocupar o quão entediante a sua está.-

–Achei que não tivesse vida própria-

–Talvez você tenha, mas deve estar tão ruim que ao menos se dá conta disso-

–Rose, olhe como fala com seu irmão- minha mãe disse advertiu.

–Mas foi ele quem começou-

–Não me interessa, eu-.

–Parem todos vocês, Rose por que não volta a escrever?- meu pai perguntou.

Como eu disse, eu sou a sortuda.

“Tudo ao redor é verde e tem aparência de inverno, mas cheiro de outono, o clima é mais frio do que estou habituada e não me importo, a vista é linda.”

______________________

A carruagem parou e meus pais foram os primeiros a sair, Mason foi logo em seguida, ele não se esqueceu do nosso costume, sempre que íamos a qualquer lugar juntos, era Mason que me ajudava a descer segurando minhas mão para que eu não caísse, se fosse qualquer outra pessoa eu diria que se eu caísse diria que era bem feito a mim mesma por não prestar atenção, mas era Mason sempre ajudávamos um ao outro.

Eu teria parado para apreciar melhor o seu ato se não fosse à surpresa, aparentemente a “pequena” propriedade era um “pouco” maior do que havia imaginado, assim que começaram a apanhar nossas coisas olhei ao redor, a casa era grande e em tons pasteis havia até mesmo um balanço do lado de fora e a grama deveria ter sido cortada recentemente.

Eu teria apreciado mais a vista se não estivesse tão cansada, a esta altura tudo o que desejava era dormir, teria muito tempo para ver, agora preciso fechar os olhos.

___________________________

–Senhorita Mazur- essa era a voz que ecoava nos meus pesadelos, a voz que me acordou todos os dias da semana – Senhorita Mazur.

–Rose- eu disse para a minha mais nova governanta, Kirova era a mulher que tomava conta da casa, de alguns empregados mais principalmente de mim.

–Senhorita Rose-

–O que foi?-

–Não se diz “o que foi” ao acordar deve perguntar “quem deseja”, uma dama-

–Eu não sou uma dama- eu a interrompi, ela arregalou os olhos como sempre faz quando eu digo algo incomum ou que boas moças não deveriam dizer, basicamente sempre que abria a boca, às vezes menos que isso.

–A senhorita Rose é uma dama sim, ela só tem certas dificuldades de expressar isso, agora de pé- ela pediu, na verdade ordenou, estava cansada demais para discutir por isso fiz o que ela disse e logo duas empregadas retiraram minha camisola, me deixando desconfortável por estar tão exposta, nunca iria me acostumar com isso.

A parte difícil era me arrumar, quando estava na América eu fazia quase tudo por conta própria, mesmo que não fosse permitido, aqui não tinha como ser diferente, antes que pudesse se quer pensar as amas estavam fazendo tudo por mim, sem que fosse preciso que eu se quer me movesse.

Me vestiam, literalmente colocavam e ás vezes escolhiam meus vestidos, me davam banho, penteavam meus cabelos, me perfumavam, um fato sobre os europeus é que eles passam muito perfume, de verdade, realmente muito perfume.

Pode parecer estranho, mas a única parte a qual não estranha era também a mais dolorosa, o espartilho obviamente, era apertado e impossível de ser colocado ou retirado sozinha talvez seja por isso que usamos o tempo todo mesmo quando não necessário, era de fato aqueles que nos acompanhavam o tempo todo.

Se um espartilho pudesse falar imagine as coisas que ele não diria? Os segredos sujos e sórdidos das moças que os usam, meus segredos- embora poucos- estavam entre mim e meu tão odiado espartilho bordado de rosas, ou só entre eu e bem eu, aos olhos dos outros talvez não houvesse diferença, visto que quando se olha para uma moça- os homens pelo menos- tudo o que veem é um espartilho e um vestido, todas iguais submissas, sem opinião ou pensamento próprio, ou mesmo que tivessem um dos dois guardavam para si mesmas pois era isso que uma dama deveria fazer, mas como já disse, não sou uma dama.

–A senhorita Rose tem visitas hoje- disse quando já estava pronta

–Visitas? Ninguém me conhece-

– Algumas moças da cidade vieram lhe conhecer e dar as boas vindas ao condado de Berkshire- disse Kirova fechando o ultimo botão de meu vestido, um segredo sobre mim e que as pessoas jamais confirmariam é que eu os adoro, vestidos de renda, azuis, verdes, de todas as cores possíveis sou apaixonada por eles até mesmo alguns sapatos embora incomodem.

–Por que elas fariam isso? Duvido que estejam felizes de fato por eu estar aqui, Mason e Eddie talvez, do pouco que me disseram as “filhas do condado” estão loucas a procura de um marido, mas pelo visto possuem muitas concorrentes-

–Quem lhe disse isso? Quero dizer, as moças do condado são bem gentis e farão de tudo para que se sinta bem vinda- Disse Kirova da forma mais educada possível tentando sair daquela situação, eu prendi o riso.

–Posso imaginar- disse a ela, me virei pro espelho uma ultima vez antes de sair pela porta, arrumei alguns cachos e estava pronta, mas Kirova me parou por um momento.

–O sarcasmo não é educado senhorita Rose, seja educada e agradável por favor, não irá querer ficar uma imagem errada, é muito difícil para as moças vistas como...- ela pareceu buscar uma palavra- de má formação, arrumarem algum marido.

–É mesmo? Que interessante, ouvi dizer que educada ou não é difícil arrumar marido por aqui e ponto, Berkshire é bastante conhecido pela vasta quantidade de moças solteiras, no entanto quase não possui homens de boa família disponíveis para o casamento- disse lembrando- me da conversa que tive com minha ama favorita até o momento, Alberta.

–Só tente causar uma boa impressão, e por favor não as chame de filhas do condado, pelo menos não na frente delas- ela parecia só faltar implorar, era realmente engraçado.

–Está bem – ela respirou aliviada, mas não perderia a chance- O que acha de “Futuras mulheres troféu?”-

–Oh- ela exclamou enquanto colocava a mão na testa- Rosemarie, Digo senhorita Mazur.

–Me chame de Rose Kirova, Rose-

–Senhorita Rose- era uma causa perdida, mas eu não me daria por vencida- Vamos?

–Claro- eu consenti, e descemos as escadas, já podia ouvir suas vozes, preparem-se moças o espartilho estava chegando, seria um longo dia.


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Notas finais do capítulo

O que acharam devo continuar?