Lendas que o Povo Conta escrita por Just a Writer


Capítulo 5
O Anjo e A Cega


Notas iniciais do capítulo

Hey, desculpem a demora. Esse capítulo foi realmente complicado de escrever, e ficou um pouco diferente do estilo dos anteriores... mas sinceramente, acho que é o melhor até agora (e o maior também), e esta forma de escrita, é a real forma das Lendas que o Povo Conta. Espero que gostem!
PS: Se passa mais ou menos no período da Revolução Industrial, mas não especifiquei país nem nada.



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Essa é uma lenda que ecoa pelos ouvidos do povo.

Há muito tempo, numa cidade cinza, existiu uma menina peculiar. Em meio de uma era onde tudo o que importava era gerar lucros e construir fábricas e mais fábricas aos custos dos operários, ela tinha uma alma pura, completamente branca.

Talvez isso se devesse ao fato de ter nascido cega. Os belíssimos olhos safiras, que nada podiam ver, a protegiam da sujeira do mundo.

Foi criada por uma família que, embora fosse incrivelmente rica, a amava muito. Infelizmente, amor em excesso também pode prejudicar. Neste caso, devido a sua “condição”, a menina vivia como um pássaro preso numa gaiola – ou num quarto, melhor dizendo. Por mais que desejasse, nunca poderia voar.

Em seus tristes e solitários dias, a única companhia que tinha era seus livros. Desde que, na infância, despertara interesse pela leitura, seus pais providenciaram todos os exemplares que poderiam encontrar, dos mais variados gêneros. Sempre esperava com ansiedade a hora do dia em que algum empregado viria-lhe ler uma história.

O motivo de apreciar tanto os ditos livros, era porque levavam-a até os mais fantásticos e inimagináveis locais. Embora não pudesse vê-los, sua imaginação se encarregava de, pela primeira vez na vida, deixá-la voar. A sensação de liberdade era encantadora.

E então o momento acabava, e a pobre menina via-se na escura realidade, suas asas que nunca existiram realmente, sendo brutalmente arrancadas de si.

Todavia, quanto mais o tempo passava, mais a ansiedade e o desejo cresciam. Desejava sentir tudo o que suas pessoas de tinta sentiam, fazer tudo o que faziam. Desejava sentir o vento e o sol no rosto, desejava correr por uma campina florida. Desejava sorrir, amar, chorar, cair, se levantar, e começar tudo novamente. Desejava tornar o mundo melhor.

Oh, pobre menina... só desejava viver.

Mesmo assim, seus pais eram alheios ao seu sofrimento. Sempre que falava sobre isso, a resposta era a mesma: “Você pode se machucar, querida. Não prefere um livro novo? Posso comprar-lhe um, se quiser!”

E assim, os anos iam passando, e o pássaro continuava engaiolado. Seu único conforto, eram seus livros, e sua imaginação.

Porém um dia, seu único modo de voar fora definitivamente tirado de si. As indústrias de sua família faliram, e todos os empregados foram despedidos. E enquanto seus pais lutavam para recuperarem a fortuna, não havia ninguém que pudesse contar-lhe uma história.

Os dias da menina cega nunca pareceram tão escuros quanto naquele período.

Mas então, um dia uma “luz” chegou em sua vida. Um anjo, mais precisamente seu anjo da guarda. É concedido a todos os humanos, no momento de seu nascimento, um anjo como proteção. Não para fraturas e dores externas, como alguns poderiam pensar. Mas sim, para o coração. O anjo da guarda seria aquele que, mesmo que das sombras, traria conforto e esperança para sua alma. Ajudaria-lhe a encontrar um caminho em meio a escuridão.

Normalmente, eles jamais poderiam interagir com seus protegidos diretamente. Mesmo assim, o anjo concedido à menina compadeceu-se de sua situação, e pediu que à seu Deus que abrisse uma exceção.

Assim, um dia, uma voz soou no quarto sempre silencioso. O anjo, assumindo uma forma masculina, apresentou-se como um empregado que sua família conseguira contratar, apenas para contar-lhe histórias. A menina cega, com sua alma inocente, alegrou-se de imediato.

Ela nunca poderia imaginar que o tal empregado, nunca poderia ser visto, mesmo se seus olhos pudessem enxergar.

Por muitas noites, o anjo contou-lhe maravilhosas histórias, as quais tinha certeza de que não encontrava-se em nenhum de seus livros. Numa destas vezes, ela lhe confidenciou seu desejo de viver.

O anjo, mesmo já sabendo de seus sentimentos, não pôde evitar de sentir-se mal, por poder voar tão livremente, enquanto aquela pobre alma mantinha-se presa ao chão. Por isso, resolveu mais uma vez pedir permissão ao Criador para realizar alguns pequenos desejos.

Na décima noite, o “empregado” pediu à menina que fechasse os olhos safira. Então, ela sentiu mãos quentes sobre seus olhos. Mesmo que não fossem reais de fato, ela sentiu. A voz do anjo começou a narrar um conto sobre um viajante, que atravessou desertos e montanhas.

E quando falou-lhe sobre uma campina, ela pôde sentir a brisa, com o cheiro das flores da primavera, já tão raras. E quando falou-lhe sobre um lago, ela pôde sentir a água fria e pura. E quando falou-lhe sobre uma floresta, ela pôde ouvir o canto dos pássaros.

Na décima quinta noite, o “empregado” foi além. Falou-lhe sobre as desventuras de uma menina entrando na fase adulta. E quando falou-lhe sobre uma amizade, ela sentiu o carinho. E quando falou-lhe sobre uma paixão, ela sentiu o amor. E quando falou-lhe sobre uma decepção, ela pôde sentir a angústia.

Na vigésima noite, o anjo ensinou-lhe a voar. Pediu-lhe que segurasse sua mão, e então, a menina cega sentiu-se planar alguns centímetros. Logo, podia voar por todo o quarto. Ela nunca sorriu tanto quanto naquele dia.

Entretanto, aqueles pequenos momentos, ao mesmo tempo em que alegravam-a, também intrigavam-a. Por mais inocente que fosse, tinha perfeita noção de que tudo o que “vivia” era algo impossível. E justamente por isso, tudo o que construíram viria a ruir.

Na trigésima noite, a menina cega fez um pedido peculiar. Queria tocar o rosto de seu empregado. Claro, já que o anjo não tinha realmente uma forma sólida, aquilo não seria possível. Mesmo assim, não poderia negar nada a sua protegida. Suas mãos tatearam, procurando seu rosto, mas não encontraram nada sólido. Apenas algo que parecia ser calor, que já conhecia tão bem.

Naquele momento, a menina afirmou, com melancolia: “Você não é real, não é?” O anjo não soube o que responder. Ela pediu-lhe então, que dissesse quem, ou que era realmente.

E assim, o anjo contou-lhe uma história diferente. Sua história. Reza a lenda que, ao término da narração, ele disse-lhe:

“E agora que fui descoberto, já não poderei ficar ao seu lado. Terei de voltar para o céu, já que humanos e anjos não podem, em nenhuma hipótese, misturar-se. Mas antes disso, conceder-lhe-ei a ti um último desejo.”

O anjo pousou, como muitas vezes já fizera, suas mãos nos olhos cor de safira. Mas, diferente das outras vezes, nos momentos em que retirou-as, algo aconteceu. Uma luz surgiu nos olhos antes incapazes de ver.

E então, a menina cega pôde ver. No mesmo momento, sua primeira emoção verdadeira surgiu: uma mistura de alegria e tristeza. Riso e lágrimas se misturavam.

“Obrigada, meu anjo, muito obrigada. No entanto, temo que mesmo podendo ver por mim mesma, não conseguiria viver sem você. Você é meu amigo, meu primeiro e único amigo de verdade.”

“Oh, minha querida, sempre estarei com você. Você também é minha amiga, nunca se esqueça disso. Sempre que olhar para estes papéis, lembre-se de mim. Sempre que viver algo novo, lembre-se de mim. Sempre que estiver a um passo de levantar voo, lembre-se de mim. Até logo. Um dia, nos veremos de novo, no Paraíso.”

Por um momento, a menina pensou ter visto uma forma humana, sorrindo para ela.

E assim, a menina não mais cega viveu. Riu, chorou e sentiu. Chegou mesmo até a escrever um livro "de fantasia", contando sua história. Mas nunca esqueceu-se daquele que trouxe luz à sua vida escura. Daquele que ensinou-a a voar.

E suas asas continuaram fortes, bem como sua amizade, por muito tempo. Até mesmo após a morte, na verdade.


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram? Comentem se puderem, queria muito a opinião de vocês!



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