Clockwork Souls escrita por helden


Capítulo 2
Capítulo 2




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Era dia novamente. Erik acordou de seu sono turbulento graças às leves batidas de Angelica na porta.

– Capitão Tunke, o café está servido. – disse a mulher do outro lado.

– Já estou descendo. Obrigado pelo aviso. – respondeu Erik, quase gritando.

Erik olhou para a janela. Era um belo dia, apesar da quantidade de nuvens que cobriam o sol. Viu o relógio que insistia em dar pequenos clics no criado mudo e percebeu que já passara das 9am. Sentiu cheiro de ovos mexidos e bacon e seu estômago roncou.

***

Já acomodado em sua mesa, viu que seu olfato não o enganara por completo: o café da manhã era composto por ovos fritos, escalopes de andorinha e duas rodelas de tomate. Erik não percebera o tamanho de sua fome até dar uma garfada nos ovos.

Após algum tempo afundado na refeição, percebeu que alguém o espiava. Erik disfarçou, mas antes de olhar completamente para o indivíduo, sua mão já havia descido para seu pequeno canivete mecânico. Com um suspiro, percebera que era Nico, o garoto com um braço movido por engrenagens que Archie o apresentara na noite anterior.

– Chegue mais perto. Quer um pouco de andorinha? – perguntou, usando os talheres para apontar na direção de Nico, fazendo sinal para o garoto se aproximar.

A princípio, ele não se moveu. Erik já ia repetir a pergunta quando Nico pareceu se mexer. Para a sua surpresa, ao ver o menino se aproximar, percebeu um pequeno vulto que parecia piar. Antes que pudesse ver com certeza, o vulto se acomodou atrás do miserável chapéu de Nico. Quando se sentou na cadeira ao lado, Erik perguntou:

– Cara, acho que tem algo na sua cabeça. – chegou mais perto para tentar afastar o que fosse do chapéu de Nico e ficou surpreso ao ver que ele recuara.

– Pare! É Baldie. É... Baldie. Meu amigo. Construí dois anos atrás, sim. Não é, Baldie? – falou isso olhando para Erik, mas quem respondeu foi o suposto animal. Ele, finalmente, saiu de trás do chapéu.

Era realmente fascinante. Tinha semelhanças com um canário, porém haviam várias diferenças significantes: suas asas, quando abertas, eram caminhos completos de engrenagens que funcionavam em equilíbrio diretamente com o resto do corpo. Seus bicos, duas pontas afiadas, faziam sons quando entravam em contato. Era uma obra de arte. Erik pegou a si mesmo com um sorriso ingênuo no rosto.

Nico sorriu. O pássaro gritou.

***

Fazia calor quando saiu da estalagem. Erik olhava para aos lados e via todos habitantes presos em suas rotinas normais: ferreiros batiam metais que exalavam cheiro quente de óleo, guerreiros faziam espetáculos ao ar livre, nobres damas corriam de um lado para o outro carregando tecidos caros e ornamentados com cobre e aço, crianças levantavam pipas feitas de bronze com cabos de latão. Erik, apesar de esconder esse sentimento, sentia saudades de todo esse ambiente. Lembrava seus tempos de criança, tempos em que era livre como qualquer outro garoto, como Archie, como Nico. Eram tempos graciosos... Até sua vida virar de cabeça para baixo e o recrutarem como soldado. Desde então, sua vida não fora tão graciosa assim.

Pensava em reis e envenenamentos, quando viu algo que chamara sua atenção. Tratava-se de uma pequena loja, aparentemente uma floricultura, cujo letreiro era ornamentado com luzes amarelas e pétalas de flores diversas. Pendiam ramos pendurados das letras grossas que juntas formavam “Floricultura da Dona Boris”. Erik, que antes andava sem rumo, decidiu entrar no estabelecimento.

Ao abrir a porta, seu olfato foi infectado por uma explosão de sensações. Sensações essas vinham de rosas, magnólias, cravos, jasmins, lavandas e outras flores que ele nem sequer conhecia. Com espanto, viu até caules de lata que rodavam suas pétalas com ajuda de pequenas engrenagens.

– Olá, querido! Deseja conhecer sentimentos em formas botânicas e sentir o verdadeiro cheiro do amor? Se sim, veio no lugar certo. – De trás do pequeno balcão que era quase completamente oculto pela quantidade de samambaias nas laterais, surgiu um rosto idoso e simpático que olhava para Erik com expectativa indiferente. – Meu nome, se me permite dizer, Capitão, é Boris. Boris Ebner. E se também me permite dizer, soube que era Capitão assim que entrou na loja. Meus bebês me disseram, sim. Chame-me de Dona Boris; todos assim fazem.

– Prazer em conhecê-la, Dona Boris. Seu estabelecimento é realmente encantador. – Erik ainda pensava com quais bebês Boris falava.

–Posso ajudá-lo, Capitão? Capitão...

– Tunke. Capitão Erik Tunke. Obrigado, senhora. Mas a visita é rápida. Apenas visitas pelo trabalho, sabe.

– Na verdade, não sei. Mas gostaria. O rei está morto, não? Acha que posso ser a culpada? – Boris ainda o olhava com expectativa e um sorrido congelado, mas seus olhos não se moviam atrás de seus óculos. Eram verdes, da cor das samambaias. Erik sentiu um arrepio, apesar do calor que fazia.

– Muito cedo para dizer, Dona. Trabalhamos sobre pressão e um de nossos afazeres é guardar segredos. E nesse, posso lhe garantir, eu sou bom. Agora, gostaria que respondesse algumas perguntas. Você mora sozinha? Possui filhos ou marido?

Ao citar a palavra “marido”, Erik viu. Dona Boris, antes com seu sorrido inabalável, agora encarava o soldado com uma expressão quase fúnebre.

– Não. Não tenho filhos, e meu único marido morreu faz alguns anos. Doença, entende. Que os deuses o mantenham fresco em nossas mentes. Satisfeito, Capitão? Tenho mais coisas a fazer, se me permite. Meus bebês me chamam.

Erik desistiu aquela vez. Não retiraria nenhuma informação importante da senhora de sorriso arrogante. Mas ele também não retiraria a velha da lista de checagens posteriores. Isso, não. Erik Tunke logo percebeu que essa lista teria mais nomes do que gostaria.

***

Erik vagou por horas. Na maioria do tempo, pensou em falhas na sociedade. Ponderou em como o rei poderia ser uma engrenagem essencial para o funcionamento de toda a máquina, em como todos giravam a sua volta. Também pensou que, se fosse analisar este exemplo, ele seria uma das engrenagens descartáveis, apesar de sua alta posição como capitão. Se alguém é capaz de tentar sabotar – ou envenenar – a maior engrenagem, o que resta para as descartáveis?

***

Já eram sete horas da noite e o céu começava a mostrar os primeiros sinais de estrelas. Erik, ao passar por uma taberna, escutou gritos e batidas. Não pensou duas vezes. Sacou os seus dois punhais e deu um chute na porta. Quando aberta, Erik viu algo que não esperava.

Por todos os lados, homens e mulheres cantavam uma música que era abafada pelos instrumentos tocados por músicos em uma bancada. Nos cantos superiores do estabelecimento havia uma área que se tinha acesso pelas escadas. Lá de cima, pessoas balançavam seus canecos com uma bebida vermelha que, quando as gotas pingavam sobre andar inferior, eram semelhantes à uma chuva de quartzos lançadas pelos deuses.

No meio da pista, a sua frente, uma loira alta tomava a frente da dança. Ela trabalha aqui, pensou Erik. A mulher usava uma máscara ornamentada por rubis e esmeraldas, e penas pendiam das laterais. No peito, usava apenas uma atadura de seda que cobriam seus seios. Essa mesma atadura era presa por aros de aço que faziam toda a volta pela sua barriga. Da cintura para baixo, os aros davam lugar a uma armação de prata que prendiam diversos tecidos afastados do corpo. Suas pernas, por baixo das sedas, eram pintadas com uma tinta vermelha que, a princípio, Erik achou que fosse sangue. A mulher sorria, e borboletas mecânicas voavam a sua volta enquanto fazia movimentos leves e suaves, seguindo a melodia.

Uma moça passou por Erik e deixou em sua mão um caneco da mesma bebida vermelha que todos ali tomavam. Erik não se importou. Levou o caneco à boca e sentiu gosto de morangos, amoras e prazer.

A dançarina de cabelos claros que dançava na pista parou em uma posição final quando a melodia acabou. O sorriso estampado em seu rosto era sincero e puro. Ela era feliz e fazia todos a sua volta felizes também. Ele podia sentir isso.

Não demorou muito para que outra mulher bela e negra (também mascarada) o puxasse da porta e o levasse para pequenas tendas que ficavam nas laterais da taberna. Por de trás do ombro, Erik viu que todos gritavam em uníssono para a dançarina da pista e ela, com um sorriso, acenava em resposta:

– Adeline, Adeline, Adeline!

Ele e a mascarada chegaram à tenda, e ele simplesmente deixou acontecer. A mulher encostou as sedas que cobriam o local, com uma graça dos deuses.

Fizeram amor ao som de harpas e zunidos de borboletas mecânicas.


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