Contos da Montanha Shiroyama escrita por Makimoto


Capítulo 1
Prólogo — “Yōkais?”


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que o prólogo ficou um pouquinho maior do que um prólogo devia ser, mas... foi preciso. E antes da leitura, deixarei aqui um pequeno glossário de palavras japonesas utilizadas no capítulo (preferi deixar aqui mesmo no início):

Kanji :: Caracteres da língua japonesa usados para escrever em japonês;
Kosode :: Parte superior da vestimenta da época (para homens e mulheres);
Hakama :: Peça de roupa equivalente à calça;
Genkan :: Área externa da casa onde se deixam os calçados antes de entrar;
Washitsu :: Cômodo construído/decorado no estilo japonês;
Zabuton :: Almofadas onde as pessoas sentam ao redor da mesa baixa;
Fusuma :: Portas de correr;
Tatame :: Esteira de palha de arroz entrançada que serve de tapete nas casas japonesas;
Yukata :: Quimono de algodão ou linho usados no verão ou em festivais típicos;
Furoshiki :: Embrulho de pano;Jizaikagi: chaleira ajustável (normalmente presa ao teto);
Bento :: Tipo de marmita japonesa;
Dango :: Bolinho japonês feito de mochiko (farinha de arroz);
Irori :: Fosso revestido, em forma de quadrado, no chão onde as pessoas normalmente colocavam lenha para cozinhar;
Yōkai :: Como comumente se chama as criaturas sobrenaturais do folclore japonês;

[Bônus :: Shiroyama, no texto, vem da aglutinação das palavras "shiro" (branco) e "yama" (montanha);]

Eu tentei não usar tantos termos em japonês, mas algumas palavras tem significados um pouco complexos para traduzir, mas espero que o pequeno glossário ajude.

Boa leitura! ♡



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14 de junho, terça-feira;

O sol irradiava intensamente no céu quando eu cheguei ao meu destino. Estava suada, um pouco cansada da caminhada, e as malas — compostas por duas bolsas grandes e uma urna de madeira que eu carregava nas costas —, outrora tão fáceis de carregar, pareciam mais pesadas conforme me embrenhava pela trilha velha. Podia ver os raios do astro-rei, que invadiam o interior da floresta através das interseções nuas entre os galhos, e senti-los sobre meu chapéu. O som do coral estridente de alguns pássaros silvestres me acompanhava desde a base inferior da montanha. Cheio de terra invadia as minhas narinas, deixando-me inebriada e tranquila, enquanto despia-me pouco a pouco das nódoas da cidade grande.

A província de Nagano — em Chubu, na ilha Honshu — era famosa por suas inúmeras e formosas montanhas, porém a que abrigava aquele vilarejo em seu sopé era uma das mais discretas. Mostrava-se verdejante em sua maior parte e repleta de árvores cheias que com facilidade ocultavam a fauna e a flora entre seus ramos. Diversas camadas de nuvens se acumulavam acima dela. Ouvi dizer pelo caminho que tinha sido usada como esconderijo por um grupo de Samurai durante a era Edo, em uma batalha entre dois poderosos Daimyō da região, e confabulei sobre tal informação durante todo o trajeto.

Quando finalmente avistei as primeiras casas, senti-me aliviada por não ter errado o caminho descrito no mapa que encontrei nos pertences da minha mãe. As antigas construções de madeira, esculpidas dentro do estilo tradicional japonês e constituídas de telhados triangulares de palha e junco, estavam dispostas assimetricamente e se estendiam ao longo da estrada de terra que seguia em direção ao cume. O vilarejo era composto de uma rua principal, onde havia uma grande plantação de legumes ao lado de um carvalho exuberante, e algumas outras menores e adjacentes. A montanha era seu plano de fundo. Mesmo com a luz forte ofuscando meus olhos e me obrigando a cobri-los com uma das mãos, eu era capaz de enxergar as placas penduradas na fachada das residências. Alguns Kanji estavam ligeiramente apagados — reforçando o aspecto envelhecido da vila — e tanto a tinta quanto a madeira que as compunha se mostravam desgastadas.

Enquanto seguia para dentro do lugarejo singular, sentia-me castigada pelo forte sol de verão a cada passo que eu dava. Poucos segundos depois avistei uma silhueta humanoide à contraluz vir caminhando em minha direção. Quando a figura se aproximou o suficiente para que eu percebesse que se tratava de uma senhora idosa, vestindo um Kosode salmão que combinava perfeitamente com seu Hakama acinzentado, ela meneou a cabeça e me ofereceu um sorriso simpático.

— Você deve ser a Makoto-chan. — Ela ergueu os olhos e fitou minhas vestimentas por um instante. — Não é muito difícil reconhecer forasteiros.

Diferente dela, que parecia ter saído de uma pintura tradicional, com seus longos cabelos grisalhos cingidos em uma comprida trança, eu estava vestida ao estilo ocidental em minha camisa de algodão branca e calças pardas. Meus sapatos também não se destacavam tanto assim da terra marrom abaixo de nós.

— Yamada-san?

Ela sacudiu a cabeça positivamente.

— Você é bem mais jovem do que eu esperava. — Sua voz era esganiçada, mas bondosa. — Lembro de ter comentado em sua carta que estava no último ano de Medicina. É muito bom ver pessoas jovens se interessando por um trabalho tão bonito quanto esse.

— Médicos são sempre necessários — devolvi com sutileza.

— Você é esperta, mocinha, é bom saber disso.

Seu semblante transmutou-se em uma faceta desgostosa.

— Li na carta sobre o que aconteceu com a sua mãe. — Ofereceu-me um olhar terno e curvou a cabeça em sinal de respeito. — Eu sinto muito.

— Você é muito gentil — repliquei com sinceridade.

— Miwa-san era uma boa pessoa. Um pouco atrapalhada, sim, mas uma mulher extremamente doce e amável. Embora já faça muito tempo desde que a vi pela última vez, partindo com nada mais que uma muda de roupas e uma barriga consideravelmente notável, é como se tudo tivesse acontecido ontem. Ela tinha um sorriso encantador.

— Sim. — Espremi os lábios, entre um suspiro, em profunda nostalgia. — Sim, ela tinha mesmo.

Eu não soube o que responder, e a outra, se dando conta da minha falta de tato para demonstrá-lo corretamente, tratou de prontamente mudar o rumo da conversa:

— Eu poderia ficar aqui enchendo-a de perguntas sobre a viagem, como manda a etiqueta, mas acho melhor levá-la até a casa antes que nós torremos debaixo desse sol.

Fiquei surpresa, a princípio, com a atitude descontraída de Yamada-san. Sempre tinha ouvido falar que os aldeões das vilas mais afastadas, e, portanto, menos ligadas aos avanços da sociedade moderna, costumavam ser enfadonhamente tradicionais em seu modo de agir. Aquela mulher tinha um ar divertido, jovial, e isso era claro especialmente no modo como ela se expressava ao me contagiar, em segredo, com sua vivacidade.

Segui-a ao viramos na primeira esquina depois da grande árvore, prosseguindo por mais alguns metros e passando ao lado de várias casas extremamente similares, até alcançar a última. Ela parecia mais velha que as outras, e maior também, sendo possível notar vários pedaços da construção se desprendendo.

— Chegamos — disse a senhora. — É claro que ela precisa de alguns ajustes, e há muita bagunça do lado de dentro que você precisará limpar, mas ainda está firme. É uma das maiores por aqui.

— Estou muito satisfeita com ela — respondi enquanto colocava as malas no chão. — Foi aqui mesmo que a minha mãe viveu?

— Sim. Eu não achei que fosse vê-la ser ocupada novamente, mas fico feliz que seja por você.

Virei o rosto para ela e vi-a sorrir para mim com os olhos apertados.

— Obrigada — comentei com respeito.

— Espero que ela sirva aos seus propósitos. Se não me falha a memória, você disse que está aqui para fazer trabalho de campo antes de terminar a faculdade, estou certa?

Confirmei mudamente.

— Além dos arredores, onde vai encontrar muitas ervas medicinais, você pode sempre visitar o templo para checar os catálogos com todos os espécimes que tem nas proximidades. O Kannushi é quem os faz porque ele também tem uma fascinação pelas plantas. — Ela apontou uma edificação grande e vermelha em uma das extremidades da vila que deduzi ser o templo. — Não hesite em me procurar se precisar de auxílio com qualquer assunto, ou mesmo para fazer-lhe companhia.

Inclinei o tronco em uma profunda mesura de agradecimento.

— Ora, vamos, Makoto-chan, não seja tão formal!

Ela gargalhou tão espontaneamente que senti vontade de fazer o mesmo, porém senti-me impedida pela minha etiqueta rígida. Sorri, ligeiramente desconcertada, e Yamada-san despediu-se com um alegre aceno. Frisou que eu não deveria me preocupar com a comida, pois, em retribuição aos meus serviços médicos, receberia uma parte generosa do que era produzido no vilarejo, e anunciou que voltaria mais tarde para checar se eu precisava de ajuda.

Deslizei a porta de correr, tirei os sapatos, deixando-os no degrau de pedra que antecedia a entrada, e carreguei as malas para dentro da casa que me abrigaria pelas próximas semanas.

Fui assaltada de súbito por um forte cheio de mofo no primeiro compartimento. Era uma Washitsu, com uma mesa baixa no centro, cercada por Zabuton púrpuras, e uma alcova para itens decorativos na parede à direita da entrada. Parecia ter sido preparada com a intenção de ser uma sala de estar principalmente devido ao espaço livre do qual dispunha. Percebi que haviam partes descascadas ou parcialmente desgastadas, conferindo um aspecto ainda mais envelhecido e pitoresco ao local, assim com os livros amarelados que eu carregava onde quer que fosse.

Repousei meus pertences no chão com cuidado e sentei-me sobre ele por um instante. Deixei que meus olhos corressem pelo cômodo em busca de qualquer sinal obsoleto de que minha mãe já estivera ali. Ao invés disso, entretanto, só consegui encontrar teias de aranha adornando os vértices entre as paredes e grãos de poeira pairando sob os filetes de luz que atravessavam os diminutos furos nos Washi. Suspirei, tomada por uma melancolia momentânea que me fizera lembrar da última vez que a vira, sorrindo na cama do hospital como se nada estivesse acontecendo, e senti um aperto sutil no peito. Suspirei, decidida a afastar tais pensamentos da cabeça, e fiquei de pé para me dar conta do árduo trabalho que teria para organizar tudo. Antes que eu desistisse da ideia, prendi meus cabelos negros em um coque e pus-me a trabalhar.

Enquanto bisbilhotava os vários armários espalhados pela casa, encontrei vários itens que remetiam a tempos antigos, utensílios quebrados e até embrulhos de comida estragada. Consegui reunir algumas páginas rasgadas do que descobri ser um diário possivelmente escrito pela minha mãe. Descobri apetrechos — mesmo um pouco gastos — como chaleiras e xícaras, bem como cobertores empoeirados e cestas para guardar objetos em geral. Também me deparei com algumas caixas lacradas por fios resistentes, feitos de lascas de tronco seco, cujo conteúdo decidi verificar em outro momento.

Aventurei-me naquela empreitada durante as horas restantes do meu dia, incapaz de perceber o tempo passar e perdida na imensidão da enorme residência cujos segredos impregnados nas paredes pareciam saltar sobre meus olhos. Eu estava cercada pela essência do que outrora pertencera à única pessoa que eu amei em toda a minha existência. Sentia-me especialmente embevecida ao perceber o característico cheiro de jasmim do perfume dela saturado em seus pertences, ainda que parecesse impossível devido ao tempo que a casa tinha estado vazia, e se esgueirando pelo ar ao meu redor.

O sol já estava quase se pondo quando cheguei a conclusão de que o ambiente já era habitável. Embora estivesse suada e malcheirosa por causa do esforço excessivo, podia sentir que o clima ao meu redor já não era mais tão tórrido. Uma brisa fresca cruzava as portas da sala de estar e refrescava o meu corpo, de modo que fiquei feliz em deixar o trabalho pesado por alguns instantes para apreciar a mistura de laranja e rosa que tingia o céu do crepúsculo.

Estava tão distraída que demorei para perceber que estava sendo observada. Era a senhora Yamada, com o mesmo sorriso agradável de outrora, e uma garotinha, ambas paradas a poucos metros da entrada da casa. A menor, que tinha cabelos castanhos na altura do pescoço, estava usando um Yukata azul-turquesa com garças brancas desenhadas na barra.

— Como está se saindo? — Indagou Yamada-san.

— Ainda tem alguns ajustes que eu preciso fazer. — Usei as costas da mão para limpar o suor acumulado na testa. — Mas acho que já posso dormir aqui sem problema.

— Fico feliz — replicou. — Os boatos sobre sua chegada já correram o vilarejo e todos estão animados. Apesar de sermos poucos, há sempre espaço para um médico. O mais próximo fica a quase dois vilarejos de distância daqui. Alguém que possa tratar das pessoas com certeza fará muita diferença.

— Garanto que me esforçarei para fazer jus à confiança que em mim depositam. — Curvei a cabeça e executei uma reverência simples.

A garotinha, que até aquele momento se comportara com timidez e parecia ocultar alguma coisa nas costas, aproximou-se de mim junto da mulher mais velha que a acompanhava. Ligeiramente embaraçada, ela estendeu um Furoshiki, cujo tecido de algodão era predominantemente azul, arrancando de mim uma expressão de absoluta surpresa.

— Obrigada, mocinha. — Eu disse ao receber o embrulho. — Qual é o seu nome?

— Suzu. — Ela disse, com sua voz infantil e aguda.

— "Sino"? — Perguntei, referindo-me ao Kanji que compunha o nome dela.

— Sim. O meu pai escolheu esse nome porque a minha mãe gostava muito de ouvir o som dos sinos tocando no templo. — Explicou-me.

— Ela é a filha do chefe do vilarejo. — Esclareceu Yamada-san. — Eu mencionei a ele que a receberíamos por um tempo e Suzu fez questão de vir aqui te recepcionar.

Olhei para a garotinha novamente e ela sorriu inocentemente.

— E o que você tem aí, Suzu-chan? — Questionei-a com ternura. — É de comer?

— Dangō. Meu pai me ajudou a fazer.

— Eu gosto muito de Dangō. — Curvei-me em uma reverência cortês. — Obrigada.

Convidei-as para entrar, pedindo desculpas pela bagunça remanescente, e perguntei se aceitavam chá. Com a resposta positiva, fui até a cozinha — que ainda não estava montada apropriadamente — e separei algumas folhas de Camellia Sinensis do meu estoque pessoal. Usei a chaleira antiga que eu havia encontrado entre os pertences da antiga inquilina para esquentar a água e pendurá-la sobre o Irori. Ajoelhei-me no chão, antes de deixar meu chapéu logo ao lado, e me pus a moer as folhas da planta.

Meus pensamentos estavam longe enquanto eu adicionava a água quente às migalhas esverdeadas em três xícaras de cerâmica. Em Tóquio, graças à tecnologia moderna e as lojas de conveniência, era comum o consumo do pacote de Chá Verde instantâneo, cujo preparo era simples, rápido e consistia na mistura do pó pré-pronto a um pouco de água quente. O resultado era um composto homogêneo, que era a preferência da maioria, porém ralo demais se comparado à sua composição original. Minha mãe sempre me ensinara a preparar do modo manual, moendo as folhas e batendo-as na água com um Chasen, afim de tornar o gosto mais forte e preservar os nutrientes. Ela não tinha qualquer conhecimento de medicina, e eu nunca soube porque fazia as coisas dessa forma, mas tornou-se um hábito profundamente enraizado em mim.

Não muito tempo depois, juntei-me a elas e nós sentamos, Yamada-san e eu nas laterais com Suzu entre nós, na beira do Engawa. Sob a sombra do telhado estendido eu relaxei pela primeira vez naquele dia. O clima estava agradável, pois o sol já não queimava com tanta intensidade, e éramos tocadas por uma brisa refrescante que agitava também os arbustos próximos. Desfrutamos do chá em silêncio em um primeiro momento, embora eu tenha reparado — e até achado adorável — a careta de Suzu ao molhar os lábios na mistura de gosto forte pela primeira vez, apenas nos deleitando com o cheiro fresco que a bebida proporcionava.

— Você sabe porque a montanha se chama Shiroyama? — A idosa questionou-me de repente.

Embora nunca tivesse parado para propriamente refletir a respeito, parecia-me um nome simplório meramente atribuído com base nos padrões de nomenclatura japonesa. Eu sabia que era comum, desde os tempos antigos, atribuir títulos de significado literal a montanhas, vilas e rios, exaltando características evidentes de cada local. Quase sempre tinha a ver com o formato, tamanho ou detalhes exóticos que chamassem a atenção. A história sobre a montanha ter abrigado guerreiros Samurai já havia instigado a minha curiosidade, todavia a possibilidade de mais uma boa história atiçou-me ainda mais.

— Em certa época do ano, na noite mais quente, dizem que uma infinidade de luzes brancas, mais do que é possível contar, emergem da montanha e se espalham pelas áreas próximas. Um ruído ensurdecedor ecoa por todo canto sem que seja possível saber de onde ele vem. E no dia seguinte, como se nada tivesse acontecido, tudo volta ao normal.

Permaneci em silêncio, tentando dar forma àquele acontecimento em minha mente, e Suzu voltou-se para mim dizendo:

— São os Yōkai. Eles passeiam pela rua e gritam muito alto.

Yōkai? — Perguntei de novo.

— Sim. — Sua expressão assumiu um ar que mesclava timidez e determinação. — Papai não gosta que eu fale sobre isso, mas acho que os vi uma vez caminhando pela rua principal. Eram Yōkai, eu tenho certeza. De vários tamanhos e formas.

Eu direcionei os meus olhos para a senhora Yamada, esperando por uma repreensão maquinal ou uma discordância evidente, mas ela apenas sorriu para mim.

— E como esses Yōkai eram? — Dei continuidade à conversa.

— Alguns eram muito feios. — Suzu continuou, erguendo os braços em gestos entusiasmados, tentando me explicar com mais clareza. — Tinha um boi branco enorme, com vários olhos pelo corpo, e uma mulher muito bonita, vestida em um quimono vermelho, de cabelos negros. Ah, e tinha um gato também!

Enquanto a menina falava, meus olhos deslizaram pela paisagem vespertina do vilarejo cuja qual tentei fazer parecer confortável e natural na minha cabeça. Era ali que permaneceria nos próximos meses. Eu repetia mentalmente que a razão que me levava até ali era inteiramente a busca pelo conhecimento, o exercício prévio da profissão que em breve assumiria, e a experiência de lidar com situações reais, mas um alarme soava dentro de mim e me lembrava que ainda havia um pedaço da minha vida encoberto pela neblina da dúvida; um pedaço que eu esperava desesperadamente encontrar naquele lugar. Talvez fosse uma forma de encontrar-me com a essência da minha mãe, para mantê-la viva em meu coração, ou a sede de descobrir mais sobre mim mesma.

Nós três conversamos por mais algum tempo, comigo falando sobre a capital e as duas me contando histórias divertidas sobre o vilarejo e seus habitantes, até que o véu da noite nos cobriu. Trocamos despedidas educadas e eu só retornei ao meu lar depois de observá-las se distanciarem e desaparecerem na penumbra, e o piar de um par de corvos, cuja localização exata eu não era capaz de identificar, se fez presente.

Sentindo o peso do cansaço sobre os ombros, decidi guardar o que eu havia utilizado durante a tarde e me recolher para dormir. Arrastei-me em direção à cozinha, juntei no canto do Irori as cinzas do fogo que usei para aquecer a chaleira e guardei no armário o restante das folhas de chá. Pensava comigo que no dia seguinte finalizaria o que ainda estava pendente e começaria propriamente a prestar serviços à comunidade.

Foi quando, em um lampejo de consciência, lembrei-me do meu chapéu.
Deslizei os olhos pela cozinha em busca do objeto, mas não o encontrei apesar da certeza de tê-lo deixado ao lado do fogo quando o acendi. Procurei em todos os lugares onde havia estado naquele dia, contrariando minha própria lógica inabalável, e ainda assim não o encontrei. A certeza de que algo estranho tinha acontecido caiu sobre mim. E não importava o quanto eu me dispus a procurá-lo nas horas seguintes, nem minha insistente rememoração de dos passos dados, pois não o encontrei.


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Notas finais do capítulo

Sugestões são sempre bem-vindas! E eu agradeço de coração~ ♡