Eu vou aonde ele for escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 5
Capítulo 5 - Pendências




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Capítulo 5 – Pendências

Longos 60 segundos correram enquanto John Holmes bebia uma xícara de chá e sem que Sherlock conseguisse dizer nada. Inspirou profundamente tentando dizer algo, mas desistiu.

– Talvez queira falar só comigo... – o senhor sugeriu, mas diante do silêncio tornou a falar – Estou sentindo que você sabe a resposta, mas não consegue dizer – disse a Joan.

– Sherlock...? – Kitty o chamou – Você tá bem?

– Joan é muito modesta... – ele disse finalmente – Ela nunca contaria.

– Contaria o que, Sherlock? – John perguntou.

– No último segundo... Todas aquelas lembranças terríveis vieram a minha cabeça. Então me lembrei do dia em que me avisou sobre Joan. Pensei nos últimos anos... E... Pensei que ninguém seria mais afetado do que ela se eu não resistisse – terminou num sussurro.

Dessa vez Joan não encontrou forças para conter qualquer emoção e até o embaraço devido à presença do pai do consultor, sentiu o rosto esquentar e desviou o olhar para o chão. Kitty escondeu um meio sorriso, sempre soubera que existia alguma coisa ali e também sabia o quanto fora difícil para Sherlock falar aquilo.

John Holmes sorriu brevemente e recostou-se melhor na poltrona, levando algum tempo para tomar a palavra novamente.

– Muito bem, meu filho. É tudo que eu queria saber, acabou... Soube que você tem abelhas. Eu poderia vê-las?

Joan ainda tentava pôr os pensamentos no lugar, mas olhou para Sherlock tentando ler suas expressões. Ele instintivamente desviou o olhar dela. Aquilo a machucou, mas dados todos os recentes acontecimentos preferiu ignorar, Sherlock ainda estava péssimo. Talvez ela estivesse apenas com esperanças demais e tolas demais. O coração dele sempre estaria guardado numa muralha de proteção, sempre inalcançável.

– Ficam no telhado – ela disse ao senhor Holmes e levantou-se para seguir até o apiário.

Kitty ergueu-se do sofá e puxou Sherlock para cima, o arrastando junto com os outros dois. No telhado, o senhor Holmes observou as abelhas por bastante tempo, divertindo com a história de Euglassia Watsonia.

– Sinto muito ele estar tão mal. Se estivesse bem poderia lhe relatar uma quantidade infinita de dados sobre abelhas e o que ele vem sempre estudando sobre a espécie nova.

– Talvez... Mas não acho que seria muito diferente, ele não gosta mesmo de conversar comigo.

John Holmes checou onde Sherlock e Kitty estavam, bem afastados olhando alguma coisa ao longe na cidade. Apenas Kitty parecia falar, para um Sherlock calado, mas tranquilo. O mais velho era desconfiado, embora não tanto quanto o filho mais novo, mas podia ver nos olhos claros Kitty o quanto ela também se importava com Sherlock e suas dúvidas sobre a garota aos poucos se esvaiam. Deixando os dois de lado e aproveitando a distância, voltou-se para Joan, falando baixo.

– Você deve ser muito importante pra ele.

– Como?

– Arrisco dizer que a pessoa mais importante desde a mãe dele. Mycroft gostava de minha mulher, mas Sherlock... Daria a vida por ela sem pensar meia vez. Ele sempre foi frio, distante, desconfiado... Não sei o que aconteceu em Londres, mas seja lá o que for sei que foi isso que o fez afundar. Você não tem que me contar... – ele falou ao perceber que Joan ficara nervosa – Algo assim ele só contaria mesmo... A alguém que confia muito! Depois de tudo... Ele ficou pior, mais frio, amis afastado, mais fechado. Contato físico e mental é algo que praticamente não existe no mundo dele. O que foi que você fez com ele?

Joan não soube responder.

– Não sou um especialista em sentimento, nem sou tão sentimental, também em mantenho distante, mas eu sei o que eu vi nos olhos dele. Ele confia em você como não confiaria em mais ninguém em mil anos. Você o tocou e manteve o contato sem que ele a empurrasse. Cuidou dele sozinha por três dias sem deixa-lo ficar em estado de animação suspensa o tempo. Não sei como você conseguiu... Derrubou a barreira que ele criou em torno de si mesmo. Ele parece entender você só com o olhar. Vocês parecem tão diferentes, mas acho que é só impressão. Nunca em toda minha vida encontrei alguém que suportasse viver com ele. Você e aquela garota... Podem se considerar verdadeiras heroínas.

– Ah... Senhor Holmes...

– Ah! Me desculpe! No bom sentido da palavra, não pensei no que eu estava dizendo!

Os dois riram baixinho.

– Ele deu o seu nome pra espécie nova das abelhas... – o homem parecia chocado, feliz e confuso ao mesmo tempo – O padrinho dele tem razão. Não podia estar em melhores mãos. A melhor coisa que fiz nos últimos anos e talvez a melhor de todas as que fiz pra ele foi contratar você.

– Achei que ficaria irritado por eu continuar vivendo aqui.

– Bom, o sobrado ainda é meu, embora eu deseje que ele continue sempre sendo de Sherlock. Mas agora você tem negócios com ele e não comigo. Qualquer vínculo entre mim e você não existe mais. Você está na vida dele e eu não vou interferir nisso. Quando eu soube ao chegar aqui que alguém morava com ele, fiquei preocupado. Quando soube que era você, fiquei curioso. E agora estou seguro.

– Obrigada, senhor Holmes.

– A garota está mesmo bem?

– Agora está... Eu e Sherlock dividimos a guarda dela por um bom tempo. Tudo acabou, mas continuaremos fazendo isso se for necessário. Kitty é muito importante pra nós dois.

Joan observou os dois ao longe por algum tempo, só então reparando que Kitty parecia bem mais feliz do que costumava ser da última vez em que a vira, o cabelo havia crescido um pouco e até sua maquiagem parecia mais leve. Ela parecia contagiar Sherlock, pois ele também sorriu por algum motivo.

– Fique aqui se desejar. Sei que cuidará bem de meu filho – ele concluiu, se afastando na direção de Sherlock e Kitty, que falou alguma coisa para o detetive e seguiu para outro lugar.

– O que quer? – Ele perguntou ao pai.

– Só falar com você. Sem brigarmos. Estou impressionado, Sherlock... Nunca imaginei que um dia você fosse permitir que duas pessoas se aproximassem de você de tal maneira. Seu padrinho também parece ser bem próximo. Gostam muito de você na delegacia, apesar do seu gênio. Eu não entendo o que ela fez com você. Nunca vi você olhar pra alguém como olha pra ela. Nunca vi você lidar com alguém dessa forma. Parece que contratei a pessoa certa. Posso viajar tranquilo, sei que ela cuidará bem de você. Sua preocupação é injustificada. Eu não tenho mais nenhum contrato com a senhorita Watson, ela pertence exclusivamente a sua vida agora.

– Está perdendo seu tempo dando uma de babá de drogado.

– Não seja desagradável no pouco tempo que estou aqui! Não quero ser sua babá, menino! Sou seu pai. Eu sei o que eu vi. Eu não sei o que arrasou você anos atrás pra te afastar do mundo todo, alguém te machucou talvez, mas acho que devo lhe dizer... Que apesar de entender porque você tem medo, e no fundo todos nós temos, pode valer a pena enfrenta-lo. O que eu vi lá embaixo... Acho que estará perdendo muito se não o fizer. Agora eu devo ir... Tenho outros assuntos a resolver aqui antes de voltar a Londres amanhã. E não gostaria de me despedir de você desse jeito, Sherlock. Você pode estar infeliz e assustado, e achar que pouco me importo e estou fazendo cena, mas estou orgulhoso de você. Você pode continuar sempre bem, é só viver um dia de cada vez.

– É o que ela sempre me diz.

– Vamos nos despedir assim?

Sherlock o encarou com aquele olhar assustador outra vez. Talvez nunca fosse confiar no pai como este gostaria. Joan e Kitty olhavam os dois de longe. Joan encarava Sherlock, seu olhar pedia com todas as letras que fosse gentil, por mais que ele detestasse a ideia. E talvez isso o segurou no momento em que o pai o abraçou repentinamente como Mycroft fizera daquela vez.

– Eu amo você, Sherlock. Mesmo que jamais acredite nisso.

Apesar do consultor não retribuir o abraço, o Holmes mais velho pode percebê-lo bem menos agressivo do que esperava e logo o soltou.

– Tenha um bom dia, Sherlock. E fique bem depressa. Aquele departamento precisa de você. Entre nós... Muitos oficiais por aí parecem cães correndo atrás da calda perto de você. Talvez nos vejamos de novo num futuro não muito distante, por motivos melhores da próxima vez, eu espero.

– Mais uma promessa que vai quebrar.

– Cumpro minhas promessas, mas não todos os meus compromissos. Você não tem ideia do que é uma vida de muitos negócios. Prometo pelo menos não mandar mais nenhuma mulher atrás de você nem nada parecido. Pense no que eu disse sobre o medo antes que o tempo passe e seja tarde demais pra fazer qualquer outra coisa.

Ele se virou e seguiu para se despedir de Kitty e Joan. O grupo voltou ao andar térreo e minutos mais tarde estavam só os três consultores e Clyde novamente. Horas se passaram até que as estrelas cobriram o céu mais uma vez.

– Tem chá e comida na cozinha. Eu vou tomar banho agora. Não é melhor irmos todos dormir? Sherlock? – Ela chamou preocupada, tentando ignorar as sensações restantes do que sentira mais cedo.

– Vai descansar. Eu fico com ele. Prometo que não vamos ficar acordados até tarde.

Kitty e Sherlock estavam na sala das sete TVs de Sherlock, todas ligadas em programações diferentes como de costume, embora nenhum conteúdo parecesse muito anormal dessa vez. Joan sabia que Kitty jamais ligaria mais de uma TV, se atentou ao controle na mão de Sherlock, e sentiu-se aliviada, isso era um sinal de que ele começava a voltar ao normal.

– Tudo bem. Boa noite – ela falou antes de ir embora.

Os dois puderam ouvir os passos dela se distanciando. Kitty podia não aparentar, mas observava tanto quanto Sherlock. Os dois eram muito parecidos em muitas coisas e por isso ela podia compreende-lo tão bem e ele aceita-la tão bem. Ela soube quase que de imediato do que estava acontecendo. O modo como Sherlock olhava para a consultora chinesa dizia tudo, embora ele mesmo parecesse não ter percebido, ou não queria admitir. Kitty havia ficado fora todo aquele tempo e não havia acontecido nada. Joan tinha medo de perder seu equilíbrio, Sherlock tinha medo de cair de novo e a respeitava demais.

– Por que você tem tanto medo de amar as pessoas? Tanto medo de deixar elas se aproximarem?

– Eu já disse. Quando eu deixo as pessoas chegarem muito perto, elas acabam me decepcionando, e isso machuca muito.

Kitty refletiu por algum tempo, tornando a falar em seguida.

– Eu e Joan te machucamos alguma vez?

– Falei que pessoas machucam. Você e Joan estão acima de pessoas.

Ela sorriu, mas manteve seu olhar firme e interrogativo. Sherlock a encarou e desistiu.

– Você não, mas Joan já.

– Eu imaginei... – ela falou calmamente.

– Não a culpo. Eu também a feri muito. Watson necessita muito mais de contato humano, embora não se desmanche por isso, e eu sei que ela nunca encontrou isso aqui, e até fui arrogante... Muitas vezes. Ela se machucou procurando por isso fora daqui por mais de uma vez. Eu tentei avisá-la, mas ela achou que eu estava apenas sendo paranoico. No meu ponto de vista, parece que a busca para se unir com o outro é a fonte de grande parte da infelicidade do mundo. Por isso, me mantenho longe. Watson não, por isso muitas vezes acaba infeliz.

– E você não?

Sherlock ficou em silêncio, evitando encarar os olhos cinza de Kitty.

– O que vi aqui nesses dias... Não me diga que nada mudou porque eu não acredito. O que eu acredito é que você já viveu suficiente pra saber quem é que você pode deixar chegar perto sem medo. Vai mesmo viver dentro de uma redoma de vidro pra sempre? As pessoas lá fora conhecem o grande Sherlock Holmes. Eu conheço apenas Sherlock. E sei que ele também sente dor, também fica feliz e também se sente solitário. Você sabe quem ama você, Sherlock, eu sei que sabe. Sei que os conceitos que você tem sobre sentimentos já foram colocados em dúvida outras vezes. Lembra-se das vezes em que arriscou sua vida tentando resolver crimes e quase morreu? Você sabia do risco, sabia que podia acabar ferido, mas você foi e fez. E sempre houve alguém lá pra você.

– O que está insinuando?

– Nada. Você sabe do que estamos falando. Sua precaução pode prevenir sua dor, mas também pode ser a causa dela. Eu acho que alguns riscos valem a pena pra descobrir algumas coisas.

– Psicologia é trabalho da senhora Hudson. Conheceu alguém enquanto esteve fora?

– Não. Mas depois que consegui reorganizar minha vida consegui afastar minha cabeça de todos os problemas nos quais eu me afogava. E pude ver algumas coisas que eu ignorava antes. Ela não parecia bem durante a conversa com seu pai antes de irmos ver as abelhas. Seja qual for o assunto inacabado entre vocês, acho que deviam resolver.


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