A carta escrita por magalud


Capítulo 7
O guardião em ação




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Eles foram visitar Hagrid depois de um almoço muito constrangedor, porque estavam todos juntos na mesa dos professores, e Rony ficava olhando para Snape disfarçadamente, quando achava que ele não estava olhando. É claro que nunca dava certo, e Snape lançava seus olhares mais ferinos para o ruivo, fazendo-o avermelhar-se, olhando para sua comida.

– Harry, você tem um pai! – Hagrid abraçou o menino entusiasmadamente, e Harry sentiu suas costelas doerem – Que beleza, Harry!

Rony lembrou:

– É, mas o pai dele é o Snape.

– Bobagem! – insistiu Hagrid – O Prof. Dumbledore confia plenamente...

–... em Snape, a gente sabe – completou Rony, nada convencido – Mas não é horrível? Er, desculpe, Harry.

– Digo que é bobagem. Harry tem um pai vivo, que está aceitando Harry exatamente como ele é. Nem o deixou mudar de nome, mesmo que Harry não seja um Potter.

– Hagrid tem razão – disse Hermione – Snape também deixou Sirius ser padrinho, mesmo odiando-o.

– Ele quer que a transição seja o melhor possível, Harry. Ele é um bom pai.

– Mas eu não aceito que ele tenha virado bonzinho da noite para o dia! – insistiu Rony – Desculpe, Harry, eu sei que você provavelmente não ia querer ninguém falando isso de seu pai, mas ele não é boa bisca!

Harry estava confuso ao ouvir os amigos falarem. No fundo, ele concordava com Rony, mas Snape realmente tinha se tornado mais tratável desde que tomara conhecimento da carta, o que tornava tudo muito confuso.

Até o dia seguinte.

De manhã, Rony convidou os amigos para irem ao campo de quadribol. Harry disse:

– Eu não posso, Rony, lembra-se? Só semana que vem vou poder montar numa vassoura.

– Eu queria ver Hermione voar um pouco. Jogar um pouco.

– Eu?! – A garota se espantou – Mas eu sem sei jogar quadribol!

– Por isso mesmo – disse Rony – Você vive falando mal de quadribol sem experimentar. Venha jogar um pouco. Harry pode marcar os pontos, ou coisa assim. Er... me empresta a Firebolt? Assim Hermione pode usar minha Cleansweep.

Os três ocuparam a quadra numa estranha formação. E não tinham jogado sequer cinco minutos quando Hermione, num movimento errado, desequilibrou-se, gritou e tombou para o lado, largando a vassoura. Num impulso, Harry tirou sua varinha, apontou-a para a amiga e gritou:

– Arresto momentum!

E Hermione flutuou até o chão. A Cleansweep também veio descendo devagarzinho até pousar na areia.

Harry pulou o alambrado e correu até ela:

– Hermione, tudo bem?

Ela estava esfogueada, e tentava recuperar o fôlego quando Rony adernou na vassoura, antes de pousar:

– Hermione!

Ela se levantou:

– Eu estou bem. Só que faz muito tempo desde que eu subi numa vassoura. Obrigada, Harry. Eu poderia ter me machucado seriamente.

– Você nos deu um susto.

Rony disse, olhando atrás de Harry:

– Não só na gente, ao que parece.

Snape vinha correndo elegantemente, as vestes esvoaçando mais do que nunca. E não tinha uma cara nada boa.

– Essa foi a maior demonstração de irresponsabilidade e inconsequência que já vi!

Hermione adiantou-se:

– Não aconteceu nada, professor, eu estou –

– Não estou falando de você, Srta. Granger. Harry Potter continua pensando que está acima das leis e regras!

– Eu?! Mas o que foi que eu fiz?

– Eu avisei que tomaria qualquer atitude para garantir sua saúde, e é o que pretendo fazer. Agindo como se não estivesse se recuperando! Quadribol, de todas as ideias estúpidas que você poderia ter!

Harry se avermelhou:

– Mas eu nem cheguei perto de uma vassoura! Pode perguntar a eles!

– Seus amigos estão aqui para lhe fazer companhia. Eles têm todo o direito de voar e se espatifar, se assim desejarem, mas você recebeu ordens explícitas!

– Eu não andei de vassoura!

– Você pulou os alambrados até o chão!

– Como sabe disso?

– Eu tenho uma luneta voltada para você o tempo todo!

– Estava me espionando?

– Ainda bem que eu estava, não é mesmo? Se escorregasse, estaria reabrindo seus ferimentos ou ganhando novos! Seus ossos ainda não sararam completamente, você poderia ter se machucado seriamente, e Madame Pomfrey não está aqui para costurá-lo! Por conta disso, você está confinado no seu quarto até a hora do jantar!

– O quê? Vai me dar detenção?

– Você deveria estar escovando caldeirões para aprender a obedecer! Você sempre teve um grande desrespeito pela autoridade, mas esses dias acabaram!

Harry perdeu as estribeiras e começou a tremer de raiva:

– Só porque é meu pai, pensa que pode mandar em mim?

A voz de Snape tornou-se mais baixa – e mais perigosa:

– Eu sou seu guardião e tenho o dever de discipliná-lo!

Pois Harry só se inflamou ainda mais:

– Ah, é? E onde você esteve toda a minha vida?! Onde você esteve quando eu ficava trancado dentro de um armário durante horas sem comer? Ou quando eu fazia aniversário e ninguém se importava? Ou quando os meus tios resolviam que eu tinha que apanhar para não ser igual aos meus pais?! Onde você estava, papaizinho querido?!

Hermione abriu a boca, espantada, e Rony franziu o cenho, ambos sem reação diante da explosão de Harry, esperando Snape também explodir e a discussão chegar a proporções desastrosas. Mas Snape ficou quieto um segundo, o silêncio reverberando nos ouvidos, e Hermione viu uma expressão de dor passar por um segundo nos olhos do Mestre de Poções, antes de sua voz se tornar mecânica ao ordenar:

– Para o seu quarto. Agora.

Ao que tudo indicava, Harry tinha se dado conta do que dissera, e estava um tanto chocado também. Deu as costas e foi caminhando apressadamente, vermelho e ainda trêmulo, para fora da quadra. Snape suspirou profundamente, e tinha sua voz um tanto estranha quando se virou para os dois e disse:

– Vou tentar fazê-lo jantar.

Rony se adiantou:

– Prof. Snape, sentimos muito. A culpa foi nossa.

Pela primeira vez em sua vida, Rony viu o Mestre de Poções fechar os olhos e controlar seu temperamento. Ele disse apenas:

– Eu esperava mais da senhorita, Srta. Granger. Estou decepcionado.

E virou-se, deixando Rony e Hermione no meio da quadra com o maior sentimento de culpa que eles podiam ter experimentado.

Harry trancou-se no quarto, ainda descontrolado, até a cicatriz doía. Chutou a cama e quase machucou o pé. Ele estava com raiva, mas também sentia culpa por ter estourado daquele jeito. Ele tinha dito coisas muito injustas para Snape, e aquilo pesou na sua cabeça.

Por outro lado, ele quase esperava uma coisa assim. Aquele Snape de sempre, o nojento, o injusto, não podia ter sumido, podia? Ele estava bonzinho demais, aquele não era o padrão normal de comportamento de Snape. Ah, mas ele tinha mesmo dito que ele não estava no seu normal. Essa coisa toda estava afetando Snape mais do que Harry imaginava, e Harry começou a perceber isso também. Pior ainda: ele não estava ajudando em nada.

Harry sentiu que o Snape que ele conhecia – irritável, nojento, injusto e detestável – estava dentro desse novo Snape, esse pai que ele estava tentando conhecer. Mas havia mais em Snape do que ele estava vendo. Só que, agindo como uma criança que tem ataques de raiva, ele jamais poderia esperar conhecer todas essas faces de Snape.

Rony e Hermione tinham visto tudo – o fracasso que sua família era, e isso que ela nem tinha começado a existir direito. Ele se sentiu um pouco envergonhado por eles terem assistido à discussão, porque o relacionamento dele com Snape não era mais assim. Eles tinham conversado, em termos civilizados.

A raiva lentamente estava se dissipando e dando lugar a uma terrível culpa. Ele se lembrou de como Snape viera correndo até perceber que ele não tinha se machucado. Depois ele tinha se irritado – preocupado com Harry.

Ele tinha agido como um pai superzeloso. Exagerado, na opinião de Harry, mas ele estava lá, presente. Harry tinha passado dois dias de cama e Madame Pomfrey ainda o considerava na zona de perigo. Por isso as medidas de superproteção.

Talvez Harry estivesse estranhando porque nunca tivera tanta atenção voltada para si por alguém que não queria nada dele além de aceitação.

E Harry tinha estragado tudo.

Ele saiu do quarto, procurando por seu pai. Quando não achou, ficou frustrado, mas reconheceu: não era à toa que seu pai evitava ficar perto dele. Ninguém gosta de ser maltratado.

A tarde começou a morrer quando ele se lembrou do laboratório. A porta estava fechada e ele bateu antes de entrar.

Snape mexia um caldeirão borbulhante.

– Posso entrar?

Harry recebeu um olhar e Snape lhe deu as costas. Mas em seguida passou-lhe um frasco escuro e disse:

– Você saiu do almoço sem tomar sua Poção Fortalecedora.

– Obrigado – disse o rapaz, tomando o frasco todo – Quanto tempo mais vou ter que tomar isso?

– Mais uma semana. Madame Pomfrey me escreve todos os dias perguntando sobre sua saúde.

Harry ficou espantando com aquilo, mas tentou se concentrar no que tinha vindo fazer.

– Olhe, eu... lá no campo de quadribol, eu... me excedi... Eu não queria dizer aquilo.

– Não, você disse exatamente o que queria. Eu estava esperando isso há mais tempo. Só não pensei que fosse ser tão... barulhento.

– Desculpe. É que eu achei injusto. Levei uma bronca sem ter feito nada!

Seco, Snape lembrou:

– Pensei que quisesse se desculpar, não continuar a briga.

– Está bem, está bem. Desculpe.

– Muito bem, agora me escute. Você não deve ignorar que tudo isso é extremamente novo para mim. Como é comum em todas as atividades que abraçamos pela primeira vez, não é incomum que num primeiro momento cometamos erros. Espero que compreenda isso. Portanto, não vou me considerar ofendido ou desafiado por seu desabafo. Outros podem acontecer. Eu só espero que eles possam ser evitáveis ao longo do tempo.

Harry não teve muita certeza de que Snape estivesse se desculpando, mas ele reconheceu o aceno de uma bandeira branca. Deu de ombros:

– Eu também espero que isso não aconteça mais. Mas ainda me sinto estranho.

– E isso é natural. Mas se você quiser alguma ajuda para controlar suas emoções, estou às ordens.

Harry notou os cantos da boca de Snape querendo se curvar para cima de maneira divertida. Ele não resistiu e abriu um sorriso:

– Vou pensar no assunto. Afinal, acho que essas cenas vão se repetir.

– Eu dispensaria a audiência.

Harry se deu conta:

– Eu estava tão nervoso que nem me lembrei que Rony e Hermione estavam lá. Será que eles ficaram muito assustados?

– Eles estavam petrificados.

– Vou falar com eles mais tarde. Ou amanhã.

– Não pretende subir para jantar?

Harry ficou vermelho:

– Pensei que poderíamos jantar aqui embaixo hoje. Eles vão entender.

Snape também viu a bandeira branca que lhe era acenada. Disse, a voz mais suave:

– Eles vão mandar grupos de resgate para recolher nossos corpos, pensando que nós nos matamos com requintes de crueldade.

Harry soltou uma risada e Snape gostou do som. Parecia ser sincero e aberto – como Harry.

Mudou de assunto:

– Já que vai ficar por aí, é melhor que seja útil. Poderia me trazer o vidro de unhas de dragão em pó do meu estoque particular? Você sabe, aquele que você vive invadindo.

– Sabe que essa é a maior injustiça do mundo? Eu nunca fiz isso!

– E como você conseguiu guelricho para a segunda tarefa do Torneio Tribruxo?

– Alguém me deu – respondeu – Mas eu não vou dizer quem.

– Lealdade total para seus amigos, hã? Muito grifinório de sua parte. Talvez eu possa lhe ensinar algumas qualidades sonserinas muito úteis.

– Não, obrigado. Eu estou bem do jeito que estou. Falando nisso, eu não vou precisar passar de novo pelo Chapéu Seletor, vou?

– Por que deveria?

– Porque eu sou seu filho, e você é sonserino. Eu não deveria estar na mesma casa?

– Às vezes você me espanta, Harry Potter. A seleção feita pelo Chapéu é definitiva, e é referente ao indivíduo. Caso contrário, as gêmeas Patil não estariam em casas separadas.

– Bom, eu estava preocupado com isso.

– Não há motivo. O fato de eu ser seu pai em nada afeta quem você é: grifinório, apanhador do time de quadribol, estudante de notas passáveis, perambulador dos corredores da escola nas altas horas com sua capa de invisibilidade...

– Para mim, tudo mudou.

– Você ainda está sob o impacto da notícia. Quando se acostumar, verá que é possível conviver com isso.

– Eu estou tão acostumado em pensar em Tiago Potter como meu pai. Eu cresci ouvindo como eu sou parecido com ele.

– Segundo a carta de sua mãe, isso não vai durar.

– Mamãe pareceu gostar muito de você... do senhor.

– Pode me chamar de você, Harry.

– Eu ainda não sei direito como devo chamá-lo. Snape me parece muito formal.

– Além de ser impreciso, afinal, é o seu nome também – Harry arregalou os olhos – Você pode não usar o nome, mas você é um Snape legítimo. Espero em breve mostrar o que isso significa.

– Hum, e nós somos ricos?

Snape deu um meio sorriso:

– Se você está pensando em algo na linha dos Malfoy, lamento decepcioná-lo. Mas temos alguns bens. Incluindo uma mansão da família.

– Se você tem uma mansão, por que fica em Hogwarts nas férias? Ela fica abandonada o tempo todo.

– Sua avó mora nela. Ela também cuida dos negócios da família.

Harry quase parou de respirar ao ouvir aquilo:

– Eu... tenho uma avó? Uma avó de verdade? Sua mãe?

– Precisamente. Ela está ansiosa por conhecê-lo. Estive com ela ontem.

– Puxa... uma avó. Como ela é? Muita velhinha?

– Por favor, faça o que fizer, jamais diga isso perto dela. Ela se casou jovem. Mas ela pode aparentar mais idade depois... de um casamento difícil. Meu pai... era um homem um tanto quanto... irascível.

– O que isso quer dizer?

– Que ele não era muito simpático.

– Oh – fez Harry, lembrando-se de um fragmento de lembrança que tinha visto durante uma aula de Oclumência. – Bom, uma coisa nós temos em comum: infâncias infelizes.

– Ao que tudo indica, é verdade.

– Quando vamos conhecer a vovó?

– O nome dela é Hisurta, e acho bom você perguntar para ela se ela quer ser chamada de vovó. De qualquer forma, até você receber uma certificação de saúde completa, não vamos sair de Hogwarts. Unha de dragão, por favor.

– O quê?

– Unha de dragão. Eu já lhe pedi há tempo. Se demorar mais, a poção vai ser toda perdida.

– Ah. Tá bom. Mas depois me fala mais da vovó?

– A poção. Concentre-se, Harry.

Ele saiu correndo para o armário dos estoques e encontrou tudo organizado, ordenado alfabeticamente. *Provavelmente trabalho de um aluno em detenção*, lembrando-se que ele mesmo já fizera muitas coisas do tipo. Pegou a unha de dragão e voltou para o laboratório.

Snape a colocou no caldeirão, que começou a emitir um vapor prateado suave. Harry pouco se ligava para o que acontecia no caldeirão.

– E a vovó? Já sabe sobre mim?

– Claro que sim.

– E ela gostou da ideia de ter um neto?

– Muito. Ela tinha perdido as esperanças.

– Você tem uma foto dela?

– Harry, eu passei da idade de ter fotos de mamãe na carteira como se fosse um trouxa.

– Será que ela vai gostar de mim?

– Isso você deve perguntar para ela pessoalmente. Se bem que ela já o conheça de nome, claro.

– Agora fiquei ansioso para conhecê-la – confessou Harry – Eu nunca tinha pensando em avós antes. Quando a gente vai poder ir vê-la?

Snape respondeu:

– Como eu disse há menos de cinco minutos, quando você estiver liberado por Madame Pomfrey.

– E se a gente for de pó de flu? Aí eu não preciso montar na vassoura.

– Harry, você não sai de Hogwarts até sua saúde estar completamente liberada.

– Está bem – disse o menino, com uma careta – Entendi o recado.

Snape deu um meio sorriso, apagando o caldeirão:

– Nada impede que você escreva uma carta para ela, e diga que também está ansioso por conhecê-la.

O rosto de Harry se iluminou num sorriso:

– Boa ideia! – e saiu correndo para providenciar tudo.

Snape não pôde deixar de soltar um meio sorriso. O menino podia ser previsível, às vezes.

Os dois jantaram juntos, e Harry também escreveu uma carta para Sirius contando todas as novidades, inclusive o fato de que ele continuava a ser seu padrinho. Edwiges saiu com duas cartas para um entrega noturna muito especial.

Naquela noite, Harry quase não pôde dormir imaginando como seria sua avó. A única imagem que ele tinha era de uma mulher brigando com um homem de nariz torto – a imagem que ele vira na mente de Snape durante uma aula de Oclumência. Depois ele se lembrou que ela era uma Snape. Em se tratando de uma Snape, tudo podia acontecer.


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