Fated escrita por J N Taylor


Capítulo 5
IV - You Need Me




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Londres, Inglaterra, 14 de Julho de 1843

Henry trocou a roupa de baile para a roupa de dormir com a ajuda de seu valete. Saiu de seu quarto de vestir e foi para o seu quarto de dormir. Abriu a porta. Sua esposa vestia uma camisola branca de algodão. Ela estava sentada na cama.

–Cheira a amêndoas. - ele comentou.

–O que?

–Você. Cheira a amêndoas.

–Obrigado.

–Não foi um elogio. Me enjoa.

–Cansei disso! - ela levantou, com um pulo.

–Me desculpe, você cansou?

–Sim, eu cansei.

–Qual o seu problema, mulher? Deite, se contenha e agradeça por ter um marido.

–Você me jurou fidelidade.

–E? Você jurou que me daria um filho.

–Eu perdi três bebês! Eu queria as crianças.

–Você não me dar um herdeiro e eu não te dou minha fidelidade. Sequer me satisfaz.

–Como pode dizer isso?

–Estou com sono. - ele se deitou.

–Você é impressionante. - ela se queixou.

–Mulheres não questionam seus maridos. Mulheres apenas servem seus maridos.

–Claro que não! Mulheres podem ser tão úteis quanto seus cônjuges.

–Claro que podem. - ele resmungou – Mas você não é uma delas.

–Está brincando? Claro que posso!

–A Elizabeth é tão prolífica quanto o Charles.

–Elizabeth, Elizabeth. Por que não se casou com ela?

–Porque contraí casamento com você! - disse, áspero.

–Se separe! Casa-se com sua amante! - ela acusou.

–Minha amante? - ele riu – Minha amante? Você está louca?

–Como a chama, então, se não de amante? - e parou. Henry se levantou da cama e olhou firme para a esposa – Como chama a cadela?

–Não a chame de cadela! - e acertou um tapa com as costas da mão no rosto da esposa. Ela tropeçou.

–Usarei isso como uma prova da minha coragem.

–Use em silêncio, ou a encorajarei novamente. - ele deitou novamente.

–Como você chama a cadela?

–Não me provoque! - ele rosnou, com os olhos fechados.

–Como a cadela é chamada enquanto você está com ela? - ele levantou e a agarrou pelo pulso, com o olhar cheio de ódio. Ele a sacudiu.

–Não chame a Elizabeth dessa forma! - e a jogou sobre a cama.

–Por que se casou comigo? - ela falou, levantando-se.

–Foi o que me sobrou! Sua família tinha dinheiro. E você era mais bonita. Não serve pra me dar filhos, não presta para dar dinheiro. Não presta para dar nada, literalmente.

–Não ouse falar comigo nesse tom!

–O que fará se eu continuar?

–O que eu farei? - ela respirou fundo e acertou um tapa no rosto dele. Ele permaneceu parado, em estado de choque, por alguns momentos. Kathryne recuou um passo – Me desculpa.

–Sua cachorra. - e juntou toda a força em um soco no rosto dela. Ela caiu sobre a cama e rolou para o lado. O olhar dele era de puro ódio.

–Me desculpa, foi um acidente.

–Calada! - ele guinchou – Como você pode ser tão imbecil?

–Eu faço o que você quiser. - ela se ajoelhou.

–Pra cama.

–O que?

–Pra cama! - ela se deitou na cama. Ele subiu sobre ela e rasgou a camisola de algodão que ela usava. Pegou as tiras e amarrou as mãos dela. Agarrou-a pelo pescoço e a levantou. Ela começou a sufocar – Pro chão. - ela começou a tropeçar quando ele a soltou – Ande em volta da cama. Assim não, sua idiota! De quatro. Isso. Quando acabar, levante-se e venha até aqui. - ela fez o que ele mandou – Isso. Por Deus, você não me excita! - e a empurrou de cima da cama. Ela recuou, de joelhos, e se apoiou para não cair – Você não presta pra nada.

Ele se levantou e foi para o seu quarto de vestir. Seu valete foi chamado e o vestiu o mais rápido que conseguiu. Ele era um jovem de 16 anos, ruivo, com o cabelo aparado caindo numa franja sobre o rosto. Os olhos eram esverdeados, o rosto cheio de sardas e a barba era rala ainda.

–Jack, posso te dar um conselho?

–Sim, senhor.

–Se puder escolher entre se apaixonar e outra coisa, escolha pela outra coisa.

–E se a outra coisa for pior?

–Não será. Amor é algo que não se entende, e não se escapa.

–O que aconteceu, meu senhor? Se permite a intromissão.

–Jack, meu pequeno Jack. - e apontou para um par de cadeiras. Se sentou em uma e ofereceu a outra ao garoto – Você é um bom ouvinte, agradeço por isso. De certa forma, como você sabe, eu amo uma mulher que nunca deveria amar.

–E sua esposa? Não a ama?

–Existe uma diferença entre amor e paixão.

–Então é apaixonado por sua esposa, e ama outra?

–Coração é algo complicado.

–Tente explicar, senhor.

–Jack, Jack… Você ainda é virgem? - o garoto ruborizou – Ora, não seja tímido. Somos amigos!

–Não, senhor. - disse, com a voz tremida, após alguns momentos relutando.

–Não minta para mim.

–Sim, sou, senhor.

–Não será mais depois dessa noite. Irei o levar em lugar, com uma condição.

–Qual, senhor? - Jack engoliu em seco.

–Vou lhe contar um segredo. Deve proteger esse segredo com sua vida, sua honra, sua alma e sua dignidade. Poderia me prometer algo assim?

–Senhor, eu não tenho certeza.

–Eu irei me declarar para a Elizabeth. Se alguém souber, arruinará minha reputação. Não conte.

–Como, senhor? Irá se declarar? Mas ambos são casados. E os seus cônjuges?

–Jack, eu não consigo me conter. Me manter em silêncio por mais um dia!

–Então irá se declarar para sua amante? - Kathryne entrou, empurrando a porta e com a camisola rasgada, seminua – Sai daqui, seu moleque!

–Com licença, meu senhor. - e se levantou.

–Ele fica. - e o segurou pelo pulso.

–Estou mandando, quem paga seu salário?

–Ele é meu valete, eu te dou o dinheiro para pagar o salário dele, você só faz o mínimo!

–Você não pode falar assim comigo!

–Não? - e riu – Está vendo isso, Jack? Com licença. Venha comigo, garoto. - e saiu. Enquanto ele atravessava a porta, sua esposa gritou algo que o encheu de ódio outra vez.

–Corra! E se declare para sua cadelinha.

–Você. Não. Fale. Dela. Assim! - e atingiu um tapa nela com tanta força que ela girou nos calcanhares e caiu. Quando se abaixou para atacar a esposa outra vez, Jack segurou o braço dele.

–Senhor, deixe-a, por favor.

–Ela falou da…

–Eu sei, meu senhor. Ela falou, mas não deve se estressar. Ela está irritada, não sabe o que está dizendo. Quando se está com raiva, se dizem muitas coisas que não devem ser ditas.

–Está me chamando de louca? - ela gritou – Eu não sou louca!

–Senhora, eu não disse isso.

–Está insinuando que sou louca.

–Isso é ridículo. - e saiu, levando o garoto atrás de si. Ela permaneceu jogada no chão.

Henry saiu as pressas de casa, cortou o caminho pelo quintal protegendo o rosto do vento gélido cortante com a gola do casaco. Tomou a rua, a Union Street, seguiu pela Southwark Square até a Bridge Street. Acelerou o passo até a Southwark Bridge, em silêncio. Quando alcançou a ponte, pegou uma pequena bolsa e entregou ao garoto.

–Leve isso, Jack. Volte para casa sozinho, não me procure e não espere por mim. Se eu não estiver em casa amanhã, saia do trabalho como valete e leve uma carta de recomendação que está no meu sobretudo para o Charles. Se tem chances de ser contratado por alguém que eu indiquei, ele é o primeiro que deve procurar. Leve o dinheiro, divirta-se e lembre-se do meu conselho. De qualquer forma, entregue uma carta minha para Elizabeth. Está junto com a recomendação. Entendeu tudo?

–Sim, senhor. - e pegou a bolsa.

–Repita.

–Ir direto para sua casa. Se o senhor não estiver lá amanhã, devo pegar duas cartas em seu sobretudo, uma recomendação para o senhor Charles e uma pessoal para a senhora Elizabeth.

–Muito bem. Vá. - e o garoto se afastou.

–Cuidado, senhor. - e acenou com a cabeça enquanto caminhava para longe.

Quando não conseguiu mais ver o garoto, ele botou a mão em um dos bolsos, pegando uma moeda nova de meio Farthing. Olhou a moeda, se aproximou da borda do Rio Tâmisa e olhou para a água, agitada pelo vento da noite. Olhou para a inscrição do verso de “HALF FARTHING – 1843”. Virou a moeda nos dedos e olhou para a inscrição do anverso, com a efígie da rainha Vitória e a inscrição “VICTORIA D G BRITANNIAR REGINA F D”. Olhou para cima. Apesar do frio tradicional britânico, o céu estava bonito. Sem nuvens, a lua brilhava prateada e, junto dela, as estrelas iluminavam a noite.

É uma bela noite para morrer, ele pensou.

Sorriu com o canto da boca e riu da situação. Uma risada abafada, contida.

A única coisa que vinha em sua mente era uma frase de Sócrates. Uma única frase.

Deve-se temer mais o amor de uma mulher do que o ódio de um homem. - falou para si mesmo, rindo silenciosamente. E finalmente percebeu a ironia da frase como um todo. E a situação que se encontrava. Nunca imaginou que amor poderia ser tão agressivo assim. Sua esposa o amava, ele sabia. Porém ele amava Elizabeth. E sua fidelidade ao amigo era louvável, apesar das pequenas situações tortuosas que aconteciam. E tudo terminaria ali, nas águas do Tâmisa.

Se sair a efígie, pensou, mergulho. Se sair a inscrição, estou salvo.

Lançou a moeda para o alto e a pegou no ar, sem olhar. Jogou-a sobre as costas da palma da outra mão e parou por um segundo. Olhou para o céu outra vez.

É uma bela noite para morrer.

Olhou para a moeda, levemente trêmulo. Empalideceu mais ao ver a efígie da rainha o olhando. Sorriu novamente, com outra risada. Falou para si mesmo que a rainha decidira o destino dele. Riu mais um pouco. Estava desfrutando um momento de insanidade. Avançou um passo, ficando perto da borda. De repente, se descontrolou. Rompeu em um ataque de risos que o fizeram soluçar como uma criança após uma crise de choro. Riu tanto que, por pouco, não se desequilibrou e caiu no rio. Se apoiou no chão, tremendo e soluçando de tanto rir. Se levantou, tonto. E parou.

Respirou fundo.

Fechou os olhos.

Aceitou o destino.

Henry!

Ele se virou, confuso. Olhou para todos os lados procurando quem o chamou. Ele sabia que era uma voz feminina, mas não a reconheceu no momento. Parou um momento, e então ouviu os passos. Sentiu algo o puxar para trás e se assustou quando viu quem era.

–Theresa?

–Eu mesma. Eu disse que você precisaria de mim. E eu disse que nunca erro nesses casos.

***

Washington D.C., Estados Unidos, hoje

Henry entrou em seu apartamento. Abriu a porta do quarto tirando o colar de dentro do sobretudo. Quando olhou sua cama, estacou no lugar. Ele conhecia aquele homem. Tinha o cabelo castanho, os olhos azuis, e estava elegantemente vestido em um terno, com uma postura perfeita, sentado na cama. Ele se levantou.

–Olá, Henry.

–Mefisto.

–Você insiste em me chamar assim. Como quiser. Como está?

–Bem. E você?

–Estou ótimo. Me perdoe pela minha saída apressada essa manhã. Tive que resolver um assunto.

–Sem problemas. - ele estava acostumado com a cortesia dele.

–Vejo que trouxe o colar. Me entregue. - e deu um passo para a frente, estendendo a mão.

–Espere. Sua parte primeiro.

–Preciso do colar para isso.

–Me dará a Elizabeth de volta?

–Eu menti para você alguma vez?

–Certo. - e entregou o colar ao demônio.

–Me permite usar seu armário?

–Acho que sim. Só tire minhas roupas de dentro.

–Sem problemas. Me arrume uma faca. - Henry saiu para a cozinha e pegou a faca, voltando em seguida. Entregou-a para Mefisto – Obrigado. Mão.

O demônio tirou um giz branco do bolso do terno, esvaziou o armário e desenhou alguns símbolos lá dentro. Fechou a porta e uma voz ecoou por todo o cômodo, falando em uma língua que o homem não entendeu. Mefisto se limitou a levantar a cabeça, com uma ponta de arrogância.

–Eu sou Mefistófeles, o demônio de mil faces. - um grunhido agudo de dor ressoou pelo quarto. A porta do armário se abriu lentamente, com um rangido incômodo. Quando Henry viu o que havia dentro, gelou. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele se ajoelhou. Ali, diante dele, a pessoa estava coberta por uma túnica velha e suja, mas o mesmo jeito. O olhar era de cansaço e dor. Aceitação, talvez. Ele reconheceria em qualquer lugar, seja lá como estivesse – Cumpri, Henry. É sua.

Ele abriu a boca, mas não emitiu som. Ele fechou os olhos. Murmurou algo para si.

–Não agradeça Deus, me agradeça. Eu sou o deus aqui.

–Você não é um deus. - murmurou, num gemido arrastado de dor, a pessoa no armário.

–Eu sou um deus, garota. Eu sou um deus. E melhor do que o seu. Tomarei o Céu e o Inferno. Serei rei e deus absoluto.

–Quem é você? - a voz tremia. Henry permanecia mudo.

–Eu sou seu deus. O demônio no campanário. Eu sou o coletor de almas. Sou o mestre do seu destino, sou um corruptor. - e começou a andar pelo quarto – Eu sou o que vaga na desesperança e se alimenta da dor. Eu sou seu pior demônio: sua esperança. O que te empurra para a frente quando só consegue ver os espinhos. Eu sou o mestre desse jogo. E da sua vida. E da vida dele. - apontou para Henry – Eu sou um deus, como eu disse. Sou o que sela seu destino, o que fecha o acordo. Posso dizer que sou a memória que caminha na sua nuvem de confusão. Eu faço dos inteligentes, tolos. E dos tolos, faço mestres. Assisto da torre mais alta, minha área especial. Estou criando vencedores de lá. Eu sou a luta, sou a resposta para a dor. Sou o que mantém os campeões no caminho quando estão confusos. Eu sou a fúria nos olhos deles, eu sou a razão, eu sou o vício. E os que estão no paraíso cairão, eu os farei cair, quando souberem que não podem pegar mais nada de lá. Na hora que conseguirem enxergar crime que cometeram contra si próprios. Me diga, jovem, quem é você, agora?

–A mulher que eu amo. - Henry finalmente disse – Ela sempre será a mulher que eu amo. Venha, Elizabeth. - e se levantou, oferecendo a mão para ela. Ela levantou a cabeça e deu um passo para a frente, segurando a mão dele – Você tem um novo mundo para ver. - e ele sorriu.


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