Tunnel Of Love escrita por vegadelira


Capítulo 7
Profunda Sinceridade




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Quarta-feira, 15/04/2015, 18h16min. – Londres, Sudeste da Inglaterra

A bruma invadira o condomínio da loira. Depois do portão, não se enxergava nada além de uma correnteza branca sem fim, somente a esguia Marceline. Fionna estava perplexa com a visita inesperada; um arrepio percorreu no corpo após ela perguntar se havia um suposto garoto dentro da residência. A menor desviou o olhar para um apêndice da névoa, o qual escorregara pela brecha dos caules entrelaçados das flores. Ele se espiralou e foi se dispersando pelo jardim, até Fionna não poder acompanhá-lo mais. A maior lhe chamou, não tinha o dia todo a esperar. A moça encaixou a chave na fechadura, e um breve ruído confirmou que o frontispício se abrira.

Marceline se acomodou no sofá da sala e mudou o canal da televisão. Fionna ficou pensando no que trouxera a jovem para sua casa. Lembrou-se de que não retornara a nem uma das ligações e que a adolescente tinha faltado à reunião de Gumball. A distração dominava a loira esse dia, e o paradeiro de Marshall a preocupava mais. Foi à cozinha para preparar um achocolatado. Ela ainda aguardava o pronunciamento da maior.

— Se você não atendeu às minhas chamadas, com certeza o único motivo é um rapaz. — disse mantendo a concentração no filme.

Fionna pôs a colher entre os dentes e comprimiu os lábios, experimentando a bebida. Pegou o copo e se assentou ao lado de Marceline.

— Ontem a energia foi interrompida no bairro. Não soube? 

A morena se virou e ergueu uma sobrancelha, deduzindo que a moça apresentaria diversos pretextos com a finalidade de se defender, pois era esperta. Precisava colocá-la contra a parede.

— Isso não justifica sua disponibilidade na manhã e na tarde de hoje. — retrucou com seriedade.

A loira engoliu em seco, porém cogitava a próxima resposta.

— Eu realmente me esqueci de te ligar. — suspirou — A propósito, o Gumball sentiu sua falta na mansão. 

Ela não prestara muita atenção no que ocorrera e, portanto, achou que fora o ruivo a questionar primeiro sobre Marceline. O tom de brincadeira era evidente na voz de Fionna, todavia era como se disparasse uma arma no próprio coração. Mas, ele não se importava com a maior. 

— Era esse assunto que te contaria caso você atendesse a droga do celular. Pedi à Caroço que não fosse lá. O semelhante faria a você.

A menor tomava um gole do líquido enquanto escutava. Firmou as bochechas para não expelir o mesmo e passou a mão entre os fios de cabelo. Não fazia sentido. Era curioso.

— Por que eu o faria? O que Gummie lhe causou?

— Você é minha melhor amiga, não é? — a moça assentiu — Desculpa nunca ter te falado do meu lado obscuro.

Fionna arregalou os olhos e cruzou as pernas, girando a silhueta para Marceline. Ansiava por uma confissão ao nível do que o presumido Marshall supunha. Libertou a inquietação, mandando a morena ir logo.

Ela começou a explanar. Só a Caroço sabia disso: costumava sair de casa para ir a bares e boates. Gumball, que devia a odiar muito, tirara uma foto quando ela estava frequentando uma balada e, depois, mostrou ao seu padrinho. O ruivo era falso, não prestava. Por isso, para se vingar, desejava que as pessoas mais próximas dele pudessem ignorá-lo. Era infantil para a loira, no entanto desanimou. Em contrapartida, percebeu que a morena ia a bares, mas ela não mencionara uma palavra a respeito de Marshall. E isso tornava maior a sua confiança nele. Talvez, utilizando as palavras certas, poderia obrigá-la a admitir o assunto que aparentemente tentava esconder, o qual tomara ciência na noite passada.   

— Pelo menos buscou diversão. Agora você me deu uma nostalgia do parque de primavera. Aliás, achei péssimo de minha parte não perguntar o nome do cara que foi no túnel comigo.

Marceline franziu o cenho e conectou a complementação de Fionna com a frase inicial. Era como se ela soubesse que existia uma relação do rapaz misterioso com bares. Ademais, não notara surpresa em seu rosto ao ter revelado algo, o que era uma novidade, pois a moça não suportava qualquer tipo de mentira. Ofereceu sua corroboração, embora tivesse escapado da boca:

— Se eu me esbarrar com ele, farei esse favor a você.

O silêncio predominou, e Fionna não transpareceu a decepção. Entretanto, a maior poderia estar sendo verdadeira, visto que ela não hesitou em responder. Era um quebra-cabeça difícil de alvitrar. Deveria dar mais credibilidade a Marshall? Em sua concepção, ele não mentira em nem um momento, ao contrário de Marceline. Mas, caso o jovem estivesse usufruindo da vigarice, o que ganharia? Aparentemente, nada. Portanto, concluíra que a amiga não merecia tanta convicção. 

Fionna se levantou para deixar o copo vazio na baixa estante entre a televisão e a janela do corredor, a qual era próxima da porta de entrada, já intencionada em checar com rapidez algum sinal de vida lá fora. O olhar transcorreu por ali e entreviu um semblante que estava prestes a apertar a campainha. Era Marshall. O coração acelerou por duas razões contrastantes. Primeira, ele aparecera; segunda, ele tinha que sumir. O rapaz possuía o senso de percepção aguçado, logo também avistara a loira. Por causa da apavorada feição, não encostou um dedo sequer no botão metálico. Empenhava-se em entender o que estava acontecendo. Marceline, que encarava a programação, de repente indagou:

— Posso fazer um cereal para mim? — ergueu-se indo em direção à geladeira — Nem sei por que questionar. Vou logo.

Marshall compreendeu que deveria se afastar, pois conseguira distinguir uma morena na sala. Certamente, era Marceline. Todavia, permaneceu observando. A moça, ainda por trás da janela, aproveitou o retiro da amiga para fazer mímica. Balançava os braços e as mãos, até enxotá-lo do portão. A maior preenchia a tigela com leite sobre a bancada, conversando sobre o colégio, e a menor nem dava ouvidos. Estranhou o fato de Fionna estar no mesmo lugar, apenas gesticulando.

— Que diabos você está fazendo? — inquiriu contorcendo os músculos da face.

A loira parou de se sacudir e sussurrou balbuciando:

— Tem um mosquito aqui depositando ovos nas bonecas russas... — voltou a sacolejar os membros.

Marceline analisou a situação, não muito convencida, mas depois anuiu com a cabeça. Após vinte minutos, tempo que demorara a acabar o filme, resolveu ir embora de táxi. A moça sentiu um alívio; não dispunha de mais que um segundo para expectar o reencontro com o rapaz. Estava na rua de frente à sua casa, berrando o nome de Marshall. A vizinha idosa que regava as próprias plantas, claro, não gostou da atitude. 

A iluminação pública contava com os lampiões elétricos, os quais tinham a luz bruxuleante, a fim de fazer referência aos séculos passados. Fionna entrou em desespero, e não se incomodou tanto com o gélido ar, que conquistava o toque de sua pele através do fino casaco de algodão. Sentou-se numa rocha média do jardim e fitou o céu enegrecido. Nem mais sabia o prazo que estabelecera para ficar séssil. Ela não queria expor o que, para si, pouco parecia saudade, entretanto ciciou:

— Essa merda de silêncio está me matando. Nunca imaginei que diria isso, mas trocaria toda essa paz para você me perturbar, Marshall Lee.

Os ramos chocalharam e várias folhas começaram a despencar. Antes de caírem sobre Fionna, bailavam com a brisa, formando redemoinhos. A loira sobrelevou seus olhos azuis até encaixá-los na mesma direção que os do jovem. Este, sentado desconfortavelmente num galho alto da árvore, esboçou um sorriso no rosto. Logo notou a menor esfregando os braços um contra o outro para se esquentar e sugeriu:

— Acho melhor entrarmos.

Fionna corrugou o cenho e mordeu os lábios. As bochechas se infestaram de pigmentos avermelhados e ela foi para dentro da residência. Marshall a gritou três vezes. Ela emergiu do fundo escuro do seu quarto à janela, que estava fechada, e a levantou. 

— Como subiu aí?

— Da mesma forma que ontem para invadir aqui. — respondeu se aproximando com cautela para não despencar daquela altura.

A moça a abaixou fortemente, e ele disse repetidamente “não”.

— Se você prezasse a nossa amizade, não me trataria dessa maneira. — novamente abriu a janela, encostando as mãos na base desta.

O rapaz deu uma risada abafada. Replicou irônico. Considerava-o amigo? Quanta honra. Nem tinha ideia.

— Eu só queria ver sua reação quando eu sumisse. Você me ama tanto que sentiu saudades minha.

— É um milagre você estar interessado num relacionamento.

— Na verdade, é engraçado ver os outros se apaixonando.

Ela conteve um volume ácido que queria vazar pelos olhos. Como alguém poderia ser tão cruel para brincar com algo tão sério? Não era cortês tirar aproveito de um sentimento forte, iludir. Mudou de assunto:

— Você tem mais uma coisa pra me falar? Ou melhor, uma verdade para desabafar?

Ele abaixou a cabeça e a enfrentou, todavia encobrindo a profunda sinceridade.

— Não.

O jovem gostaria de pedir perdão por ter acabado de ser fraudulento, por magoá-la anteriormente, mas não tinha coragem. 

Fionna estava desequilibrada com o que vinha presenciando. Não suportaria mais pretextos. Um acerto não compensava um erro. Seguindo essa lógica, não existia uma mentira boa. Não existia uma mentira que buscava boas intenções, no final sempre alguém se machucava. Entretanto, desde criança aprendera que o perdão era atemporal e todos deviam praticá-lo, sem exceções. Contudo, era incorreto exigir dos outros o que não cumpria. Acabara de trapacear para obter a veracidade de Marceline. E ela não a daria uma nova chance. O implausível era que tinha o discernimento de que esses pensamentos a levariam ao rumo da hipocrisia. Nutria um ódio imensurável na consciência por estar agindo assim porque acreditava em Marshall. Somente no mundo fictício que vira essas atuações. O que as causava era chamado popularmente de amor, e por isso não admitia qualquer comportamento do rapaz. Mas, não queria se apaixonar justamente por ele.

— Não vale a pena mentir para apaziguar alguém, pois uma hora a verdade aparece, nem que venha do beco mais escuro deste mundo. 

Marshall, pela primeira vez, sentiu medo de uma menina, porém pressupôs que ela teria discutido com Marceline. Outros fatores contribuíram para tornar o que cogitara impossível, então não se deixou voar pela preocupação. 

— Por que está me dando sermão?

— Se você me decepcionar, não irei te perdoar. — linhas transparentes deslizavam pelas maçãs da moça — Não sabe a sensação que tive ao ouvir uma das minhas melhores amigas fabulando. — soluçou — Eu não tenho certeza se Marceline está me enganando, só que ela escondeu um segredo. Se essa garota foi capaz de fazer isso uma vez, nada a impede de fazer mais uma. Talvez esteja escondendo outro. Só por causa de você... — parou e enxugou as lágrimas com o punho. 

Marshall interpretou que era culpado pelo sofrimento dela, todavia não por tudo. Marceline não fazia parte de sua responsabilidade. Quiçá não bagunçaria a mente de Fionna caso tivesse agido com cuidado. Chegara de repente, acusando alguém próximo. Mas, uma hora a loira desvendaria os mistérios acerca da amiga. Ou não. A adolescente era extremamente maquiavélica e sagaz, morreria guardando as atrocidades que via e fazia. 

O maior exemplo de que a verdade doía estava diante de si. Pulou para o cômodo e segurou com sutileza Fionna pelos ombros, a qual já desmoronara sentimentalmente. Ele era uns doze centímetros maior que ela. A loira abraçou a cintura do rapaz, que acariciou os macios fios de cabelo dourado, e repousou a fronte em seu peitoral. Cambalearam com os passos desconexos para chegarem ao colchão da cama. O jovem ergueu o queixo da moça com uma mão e limpou seu choro com o polegar da outra. 

— Prometo não te desapontar.

No sótão, a tensão havia diminuído. Marshall contou sobre seu dia. Fora restaurar os documentos antigos, e não conseguira. Portanto, providenciara novos. A indireta que Fionna havia lhe dado ontem sobre a herança despertara uma curiosidade. Caso estivesse disponível, utilizá-la-ia conscientemente, ou seja, pagaria as mensalidades do Kingsbury com a finalidade de abordar Marceline. O dia que passara solucionando as pendências pessoais tinha sido bastante rentável. Tudo estava sendo normal até constatar que o saldo bancário, o qual estava congelado, era praticamente um valor milionário. Não pairara em transferir o todo à sua conta. A loira, já em bom estado, evidenciou o ceticismo de forma irônica ao prestigiar isso junto ao rapaz. 

“Essa noite será a última na casa de minha nova amiga” ele pensou.

xxx

Os portões cinzentos com miúdos detalhes nos intervalos das grades foram abertos às 09h00min. Os alunos se amontoaram a fim de auferirem o mais rápido possível a próxima entrada de acesso à instituição Kingsbury, que era precedida pela escadaria de mármore sem cobertura. O colégio não fora fundado neste século, logo havia fortes características pertencentes à época em que o edificaram.

Os dois amigos subiram a escadaria, na qual vários arbustos e orquídeas a emolduravam. Ficaram sob o extenso alpendre com formato de semicírculo, suspenso por quatro colunas gregas. Ambos estavam uniformizados adequadamente, com exceção do cabelo despenteado da loira. Fionna tinha dado instruções a Marshall para adquirir o material, pois telefonara mais cedo à coordenação sobre a matrícula de um novo estudante. 

— Acordamos antes da alvorada. — bocejou — Pelo menos deu tempo de comprar suas roupas e cadernos.

— Esqueci-me das canetas. — afirmou estupefato — Vou ter que roubar de você.

— Nem vem, seu idiota. Você tem mais dinheiro que eu. — mostrou a língua.

Em seguida, continuaram o percurso: passaram pelo arco romano, adentrando no saguão decorado com obras visuais de estudantes, e aceleraram a caminhada à secretaria. O corredor em que calcorrearam era o principal, o qual sempre estava lotado por conta do vai e vem para buscar livros nos armários. Faltando alguns metros para atingirem o destino, a moça o alertou: 

— A responsável hoje é uma estagiária. Ela não é muito bem falada pelo colégio, mas não sei em qual sentido. Saberei agora. Então, você tem que ser bem simpático. Só irei ficar como acompanhante. Pra você ser um aluno sem qualquer dependência, tem que fazer essa mulher colocar sua papelada num armário azul.

Marshall retirou o histórico falsificado da mochila preta que carregava, o qual criara com Fionna a noite. Jogou os papéis sobre o balcão, e a jovem mulher branquíssima de cabelo alaranjado o olhava com desdém. A loira se corroía de vergonha alheia. O rapaz, contudo, prosseguiu com a inscrição. Puxava papo com a estagiária, elogiava as vestimentas que trajava e o cabelo. Enquanto assinava a ficha restante, deixava a amiga rubra.

— Claire, você é uma das pessoas que estou a admirar. Tão focada no trabalho, e pela sua aparência, nem consigo acreditar que está aqui há seis meses. Daria no mínimo dois, pois me deu a impressão de que se formou este ano no ensino médio.

A mulher estava como um tomate bem maduro, e se soltava conforme cada letra que saía de Marshall, acostumando-se com os elogios e cantadas.

— Você parece um bom garoto. — deu um sorriso sedutor e pôs os cotovelos sobre o balcão, abeirando-se do rapaz.

— Posso fazer de um encontro na sexta uma ótima oportunidade para esclarecer essa dúvida. Que tal? — tomou a mão de Claire e a beijou, como se fosse um cavalheiro.

Fionna foi ignorada, visto que ficou de costas, escorada na porta. Os dedos cobriam a testa, demonstrando que não suportava aquele momento dissimulado, ridículo. Marshall agradeceu ao atendimento e saiu da sala. Os dois estavam indo à classe. A loira olhava fixamente para o chão, emburrada. Ele às vezes ria de sua expressão.

— Qual é o problema com você?

— Nenhum. Exceto o fato de você nem conversar dez minutos com aquela estagiária e convidá-la para sair. Entendi porque ela é mal falada.

— Está com ciúmes? — indagou com uma voz provocativa — Poxa, aquela papelada foi pro armário azul.

Ela parou de andar, e o rapaz em instantes depois, o qual deu quatro passos para trás. A moça cerrou os punhos e deu-lhe um soco no tórax. Marshall urrou de falsa dor e, em seguida, riu.

— Eu não fiquei nesse estado que você ‘tá quando disse que iria ‘pra não sei aonde. 

— Isso não vem ao caso.

Marshall assentiu, e Fionna se distanciava. Porém,  ele ficou arrebatado.

— Afinal, o que fez?

A loira estalou a língua no céu da boca e revirou os olhos.

— Fui ver uma galera. Gumball, meu melhor amigo ruivo carinhosamente chamado de Gummie, Catheryn, apelidada de Cake, e... Jake.

O moreno não teve um bom pressentimento ao escutar o nome Gummie. No parque, apesar de ter sido uma garota que difamara Fionna, o mesmo não discordara das ideias. Tinha uma má opinião formada sobre esse cara. Dessarte, não deveria se preocupar. Pela feição de Marshall, a loira sentiu a necessidade de se explanar melhor.

— Irá conhecer a todos. Verá que são boas amizades.

Em um momento de revolta, por ter sido contrariado, não contentou o fugitivo sarcasmo:

— Assim como a Marceline?  


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