A lenda dos amantes do Tempo escrita por Geovanna Ferreira


Capítulo 14
A lenda do estripador que buscava um coração


Notas iniciais do capítulo

Prequel de Once Upon a Time. Tudo acontece antes de Regina adotar seu filho Henry e a série começar. Fanfic de minha autoria. Protegida contra plágio. A fic e esse capítulo e especial se vincula a terceira temporada, contém spoillers. Se quiser saber mais sobre Jack Estripador, uma das figuras mais marcantes do século XIX, pesquise, vale a pena. Qualquer dúvida, elogio ou crítica deixem nos comentários!!



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" ... Quem é esta criatura - Quem? -
O que ele é? - O quê? -
Como ele veio para estar lá - Como? -
Silêncio, e Clopin irá dizer-lhe
É um conto, um conto de um homem e um monstro..."

Apesar de seu silêncio inviolável, de seu olhar que transpassava a alma e de não saber nada mais sobre si além do nome, Regina nutria simpatia por Abigail. Vivendo em uma terra na qual devia, custe o que custasse, esconder sua identidade, ter alguém com quem não precisasse fingir era uma verdadeira dádiva.

Quase todos os dias, depois da meia noite, Abi desaparecia. Saia de La Duchess com destreza, sem que ninguém além de Regina desse por sua ausência.

A rainha nunca lhe perguntara o que fazia nessas madrugadas de fugas. Não cabia a ela. O rosto da colega exibia um aviso claro, não pergunte, não queira respostas. Nem ao menos eram amigas. Com Abigail seu segredo estava seguro, e isso lhe bastava. Bruxas eram misteriosas. Sempre foram e sempre seriam. Não pertenciam a canto algum, não possuíam lugar no mundo. Vagavam errantes, carregando sombras e mistérios no coração.

Somente numa ocasião Regina teve de ultrapassar as barreiras de Abi. A prefeita acordara com o céu ainda escuro, com a moça empurrando a porta, voltando de mais uma de suas noite de sumiço. Tudo completamente rotineiro, normal. Isso se Abigail não ofegasse, se não tentasse controlar sua respiração desordenada, se não estivesse lutando para não ser notada por ela.

Algo estava errado.

_ Abigail?

A mulher continuou sentada, imóvel, com cachos de cabelo castanho a cobrir sua face, como que envergonhada de dirigir-lhe o olhar.

A feiticeira insondável, que nunca sorria ou revelava qualquer emoção, tremia.

_ Abi...? - insistiu Regina.

Ela ergueu o rosto. Estava marcado por um corte vermelho.

A marca de um demônio.

Em seus olhos havia trauma, lágrimas de ódio e humilhação.

E naquele momento, Abigail fora comoventemente frágil.

_ Desgraçado! - ela abraçou a si mesma.

O vulto negro a perseguiu por onde seus passos a levara, por ruas e ruelas fedorentas do East End, por onde foi a jovem bruxa a correr, teimosa, porque acreditava que havia ainda vida a viver.

Mas ela sabia, ele a seguiria até o inferno, até que a matasse, até finalizar o que começara a ferindo com a faca fria num segundo em que desacelerara antes de continuar a fugir. Ele gargalhou com sua ingenuidade de pensar que escaparia. Abigail viu uma porta e então lançou-se inteira. Em seguida, no chão, colou suas costas na parede, perguntando-se se ainda estava viva.

O monstro desconhecido bradava:

_ Arrancarei seu coração.... arrancarei!

Seu cobiçado órgão batia, furioso.

Sim. Ainda vivia.

Quando saíra da loja para receber produtos de um fornecedor, Regina ainda pensava no que Abigail havia lhe confessado. No meio do caminho, ao infiltrar-se na aglomeração de pessoas apavoradas que arrancavam jornais de um pobre vendedor, a história de Abi ainda girava por sua mente. Lendo a manchete a berrar do papel tudo se encaixou.

“ Após cinco mortes no East End, país se mobiliza na caçada por assassino em série... “

Alguém as estava matando, nas madrugadas profanas do East End, enquanto longe dali, dos ratos e da perdição, a Londres que possuía comida e futuro, dormia, não podendo nem cogitar o pesadelo a olhos abertos a se desenrolar no bairro dos condenados. Cinco delas já haviam sido vítimas do assassino sem rosto e sem nome. Mulheres, prostitutas, todas elas, bruxas. E não pararia por ai...

Abigail era para ser mais uma infeliz a engrossar a lista. Regina também. Ela lembrou-se daquela noite em que fora perseguida, relembrou a faca brilhante, a criatura sedenta por sua morte.

Estavam dispostos a varrê-las definitivamente da face da Terra.

Bruxas.

Só teriam paz quando fossem dizimadas.

Um pressentimento brotou das entranhas de Regina, a deixando tonta.

A carnificina não terminada chegaria até sua mãe, estava atrelada a seu plano maluco. A rainha precisava encontra-la, ainda naquele dia, sem falta. Havia a reencontrado em reuniões do clã, mas precisava vê-la a sós, distante das outras feiticeiras e daquela maluquice toda de Oz. Tinha coisas a tratar com ela, agora ainda mais.

Regina só conseguira sair de La Duchess com o céu escurecido. No minuto seguinte ao fim do expediente, ela concentrou-se, e ao piscar novamente, estava sobre o calçamento sujo daquela parte da cidade a qual começava a conhecer muito bem. Ela tentou se localizar. Não estava longe do esconderijo. Ainda assim, sentiu-se apreensiva por ter que caminhar por aquelas ruazinhas estreitas e vazias.

Lutava para se desviar, mas seu caminho sempre a levava até o mal.

_ Seu coração será meu.... meu! - ao contornar um cortiço, ela ouviu aquela voz, cheia de trevas. Congelou por um instante, não querendo acreditar nos indícios, de que estava uma vez mais cara a cara com o monstro. Ela respirou fundo e a coragem correu por seu sangue. Ela iniciou caminhou destemida rumo ao desconhecido, com seu sangue fervendo em suas veias e seu poder a flutuar em volta de suas mãos, pronto para agir, para exterminar aquilo. Se aproximava, e os gritos femininos se tornavam mais altos, mais altos... Ela viu a capa preta, a cartola, a mulher prensada contra a parede....

Regina esticou os dedos e sua magia púrpura alcançou o ser, erguendo-o no ar no ar por segundos, iluminando a noite escura. A faca tilintou, ao rolar no chão. A rainha cedeu, e o capturado foi jogado também ao pavimento, quando Regina enfim avistou o rosto pálido de medo daquela que por um triz, não fora mais uma vítima do matador.

Cora.

_ Mãe? - gritou.

De olhos arregalados de choque, a filha correu e agarrou a mão gelada da bruxa.

_ Regina? - Cora ofegava, era como um animalzinho encurralado.

Porque não havia revidado? Por algum motivo sua mãe estava sem magia naquele reino. A ideia pareceu sombria demais à prefeita.

Atrás delas, o ser se arrastava, esticando-se para pegar a faca. Não desistiria, e agora, para seu delírio, possuía duas vítimas. Faria questão de matar primeiro, lenta e dolorosamente, a maldita que o atrapalhara.

Quando Regina virou-se, a lamina que logo seria cravada em sua carne, parou no ar.

Era difícil acreditar no que via, que um garoto, belo e traiçoeiro, tão jovem que poderia ser seu filho, empunhava uma arma contra ela, sorrindo diabolicamente.

O que estava dentro da perturbadora casca infantil?

Sua pele amarelada tinha um aspecto envelhecido, como se um ancião estivesse preso na pele de uma criança. Arfava, como se fosse difícil respirar. Algo o afetava. Ele vacilou e em seu olhar, a ânsia assassina cedeu lugar a um outro tipo de brilho, ainda mais doentio, de pura excitação.

Ele viu em seus olhos negros assustados aquilo que tanto buscara pelos cantos mais miseráveis de Londres. Enxergava, com nitidez, o futuro, e nele, sua salvação bem guardada, cem anos a frente.

_ Um menino... – sussurrou com extremo deleite, fixo nas pupilas da rainha.

_ Um menino... – pronunciava aquelas palavras como se uma dadiva se revelasse. Seu hálito azedo a enjoava.

E então, a coisa desapareceu, numa nuvem de fumaça esverdeada, com rosto lívido e satisfeito. A busca havia terminado. Já não ia mata-las, estava tudo resolvido. Precisava de Regina viva, muito bem viva.

Transtornada, com o corpo ardendo em febre, ela agarrou sua mãe.

_ Mãe! - Cora não parecia em seu juízo perfeito.

_ Mãe! - insistiu, entre lágrimas. Era agonizante. O tempo escorria entre os dedos, o mal a alcançava a passos galopantes e Cora ali, paralisada, mudada.

_ Me ajude!

A mulher a encarou, debilmente.

_ A poção... tenho que revertê-la. - ela confessou-se, desamparada, já não se importando com o choro a correr solto.

A esperança brotaria novamente, quando se livrasse da poção que um dia tomara para ferir sua mãe, para que seu ventre secasse, e nele nenhuma vida vingasse. O liquido que bebera para que nunca tivesse o amor, a maior das fraquezas, dentro de si, fora secretamente, o motivo maior que a fizera definhar, ano após ano, e também, o que a impulsionara a ir até aquele tempo, reencontrar a pessoa que talvez pudesse a ajudar: Cora.

_ Tem de fazer isso, mamãe... por mim... por Daniel, por Shannon.

A bruxa nada respondeu.

Regina posicionou as mãos sobre seu umbigo e olhou para ela, fazendo seu apelo mais verdadeiro.

Desde que chegara, sentia um desastre iminente a se aproximar. E depois daqueles minutos de terror, do ser e seus olhos loucos, sabia, que o que temia já havia chegado, esperava apenas o momento para destruí-la. Mas ela não chegara até ali para se entregar. Pagaria o preço que fosse para proteger Bernard, Eliza, e o bebê... aquele que pensava ser o menino falado pela coisa. Cuidaria das vidas que reergueram a sua própria, e também das que viriam, que ainda haveriam de nascer dela. Cora a ajudaria, pois não possuía escolha, para pagar o que fizera, em nome daqueles que a filha amara e ainda assim ela matara a sangue frio.

A batalha final havia sido deflagrada.

Naquela noite sem estrelas, ele outra vez se materializara em meio à raça que considerava ser a mais imunda de todas. Caminhava, experimentando uma empolgação incomum. Os dedos comichavam de tanta vontade de matar, de ter entre eles o órgão pulsante que seria sua glória.

Ele se esgueirava por casebres e cortiços, coberto por capa e cartola, confundindo-se entre mortais, tão ingênuos a ponto de amá-lo, de cultuá-lo como protetor das crianças, de serem tão miseráveis que não eram capazes de nota-lo pronto para mutilá-los.

Sorria. Por saber como era delicioso ter conhecimento que logo mais uma mulherzinha insignificante morreria, para que ele enfim vivesse e reinventasse o possível e o impossível, de novo.

Não demorou a encontrar a infeliz e decidiu que se divertiria, de que ela morreria de forma memorável.

Nem sequer precisou dela.

Quando a intrusa aparecera, ousando arruinar seus planos, trouxe juntamente de si uma profecia. Em seus olhos residia um garotinho, o filho de dois mundos, que uniria heróis e vilões. Ele teve vontade de rir de sua burrice. Se enganara belamente. Naquela terra quase sem mágica, a pouca que nela existia não estava nas bruxas. Não precisaria mais arrancar seus corações do peito para descobri-los podres, comuns, inúteis e depois, somente por estar irado, acabar esquartejando-as, simplesmente por não poderem salvá-lo. Seu mágico coração morria e urgentemente devia roubar um outro, para substituí-lo. Sua magia se esgotava, mas resistiria, esperaria pacientemente o menino que se sacrificaria por ele, que seria sua transfusão de eternidade.

Henry.

O coração acreditador.

E assim, sem saber, Regina livrara o mundo das garras de Jack Estripador, o assassino do East End, o demônio dos céus, o dono de uma terra distante e amaldiçoada.

Peter Pan.


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