Imutável escrita por Ane


Capítulo 3
Raio de luz




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Estávamos andando, sabe-se lá por quanto tempo. Provavelmente por uns vinte ou trinta minutos, e seguíamos por uma trilha que nos fazia ter esperança de que ela iria nos levar para algum lugar, e ao redor, havia apenas capim e de vez em quando uma árvore aqui e ali.
De alguma forma eu não estava surpreso.
─ Ei!
Rukia cortou o silêncio que havia iniciado por minha parte no momento em que eu percebi que realmente estávamos perdidos e saí andando na frente, bem irritado.
─ Até quando você vai ficar com essa cara? ─ Completou.
─ É a minha cara normal, eu não posso fazer nada sobre isso ─ Eu ainda estava uns poucos passos na frente da Rukia.
─ Eu sei que você tá com raiva, Ichigo.
─ Ah, nossa, você realmente me conhece bastante ─ Falei em tom sarcástico.
─ Desculpa, ok? Eu não sabia que tudo ia dar errado, não foi culpa minha!
─ Eu sei.
─ Ichigo...
─ Não... ─ Eu parei e me virei em sua direção ─ Eu sei. Não foi culpa sua, e... Você tinha uma boa intenção. Não estou com raiva de você.
─ É, mas você ficou!
─ Fiquei. ─ Concordei com a cabeça ─ Por uns dez segundos. Mas foi principalmente por causa essa roupa estranha. Parece até um... Roupão gigante.
─ Realmente, ficou péssimo em você ─ E lá estava ela com a feição debochada novamente.
─ Não vem com piadinhas não, eu ainda estou com raiva por causa dessas roupas. Mas enfim... ─ Olhei ao redor ─ precisamos achar alguma coisa por aqui... Droga... Quando é que os nossos poderes voltam mesmo?
─ Daqui a umas... Dez horas ou algo assim.
─ “Que ótimo” ─ Me virei e comecei a andar novamente ─ Bem, o único jeito é continuar andando mesmo. Essa estrada deve levar a algum lugar.
Continuamos andando e a cada passo eu começava a achar aquela situação realmente engraçada e até um tanto óbvia. Provavelmente eu estranharia se tudo tivesse dado certo.
É... Eu realmente não conseguia ficar com raiva dela.
─ Ichigo... ─ Ela disse com uma voz arrastada.
─ O que?
─ Eu estou tão cansada... Você deveria me levar nas costas...
Ela claramente estava fingindo.
─ O inferno que está, Rukia! Você já andou por muito mais tempo. E você é até uma tenente agora, não me engana.
─ Não mas... Ah Ichigo, esse era pra ser meu dia de folga, eu passo tanto tempo trabalhando... Ser tenente é tão difícil...
─ Nem vem com essa que eu aposto que a única coisa que você faz o dia todo é assinar papéis! E, ei, esse era pra ser “um dia de folga” pra mim também, lembra?
─ Ah Ichigo, eu nem peso muito! E você nem está cansado... Antigamente você me carregava nas costas... Olha só, o tempo passa, as pessoas mudam...
─ Não, sem chance.
Até parece.
Dois minutos depois lá estava eu carregando a Rukia nas costas.
Ela realmente conseguia tudo o que queria...
─ Ei Ichigo! ─ Ela apontou para algo, depois de andarmos por algum tempo ─ Olha lá! Espera... Me desce.
Logo à frente havia algumas, ou melhor, várias flores ao lado do caminho. Rukia desceu das minhas costas e correu em direção a essas flores, se abaixou, e então começou a colher algumas. Eu aproveitei e me sentei encostado a uma árvore, que estava alguns metros distante, e fechei meus olhos. Eu estava começando a ficar um pouco cansado. Mas de alguma forma, eu me sentia bem.
Fazia um tempo em que eu não me sentia tão...
Em paz.
─ Ichigo.
Abri os olhos e Rukia estava em pé logo à minha frente, com um sorriso animado e algo nas mãos.
─ Toma ─ Ela colocou algum tipo de coroa de flores na minha cabeça, deu um sorriso ao ver o resultado, e colocou outra na sua. ─ Pronto.
─ O que é isso? ─ Perguntei enquanto avaliava o acessório improvisado que estava na cabeça dela.
─ Uma coroa. Agora, somos Rei e Rainha desse lugar! ─ Ela se virou observando o campo com as mãos na cintura ─ Ah... Deveríamos dar um nome, já que fomos nós que o descobrimos.
Sorri para mim mesmo e fechei os olhos enquanto encostava minha cabeça de volta ao tronco da árvore.
─ Que tal “A Rukia é uma idiota?” ─ Disse.
─ Claro que não! O Reino não pode ter um nome que insulte a Rainha! A Rainha é soberana! Vamos nomeá-lo de... “Ichigo idiota”.
─ Até porque está permitido insultar o Rei, não é?
─ É. O rei não faz lá muita diferença...
─ Hum... ─ Murmurei.
Rukia foi até o outro lado da árvore e se sentou também, ficamos de costas um para o outro. Ainda era de manhã, provavelmente havia passado pouco mais de uma hora desde o momento em que havíamos chegado, e parecia ser quase 9 horas da manhã. Ao longe, era possível ouvir alguns pássaros cantando enquanto passavam de uma árvore para outra. Este, e o som do vento, era tudo o que se podia ouvir enquanto ficamos ali sentados, em silêncio.
─ Você... ─ Rukia cortou o silêncio repentinamente ─ Não confia mais em mim?
Não respondi de imediato, apenas refleti no porquê dela estar pensando em algo assim.
─ Por que você acha isso?
─ Porque... Seus olhos fogem de mim. Principalmente quando eu pergunto algo sobre “ter alguma coisa te incomodando”
Fiquei em silêncio.
─ Eu sei que tem algo preocupando você. Eu achei que devia te dar um espaço, mas cada vez mais eu acho que deveria conversar com você sobre isso. Você anda tendo pesadelos que... Sei lá, te faz acordar gritando por mim. Acho que inconscientemente precisa de mim, mas... Talvez você não confie mais em mim como confiava antigamente, e...
─ Rukia ─ Interrompi ─ Você é uma das pessoas em que eu mais confio. Isso nunca mudou.
Ou será que mudou?
Porque lá no fundo, eu tinha uma dúvida para esclarecer com a Rukia.
Ela dizia que sempre estaria lá...
Mas antes, naquela época...
─ Então ─ continuou ─Já que você não está me vendo, seus olhos não precisam ficar com medo. Você pode apenas falar, se quiser...
Todavia, de alguma forma, eu sabia que sempre poderia confiar nela.
Mas eu nunca fui do tipo de cara que gosta de assumir suas fraquezas, principalmente na frente daqueles que eu quero proteger.
E naquele momento, eu que deveria ser aquele que protege,
Precisava ser protegido.
─ Eu estou com medo. ─ Disse.
Respirei fundo
Era até mesmo complicado de assumir.
─ “Que ótimo”... ─ Continuei ─ Eu mostrando pra você o lado que eu menos gostaria de mostrar... Medo, fraquezas... Patético.
─ Medo de que? ─ Rukia falou de uma maneira firme, mas ao mesmo tempo confortante.
─ Do futuro... Eu... Eu tenho medo do amanhã. ─ Parei por um momento, respirei fundo e continuei ─ O que vai acontecer daqui a um mês? O que vai acontecer ano que vem? Eu vou estar em Karakura, trabalhando em algo qualquer? Vou estar em Tóquio, fazendo faculdade de sabe lá o que? Mas principalmente... Eu vou conseguir ter uma vida normal ou vou ter que sacrificar isso para ser um Shinigami? ─ Suspirei ─ Às vezes, eu acho que vou passar a minha vida sozinho... Como eu vou ter uma família, um bom emprego? Como eu vou conseguir ser um Shinigami no futuro? Eu... Não faço a mínima ideia qual caminho seguir. Eu sei que em algum momento eu vou ter que escolher um dos dois... Ou talvez eu sempre vá continuar sentindo que eu não tenho um lugar, um encaixe, que minha vida vai continuar estática, mesmo depois de dez, vinte, trinta anos, tudo provavelmente ainda continuará sem sentido. Ah... ─ Fechei os olhos e suspirei ─ Eu falei demais...
─ Ichigo... ─ Ela iniciou, mas logo em seguida parou.
No momento em que ouvi sua voz, eu me arrependi de ter falado tudo.
Não queria que Rukia visse minhas fraquezas...
Que droga.
─ Não... ─ Continuou ela depois de um tempo ─ Eu não sei qual caminho você deveria seguir. Eu gostaria, mas... Eu não posso. Não posso te dizer para deixar de ser um Shinigami, você ama isso. Não posso te dizer para deixar de lado uma “vida normal”, sua família e amigos precisam de você, e você também ama eles. Mas também... Eu não posso te dizer o que vai acontecer daqui há vinte ou trinta anos, mas eu sei o que está acontecendo agora. Nós estamos perdidos. Você está comigo. Estamos debaixo de uma árvore. Eu estou aqui. Então... No momento certo, no dia certo, você vai saber escolher. Eu acredito nisso. Nada é por acaso, e você sempre faz as escolhas certas. Por isso... Não se deixe levar pelos seus medos, eles vão fazer você esquecer-se do que você tem e onde está no presente. Mas também não tenha medo de assumi-los. E... ─ Ela se levantou ─ Quando você achar que não pertence a nenhum lugar... Lembre-se desse lugar. Afinal, esse é o nosso reino, não é?
Abri os olhos e vi que ela estava de pé, na minha frente.
─ Eu, você, no reino “Ichigo Idiota”. Pelo menos aqui, nós temos um lugar.
Não pude deixar de sorrir.
Ela era mesmo incrível. Ela praticamente não havia me dito lá muita coisa, mas, bem, ela havia me deixado melhor.
Com ela ali, na minha frente, radiante como sempre,
Minhas preocupações pareciam perca de tempo.
─ Vamos ─ Rukia me estendeu sua mão ─ Ainda estamos perdidos e precisamos achar algum lugar.
─ Sim ─ Peguei sua mão e me levantei ─ É verdade.
Andamos então por mais um tempo e, no meio do caminho, havia uma garotinha colhendo algumas flores das árvores e do chão. Ela aparentava ter uns nove anos.
─ Oh! ─ Ela disse ao nos ver ─ Então vocês também estão indo à festa da primavera? Ah... A nossa vila sempre fica cheia de visitantes nessa época! Principalmente casais... E essas coroas de flores ficaram muito bonitas em vocês!
─ É... Obrigada. ─ Rukia disse ─ Mas ei, não! Nós não somos um casal!
─ Ah... Tudo bem então. ─ A garota disse com uma risada.
─ Espera ─ Perguntei ─ Vila? É aqui perto?
─ Sim, é logo ali. ─ Respondeu.
─ Ei, Ichigo... ─ Disse Rukia ─ Acho que finalmente não estamos mais tão perdidos assim.


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