Apenas Um Olhar escrita por Mi Freire


Capítulo 22
Uma confusão de sentimentos.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/631068/chapter/22

Apesar do frio que se estendeu pelos próximos dias, Rodrigo e eu continuamos a nos encontrar pela manhã, algumas vezes por semana, para correr. Ele não podia correr todos os dias, porque tinha o trabalho e os estudos. Mas eu precisava continuar mesmo tendo que correr sozinhas alguns dias.

Estava ficando cada vez melhor nisso.

Depois de descobrirmos que éramos vizinhos, passamos a nos encontrar muitas vezes por dia. Antes de ele sair para o trabalho, depois que ele chegava do trabalho, quando ele saia para a faculdade ou quando voltava de festas com alguns amigos.

Como eu estava um pouco sem opções, resolvi ajudar a mamãe na pousada. Ela me dava um pequeno salário, suficiente para comprar coisas para mim e para os gêmeos. O básico. E como o trabalho eu podia voltar a me sentir mais útil.

Os gêmeos ficavam na escola pela manhã, voltavam a tarde e passavam o resto do dia brincando com os primos, na casa da Juliana ou no quintal da casa dos meus pais, com os cachorros. Ou fazendo dever de casa e aprendendo coisas novas.

Eu tinha assumido a função, nas minhas horas livres, de dar aulas particulares as crianças. Incentiva-las a ler e escrever mais.

Papai, que já estava aposentando a algum tempo, ficava de olho nas crianças quando eu precisava resolver algumas coisas ou simplesmente trabalhar. Mas ele não tinha muita paciência. E meu irmão se mostrou muito útil. As crianças o adoravam!

Juliana ainda trabalhava com a mamãe. Agora éramos nós duas. Igor, seu marido, tinha terminado a faculdade de Direito a muito tempo e agora tinha um trabalho fixo, em um escritório.

Ele era um bom pai, estava sempre ajudando a minha irmã com as crianças, apesar de ter muito o que fazer em seu trabalho. Diferentemente do marido que eu tive e que já não tinha mais notícias. O cara que só pensava no trabalho e em seus próprios interesses. Hoje eu me pergunto como pude ser tão cega?

Como eu pude amar um cara como ele?

Como pude confiar na mulher que se dizia minha melhor amiga?

Melhor amiga mesmo eu só tenho uma. Alícia. Ou melhor, duas. Minha irmã. Ou melhor, três. Minha mãe também sempre esteve do meu lado. Alícia e eu voltamos a ser inseparáveis, mesmo agora cada uma tendo sua própria vida e família para cuidar.

Seu filho, Davi, logo se tornou o melhor amiguinho do Vinicius, meu filho. O Gustavo ficou incomodado com essa repentina amizade. As vezes ele é muito ciumento com o irmão mais velho.

— Não me diga que você está caidinha por ele.

Juliana havia acabado de me flagrar acenando e sorrindo para o Rodrigo, que tinha acabado de chegar em casa aquela noite.

— Ele sabe que o caminho de vocês já foi cruzado mais de uma vez?

— Quem está caidinha por quem? – mamãe se intrometeu entre nós, parecendo curiosa. — Melissa, você não está interessada naquele garoto, ou está? Ele tem a idade do seu irmão.

— Não, não estou, mamãe! – digo, me sentindo bastante ofendida. O que será que elas pensam ao meu respeito? — E na verdade, ele tem vinte e três e o Guto vinte e dois.

Voltei ao meu trabalho: limpar as mesas.

Quando terminei de limpar tudo, fui para casa tomar um longo banho quente. Pedi para os gêmeos vestirem seus pijamas do Homem-Aranha e do Batman e comecei a ler para eles.

Logo eles caíram no sono. Os dois já estavam grandinhos para dormir em uma única cama, no caso, a antiga cama da minha irmã. Mas não havia muito que eu pudesse fazer no momento. Eu quase não tinha dinheiro.

Na tarde seguinte, durante o trabalho, mamãe veio em minha direção com o telefone em mãos e uma expressão preocupante.

— É pra você.

— Quem é?

— Atenda.

Saí lá para fora para atender, pois dentro do restaurante fazia um baita barulho. Estava todos almoçando naquele horário.

— Olá, Melissa. Eu sou Roberto, advogado do Carlos. Você não se importaria em darmos uma palavrinha por alguns instantes?

— De jeito nenhum! – eu berrei, apavorada e ao mesmo tempo brava, chamando atenção de alguns vizinhos. — Eu não quero saber de nada que se refira a esse homem.

— Mas é importante. Apenas escute.

Carlos havia pedido para o seu advogado pessoal me contatar para resolvermos a respeito do nosso divórcio. A primeira audiência foi marcada para a próxima semana. E eu não estava nenhum pouco feliz em saber que em breve nos encontraríamos, cara a cara.

Eu queria nunca mais olhar para aquele homem!

Mas eu não tinha muitas escolhas. Precisava ser forte e firme em um momento como esse. Não queria que ele achasse que eu estava com medo dele, mesmo eu estando, um pouquinho.

— Não precisa ficar aflita, querida. – disse a mamãe, me abraçando. Depois de eu explicar a situação a ela. — Seu pai irá com você. Você não precisa passar por isso sozinha.

Na quinta-feira a noite fui lá fora carregando pesados sacos de lixos para colocar na lixeira, quando vi um vulto correndo em vinha direção. Era o Rodrigo. Respirei aliviada.

— Oi, Mel. – pelo jeito nós já tínhamos intimidade suficiente para ele me chamar pelo apelido.

— Oi, Rodrigo. Como vai?

— Melhor agora. – estava um pouco escuro lá fora, mesmo assim pude ver seu sorriso. — Queria te fazer um convite.

— O que é? – perguntei, bastante curiosa.

— Amanhã tem uma festinha lá em casa. Coisa pequena entre amigos. É o meu dia de folga. Está afim de ir?

Pensei em recusar de cara. Afinal, eu já era uma mulher formada, mãe de dois filhos e cheias de problemas para resolver. Eu não era mais uma adolescente e nunca fui de gostar de festas.

Mas como eu poderia recusar um pedido assim com ele sorrindo desse jeito? Além do mais, ele era sempre tão legal comigo!

— Não me olhe assim. – ele riu. — Por favor, diga que vai. Eu prometo que você irá se divertir muito.

— Ta bom. Eu vou.

— Ótimo! – ele festejou. — Venho te pegar as nove horas.

Passei o dia inteiro pensando se eu tinha ou não feito uma boa escolha em ter aceitado ir a aquela festa. O que meus pais diriam quando soubessem? Eu estava ficando louca!

Não deveria estar me envolvendo tanto com o Rodrigo.

— Para onde você vai toda gatona assim? – Juliana entrou no quarto, quando eu estava me arrumando para aquela noite.

Fazia frio lá fora e fazia também muito tempo que eu não saia para um programa divertido. Optei por uma saia de cintura alta, meia-calça escura, botinhas de cano baixo e um suéter vinho. Fiz uma maquiagem básica e deixei os cabelos soltos.

— Rodrigo me convidou para uma festinha na casa dele hoje a noite. Você não acha que fiz mal em aceitar, ou acha?

— Claro que não! Mel, você é maravilhosa. Mesmo sendo mãe de dois filhos, ainda está com tudo em cima. Qualquer homem ficaria caidinho por você. Vai se divertir, mulher. Você merece!

Ri com o comentário dela e o incentivo. Gostei do que ouvi. Apesar de saber que minha irmã sempre seria essa doidinha e que nem sempre tinha razão. Até porque eu sabia que não estava com tudo em cima aos trinta e um anos. Ao contrário dela, que já estava gravida do quinto filho!

— Você se importaria de ficar com os gêmeos?

— Claro que não! Você sabe que não.

Os gêmeos já estavam na casa dela, brincando com os primos. Nem tive tempo de me despedir deles. Mas eu também nem tinha intensões de voltar muito tarde para casa.

Juliana e eu descemos juntas assim que terminei de me arrumar.

— Mel, onde você tá indo? – perguntou minha mãe, me avaliando de baixo para cima. Ela parecia chocada.

— Mãe, a Mel vai dar uma saidinha com algumas amigas. Não se preocupe. Nós sabemos que depois de tudo que ela passou, ela merecer voltar a ser feliz. – Juliana piscou para mim.

As nove em ponto Rodrigo já estava me esperando lá fora em frente a pousada. Poucas vezes eu o vi sem o jaleco de trabalho ou as roupas de corrida. Hoje ele estava usando um jeans escuro e um moletom cinza. Seus cabelos loiros estavam bagunçados.

Assim que apareci ao lado da minha irmã, ele não soube muito bem disfarçar seu olhar em minha direção de admiração. Mas não disse nada. E mentalmente eu agradeci, não queria que a situação ficasse desconfortável. Afinal, somos amigos, não somos?

— Tchau. Boa festa para vocês dois! – disse minha irmã se afastando com um sorriso malicioso. — Juízo, hein.

— Pronta para curtir a noite?

— Mais ou menos.

E lá fomos dois. Atravessamos a rua, passamos pelo portão e entramos na casa. A música alta vinha dos fundos. Coitados dos vizinhos! Estava tocando um funk bastante popular.

A casa por dentro não era lá essas coisas. Era bastante básica e rustica. Um pouco bagunçada, mas parecia estranhamente confortável. Tentei sorrir para todo mundo enquanto seguíamos para o quintal, onde a festa estava acontecendo.

Tinha muita gente lá fora, em volta da piscina, com seus copos de bebidas em mãos. Não era nada pequeno, como Rodrigo havia me dito no dia anterior. A festa era realmente grande!

Ele me pegou pelo braço, me ajudando a atravessar aquele mar de gente conversando alto, bebendo, rindo e dançando. Reparei que tinha muito mais mulheres do que homens. E todas vestidas como se estivessem em pleno verão. Não que eu estivesse julgando, mas aquele não fazia bem o meu estilo.

— Deixa eu te apresentar aos meus amigos. Com quem eu divido a casa. – nós nos aproximamos de um grupo menor de pessoas perto da churrasqueira. — Mel, esses são Ricardo, Tiago e Patrick. E essa é a Vanessa. Nós moramos juntos aqui.

Ricardo era muito alto e magro. Tiago era mais gordinho e mais baixo. Patrick deveria ser gay. Não que eu tivesse alguma coisa contra, porque não tenho. Eu também não estou julgando! Só achei engraçado a forma como ele me cumprimentou. Já a Vanessa parece não ter ido com a minha cara. Ela me olhou de um jeito torto.

Fui apresentada a muita gente. Eu já não me lembrava de mais nenhum nome. Mas tentei ser simpática com todo mundo. Não queria causar uma má impressão. Notei que algumas pessoas me olharam estranho, acho que se perguntando o que uma mulher velha como eu estava fazendo em uma festa para jovens.

— Quer uma cerveja? – Rodrigo perguntou tempos depois.

— Não, obrigada. Eu não bebo muito.

— Eu também não. Mas olha, isso é realmente bom. Experimenta. Você vai gostar! – ele me estendeu um copo.

O gosto era doce e leve.

Fiquei com o copo, fazendo ele sorrir, satisfeito.

Estávamos em um canto distante do som, Rodrigo falava alguma coisa, mas eu realmente não conseguia ouvi-lo. Até que vi o meu irmão aos beijos com uma garota mulata.

— Mel? – quando ele me viu pareceu muito surpreso.

— Oi, Guto. Está se divertindo?

— Sim... E você?

Nada poderia ser mais constrangedor do que está na festa dos amigos do seu irmão caçula.

Eu realmente não estava no lugar certo.

Rodrigo e Augusto trocaram algumas palavras.

— Eu não sabia que o Rodrigo era o seu enfermeiro! Nós nos conhecemos alguns dias atrás. – disse ele em um tom divertido. — Bom, de qualquer forma, boa festa para você. Tem uma gatinha ali esperando por mim.

Dessa vez era uma loira

Augusto não tinha um pingo de vergonha na cara.

A festa não fazia muito o meu tipo. Eu tentei me soltar ao máximo. Claro que não dancei como os outros e nem bebi além da conta. Isso nunca mais! Mas foi divertido passar um tempo a mais com o Rodrigo. Ele não saiu do meu lado nem por um segundo.

— Está tarde. Acho que vou embora.

— Não, Mel. Fica mais. Por favor.

Como ele conseguia ser tão fofo?

Aposto que nesse exato momento há milhares de garotas escondidas por aí nessa festa, esperando a oportunidade de se encontrar com ele para trocarem algumas palavrinhas. Ou salivas. E eu aqui atrapalhando tudo. Não parece justo.

— Ta bom. Eu fico. Mas só um pouquinho.

Estava ficando cada vez mais frio lá fora. Rodrigo me convidou para entrar. Nós ficamos sentados no sofá da sala, apenas conversando e bebendo. Nem vi a hora passar!

— Vem, quero te mostrar os meus livros.

Ele me pegou pela mão e me arrastou escada acima.

— Esse é o seu quarto? – perguntei, assim que entramos no cômodo que parecia que um furão havia passado por ali.

Estava tudo muito desorganizado. Roupas espalhadas. Restos de comida. Pelo menos não fendia. Era até engraçado!

A cama de solteiro ficava em um canto, junto a parede cheias de livros. No outro lado um guarda-roupa destruído. Na parede em frente uma televisão e do lado uma escrivaninha.

Rodrigo jogou algumas roupas no chão, dando-me um espaço livre para me sentar em sua cama.

Não pude conter o riso.

— Você tem muitos livros!

— Tenho mesmo. Quer dá uma olhada?

A festa continuou rolando lá fora, do pavimento térreo. Pelo menos ali a música alta foi abafada pela porta e janela fechadas.

Passamos os próximos minutos discutindo sobre livros.

Os meus, infelizmente, continuavam no apartamento do Carlos.

— O que foi? – perguntei, constrangida. — De repente você ficou mudo.

— Desculpe. – ele sorriu torto, mostrando suas covinhas. — É que eu estava distraído demais admirando você.

Meu coração deu um pulo.

De repente as coisas ficaram um pouco abafadas ali dentro.

Eu estava morrendo de vergonha pelo que ele havia acabado de dizer. Não podia ser sério! Mas não resisti a vontade de encara-lo. Ficamos um tempo olhando um para o outro. Ele sorrindo de um jeito bobo e eu apavorada de medo.

Quando dei por mim ele estava muito próximo. Próximo até demais. Sua respiração quente batendo no meu rosto.

Percebi que ele estava se inclinando cada vez mais na minha direção, com aqueles olhos negros indecifráveis.

Minha nossa! Acho que ele vai me beijar.

Eu estava apavorada e muito confusa. Não sabia dizer se eu queria ou não que ele me beijasse agora mesmo. Parecia arriscado demais e eu não estava nenhum pouco preparada para me envolver de novo com outra pessoa. Não dessa forma.

Mas por outro lado, eu não consegui me mover. Nem me afastar. Ele ia me beijar! E ia me beijar agora.

Nesse momento...

Nesse segundo...

— Mel? – a porta se abriu com força. Nosso momento foi interrompido pela ilustre presença do meu irmão caçula. — Mel, eu já estou indo embora. Quer ir comigo?

Estavam difícil até respirar, imaginem raciocinar.

— Hum, não. Vou ficar mais um pouco.

— Tem certeza?

Olhei para o Rodrigo.

— Tenho.

Augusto se foi, nos deixando a sós novamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eita, será que vai rolar algo? Quem aí está torcendo muito para que sim?