Apenas Um Olhar escrita por Mi Freire


Capítulo 20
Um novo amigo.




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Rodrigo não voltou. E com razão. Deve ter ficado muito ofendido com o meu surto e com as minhas grosserias. Eu fui tão infantil! Quem apareceu com o meu jantar foi a Marta. Ela foi tão legal comigo. Conversamos muito. Ela me falou sobre as dificuldades de conciliar o trabalho puxado com a criação dos filhos. Por um momento eu pude esquecer do constrangimento daquela tarde.

No outro dia eu acordei com um pequeno cutucão.

Era ele.

— Oi. Espero que você esteja se sentindo melhor. – ele não estava sorrindo e eu estava tão envergonhada de mim mesma. Mal conseguia olhar para ele! — Você pode até não gostar da minha presença aqui, mas eu sou o seu enfermeiro e não posso fazer muito a respeito, além de seguir as minhas obrigações.

Ele ajudou eu a me sentar.

— Me desculpe por ontem. – reuni forças para dizer. — Eu não queria ter sido grosseira com você. Eu só...

— Tudo bem. – ele enfim sorriu e eu senti meu coração se encher de esperança e alegria. — Eu não levei para o lado pessoal.

— Mas então porque não voltou ontem?

— Eu precisei sair mais cedo.

Ele colocou a bandeja com o café-da-manhã no meu colo.

— Quer ajuda?

— Acho que não, obrigada.

Mesmo assim ele ficou ali do lado, caso eu precisasse de algo.

— Você mora aqui em Niterói? – perguntei, me sentindo bem mais corajosa hoje. Não queria que as coisas ficassem estranhas entre nós. Estava disposta a esquecer tudo e tentar, pelo menos, sermos amigos e nos darmos bem já que deveria que conviver diariamente, de um jeito ou de outro.

— Moro, mas não faz muito tempo. Eu nasci em Pelotas, Rio Grande do Sul e vim para o Rio de Janeiro a alguns anos, pois consegui uma bolsa de estudos aqui, na Federal.

— Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?

Ele sorriu abertamente.

— Eu tenho vinte e três. E você?

Fiquei chocada. Eu tinha trinta e um anos e ele vinte e três. São oito nos de diferença. Minha nossa, isso é apavorante!

— Ah, nossa, me desculpe. Eu não deveria ter perguntando, foi muito indelicado da minha parte.

Eu ainda estava muito chocada com a diferença de idade entre nós, mas consegui sorrir com o embaraço fofo dele.

— Mas e você, também mora aqui em Niterói?

O que eu deveria responder... Sim? Porque não é possível que eu ainda moraria no Leblon, naquele imenso apartamento, depois de tudo que o Carlos me fez. Nós nem somos mais casados. Eu vou resolver essa situação assim que sair dessa clínica! Ah se vou.

— Sim, eu moro com os meus pais. – respondi, porque essa era a minha nova realidade. Depois de ter ido tão longe, fui jogada de um precipício e voltei a morar com a minha família. O lugar de onde eu nunca deveria ter saído. — E também estudei aqui, na Federal.

— Sério? E você cursou o que?

Parecia que nós estávamos mesmo nos entendendo.

Até agora não tínhamos conversado tão abertamente.

— Pedagogia. Mas terminei a bastante tempo.

— Nossa, que sorte! Eu ainda estou terminando meu Bacharelado em Enfermagem. Estou no último ano!

— E você conseguiu um estágio aqui na clínica?

— No começo, sim. Mas eu fui remunerado.

Eu tinha terminado de comer meu café-da-manhã. Rodrigo pegou minha bandeja e levou. Voltei a ficar sozinha e para pensar o tempo, peguei o livro que ele tinha deixado ali ao lado, no dia anterior. Eu não tinha me dado conta que ele estava ali.

Eu não era muito fã de poesias. Mas podia admitir que o livro era muito bom e muito inspirador. Tinha poemas lindos!

Um pouco antes do almoço ficar pronto, Rodrigo voltou a aparecer e me levou em minha cadeira de rodas para conhecer a pequena biblioteca da clínica. Não tinha ninguém por ali.

— As pessoas não se interessam muito por essa parte da clínica. Não há muitos incentivos, infelizmente. E nós estamos precisando de algumas doações, como você pode ver.

— Eu já trabalhei em uma biblioteca. Apesar de ter pouco trabalho por lá, eu adorava o que eu fazia. Eu sempre fui apaixonada por livros, desde muito pequena. Eu tenho muitos livros!

Começamos então a conversar sobre livros.

— Nossa, eu quase perdi a hora! – ele olhou para o relógio em seu pulso. — Está com fome? É hora do almoço.

E pela primeira vez eu me reuni aos outros pacientes para comer no refeitório. No começo fiquei meio receosa, mas o Rodrigo me apoiou muito. Logo fiz algumas amizades. Ninguém me perguntou como eu tinha ido parar ali. Nem perguntaram o porquê das minhas marcas. Nem mesmo me olharam tonto.

À tarde, depois que eu tinha tomado um banho e finalmente lavado meus cabelos, Marta apareceu no meu quarto para me levar a minha primeira consulta com o psicólogo.

Eu ainda não estava preparada para me abrir com ninguém. Admiti isso ao psicólogo. Ele foi bastante compreensível e disse que tudo levava um tempo e quando eu me sentisse preparada poderia procurar por ele, porque seria muito bom para mim colocar algumas coisas para fora. Então, ficamos conversando sobre coisas básicas nessa minha primeira consulta. Sobre meus filhos e minha família.

Assim que voltei ao meu quarto com a ajuda da Marta, me surpreendi com a visita ilustre do meu irmão. Ele já estava tão grande. Tão adulto! Tão alto e forte.

Naquele momento, olhando para ele com admiração, me dei conta que ele e o Rodrigo tinha quase a mesma idade. Meu irmão caçula já estava com vinte e dois anos.

Augusto ficou encarregado de me ajudar a voltar para cama. Ele estava muito calado e parecia levemente desconfortável com a minha situação. E com razão. Já que ele nunca gostou do Carlos e deixou isso bem claro desde o começo.

— Que bom que você veio. Estava com saudade!

— É, eu também estava com saudade. – ele passou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha. — Como você está?

— Melhorando aos poucos. – sorri, ainda muito admirada com o homem que ele havia se tornado. — Não se preocupe comigo.

Augusto me olhou de um jeito estranho e se afastou.

— Não se preocupar com você? Você só pode estar brincando, Mel. Você é minha irmã! – ele estava gritando, isso me deixou bastante assustada. — Como eu não vou me preocupar com você?

Seus olhos azuis estavam bastante frios.

— E sabe o que é pior de tudo isso? Eu sabia que ele não era um bom homem! Desde o começo eu tinha essa sensação estranha. Mas você estava tão apaixonada, parecia tão feliz e realizada. Na época eu era jovem demais para entender e me obriguei a ficar feliz por você. Tudo por você! Porque eu sabia, não sei como, mas eu sabia que ele não era um bom homem para você. E eu duvido muito que algum dia algum homem seja merecedor do seu amor. – ele estava chorando de raiva, o que me emocionou muito. Eu e o Augusto sempre tivemos uma relação muito próxima. De um querer sempre proteger o outro e ajudar.

Augusto me abraçou forte por alguns minutos, depois se afastou e segurou meu rosto para eu olhar dentro dos olhos dele.

— Mel, eu nunca mais vou permitir que nenhum outro homem faça isso com você de novo. Eu prometo! Você nunca mais vai sofrer assim. Porque eu não vou permitir. Eu vou estar sempre ao seu lado, irmã. Sempre ao seu lado. Nunca se esqueça disso.

Como eu poderia não chorar também?

Depois que as coisas se acalmaram entre nós, Augusto sentou-se ao meu lado na apertada cama e nós começamos a conversar sobre outras coisas, como a muito tempo não fazíamos.

Ele estava naquela fase boa da vida em se divertir muito e ao mesmo tempo tentar decidir o que faria com o rumo da sua vida. Augusto não estava mais namorando com nenhuma outra garota e parecia muito indeciso quanto ao que fazer na faculdade: Educação Física ou Ciência da Computação. Dois cursos completamente diferentes, mas que tinham muito a ver com ele.

— Não se cobre muito. – eu o aconselhei, segurando sua mão o tempo todo. — No momento certo você saberá o que fazer.

Augusto foi embora um tempo depois e eu voltei a ficar sozinha. Acabei tirando um cochilo e só acordei na hora do jantar. Rodrigo apareceu para me ajudar, dessa vez eu preferi jantar lá fora, no jardim, pois a noite estava muito bonita.

— Vi que seu namorado veio te visitar hoje de tarde. – ele comentou, como quem não quer nada.

Olhei para ele muito surpresa. Era impressão minha ou aquilo era ciúme? Não, não poderia ser. Eu estava delirando!

Esse pensamento me fez rir.

— Não era meu namorado. – expliquei, sorrindo. — Era o meu irmão caçula, Augusto. Tenho a impressão que vocês se dariam muito bem. Os dois têm quase a mesma idade!

— É, pode ser. – ele sorriu também, mas logo voltou a ficar sério de novo. Eu não estava entendendo nada. — Então quer dizer que você não tem namorado? Não que isso seja da minha conta...

— Não. – eu ri, divertida. — Eu não tenho um namorado.

Como eu poderia dizer a ele que até alguns dias atrás eu era uma mulher casada? E que tinha dois filhos esperando por mim em casa?

— E você, tem uma namorada?

— Não, não. – ele riu também, desviando o olhar por um momento. — Não tenho muito tempo para essas coisas. No momento estou focado nos meus estudos e no meu trabalho.

— Ah, que bom. Mas você ainda é muito novo.

Ele voltou a olhar para mim, agora com curiosidade.

— O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que você ainda terá muito tempo para aproveitar a vida do jeito que achar melhor.

— Você diz isso como se fosse muito velha para não fazer o mesmo.

— Se comparando a você, é exatamente como me sinto.

Ele pareceu não ter gostado do que ouviu. E eu me achei muito tola por ter dito algo assim. Não é como se eu já estivesse com o pé na cova. Apesar de já ter estado muito perto disso.

— Eu já volto. – ele pegou a bandeja vazia e se foi.

Fiquei sozinha e olhando para o céu, me perguntando mentalmente quando eu iria sair daquele lugar e voltar para minha casa, para junto da minha família e dos meus filhos.

Mas por outro lado, eu tinha a terrível sensação de que nunca estaria pronta para sair dali. Não queria ainda ter que enfrentar minha realidade, meus problemas, minhas dificuldades. Muito menos ver a cara do Carlos outra vez.

— Vamos voltar para o quarto?

— Claro.

Rodrigo empurrou minha cadeira de rodas até o meu quarto e me ajudou a deitar na cama. Apesar do pouco tempo, eu já não me sentia tão constrangida perto dele.

Não depois de ter a leve impressão que nos tornamos bons amigos. Ou quase isso. E também já não sentia tantas dores como antes, mesmo as marcas no meu corpo ainda serem bem visíveis e vivas. Meu olho inchado já parecia bem melhor também.

— Quer que eu leia alguma coisa para você? – ele perguntou, gentil como sempre. Eu assenti, me sentindo ótima. — Espere um pouco. Eu já volto. – então ele saiu correndo e voltou com uma cadeira, que ele colocou ao lado da minha cama. — Vamos lá.

A voz dele era tão melodiosa que em poucos minutos eu mergulhei em um sono profundo. Naquela noite eu dormi muito bem e até sonhei com os meus filhos. Nós corríamos na praia, sorrindo muito e de mãos dadas. Foi lindo!

Acordei no dia seguinte mais cedo do que o previsto. Fiquei esperando o Rodrigo aparecer com o meu café da manhã, mas ele não apareceu. Comecei a ficar bem preocupada. Será que tinha acontecido alguma coisa com ele? Espero que não.

No lugar dele, veio a Marta. Ela bem que tentou alegrar o meu dia, mas não era a mesma coisa sem ele. E mais uma vez meu sorriso dependia de um homem. Isso não poderia acontecer, mas eu não conseguia evitar. Rodrigo não apareceu durante todo o dia e sempre que eu ficava sozinha no quarto, tudo parecia tão mais tedioso e sem graça.

— Marta, você sabe que aconteceu alguma coisa com aquele enfermeiro, o Rodrigo? Ele não apareceu nenhuma vez hoje!

— Ele é um doce de rapaz, não é mesmo? Todos aqui na clínica gostam dele. Não tem como não gostar de um rapaz bonito e agradável. – ela sorria para mim. Já era noite. — Mas não se preocupe. Ele voltará amanhã. Hoje foi o dia de folga dele.

Aquela notícia me fez dormir mais tranquila.

Na manhã seguinte, Marta apareceu no meu quarto logo cedinho. Eu tinha acabado de acordar. Fiquei levemente decepcionada por não ser o Rodrigo, mesmo gostando muito dela também. Marta me ajudou com o banho e depois me levou a mais uma consulta com o psicólogo.

Foi o Rodrigo que apareceu para me levar de volta para o quarto depois da minha consulta. E não pude evitar de sorrir muito por ver ele, seu sorriso e suas covinhas adoráveis.

— Olha só o que eu trouxe para você! – ele me levou até o jardim. O dia estava lindo, como sempre. De dentro do bolso tirou uma pequena barra de chocolate. — Eu não deveria fazer isso, então, por favor, não conte a ninguém.

Trocamos um sorriso cumplice.

— Senti a sua falta ontem. – acabei dizendo por impulso. Para contornar a situação, resolvi acrescentar: — Aproveitou bastante o dia de folga?

— Ah, sim. Fui a praia e a noite saí com alguns amigos. Foi um dia agradável, mas eu também senti a sua falta.

Fiquei corada.

Passamos o resto do dia ali, no jardim, conversando e lendo. A companhia dele era muito boa. Ele sabia me divertir! Era um excelente profissional e deveria ser uma pessoa ainda melhor.

Depois do almoço minha irmã apareceu para me visitar. Quando me viu tão próxima a um dos enfermeiros, no caso, o Rodrigo, ela olhou desconfiada para mim e depois para ele.

— Bom, vou deixar vocês mais à vontade. – engraçado, eu nunca o vi tão envergonhado. Era muito fofo! Ele até ficou vermelho.

— É ele! – Juliana praticamente gritou, sentando-se na cadeira, ao lado da minha cama. Rodrigo já tinha saído. — Não é?

— Então você se lembra também? Eu não tenho muita certeza. Ele cresceu. Mas só pode ser ele.

— Você ainda não perguntou?

— Claro que não! Tenho vergonha. E se eu estiver enganada?

— Para de ser boba, Mel. Assim você nunca vai saber se é ele ou não. Quando bati meus olhos nele eu tive certeza. Nossa, como ele cresceu! E ficou ainda mais gatinho.

— Para com isso, Ju. – dei um tapa no braço dela, ela riu, achando graça. — Você não é mais uma garotinha. Tenha modos! Agora você é casada e mãe de quatro filhos.

— Cinco, na verdade.

— O quê? - gritei, pasma com a notícia.

— Isso mesmo. Estou grávida, de novo.

— Minha nossa! Você é o que, irmã? Uma fábrica de fazer bebês?

Nós caímos na gargalhada.

— Não sei, mas eu nasci para ser mãe, entende? – era a desculpa mais esfarrapada de todas. — Mas eu não vim aqui para falar disso! Quer dizer, sim, eu vim aqui para falar disso.

Eu não conseguia parar de rir.

— Mas isso não vem ao caso, pelo menos não agora. Descobri ontem que estou grávida. Você é a primeira a saber! Vamos falar do garotinho, ou devo dizer... Homem? Minha nossa... E que homem!


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Notas finais do capítulo

Quem aqui estava com saudade da Ju? Ela voltará a aparecer com mais frequência!